Cadeia para ele

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 4 de setembro de 2008

Entre lágrimas de ódio cívico que deixarão insensível a cruel humanidade mas devem comover tremendamente a ele próprio, o editor da “Hora do Povo”, Carlos Lopes, acusa o senador Álvaro Dias de uma calúnia inominável: atribuir um crime de assassinato em massa ao inocentíssimo Josef Stálin.

Segundo Lopes, o extermínio deliberado de seis a nove milhões de ucranianos pela “arma da fome”, em 1932-33, jamais aconteceu. Foi uma balela criada pelo ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, depois perfidamente alardeada ao mundo por William Randolph Hearst, empresário de mídia pró-nazista, e pelo livro Harvest of Sorrow, de Robert Conquest, que a cândida opinião acadêmica do Ocidente acha um grande historiador mas que na verdade fez esse serviço sujo como agente de desinformação a soldo de dois órgãos da espionagem britânica, o MI-5 e o IRD (Information Research Department), tal como denunciou em 1978 o respeitável jornal The Guardian.

Nenhum assassinato em massa pode ter occorrido na Ucrânia naqueles anos – prossegue Lopes –, pois, “como registram os censos” (sic), a população do país aumentou “em 3.339.000 pessoas entre 1926 e 1939”.

Não me espantei, é claro, de ler essas coisas na “Hora do Povo”, jornal pertencente a um grupo de terroristas mais ou menos aposentados que, entre uma indenização e outra do governo brasileiro, embolsaram uma considerável propina de Saddam Hussein. Entre outros feitos notáveis, a publicação celebrou Stálin como “o maior democrata da humanidade”, e incitou seus leitores, se algum existe, a matar o colunista Diogo Mainardi.

Mas, como até os comunistas mais psicóticos podem dizer alguma verdade de vez em quando, concedi ao sr. Lopes o benefício da dúvida e fui verificar suas fontes. Comecei pela matéria do Guardian (27 jan. 1978). Ela não diz nada de Robert Conquest ter trabalhado no MI-5, apenas no IRD – e o IRD não era um órgão da “espionagem britânica” e sim do Foreign Office (Ministério das Relações Exteriores). Conquest largou o emprego em 1956 e só publicou Harvest of Sorrow em 1986. Poderíamos forçar a imaginação até além da dose de demência usual no jornalismo esquerdista, e admitir a hipótese de que o IRD pagasse pelo serviço entregue com um pequeno atraso de trinta anos. Mas nem toda a loucura do mundo tornaria isso possível, pois o IRD foi extinto em 1978.

A denúncia do extermínio em massa não foi obra nem de Goebbels nem de Hearst. Foi publicada em maio de 1933 – meses antes de que Goebbels se tornasse ministro da propaganda, um ano antes de que a notícia saísse nos jornais de Hearst – e, por ironia, foi escrita pelo correspondente do próprio Guardian em Moscou, Malcolm Muggeridge, que estava no local dos acontecimentos e viu tudo.

Por fim, “os censos”. Lopes menciona-os no plural, mas não cita nenhum. Nem poderia. O Livro Negro do Comunismo cita-os todos, diretamente das fontes soviéticas abertas após o fim da URSS, e são justamente esses dados demográficos que provam a liquidação sistemática da população ucraniana (confiram na p. 185 da edição Robert Laffont). O sr. Lopes teve boas razões para permanecer vago e esquivo ao falar de “os censos”.

Com exceção do Holocausto judeu, não há caso de homicídio em massa mais claramente documentado e provado do que a fome ucraniana. E nenhum historiador sério jamais pôs em dúvida que se tratasse de operação deliberada. Mesmo a Assembléia Nacional Russa, ao protestar em abril deste ano contra o uso do termo “genocídio” a respeito, não teve a ousadia de negar os fatos nem o plano macabro que os gerou. Só o que conseguiu alegar foi que o crime não teve caráter “étnico”, e sim político, de guerra de classes. Mesmo que admitíssemos a validade dessa alegação, ela não tornaria o episódio menos monstruoso, nem menos criminosa a tentativa de encobri-lo retroativamente mediante mentirinhas tolas. A lei que puniu o editor Siegfried Ellwanger por negar o Holocausto judeu aplica-se com precisão milimétrica ao sr. Lopes.

Nós quem, cara pálida?

