Mensagem de Natal 2007

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 21 de dezembro de 2007

Interrogado sobre a data do fim do mundo, Jesus Cristo disse que era um segredo que Deus Pai guardava para si (Mateus 24:36). Esta resposta traz em si duas implicações lógicas inescapáveis.

Primeira: Cristo é o Logos Divino, a Razão Divina, isto é, o sistema eterno e vivente das leis que governam o cosmos e toda realidade possível. Se o conhecimento da data do fim do mundo pertence propriamente ao Pai e não ao Filho enquanto tal, isso significa que a chegada do fim não será determinada por nenhuma lei anterior, mas por um puro Ato de Vontade, expressão da Liberdade Divina e não propriamente da Razão Divina.

Segunda: Se a data do fim é um mistério indeslindável, a culminação ou meta final do processo histórico humano é também incognoscível, pois qualquer estado de progresso ou decadência que possa ter sido atingido numa data precisa pode ser mudado por novos desenvolvimentos imprevistos no dia ou minuto seguintes. Uma decisão eterna do próprio Deus Pai faz com que a história humana seja um processo aberto, não limitado por quaisquer fins predeterminados, nem destinado a atingir qualquer estado de perfeição predefinido.

Desde há cinco ou seis séculos, no entanto, muitos homens têm tentado persuadir a humanidade de que eles não apenas podem antever muito claramente aquele estado de perfeição, mas conhecem os precisos caminhos sociais, culturais, políticos e históricos que devem ser percorridos para chegar a ele.

Isso é o que chamo “a mentalidade revolucionária”. Se os resultados históricos da sua vinda ao mundo tomaram a forma de assassinatos em massa, governos tirânicos e indescritível miséria e sofrimento, não foi porque a mente revolucionária foi traída por seus próprios representantes ou cometeu alguns pequenos erros no caminho para o paraíso terrestre prometido. Foi porque a mente revolucionária presume ser mais sábia do que o próprio Cristo. E quem presume ser mais sábio do que Cristo recusa também o Espírito Santo. A mente revolucionária é o pecado contra o Espírito Santo, pecado que não será perdoado nesta vida nem na próxima.

Nunca se deve acreditar que, com a destruição de tal ou qual regime, a mente revolucionária foi expulsa para sempre da história humana. Sob milhares de novos disfarces, alguns dos quais muito sutis e difíceis de reconhecer, ela reaparece de novo e de novo nos nossos corações e mentes, pois ela é a versão especificamente moderna da grande tentação.

Hoje, quando nos preparamos para contemplar uma vez mais o Menino Deus em seu berço humilde, por favor lembrem-se: Ele é a fonte e o limite do nosso conhecimento. Ele é a medida, a régua e a balança. Ele é o alfa e o ômega. Para além desses limites, existe apenas o mistério insondável da Liberdade Divina.

A capa e a espada

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 21 de dezembro de 2007

Nos dias que se seguiram ao 11 de setembro, a mídia mundial fez um barulho dos diabos alertando contra a suposta onda de ódio anti-islâmico que estaria assolando os EUA. A base factual da notícia eram seiscentas e poucas queixas de “discriminação” apresentadas à polícia americana. Nenhuma delas envolvia morte, agressão, nem mesmo demissão de emprego: os atos mais violentos consistiam em insultos, a maioria em meras palavras ambíguas interpretadas ex post facto em sentido discriminatório.

Mas desde então várias dezenas de cristãos já morreram nos EUA – e alguns milhares nos países comunistas e islâmicos — em ataques homicidas motivados por ódio anticristão explícito e documentado, sem que em nenhum desses casos a grande mídia européia e americana (da nacional nem falo) consentisse sequer em usar a expressão “crime de ódio” para descrever o ocorrido.

Mutatis mutandis , nem um único caso de agressão a homossexuais comprovadamente motivada por excesso de zelo cristão foi jamais citado para dar fundamento à mentira sórdida de que as convicções religiosas do povo brasileiro estão colocando em risco a vida da comunidade gay .

Mas, exatamente como em Columbine – aquele episódio que Michael Moore falsificou por completo –, a investida assassina contra a Igreja New Life do Colorado foi obra de um jovem homossexual intoxicado de idéias anticristãs, e ai de quem ouse insinuar que a ideologia gayzista ou a campanha furibunda dos Dawkins e Hitchens contra a fé religiosa têm alguma responsabilidade nisso. Em geral, nem mesmo padres, bispos e pastores ousam ver aí alguma relação de causa e efeito.

