Ódio faz mal à saúde

Ódio faz mal à saúde

Olavo de Carvalho

Mídia Sem Máscara, 2 de outubro de 2011

Se existe neste país uma vítima de hate speech, sou eu, tendo como único concorrente possível o Reinaldo Azevedo. Já recebi centenas de mensagens que ensejavam a minha morte ou a celebravam antecipadamente, isto quando não prometiam tomar as medidas necessárias para que ela se produzisse o quanto antes.

Muitas alegavam, como justificativa dessa proposta singela, nada mais que as reações fisiopatológicas que seus remetentes haviam sentido ante argumentos e explicações que, por falta de resposta possível, os enchiam de raiva impotente, o mais desconfortável e humilhante dos sentimentos humanos.

Eis uns trechos da mais recente, enviada por um tal Wanderley Lima, e-mail pilgrimoz52@yahoo.com.br (por que deveria eu ocultar a identidade do delinqüente?):

Comprei e li seu livrinho sobre Maquiavel. Fez-me bem, fazia tempo que não conseguia vomitar, pena que a sensação de nojo não passou ainda. Acho, sinceramente, que está na hora de você morrer, sei lá, uma doença fatal, um atropelamento, despencar do elevador… Não vale queda de avião porque vai exigir que outros ou outro vá junto… se bem que, se você conseguir reunir seus amigos, fãs e admiradores talvez a idéia do avião não seja em vão. Para alguém como você o ar que respira faz falta em gente que precisa dele, ar, para viver; sua vida não merece continuar carregando seu cérebro (?), corpo e quejandos. Hum… tente veneno de rato, dizem que faz milagre em matéria de matar.

A expressão de desejos assassinos acompanhados de desarranjos gastro-intestinais é a forma usual de crítica literária que os imbecis exercem a respeito dos meus escritos. Prova inequívoca de que odiar faz mal à saúde.

A coisa vem de longe. Já no ano de 2000 eu escrevia à Folha de S. Paulo, em resposta a duas cartinhas ali publicadas (confiram em http://www.olavodecarvalho.org/textos/sintomas.htm):

A constância obsessiva com que expressões de repugnância física – asco e desejos de vômito – aparecem nos protestos das pessoas que me odeiam é para mim um motivo de lisonja e satisfação. Assinala que, diante dos meus escritos, essas criaturas se vêem privadas do dom de argumentar. Paralisada a sua inteligência pela obviedade do irrespondível, vem-lhes o impulso irrefreável de uma reação física. Já que lhes arranquei a língua, querem sair no braço. Mas, como bater em mim seria ilegal e ademais as exporia à temível possibilidade de um revide, a última saída que lhes resta é voltar contra seus próprios corpos o sentimento de raiva impotente que as acomete, donde resulta todo um quadro sintomatológico de diarréia, tremores, cólicas e convulsões. Não suportando passar sozinhas por tão deprimente experiência clínica, apressam-se então em registrá-la por escrito e publicá-la na Folha de S. Paulo, na esperança de que alguém mais forte, revoltado ante a exibição de tanto sofrimento, dê cabo do malvado autor que as deixou nesse estado miserável. Como esse anseio não se realizará, o que se recomenda para o momento é o tratamento de praxe com soro fisiológico para contrabalançar a perda de fluidos vitais.

Mas sempre aparece algum mais esperto, — daquela esperteza que é a imitação simiesca da inteligência — que, em vez de expressar ódio francamente, procura despertá-lo nos outros enquanto ele próprio se esconde por trás de uma fachada de neutralidade superior.

Anos atrás, um grupo de constipados, diarréicos e dispépticos montou no Orkut uma comunidade sob o título “Nós odiamos o Olavo de Carvalho”. Tempos depois, tendo subido um grau na escala da malícia, trocaram o nome da coisa para “O Olavo de Carvalho nos odeia”, imaginando que a camuflagem tosca faria deles, retroativamente, a pura imagem do amor injustiçado.

Não foi substancialmente mais engenhoso o seguinte ardil, um dos vários que Nara Alves e Ricardo Galhardo tramaram contra mim: sabendo que falsificava completamente o sentido das minhas palavras, a dupla de IGnóbeis espalhou que prego “a pena de morte para comunistas”, dando a impressão de que desejo exterminar pessoas por motivo de ideologia, quando na verdade, ao citar como modelo os tribunais de Nuremberg e do Camboja, eu havia deixado claro como o dia que se tratava de julgar crimes contra a humanidade praticados por líderes e intelectuais comunistas, e não a mera adesão a uma idéia ou partido.