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 28 de agosto de 2008

A pergunta decisiva do índio Tonto, que de tonto não tinha nada, vem irresistivelmente à minha memória sempre que me vejo exposto àquela retórica global e retumbante, tão usual hoje em dia, que, tomando da palavra na primeira pessoa do plural, fala em nome da platéia universal sem ter-lhe pedido a mínima autorização para isso.

Da minha parte, tomo os maiores cuidados para não abusar da palavra “nós”. Restrinjo o seu emprego aos casos em que a coletividade referida é claramente identificável e as generalizações que faço a respeito dela podem ser verificadas (ou contestadas) empiricamente. A moda geral, no entanto, é eludir essas precauções, deixando o significado do pronome vago e indefinido o bastante para sugerir, mui modestamente, que o orador é a consciência da espécie humana.

Ao celebrar seus quarenta anos de existência e anunciar entusiasticamente para 2 de setembro o seminário comemorativo “O Brasil que queremos ser”, a revista Veja dá por subentendido que os sonhos de cada brasileiro coincidem com os dos distintos palestrantes, entre os quais no entanto pelo menos um, o advogado Márcio Thomaz Bastos, evoca antes uma imagem de pesadelo.

Também não entendo por que o colunista Cláudio de Moura Castro, que escreveu na própria Veja alguns dos melhores artigos sobre educação já publicados neste país, foi posto para coordenar o debate sobre Meio Ambiente, enquanto o painel de Educação foi deixado aos cuidados de pessoas que nunca educaram ninguém e que, na melhor das hipóteses, só podem falar do assunto desde o ponto de vista econômico. Ninguém, na verdade, exceto eu e mais dois ou três, verá aí nada de anormal. Desde que me conheço por gente, só se discute a educação brasileira sob esse ângulo, como se o conteúdo, a filosofia e os valores embutidos no processo pedagógico não fossem problema nenhum. De fato, parece que não são: tudo a respeito já está decidido há décadas e ninguém pode questionar a autoridade pontifícia dos Paulos Freires, das Emílias Ferreros, dos Celestins Freinets, dos Levs Vigotskys e outros manipuladores comunistas cujas teorias são, no entanto, a causa direta e principal não só da imbecilização maciça das crianças brasileiras, mas também, por isso mesmo, das imensas perdas econômicas impostas ao país por essa organização criminosa que é o Ministério da Educação.

Sob esse aspecto, aliás, há um detalhe interessante. A revista Veja vem denunciando com veemência a doutrinação comunista disseminada nas escolas brasileiras, e com isso presta um louvável serviço de saúde pública. Mas seria mais louvável ainda se, no seu empenho saneador, começasse por admitir a parcela de culpa que, na produção desse descalabro, coube à própria Editora Abril. Durante décadas as revistas da Fundação Victor Civita, “Escola” e “Sala de Aula” – depois unificadas sob o nome de “Nova Escola” – foram instrumentos essenciais para o endeusamento dos educadores comunistas e a adoção das suas técnicas e preceitos idiotizantes pelo sistema nacional de ensino. Trabalhei nas duas e sei do que estou falando. Um debate sério sobre educação deveria começar pelas idéias orientadoras, pois são estas que moldam as ações e, em última análise, geram as conseqüências devastadoras que os testes internacionais de avaliação de estudantes não cessam de assinalar.

Falando em idéias, alguns exemplares delas constam do site de apresentação do seminário (www.veja40anos.com.br), elucidando de antemão o espírito da coisa. Vejam por exemplo esta definição da “tarefa do jornalismo”, produzida por Washington Novaes e encarregada de inspirar o painel sobre “Imprensa”:

Sem ampliar o acesso à informação, a sociedade não terá como construir formatos de viver ‘sustentáveis’, que enfrentem as duas grandes questões do nosso tempo: mudanças climáticas e padrões de produção e consumo insustentáveis, incompatíveis com a capacidade de reposição da biosfera planetária… É preciso ver quais são ou serão os impactos; como evitá-los ou minimizá-los; como atribuir os custos a quem os gera. Essa é a tarefa do jornalismo.”

Traduzido do seu estilo alusivo e escorregadio para o português claro, o parágrafo diz o seguinte:

1) O clima da Terra está mudando catastroficamente por culpa da ação humana.

2) O principal vilão é o maldito capitalismo americano (“padrões de produção e consumo insustentáveis”).

3) A solução é, naturalmente, o imposto global obamiano (“atribuir os custos a quem os gera”), que estrangulará a economia americana e, mediante mera decisão burocrática, transferirá o poder dos EUA para o governo mundial instalado na ONU.