No caso específico da New Life, o cuidado da grande mídia brasileira em impedir que os fatos induzam a conclusões reacionárias chegou ao requinte de falsificar a identidade da heroína do episódio, Jeanne Assam, apresentando-a como “agente de segurança” para atenuar o escândalo de que uma cidadã comum, com uma Beretta 92, salvasse da morte certa mais de cem pessoas ameaçadas por Mathew Murray e se tornasse assim uma heroína dos grupos de autodefesa cristã e dos americanos armados em geral. Mas Jeanne não é profissional de segurança, licenciada para portar arma na Igreja em função do seu emprego. É apenas uma fiel cristã que se ofereceu para zelar pela vida de seus irmãos, voluntariamente, gratuitamente, assumindo para isso a responsabilidade de andar armada. Se para isso teve de obter da polícia uma licença especial, foi pela simples razão de que leis criminosamente idiotas proíbem o porte de armas em igrejas, escolas, clubes, shopping centers, etc., tornando esses locais o alvo preferencial e indefeso para tipos como Mathew Murray, Cho Seung Hui ou Tim McVeigh (um anticristão, um antibranco e um anticapitalista).

Em 25 de julho de 1993, Charl van Wyck também não trabalhava de segurança. Era apenas um fiel que assistia ao culto quando a igreja de St. James, na África do Sul, foi atacada por terroristas com granadas e tiros de fuzil AK-47. Onze pessoas morreram, mas muitas mais teriam morrido se van Wyck não estivesse armado e, com disparos do seu 38, não pusesse os atacantes em fuga. Ele conta sua experiência no livro “Shooting Back: The Right and Duty of Self Defense”, que se tornou um best seller no seu país.

No momento em que escrevo estas linhas, a comunidade cristã no mundo está ameaçada por perigos incalculavelmente maiores que a loucura avulsa – ainda que ideologicamente induzida — de um Murray ou de um Cho Seung Hui. Na Coréia do Norte, uma nova onda de prisões e execuções de fiéis, em plena época do Natal, suscita apelos desesperados que a grande mídia, especialmente no Brasil, sufoca por completo (v. Martyrdom awaits North Koreans on Christmas). Ao mesmo tempo, do outro lado do mundo, a prefeitura de Okkahoma anuncia que seus funcionários serão proibidos de celebrar o Natal no local de trabalho, o shopping center Pembroke Pines na Flórida veta os presépios e cenas natalinas em geral nas suas instalações, e jornais populares como “USA-Today” soltam artigo em cima de artigo para proclamar que não existe nenhuma guerra cultural anticristã, que é tudo invenção de paranóicos como Bill O’Reilly.

Não sei se Jeanne Assam está sabendo dessas coisas, nem se leu o livro de van Wyck. Mas leu decerto o Evangelho de Lucas, capítulo 22, versículo 36, onde Jesus ordena aos apóstolos: “Aquele que não tem espada, venda sua capa e compre uma.”

O sentido do versículo é claro: a defesa armada do rebanho é obrigação estrita dos pastores, dos sacerdotes e de cada fiel. Aquele que foge a essa responsabilidade é indigno da confiança da comunidade cristã. Neste momento, nenhuma outra mensagem de Natal pode ser mais oportuna.

O óbvio invisível

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 17 de dezembro 2007

A característica mais óbvia e permanente da estratégia gramsciana para a instauração do comunismo, característica que a distingue radicalmente do método leninista, é que ela evita na máxima medida possível a intervenção revolucionária direta do Estado sobre a sociedade, preferindo operar transformações profundas por meio de agentes auxiliares informais, isto é, entidades e movimentos não estatais espalhados pelo Partido no seio da própria sociedade civil. A revolução transcorre então de maneira difusa, camuflada e anestésica, desnorteando seus adversários – ou mais propriamente vítimas – ao ponto de tornar inviável qualquer reação organizada.

No Brasil de hoje, os partidos e demais entidades “de oposição” não conseguem sequer ter uma visão de conjunto do processo revolucionário que os engolfa. Na desorientação geral em que se encontram, apegam-se a pontos de detalhe, soltos e inconexos, sem perceber que qualquer vitória parcial aí obtida pode ser sempre reciclada em favor da estratégia revolucionária graças ao domínio superior que esta tem do processo como um todo.