O que Alves & Galhardo fizeram comigo é exatamente o mesmo que, diante de quem defendesse a introdução da pena máxima no nosso Código Penal para crimes hediondos, acusar o sujeito de querer “a pena de morte para brasileiros”.

A troca do específico pelo genérico é um dos meios mais torpes de falsificar as palavras alheias. Ninguém recorre a ele sem ser movido por ódio extremo à pessoa da vítima. Apenas, sendo covardes e hipócritas demais para declarar o que sentem, os dois preferiram se esconder por trás de uma simulação de jornalismo, instigando milhares de paspalhos como Wanderley Lima a exclamar em público o que eles próprios só ousam sussurrar entre dentes.

NB — O exemplo de Niemeyer, que em resposta a uma pergunta de ouvinte forneci naquele programa, foi monstruosamente exagerado e, reconheço, injusto. Tipos como ele, Picasso, Chomsky ou Sartre são culpados de vender uma boa imagem das ditaduras comunistas, ocultar sistematicamente os seus crimes e obter lucros milionários dessa atividade abjeta, mas isso não justifica pena de morte. Indenizações às famílias das vítimas seriam punição suficiente. Niemeyer, é verdade, está velho demais para ser levado a julgamento – uma consideração que os comunistas ignoram solenemente quando querem executar ou encarcerar alguém – e vai levar consigo para o túmulo seus crimes impunes.

Truque sujo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 29 de setembro de 2011

Leiam, por favor, este parágrafo, publicado pelo site Último Segundo, do portal IG (abreviatura de IGnóbil), assinado por Nara Alves e Ricardo Galhardo (http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/skinheads-usam-briga-politica-como-pano-de-fundo-para-violencia/n1597225790382.html):

“Nas últimas semanas o IG conversou com skinheads – inclusive aqueles que tumultuaram a Marcha da Maconha e a Parada Gay – sobre suas preferências políticas e suas crenças ideológicas. Embora considerem que, de maneira geral, o sistema político-partidário seja ineficaz, os jovens da extrema direita ouvidos pela reportagem disseram apoiar parlamentares que estão minimamente de acordo com o que pregam, a exemplo de Bolsonaro e dos senadores Kátia Abreu e Demóstenes Torres, ambos do DEM. Estes jovens recebem orientação teórica. As bases são os seminários promovidos pelo Instituto Plínio Correia de Oliveira (criador da extinta TFP, que defendia a Tradição, a Família e a Propriedade) e o jornalista Olavo de Carvalho.”

O sentido do parágrafo é claro: o IG entrevistou skinheads, os quais disseram receber orientação teórica do Instituto Plínio Correia de OIiveira e de mim. Todo e qualquer leitor entenderá a coisa exatamente assim: Olavo de Carvalho é um dos mentores dos skinheads, portanto um inspirador de crimes violentos.

Só há um problema: os “jovens de extrema direita” referidos na segunda sentença não são os skinheads mencionados na primeira. Só parecem que o são porque o parágrafo foi redigido de maneira propositadamente nebulosa para dar essa impressão. Quando você lê o restante da matéria, verifica que os jovens cujas declarações o IG reproduz não são os skinheads, e sim apenas os militantes estudantis da União Conservadora Cristã e da Resistência Nacionalista, que eu não conhecia até agora e que a própria reportagem do IG, mais adiante, confessa não serem skinheads de maneira alguma. Do começo ao fim da matéria, nenhum, absolutamente nenhum skinhead aparece dizendo que recebeu orientação teórica nem mesmo remotamente vinda da minha pessoa. Mas, quando o leitor chega lá, a má impressão já ficou: o Olavo é o inspirador dos skinheads, e ponto final.

Isso não é jornalismo. É crime de calúnia e difamação. Crime ardiloso, premeditado, construído mediante uma trucagem gramatical que maliciosamente confunde os sujeitos de duas frases para ludibriar o leitor e sujar a reputação de um inocente.

O pior de tudo é que a coisa vem inserida no curso de uma reportagem sobre o assassinato de um punk por skinheads, de modo a me fazer parecer não só inspirador de arruaceiros, mas de assassinos.

É o truque difamatório mais tosco e mais sujo que já vi em quatro décadas de jornalismo. A artimanha é pueril, mas funciona para toda uma classe de leitores sem experiência jornalística ou senso lógico apurado, que não conferem o fim da matéria com o seu começo.

Gente como Alves e Galhardo deveria ser expelida da profissão jornalística a pontapés.

