Quem são e o que pensam os jovens militantes de direita que fazem USP

Época São Paulo, 7 de novembro de 2011 

Eles são monarquistas, anticomunistas, contrários ao aborto e à homossexualidade, defensores do porte de arma – e alunos de mesma universidade famosa pela sua militância de esquerda. Conheça a União Conservadora Cristã (UCC), o lado direitista da USP

Vida Urbana – Por IGOR RIBEIRO. – 07/11/2011

OS ANTI-MARX Saulo Mega Soares, entre dois jovens conservadores. Eles provocam um novo embate ideológico no meio universitário

Alto, magro, de olhos claros e cabelos cacheados, Arthur Pittarello poderia se orgulhar de sua juventude. Mas o estudante de ciências sociais da USP parece não ligar para a própria idade. “Aí você me pegou. Tenho 22 ou 23…”, diz. Sua hesitação é reveladora: Pittarello é um cara tradicional. Monarquista e religioso, é presidente da União Conservadora Cristã (UCC). A entidade nasceu num ambiente naturalmente hostil: entre os estudantes da USP, famosos por sua histórica militância de esquerda. Mais curioso é que ele sobreviva sem o apadrinhamento de nenhum partido político de centro ou de direita. Mesmo assim, cerca de 20 jovens como ­Pittarello (23 anos confirmados) integram o UCC.

A entidade surgiu há dois anos para disputar o Diretório Central dos Estudantes da USP. Conseguiu o apoio de 217 pessoas e ficou em sexto lugar. Sem chance de vencer, a chapa chamou a atenção. Em maio, voltou a ser notícia ao participar da Contra-­Marcha da Maconha, questionando os argumentos pró-legalização da droga. O episódio rendeu à UCC a pecha de extremadireita, prontamente recusada.

Por saber que defendem ideias controvertidas no âmbito acadêmico, seus integrantes costumam ser avessos à exposição. Relutaram em falar com a reportagem de Época SÃO PAULO. Alguns não quiseram fornecer seus nomes reais e apenas um quis mostrar o rosto: o rapaz em primeiro plano na foto à direita, Saulo Mega ­Soares, de 21 anos. “Eu era trotskista quando cheguei à faculdade”, diz ele, hoje no quarto ano de Direito. “Estudei e debati muito até perceber que a filosofia marxista é equivocada. O século XX foi a completa negação de tudo o que Marx previu.” Além de ser articulado e denotar erudição, Soares joga futebol e vai à academia. “Além da leitura, gosto muito da atividade física.”

Cada um tem suas razões para estar na entidade. Catarina (nome fictício), de 20 anos, cresceu numa família católica do interior paulista. Tímida, retraída e claudicante nas palavras, ela diz que sempre cultivou um sentimento anticomunista. “A busca pela verdade é o que me move”, afirma ela, que também estuda na faculdade do Largo São Francisco. Seu colega, Pedro Henrique Barreto, de 21 anos, entrou em depressão ao procurar respostas sobre a questão do aborto – diz que a reflexão político-religiosa o salvou. “Somos movidos pela castidade. Deus nos mandou ser assim”, diz o estudante, que namora uma conservadora como ele. Sexo, só depois do casamento. Barreto gosta de jazz, música clássica e do filme Cidadão Kane, o clássico de Orson Welles. Catarina prefere rock, como AC/DC e Titãs. Um de seus filmes preferidos é Tropa de elite, o mesmo de Soares, que ouve Skank e Jota Quest.

De gostos diferentes, se irmanam na ideologia. São todos monarquistas, reprovam o aborto e a homossexualidade – e defendem o porte de arma. Para o filósofo Renato Janine Ribeiro, eles preenchem uma lacuna real na militância universitária. “Os grupos de esquerda atuais não defendem mais objetivos ideológicos, como justiça social”, diz o professor de ética e filosofia política da USP. Isso favoreceria a defesa de causas opostas.