4) A tarefa do jornalismo consiste em lutar para que isso aconteça.
É uma maravilha. A maneira mais óbvia e tradicional de sonegar uma informação é fazer de conta que ela não existe e saltar direto para a conclusão que ela impugna, fingindo que essa conclusão jamais foi contestada por ninguém. Washington Novaes só inova ao dizer que isso é “ampliar o acesso à informação”. Normalmente, onde há uma questão controversa, cabe aos jornalistas informar ao público a substância das opiniões em confronto, para que ele as julgue por si. Para Washington Novaes, ampliar o acesso à informação consiste em dar sumiço à controvérsia, fazendo como se uma das idéias imperasse sozinha sobre o horizonte do pensamento humano. Por mais que Novaes aprecie a explicação do aquecimento global inventada pelo IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), resta o fato incontornável de que ela foi subscrita por 2.500 indivíduos, muitos deles meros funcionários da ONU alheios a estudos climatológicos, e imediatamente rebatida por um abaixo-assinado de 17.000 cientistas de profissão, em nada se assemelhando portanto a um consenso científico universal, diante do qual não restasse aos jornalistas senão sacramentá-lo com um unânime e altissonante “Amém”.
Pelo menos dois documentários ilustram o que estou dizendo: “The Great Global Warming Swindle” (“A Grande Patifaria do Aquecimento Global”), produzido pelo Canal 4 da TV inglesa, e “Global Warming or Global Governance?” (“Aquecimento Global ou Governança Global?”), da Sovereignity International. Em ambos a tese da origem humana do aquecimento global é não só contestada, mas denunciada como uma fraude proposital. Uma das provas mais eloqüentes é que o ex-presidente americano Al Gore exibe por toda parte um gráfico da evolução comparativa das emissões de CO2 e do aumento da temperatura global ao longo de 400 mil anos, daí concluindo triunfalmente que o primeiro desses fenômenos causa o segundo. Toda a credibilidade dessa conclusão advém de um pequeno detalhe: Gore mostra as duas curvas separadamente. Quando as superpomos, verificamos que as elevações de temperatura não se seguem aos aumentos emissões de CO2, mas os antecedem. O espertinho simplesmente trocou a causa pelo efeito.

Esconder a controvérsia e ao mesmo tempo fazer-se de bem intencionado apóstolo da “ampliação do acesso à informação” é trapaça, evidentemente. Mas as fraudes cientificas seriam impotentes se não secundadas pelas fraudes jornalísticas que lhes dão credibilidade popular. Essa é a missão do jornalismo segundo Washington Novaes.

Mas ele não está sozinho nisso. Outra frase inspiradora, no site do seminário, vem do economista Sérgio Besserman Viana:

O desenvolvimento atual não é sustentável. As próximas décadas serão de profundas transformações econômicas, sociais, políticas e no pensamento humano, tendo como eixo a construção da sustentabilidade nas relações da humanidade com os limites do planeta.”

Al Gore não diria isso melhor. A quarentona Veja, ao mesmo tempo que desanca o comunismo na educação, parece ter subscrito alegremente o programa do burocratismo ecológico global, o qual nada mais é senão um upgrade pós-soviético do bom e velho plano comunista do Estado mundial controlador de tudo.

Lembro-me de, nos anos 70, ter lido numa revista cultural brasileira um ensaio de Jack Jones com o título “O conservacionismo, uma ideologia pós-marxista?” Naquela época, em que o ecologismo ainda atendia pelo nome de “conservacionismo”, essa transmutação do comunismo já era nítida para qualquer estudioso atento. Entre os atuais “formadores de opinião” no Brasil, ela ainda continua invisível ao ponto de que a mera sugestão da sua existência é repelida como “teoria da conspiração” – objeção ao alcance de qualquer cérebro atrofiado ao qual tenha chegado notícia de um filme com esse título.

O painel sobre Imprensa poderia salvar do inevitável mergulho na nulidade o seminário de Veja, se Reinaldo Azevedo fosse ali designado para enfrentar o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos na questão do controle estatal da mídia. Veja preferiu desperdiçar o valente colunista, colocando-o na posição desconfortável e paralisante de mediador.