Até que enfim

Até que enfim

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 21 de setembro de 2011

A mídia brasileira sempre acaba descobrindo as coisas. Basta esperar umas quantas décadas, e você, já maduro ou velhinho, recebe a informação vital que poderia ter mudado o seu destino se lhe chegasse na juventude.

Quem primeiro me falou de Roger Scruton, no início dos anos 90, foi Daniel Brilhante de Brito, o brasileiro mais culto que já conheci. Citei o filósofo inglês em 1993, em A Nova Era e a Revolução Cultural, antevendo – nada é mais fácil neste país – que sua obra dificilmente chegaria ao conhecimento dos nossos compatriotas. Decorridos sete anos, o Dicionário Crítico do Pensamento da Direita, pago com dinheiro do governo à fina flor da esquerda falante – 104 intelectuais que prometiam esgotar o assunto –, ainda exibia despudoradamente a total ignorância universitária de um autor que, àquela altura, já era tido no seu país e nos EUA como um dos mais vigorosos homens de idéias no campo conservador (v. http://www.olavodecarvalho.org/textos/naosabendo.htm). Só se pode alegar como atenuante o fato de que não haviam excluído Roger Scruton por birra pessoal. Ao contrário, eram rigorosamente democráticos na distribuição da sua ignorância: desconheciam, por igual, Ludwig von Mises, Friedrich von Hayek, Murray Rothbard, Russel Kirk, Thomas Sowell, Bertrand de Jouvenel, Alain Peyrefitte e praticamente todos os demais autores sem os quais não existiria nenhum “pensamento da direita” para ser dicionarizado. Uma breve consulta ao popular Dictionary of American Conservatism, publicado três anos antes, teria bastado para dar àqueles cavalheiros a informação mínima que lhes faltava sobre o assunto em que pontificavam, mas provavelmente as verbas federais com que encheram os bolsos não bastaram para comprar um exemplar.

Voltei a falar de Scruton, à base de uma vez por ano, de 1999 até 2008. Em vão. Durante muito tempo vigorou nas redações de jornais e nas universidades o mandamento comunista de Milton Temer, “O Olavo de Carvalho não é para ser comentado” (v. http://www.fazendomedia.com/fm0023/entrevista0023.htm), que o zelo dos discípulos estendia aos autores citados nos meus artigos. Alguns, é claro, liam esses autores em segredo, como quem se escondesse no banheiro com um livreto de Carlos Zéfiro. Mas esperavam, para comentá-los, que o tempo apagasse toda associação entre aqueles nomes e a minha pessoa. Assim transcorreu o prazo de uma geração.

Imagino o que teria sido a vida de milhares de estudantes brasileiros se lessem, logo que publicado em 1985, o hoje clássico Thinkers of the New Left. Naquela época, o marxismo já estava cambaleante, mas as idéias da “Nova Esquerda”, que prometiam injetar-lhe vida nova, estavam acabando de aterrissar na taba. Se Antonio Gramsci e Louis Althusser já eram estrelas nos céus acadêmicos tabajaras, outros, como Michel Foucault e Jürgen Habermas, mal haviam desembarcado, e outros ainda, como Immanuel Wallerstein e E. P. Thompson, ainda eram vagas promessas de novos deslumbramentos que só na década de 90 iriam espoucar ante os olhos ávidos da estudantada devota. A cada um desses autores Scruton consagrava modestas oito ou dez páginas que os reduziam ao estado de múmias, fazendo jus àquilo que mais tarde se diria de outro filósofo conservador, o australiano David Stove (também desconhecido nestas plagas): “Ele não faz prisioneiros. Escreve para matar.”

Se alguma longínqua esperança na recuperação da dignidade intelectual marxista ainda restava na minha cabeça de esquerdista desencantado, foi sobretudo esse livro que a exorcizou. Uma tradução brasileira dele teria feito bem a muita gente. Talvez tivesse até debilitado a fé de Milton Temer no monopólio esquerdista da racionalidade, poupando-o do vexame de continuar carregando essa cruz nas suas costas vergadas de septuagenário.

Foi para impedir essa tragédia que a elite esquerdista dominante nos meios universitários e editoriais não só se absteve de ler livros conservadores como também tomou todas as providências para que ninguém mais os lesse. Não que agisse assim por um plano deliberado. Não: essa gente pratica a exclusão e a marginalização dos adversários com espontânea naturalidade. A regra leninista de que não se deve conviver com a oposição, mas eliminá-la, incorporou-se na sua mente como uma segunda natureza, e desde que a esquerda tomou o poder neste país tornou-se um hábito generalizado e corriqueiro suprimir as vozes discordantes para em seguida proclamar que elas não existem.