O desnível entre a abrangência da ação revolucionária e o esfarelamento pontilhista das reações é tamanho, que as facções respectivas não parecem viver no mesmo país, nem no mesmo planeta, mas em galáxias distantes e mutuamente incomensuráveis. De um lado, a engenharia de longo prazo, calculada para mudar as estruturas profundas e dominar o todo. Do outro, o empenho míope de preservar interesses grupais imediatos, sem a menor estratégia de conjunto e até sem o menor interesse de conhecer a do adversário.

Um exemplo desse desnível é o empresário que espera aplacar a fúria revolucionária mediante contribuições lícitas ou ilícitas ao partido ascendente, sem pensar que com isso ajuda esse partido a dominar o Estado, portanto a prescindir das suas contribuições e a atirar o contribuinte às chamas na primeira queima de arquivo.

Outro, o do militante cristão que ataca o movimento gay mediante um discurso de pura moralidade tradicional, sem notar que esse movimento é apenas a ponta de lança de uma estratégia muito maior, calculada até mesmo para fazer concessões à moralidade tradicional e trocar, se preciso e no momento devido, o apoio da militância gay pelo das igrejas tradicionais. Ninguém entenderá nada, absolutamente nada do que se passa nesse domínio se não levar em consideração que as forças que instigam os gays contra a moral cristã no Brasil, nos EUA ou na Europa Ocidental são as mesmas, as mesmíssimas que punem o homossexualismo com pena de prisão ou morte nos países comunistas e islâmicos. Essas forças estão tão interessadas em liberdade sexual quanto eu estou interessado em Pokemons . E não conheço, ao menos no Brasil, um só militante cristão que, na sua defesa entusiástica da moral religiosa, tenha parado para pensar que seu discurso – e a progressiva radicalização desse discurso, em reação à escalada gay – pode ter entrado de antemão nos cálculos da estratégia revolucionária. No entanto, pelos frutos os conhecereis: quantas igrejas, fugindo do avanço gayzista, não têm aderido aos partidos de esquerda em troca de duas ou três palavrinhas, de pura esmola e da boca para fora, em favor da moralidade cristã?

Mas o exemplo mais especialmente patético é o fazendeiro que acredita poder defender sua propriedade contratando jagunços, enquanto em torno, sem que ele veja, todas as estruturas jurídicas, sociais e culturais já foram modificadas para colocar contra o seu direito de propriedade os tribunais, a polícia, o exército e até a opinião pública.

Não estou dizendo que os fazendeiros sejam incultos e tolos. Mesmo gente de profissão letrada — jornalistas, empresários, oficiais militares – parece não perceber a obviedade escandalosa de que o que está acontecendo no Brasil não são meras invasões de fazendas: é uma das mais vastas, sistemáticas e irreversíveis operações de transferência de propriedade que já se viram no mundo.

Planejada desde há muitas décadas, no seio de think tanks de esquerda e organismos internacionais, essa operação se desenrola, até agora, em seis fronts simultâneos, articulados para muito além do que as vítimas de seus ataques podem enxergar no momento:

1) A ocupação de fazendas pelos “sem terra”.

2) A ocupação de propriedades urbanas pelos “sem teto”.

3) A transferência de vastas porções de território para as “nações indígenas”, imunes à ação do Estado brasileiro e prontas a declarar sua independência.

4) A desapropriação de casas e terrenos pelos autodeclarados “quilombolas”.

5) A abertura de territórios livres entregues ao domínio de narcotraficantes associados às Farc, vacinados contra toda ação policial.

6) A compra de imensas faixas de terra por estatais chinesas, por agentes da máfia russa (que é o próprio establishment russo) e por milionários árabes com possíveis vínculos com o terrorismo internacional.

Façam as contas da extensão já transferida, avaliem os planos de expansão traçados para os próximos anos, e entenderão que o Brasil tem uma nova classe dominante, ainda espalhada e amorfa em aparência, mas muito bem articulada, como força histórica, no plano estratégico mais vasto. Para qualquer estrategista revolucionário, mesmo chinfrim, a conexão ao menos teórica desses seis pontos é um requisito primário, óbvio e indispensável. E, hoje em dia, a correspondente articulação prática já em ação pode ser facilmente reconstituída, com um pouco de paciência, juntando os pontos entre as entidades envolvidas e desenhando a trama de suas conexões internacionais – um estudo que qualquer analista estratégico medianamente responsável sabe ser a condição inicial de qualquer diagnóstico da situação.

Para as vítimas do processo, no entanto, a mera hipótese dessa articulação parece tão complexa e diabólica que, por medo de ficar com medo, preferem rejeitá-la mediante o apelo irracional, mas infalível, ao chavão prêt-à-porter : “É teoria da conspiração.”