“Acho saudável que exista alguma reação como a UCC”, diz o filósofo Olavo de Carvalho. Espécie de guru do conservadorismo brasileiro, ele lamenta a ausência de oposição ao que chama de “hegemonia da esquerda”. Mas acha que a militância jovem não terá força fora das universidades. “Politicamente, não vai dar em nada”, diz. Segundo Carvalho, figuras como o falecido doutor Enéas Carneiro e o deputado Jair Bolsonaro são expoentes “patológicos e excêntricos”. Para ele, não existe uma direita intelectualmente respeitável no Brasil.

Pittarello concorda: “A situação política de hoje não dá espaço a um conservador. Não temos um projeto de poder”. É nesse vazio que a UCC se mobiliza para estudar, discutir e promover eventos sobre os temas que defende, seja na USP, seja na Unicamp, onde também conta com adeptos. “Não vamos nos reduzir à mera divulgação política”, diz Barreto. “A gente também quer estudar, quer saber, quer aprender.”

AS BASES DE UM CONSERVADOR
O filósofo Olavo de Carvalho elaborou a lista ao lado para ajudar a diferenciar conservadores de revolucionários

TRADIÇÃO
O conservador preza a experiência passada como forma de pensar o presente, em contra-ponto ao revolucionário, que entende o presente com base num futuro hipotético

PROVIDÊNCIA
O povo não deve sofrer os efeitos das escolhas de gerações anteriores. Os políticos têm o direito de experimentar e aprender com a experiência, mas não o de testar práticas ­arriscadas de longo prazo

REFORMA
Governos não têm o direito de fazer algo que os seguintes não possam desfazer. Ne­nhuma ordem social do passado foi tão ruim a ponto de bloquear a mera possibilidade de uma nova ordem

DEMOCRACIA
A revogabilidade das medidas de governo é um princípio democrático essencial, mas propostas revolucionárias tendem a concentrar o poder e a excluir para sempre as propostas alternativas

EQUILÍBRIO
A mentalidade revolucionária não é um traço permanente da natureza humana e deve ser erradicada como condição essencial para a sobrevivência da liberdade no mundo.

Uma lição tardia – II

Uma lição tardia - II

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 1 de novembro de 2011

Consolidada na literatura há quase dois séculos, a diferença entre as imaginações morais respectivas da direita e da esquerda acabou se transmutando em automatismo verbal e se espalhando pelos debates públicos, pela mídia, pela linguagem cotidiana. Comprovando uma vez mais a regra de Hugo Von Hofmannsthal de que nada está na política sem ter passado primeiro pela literatura, o modo como os romancistas das duas alas concebem seus personagens politicamente antagônicos tornou-se o modo como a direita e a esquerda se imaginam uma à outra (é claro que me refiro à direita e à esquerda “normais”, institucionais, e não a extremismos loucos, que têm de ser analisados sob outra perspectiva). Quase que invariavelmente, o conservador, ou o “liberal” no sentido brasileiro do termo, concebe o esquerdista como uma alma carregada de boas intenções, inspirada em nobres propósitos, tão-somente um pouco imatura, iludida por uma falsa visão do mundo real e condenada, por isso, a cometer erros colossais. Já o esquerdista raramente fala do seu adversário sem lhe atribuir motivações perversas, sem explicar suas idéias como ferramentas a serviço de tramóias obscuras, desejos egoístas e “interesses inconfessáveis”. Na mais generosa das hipóteses, faz abstração da sua diferença individual, reduzindo a “interesses de classe” tudo o que ele diz ou faz.