Por isso é que só agora o indispensável Roger Scruton chega ao conhecimento do público brasileiro, por iniciativa das páginas amarelas da Veja de 21 de setembro, onde ele diz o que todo mundo pensa mas não tem meios de dizer em voz alta. Exemplos:

1) Os arruaceiros de Londres não são pobres excluídos. São meninos mimados, sustentados pela previdência social, que se acostumaram à idéia de que têm todos os direitos e nenhuma obrigação.

2) Nenhum país pode suportar um fluxo ilimitado de imigrantes sem integrá-los na sua cultura nacional.

3) Toda a ideologia de esquerda é baseada na idéia imbecil da “soma zero”, onde alguém só pode ganhar alguma coisa se alguém perder outro tanto.

4) Marx, Lênin e Mao pregaram abertamente a liquidação violenta de populações inteiras, mas a esquerda fica indignada quando lhes imputamos a culpa moral pelas conseqüências óbvias da aplicação de suas idéias, mas se um conservador escreve uma palavrinha contra os excessos da imigração forçada, é imediatamente acusado de fomentar crimes contra os imigrantes.

5) A União Européia é inviável. O euro, paciente terminal, que o diga.

6) A esquerda sente a necessidade de sempre explicar tudo em termos de culpados e vítimas, mas, como cada explicação desse tipo logo se revela insustentável, é preciso buscar sempre novas vítimas para que as ondas de indignação se sucedam sem parar, alimentando a liderança revolucionária que sem isso não sobreviveria uma semana. A primeira vítima oficial foram os proletários, depois os índios, os negros, as mulheres, os jovens, os gays e agora, finalmente, a maior vítima de todas: o planeta. Em nome da salvação do planeta, supostamente ameaçado de extinção pelo capitalismo, é lícito matar, roubar, seqüestrar, incendiar, ludibriar, mentir sem parar e, sobretudo, gastar dinheiro extorquido dos malvados capitalistas por meio do Estado redentor.

Em todos esses casos, é historicamente comprovado que a situação das alegadas vítimas, sob o capitalismo, jamais parou de melhorar, na mesma medida em que piorava substancialmente nos países socialistas, mas a mentalidade esquerdista tem a tendência compulsiva de sentir-se tanto mais indignada com os outros quanto mais suas próprias culpas aumentam. É o velho preceito leninista: Acuse-os do que você faz, xingue-os do que você é.

A par da sua obra propriamente filosófica, de valor inestimável para os estudiosos, Scruton tem dito essas coisas, de uma verdade patente, há muitas décadas e com uma linguagem ao mesmo tempo elegante e ferina que desencoraja o mais inflamado dos contendores.

Espero que a entrevista da Veja desperte a atenção dos leitores para os livros desse autor imprescindível.

A respeito do item 6, convém acrescentar aqui uma informação de que talvez o próprio Scruton não disponha, mas que vem mostrar o quanto ele tem razão. Nos anos 50, grupos globalistas bilionários – os metacapitalistas, como os chamo, aqueles sujeitos que ganharam tanto dinheiro com o capitalismo que agora já não querem mais se submeter às oscilações do mercado e por isso se tornam aliados naturais do estatismo esquerdista – tomaram a iniciativa de contratar algumas dezenas de intelectuais de primeira ordem para que escolhessem a vítima das vítimas, alguém em cuja defesa, em caso de ameaça, a sociedade inteira correria com uma solicitude de mãe, lançando automaticamente sobre todas as objeções possíveis a suspeita de traição à espécie humana. Depois de conjeturar várias hipóteses, os estudiosos chegaram à conclusão de que ninguém se recusaria a lutar em favor da Terra, da Mãe-Natureza. Foi a partir de então que os subsídios começaram a jorrar para os bolsos de ecologistas que se dispusessem a colaborar na construção do mito do planeta ameaçado pela liberdade de mercado. As conclusões daquele estudo foram publicadas sob o título de Report from Iron Mountain – a prova viva de que o salvacionismo planetário é o maior engodo científico de todos os tempos. O escrito foi publicado anonimamente, mas o economista John Kenneth Galbraith, do qual não há razões para duvidar nesse ponto, confirmou a autenticidade do documento ao confessar que ele próprio fizera parte daquele grupo de estudos e ajudara a redigir as conclusões.