Breve lição de sociologia

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 15 de outubro de 2008

Émile Durkheim, o fundador da sociologia, ensinava que há um limite para a quota de anormalidade que a mente coletiva é capaz de perceber. Pode-se compreender isso em dois sentidos, simultâneos ou alternados:

I – Quando os padrões descem abaixo do limite, a sociedade automaticamente ajusta o seu foco de percepção para achar normal o que antes lhe parecia anormal, para aceitar como banal, corriqueiro e até desejável o que antes a assustava como inusitado e escandaloso.

II – Quando a anormalidade é excessiva, transcendendo os limites da quota admissível, ela tende a passar despercebida ou a ser simplesmente negada: o intolerável transfigura-se em inexistente.

Embora dificilmente corresponda a quantidades mensuráveis, a “constante de Durkheim”, como veio a ser chamada, revelou-se um instrumento analítico eficiente, sobretudo nos momentos de aceleração histórica, em que várias mudanças de padrão se sucedem e se encavalam no prazo de uma só geração, podendo ser observadas, digamos assim, com os olhos da cara.

Daniel Patrick Moynihan, Robert Bork e Charles Krauthammer empregaram-na inteligentemente para a explicação das vertiginosas transformações da moralidade americana desde os anos 60. Bork escrevia em 1996: “É altamente improvável que uma economia vigorosa possa ser sustentada por um ambiente de cultura enfraquecida, hedonística, particularmente quando essa cultura distorce os incentivos, rejeitando as realizações pessoais como critério para a distribuição de recompensas”. Doze anos depois, a idéia de que os empréstimos bancários não são um negócio entre partes responsáveis e sim um direito universal indiscriminado, garantido pelo governo e pela pressão das ONGs ativistas, deu no que deu. O fato de que os criadores do problema não se sintam nem um pouco responsáveis por ele, mas prefiram lançar a culpa justamente nos que tudo fizeram para evitá-lo, ilustra bem a descida do nível de exigência moral que veio junto com a queda do padrão de exigência para os tomadores de empréstimos.

Porém o mais interessante não é a aplicação do princípio para fins explicativos, e sim a sua utilização prática como arma política. Há mais de um século todos os movimentos interessados em impor modificações socioculturais contra as preferências da maioria evitam bater de frente com a opinião pública: tentam ludibriá-la por meio do uso astuto da “constante de Durkheim”, que todo ativista revolucionário de certo gabarito conhece de cor e salteado.

No sentido I, o princípio é aplicado por meio da pressão suave e contínua, rebaixando cuidadosamente, lentamente, progressivamente os níveis de exigência, primeiro no imaginário popular, por meio das artes e espetáculos, depois na esfera das idéias e dos valores educacionais, em seguida no campo do ativismo aberto que proclama as novidades mais aberrantes como direitos sagrados e por fim na esfera das leis, criminalizando os adversos e recalcitrantes, se ainda restarem alguns. Com uma constância quase infalível, nota-se que os autoproclamados conservadores se amoldam passivamente – às vezes confortavelmente – à mudança, sem perceber que sua nova identidade foi vestida neles desde fora como uma camisa-de-força por aqueles que mais os odeiam.

Na acepção II, a “constante de Durkheim” é usada para virar a sociedade de cabeça para baixo, da noite para o dia, sem encontrar qualquer resistência, por meio de mentiras e blefes tão colossais que a população instintivamente se recuse a acreditar que há algo de real por trás deles. As próprias vítimas do engodo reagem com veemência a qualquer tentativa de denunciá-lo, pois sentem que admitir a realidade da coisa seria uma humilhante confissão de idiotice. Para não sentir que foi feito de idiota, um povo aceita ser feito de idiota sem sentir, confirmando o velho ditado judeu: “O idiota não sente”. Foi assim que se montou na América Latina a maior organização revolucionária da história continental, o Foro de São Paulo, num ambiente em que todas as denúncias a respeito, por mais respaldadas em documentos e provas, eram ridicularizadas como sinais de loucura. E é assim que agora se está impingindo aos EUA um presidente sem nacionalidade comprovada, financiado por ladrões e associado por mil compromissos a grupos de terroristas e genocidas, enquanto seu próprio adversário maior o proclama “um homem decente, do qual não há nada a temer”.

1968 reencarnado

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 9 de outubro de 2008

Escreve na edição do dia 8 do Washington Post o colunista E. J. Dionne, importante formador de opinião com muita influência nos meios católicos de esquerda: “O debate de ontem tornou claro que o esforço de John McCain no sentido de mudar o foco da campanha para as guerras culturais dos anos 60 não vai funcionar. Os eleitores querem candidatos que falem sobre problemas e como resolvê-los, especialmente os enormes problemas com que nos confrontamos agora.”

