Difamação pura e simples

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 19 de junho de 2008

Qualquer fulano que escreva um livro contra a religião, armado tão-somente de algum prestígio acadêmico e de uma considerável ignorância do assunto, tem o aplauso garantido da grande mídia internacional. Uma vez assegurado o seu sucesso de livraria, os vexames escabrosos que o distinto venha a sofrer em debates com intelectuais crentes permanecem rigorosamente fora do noticiário, de modo que sua fama de iluminado demolidor do obscurantismo não é afetada no mais mínimo que seja pela comprovação da fraude que a gerou.

Não li o livro do matemático John Allen Paulos, Irreligion, mas a entrevista que o autor concedeu a Veja é uma tão persuasiva confissão de vigarice que já basta para tirar o ânimo de lê-lo. Professando impugnar “a religião como erro lógico”, Paulos comete no breve espaço de duas páginas erros lógicos monstruosos que nenhum lapso de transcrição pode explicar e que, vindo de tão sobranceira presunção de sabedoria, não têm como ser perdoados mediante alegação de inexperiência.

Desde logo, ele confessa atacar somente as crenças literalistas do fiel comum, ignorando metodicamente a tradição religiosa e as mais altas explicações dos teólogos e filósofos, mas desse ataque ele deduz a invalidade de toda a religião e não somente das ilusões populares que a cercam – um non-sequiturmonumental, tanto mais intolerável porque acompanhado da recomendação professoral de que as pessoas estudem matemática para aprender a conhecer a realidade. Quem sabe o que é matemática entende que a relação entre ela e a realidade é a coisa mais encrencada deste mundo e que uma rebuscada habilidade matemática é compatível com a total falta de senso de realidade – fenômeno que a própria entrevista ilustra.

Para piorar as coisas, quando o repórter lhe cobra uma explicação quanto aos grandes cientistas cristãos como Leibniz e Pascal, Paulos responde com duas mentiras e um sofisma clássico:

Primeiro, diz que o Deus de Leibniz e Pascal era peculiar e não seria reconhecido como Deus pelo crente comum. Isso é totalmente falso. O Deus desses filósofos era o da Bíblia, compreendido da maneira mais ortodoxa ao seu alcance, e apenas explicado num nível intelectual superior ao do crente vulgar, exatamente como acontece com o Deus de Santo Tomás de Aquino ou do papa Benedito XVI.

Segundo, afirma que a concepção de Deus desses filósofos consistia nas “leis impessoais do universo”, na “beleza do mundo natural”, o que, além de ser radicalmente contraditado pelos textos, resulta em atribuir a dois gênios da filosofia um chavão sentimentalóide de ateístas pequeno-burgueses. Leibniz e Pascal não eram Ernest Renan e Ludwig Büchner.

Terceiro, assegura que “o fato de um Leibniz ser religioso não prova nada a favor da religião”. É verdade, mas muito menos se prova algo contra a religião fugindo dos argumentos de Leibniz – ou, pior ainda, falsificando-os – e em seguida cantando vitória sobre Leibniz após uma discussão triunfante com caixeiros de loja e empregadinhas domésticas. E Paulos faz com Leibniz o que faz com toda a intelectualidade cristã superior: foge ao confronto com ela e vai brilhar ante uma platéia de ignorantes.

O repórter elogia-o por atacar a religião com bom humor em vez da fúria de Richard Dawkins e Christopher Hitchens. Mas o que caracteriza esses dois não é a violência, e sim o propensão de arrogar-se autoridade em campos dos quais têm conhecimentos menos que rudimentares, bem como de só discutir com uma caricatura de religião propositadamente construída para simular a vitória do ateísmo. No primeiro ponto, Paulos é idêntico a eles. No segundo, é ainda mais perverso, pois confessa abertamente o que eles deixam implícito. Se a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude, o cinismo é a afirmação ostensiva do vício como virtude.

Intelectualmente indefensável, o empreendimento dos três só faz sentido como obra de difamação deliberada, que deveria ser respondida não com debates acadêmicos, mas com processos judiciais.

Avaliando George W. Bush

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial), 18 de junho de 2008

O que quer que se pense de George W. Bush, seis coisas a respeito dele ninguém tem o direito de negar:

1. Ele manteve seu país totalmente a salvo de ataques terroristas por oito anos.

2. Ele derrubou um regime genocida culpado do assassinato de 300 mil iraquianos.

3. Ao contrário do que alardeia a grande mídia com mendacidade histérica, ele fez isso por meio de uma guerra que ao longo da História foi, comprovadamente, a que menos vítimas civis produziu.

4. Ele praticamente desmantelou a resistência terrorista no Iraque, matando 20 mil militantes da Al-Qaeda e forçando a maioria dos remanescentes a buscar refúgio no Irã.