A esse fenômeno, tão regular e constante, soma-se um outro, dele derivado e ainda mais acessível à comprovação estatística: os representantes da esquerda legítima, “respeitável”, permitem-se falar de seus adversários numa linguagem de virulência tal que, na direita, somente a minoria de extremistas desequilibrados ousaria usar contra a esquerda. É a “querra assimétrica” verbal, que precede a guerra assimétrica stricto sensu. A vultosa amostragem colhida por Cliff Kincaid em www.aim.org/wls/ e por Fred Gielow em I Can’t Believe You Said That. Hundreds of Liberals Speak Their Minds (Washington D.C., Accuracy in Media, 2008) é mais que suficiente para ilustrar, se não para provar o que estou dizendo. Na literatura como na política, a tendência da direita é para humanizar a imagem do adversário, para torná-lo compreensível em termos de motivações racionais aceitáveis, enquanto na esquerda prevalece o impulso de reduzir a individualidade concreta do direitista a algum esquematismo sociológico despersonalizante, quase sempre repulsivo e odioso.

Essa diferença de imaginação e de linguagem basta para explicar por que a esquerda, embora seja a recordista número um de crimes contra a humanidade, continua se concebendo como a detentora do monopólio das virtudes mais excelsas. Ela pensa assim não porque tenha algum dia feito algum bem capaz de compensar o genocídio soviético, chinês e cambojano, mas precisamente porque é, das duas facções majoritárias em que se divide a arena política do mundo, a mais insensível, a mais brutal e desumana, a menos capaz de estender ao adversário um olhar de simpatia, compreensão e piedade. Na ausência desse olhar, toda comparação é impossível e o senso do bem e do mal se enrijece num muro intransponível entre “nós” e “eles”, onde a diferença já não é de escala, mas quase que de constituição ontológica, separando os seres em duas espécies estanques, tal como no título do romance comunista de Elio Vittorini: Uomini e No. Não espanta que, nessas condições, a absoluta indiferença ou cumplicidade cínica ante o genocídio de centenas de milhões de pessoas coexista pacificamente, na alma esquerdista, com as mais lacrimosas efusões de coitadice quando um terrorista é preso, condenado ou submetido a maus tratos. A esquerda se acha a melhor justamente porque é a pior. A mais humana, porque é a mais inumana. A direita, por sua vez, ajuda solicitamente na manutenção do engodo, na medida em que sua natural ojeriza a deformar a imagem do adversário mediante estereótipos pejorativos acaba se pervertendo numa compulsão de lisonjeá-lo a todo preço e até numa recusa obstinada de enxergar as motivações dele com um mínimo indispensável de realismo. Ambas se enganam a si mesmas, uma a favor dela própria, a outra contra ela própria.

Também não espanta que, mantendo o adversário sob um bombardeio constante de imprecações, ofensas, falsas acusações e apelos sumários ao seu assassinato, a esquerda busque nas mais neutras e inócuas declarações dele um sinal de “hate speech”, de racismo, de homofobia ou de qualquer outra aparência de delito que lhe permita expô-lo à execração pública como um monstro asqueroso e, se possível, privá-lo de sua liberdade e de seus meios de subsistência. Nas universidades americanas, onde a todo momento se ouvem apelos ostensivos ao assassinato de conservadores, basta um destes ou mesmo um professor apolítico insinuar educadamente que talvez os papéis sociais de homens e mulheres sejam distinções naturais em vez de construções culturais arbitrárias, e pronto: o infeliz está sujeito não somente à acusação de racismo e nazismo, mas, por incrível que pareça, a um processo por “assédio sexual”. Não pensem que é exagero meu ou generalização retórica de casos excepcionais. Os processos dessa natureza se disseminaram de tal maneira que a National Association of Scholars, importante entidade de estudiosos conservadores, está espalhando um apelo dramático a todos os reitores de universidades para que coíbam esse uso abusivo das leis de proteção à mulher. Abusivo, é claro, no entender dos conservadores: para o esquerdista – e não me refiro só à extrema-esquerda — é tão natural farejar crime de assédio sexual numa mera hipótese sociológica exposta em sala de aula quanto enxergar uma ameaça iminente de genocídio homofóbico na simples atitude profissional de um psicólogo clínico que tente ajudar a libertar da compulsão homossexual um paciente que lhe peça, que lhe implore para fazer exatamente isso. Novamente, não estou criando hipóteses no ar: o caso da psicóloga Rozangela Justino é (ou deveria ser) bem conhecido no Brasil. Duzentos anos de deformação pejorativa da imagem do “inimigo” desembocam na perseguição tirânica exercida em nome da proteção contra perigos não só inexistentes como até mesmo impensáveis. Embora o extermínio preventivo de adversários hipotéticos tenha sido a prática mais constante da esquerda nas nações sob o seu domínio, é curiosamente a direita que tem a fama de “paranóia”, de enxergar comunistas embaixo da cama. Paradoxo, sim, mas efeito patente da retórica invertida que mencionei acima.