Bem, se E. J. Dionne quer problemas enormes, é fácil indicar-lhe um que é talvez o maior de todos os que a sua nação já enfrentou: a onda mundial de ódio aos EUA, que boicota por toda parte as iniciativas diplomáticas, militares e comerciais do governo americano, favorece a ação dos terroristas no plano internacional e a de seus aliados e protetores dentro do território americano e fomenta toda sorte de sabotagens, confusões, erros desastrosos e políticas suicidas que desembocam na presente crise econômica do país.

Esse movimento é exatamente o contrário do que o otimismo vão dos “neoliberais” anunciava que aconteceria em seguida à queda do regime comunista na URSS. Ele substitui com vantagem tudo o que a velha encarnação soviética do movimento revolucionário tentou fazer para destruir os EUA. No seu conteúdo e na sua retórica, ele não difere substantivamente das “guerras culturais dos anos 60”, que permanecem em última análise a sua fonte básica de inspiração. A diferença está no tamanho: na comparação, elas se reduzem às dimensões de uma farra de estudantes. Naquela época, suas únicas armas, materialmente falando, eram pedras e coquetéis Molotov. Geograficamente, seu alcance não ia além de Paris, de Nova York e da California. Sua força vinha principalmente do apoio midiático e do paternalismo cúmplice que amolecia o coração de seus inimigos. Decorridas quatro décadas, a gritaria estudantil transformou-se num movimento mundial magistralmente organizado, apto a acionar campanhas anti-americanas com um discurso uniforme em escala planetária, da noite para o dia, em articulação estreita com organizações terroristas na Europa, na Ásia e na América Latina, prontas para ações muito mais vastas e destrutivas do que tudo o que se viu na década de 60. Na época, quem pensasse em estourar algo do tamanho das Torres Gêmeas seria enviado ao hospício. Hoje não há mais hospícios (foram fechados por influência da antipsiquiatria, uma das armas ideológicas da guerra cultural) e as idéias dos loucos adquiriram uma tremenda viabilidade prática.

O anti-americanismo global é a continuação das “guerras culturais dos anos 60” por outros meios — que não excluem, mas absorvem e transcendem infinitamente os anterioriores. Ele não surgiu espontaneamente: foi criado e fomentado desde dentro e desde fora dos EUA por um conjunto de poderes formidáveis, entre os quais se destacam algumas das fortunas bilionárias que subsidiam a candidatura Obama — como por exemplo a de George Soros, a do príncipe saudita Alwaleed bin Talal (cujo emissário Khalid Al-Mansour financiou os estudos de Obama em Harvard), e a da própria Penny Pritzker, coordenadora financeira da campanha do candidato democrata e dona do Hotel Hyatt de Nova York, onde a elite esquerdista, sob protestos de centenas de judeus do lado de fora, prestou rica homenagem ao mais explícito inimigo dos EUA e de Israel, o presidente iraniano Ahmadinejad. Não existe, nem no planeta Terra nem em Hollywood, uma só celebridade anti-americana que não apóie de todo o coração o candidato democrata. Estariam loucas, drogadas, apostando tudo contra si mesmas, ou têm objetivamente algo a ganhar com a vitória dele? A acreditarmos no discurso eleitoral de Obama, ele tem hoje intenções exatamente opostas às de seus fãs mais ardentes, a quem no entanto representou com tanta fidelidade ao longo de toda a sua carreira política. Como observou Thomas Sowell, “Obama está se candidatando com uma imagem que é diretamente oposta a tudo o que ele andou fazendo durante duas décadas. Sua habilidade em fugir do seu passado é tão notável quanto as grandes escapadas de Houdini.”

Um político não se conhece pelo que ele promete hoje, mas pelo que ele fez ontem. Segundo Dionne, quem quer que obedeça a esse princípio do senso comum está “desviando o debate para as guerras culturais dos anos 60”. Mas não são os próprios adeptos do culto obâmico universal que chamam o 1968 de “o ano que não terminou”? Não são eles que dão à mitologia esquerdista dos anos 60 uma atualidade temível no Fórum Social Mundial, na onda terrorista e na virulência centuplicada do anti-americanismo global? Na verdade, concentrar o fogo dos argumentos no discurso de Obama, evitando tocar no seu passado, é fugir dos “enormes problemas com que nos confrontamos agora”, nos quais esse passado se perpetua e se amplia poderosamente, e aceitar como genuína a imagem de um Obama ideal, inventada para fins de pura propaganda. Se Dionne exige que os candidatos republicanos façam precisamente isso, é porque ele próprio personifica na atualidade um resíduo vivo e atuante daquelas “guerras culturais”: a teologia da libertação, que ele absorveu de Harvey Cox e que faz dele a contrafação simiesca de um pensador católico, empenhada em persuadir os fiéis a que não olhem o Messias democrata com os olhos da cara, e sim com os olhos da fé.