5. Ele promoveu no Iraque a mais rápida e espetacular reconstrução pós-bélica que já se viu, tornando a economia iraquiana mais próspera do que era antes da guerra.

6. Ele implantou a democracia no Iraque – e ela funciona.

Desses seis fatos tiro duas conclusões:

a) Ele foi o melhor chefe de segurança que os EUA já tiveram.

b) Ele foi o melhor presidente que o Iraque já teve.

Julgá-lo enquanto presidente dos EUA é coisa completamente diversa. Quando ele foi eleito em 2000, os republicanos tinham todas as condições de vencer as eleições presidenciais seguintes por quatro décadas, desmantelar a conspiração do Partido Democrata com a esquerda radical e curar o país segundo as fórmulas consagradas de Ronald Reagan. Decorridos dois mandatos, ele não apenas não fez nada disso mas permitiu que seu partido perdesse fôlego ao ponto de tornar quase inviável a permanência dos republicanos no poder.

Atribuir esse vexame ao fracasso da guerra no Iraque não explica nada, é pura propaganda esquerdista enganosa.

George W. Bush nunca fracassou no Iraque. Ele fracassou foi no front interno. Esse fracasso começou logo após o 11 de setembro, quando, em vez de aproveitar a ocasião para denunciar o colaboracionismo democrata, desmoralizando de vez o esquerdismo e saneando a atmosfera política americana, ele preferiu fingir que seus inimigos eram seus amigos, criando uma ficção de unidade nacional contra o agressor externo. Os democratas, ostentando o rótulo de patriotas que o próprio Bush lhes grudara na testa, e armados do prestígio assim adquirido, puderam esfaquear pelas costas o país, suas Forças Armadas e seu presidente sem que a população duvidasse um só instante de suas boníssimas intenções.

Fugindo ao confronto que eles por seu lado buscavam insistentemente, Bush deu força a seus inimigos, que eram os inimigos dos EUA. Tudo o que ele teve de valente na condução da guerra, teve de politicamente covarde na luta interna. Resultado: seu sucesso é condenado como um fracasso e seu verdadeiro fracasso não pode ser confessado em público sem desencadear, mil vezes piorada, a mesma divisão interna que ele ainda quer evitar mas que seus adversários assumem cada vez mais barulhentamente, tirando dela, contra os EUA, as mesmas vantagens que Bush deveria ter tirado em favor do país.

George W. Bush errou de profissão. É um grande comandante militar, mas não é um político de maneira alguma.

Evaluating George W. Bush

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, June 18, 2008

Whatever one thinks about George W. Bush, there are six points about him no one has the right to deny:

1. He kept his country completely safe from terrorists atacks for eight years.

2. He put down a genocidal regime, guilty of the murder of 300 thousand Iraqis.

3. Contrary to what the big media spreads with hysterical mendacity, he did it through a war that caused the smallest number of civil victims in all History.

4. He practically dismantled terrorist resistance in Iraq, killing 20 thousand Al-Qaeda militants and forcing most of the remaining ones to seek refuge in Iran.

5. He promoted in Iraq the fastest and most spectactular post-belic reconstruction ever seen, making Iraqi economy more prosperous than it was before the war.

6. He implemented democracy in Iraq – and it works.

From these six facts, I take two conclusions:

a) He was the best chief of security the USA has ever had.

b) He was the best president Iraq has ever had.

It is an entirely different thing to judge him as president of the US. When he was elected in 2000, Republicans had all the conditions to win presidential elections for the next four decades, dismantle the conspiracy of the Democrats with the radical left, and heal the country according to the formulas consacrated by Ronald Reagan. After two presidential terms, not only he failed to do this, but has allowed his country to loose breath to the point of the permanence of Republicans in power being almost unfeasible .

To blame this shame on the failure of the war in Iraq does not explain anything, it is pure deceitful leftist propaganda.

George W. Bush has never failed in Iraq. His real failure was in the internal front. It started right after September, 11th. Taking the opportunity to denounce the Democrat collaboration with the left would make all trust in the left vanish and would have hygienized the American political atmosphere. Instead, he preferred to pretend his enemies were his friends, creating a fictional national unity against foreign attackers. The Democrats, bearing the patriot label Bush himself sticked on their foreheads, and armed with the prestige thus acquired, could stab in the back their own country, Army and president while people would not question for one second their deep-hearted good intentions.

Running away from the confrontation his enemies – who were the enemies of the US – sought so much, Bush gave them strength. All the bravery he showed in leading the war, turned into cowardice in the internal fight. The result: his success is condemned as failure and his real failure cannot be confessed in public without triggering a thousandfold worse internal division. And although Bush wants to avoid this division, his adversaries assume it more and more, taking from it, against the US, the same advantages Bush should have taken for the US.

George W. Bush took the wrong job. He is a great military commander, but he is not at all a politician.

Translated from the Portuguese by Fabio Lins Leite