Dito isso, aproveito a ocasião para discordar radicalmente do meu notável colega quando ele diz, no vídeo de apresentação do seminário, que “o Brasil tem uma das melhores imprensas do mundo”. Se tivesse, a coluna do próprio Reinaldo seria desnecessária, pois ela existe precisamente para dizer o que o resto da mídia não diz, isto é, quase tudo o que interessa.

Nossos governantes

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 28 de agosto de 2008

Desafio o governo Lula e seus sessenta intelectuaizinhos de estimação, os partidos de esquerda, o dr. Baltasar Garzón e todos os camelôs de direitos humanos a provar que qualquer das afirmações seguintes não corresponde aos fatos:

1. Todos os militantes de esquerda mortos pela repressão à guerrilha eram pessoas envolvidas de algum modo na luta armada. Entre as vítimas do terrorismo, ao contrário, houve civis inocentes, que nada tinham a ver com a encrenca.

2. Mesmo depois de subir na vida e tomar o governo, tornando-se poderosos e não raro milionários, os terroristas jamais esboçaram um pedido de perdão aos familiares dessas vítimas, muito menos tentaram lhes dar alguma compensação moral ou material. Nada, absolutamente nada, sugere que algum dia tenham sequer pensado nessas pessoas como seres humanos; no máximo, como detalhes irrisórios da grande epopéia revolucionária. Em contrapartida, querem que a opinião pública se comova até às lágrimas com o mal sobrevindo a eles próprios em retaliação pelos seus crimes, como se a violência sofrida em resposta à violência fosse coisa mais absurda e chocante do que a morte vinda do nada, sem motivo nem razão.

3. Bradam diariamente contra o crime de tortura, como se não soubessem que aprisionar à força um não-combatente e mantê-lo em cárcere privado sob constante ameaça de morte é um ato de tortura, ainda mais grave, pelo terror inesperado com que surpreende a vítima, do que cobrir de pancadas um combatente preso que ao menos sabe por que está apanhando. Contrariando a lógica, o senso comum, os Dez Mandamentos e toda a jurisprudência universal, acham que explodir pessoas a esmo é menos criminoso do que maltratar quem as explodiu.

4. Mesmo sabendo que mataram dezenas de inocentes, jamais se arrependeram de seus crimes. O máximo de nobreza que alcançam é admitir que a época não está propícia para cometê-los de novo – e esperam que esta confissão de oportunismo tático seja aceita como prova de seus sentimentos pacíficos e humanitários.

5. Consideram-se heróis, mas nunca explicaram o que pode haver de especialmente heróico em ocultar uma bomba-relógio sob um banco de aeroporto, em aterrorizar funcionárias de banco esfregando-lhes uma metralhadora na cara, em armar tocaia para matar um homem desarmado diante da mulher e do filho ou em esmigalhar a coronhadas a cabeça de um prisioneiro amarrado – sendo estes somente alguns dos seus feitos presumidamente gloriosos.

6. Dizem que lutavam pela democracia, mas nunca explicaram como poderiam criá-la com a ajuda da ditadura mais sangrenta do continente, nem por que essa ditadura estaria tão ansiosa em dar aos habitantes de uma terra estrangeira a liberdade que ela negava tão completamente aos cidadãos do seu próprio país.

7. Sabem perfeitamente que, para cada um dos seus que morria nas mãos da polícia brasileira, pelo menos trezentos eram mortos no mesmo instante pela ditadura que armava e financiava a sua maldita guerrilha. Mas nunca mostraram uma só gota de sentimento de culpa ante o preço que sua pretensa luta pela liberdade custou aos prisioneiros políticos cubanos.

Desses sete fatos decorrem algumas conclusões incontornáveis. Esses homens têm uma idéia errada, tanto dos seus próprios méritos quanto da insignificância alheia. Acham que surrar assassinos é crime hediondo, mas matar transeuntes é inócuo acidente de percurso (e recusam-se, é claro, a aplicar o mesmo atenuante às mortes de civis em tempo de guerra, se as bombas são americanas). São hipersensíveis às suas próprias dores, mesmo quando desejaram o risco de sofrê-las, e indiferentes à dor de quem jamais a procurou nem mereceu. Procedem, em suma, como se tivessem o monopólio não só da dignidade humana, mas do direito à compaixão. Qualquer tratado de psiquiatria forense lhes mostrará que esse modo de sentir é característico de criminosos sociopatas, ególatras e sem consciência moral. Não tenham ilusões. É esse tipo de gente que governa o Brasil de hoje.