Silêncio e mistério

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 9 de outubro de 2008

Depois do pedido de dispensa com que se esquivaram de entregar à côrte a certidão de nascimento de Barack Obama (v. meu artigo anterior em www.olavodecarvalho.org/semana/081002jb.html), os advogados do candidato democrata armaram esta semana uma segunda manobra protelatória, solicitando que qualquer nova ordem judicial para a exibição do documento seja sustada até a decisão do juiz quanto àquele pedido.

O processo foi aberto em 15 de setembro pelo advogado democrata Philip Berg porque a direção nacional do seu partido, desobedecendo o Freedom of Information Act (Lei de Liberdade de Informação, que assegura aos cidadãos o acesso a documentos publicamente relevantes), recusou mostrar-lhe um original impresso, que Berg exigia por suspeitar que a versão eletrônica publicada pela campanha de Obama era forjada, como o asseguravam peritos judiciais consultados. Mais estranhamente ainda, o Departamento de Estado e a administração do Senado Federal, alertados quanto à possível falsidade da certidão eletrônica, não quiseram investigar o assunto. Berg ficou ainda mais desconfiado quando, comparando as declarações de adeptos e familiares de Obama, notou que o Messias democrata parecia ter realizado o milagre de nascer simultaneamente em dois hospitais (v. http://obamacrimes.com/index.php/component/content/article/1-main/28-phil-j-berg-files-amended-complaint-in-berg-v-obama).

Tantos esforços para fugir à exibição de um documento banal sugerem que realmente ele não existe, que Obama nunca foi cidadão americano e que sua possível eleição à presidência será seguida de uma crise política horrososa, com metade do país pedindo a cabeça do mandatário ilegítimo, a outra metade clamando histericamente contra o “golpe” e exigindo que a constituição seja sacrificada no altar da fé obâmica – um resultado até mais delicioso, para os inimigos dos EUA, do que a simples eleição do presidente americano mais esquerdista de todos os tempos.

Mais esquerdista e mais misterioso. Além de sua nacionalidade duvidosa e de inúmeros episódios comprometedores da sua biografia, sonegados à população pela grande mídia (ajuda recebida de terroristas, troca de favores com o estelionatário Tony Resko, intervenções diretas na política do Quênia em favor do genocida e agitador anti-americano Raila Odinga), resta o fato de que Barack Hussein Obama, por motivos incertos e não sabidos, usa também os nomes de Barry Obama, Barry Sotero, Barrack Dunham e Barry Dunham. Para complicar, Jerome Corsi, o repórter do WorldNetDaily enviado ao Quênia para esclarecer as passagens nebulosas de Obama pelo país, foi preso pela polícia local e enviado de volta aos EUA. Se o muro de silêncio erguido no Brasil em torno do Foro de São Paulo foi várias vezes furado pelos jornais de outras nações latino-americanas, o círculo mágico de proteção em torno da identidade de Barack Obama parece ser tão global quanto o imposto que ele quer fazer a humanidade pagar à ONU. Mesmo os candidatos republicanos, com evidente prejuízo eleitoral próprio, guardam respeitoso silêncio quanto ao processo que corre contra seu adversário na Pensilvânia, e, quando mencionam outros fatos indecorosos da sua carreira, como o fez Sarah Palin dias atrás, amortecem a denúncia com termos vagos e genéricos, que antes servem para irritar o eleitorado obamista do que para fazê-lo enxergar o tamanho da encrenca em que, segundo tudo indica, está se metendo ao confiar num desconhecido que se esmera em encobrir seu passado. Até o próprio WorldNetDaily, o mais intransigentemente conservador entre os grandes sites de jornalismo, só noticiou o processo no último dia 6, com atraso formidável. Por esses detalhes vocês vêem o quanto é falsa a noção, diariamente reiterada pela mídia nacional, de que a reputação do ilibado Obama está sob cerrado bombardeio da campanha McCain. O arquiprotegido Obama passa bem, obrigado. Sarah Palin é que já virou até personagem de filme pornô.