Uma lição tardia – I

Uma lição tardia - I

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 31 de outubro de 2011

 

Lendo a bela resenha que Gertrud Himmelfarb consagrou na New Criterion de outubro ao livro recentíssimo de Adam Kirsch sobre Lionel Trilling (Why Trilling Matters, Yale Univ. Press, 2011), tento, em vão, medir a diferença entre um país onde se busca, com justiça, recuperar a memória perdida do grande crítico e outro país onde a influência dele jamais penetrou nem pode penetrar.

Se nos EUA o estudo sério da literatura nas universidades foi quase inteiramente soterrado sob toneladas de propaganda feminista, gayzista, islamista, comunista, africanista, o diabo, no Brasil a própria literatura desapareceu por completo – fato inédito na história de qualquer país do Ocidente –, mal subsistindo uma vaga lembrança do que essa atividade possa ter representado em épocas passadas. Até a Academia Brasileira que por algum motivo continua a chamar-se “de Letras” já não sabe direito do que se trata, imaginando ser coisa relacionada às pessoas dos srs. Lula, Ronaldinho Gaúcho, João Havelange, Diogo Nogueira e outros ali homenageados por sua absoluta falta de méritos literários visíveis ou invisíveis.

Mas não é só por isso que a mensagem de Lionel Trilling repercutirá nestas plagas como a campainha do recreio soando num cemitério. É também, e sobretudo, porque ela fornece o padrão de medida com que se pode avaliar a extensão da calamidade cultural brasileira, e esta última, aferida por semelhante critério, mostra já ter passado daquele ponto em que tomar consciência de um estado de coisas miserável é um princípio de esperança. O Brasil mal chegou a desempenhar um papel insignificante na história intelectual do mundo, e já abdicou até mesmo das condições mínimas que lhe permitiram fazê-lo durante algum tempo. A opção preferencial pela barbárie e pelo grotesco foi levada às suas últimas conseqüências, e não existe via de retorno. Brasileiros podem, é claro, continuar estudando, criando, descobrindo, escrevendo coisas boas. Mas serão contribuições individuais, isoladas, não integráveis em qualquer conjunto que valha o nome de “cultura nacional”. Pelo menos é essa a conclusão a que chego quando examino a história mental deste país nas últimas décadas com os olhos de um aprendiz devoto dos ensinamentos de Lionel Trilling, um autor que li muito desde a juventude, com satisfação imensa, e do qual não posso dizer que tenha jamais discordado em algum ponto essencial.

O principal desses ensinamentos é que uma sociedade, sua história e sua política só podem ser compreendidos à luz daquela “imaginação moral” que se adquire com a assídua freqüentação da grande literatura. A imaginação moral não é a absorção de um código moral, mas, ao contrário – nas palavras do próprio Trilling –, “a consciência das contradições, paradoxos e perigos de viver a vida moral”.

Himmelfarb observa que, ao longo das obras de Trilling, algumas das palavras mais freqüentes são “variedade”, “possibilidade”, “complexidade”, “dificuldade”, “sutileza”, “ambigüidade”, “contingência”, “paradoxo” e “ironia”. São os termos que traduzem a própria substância da vida moral, não como aparece no esquematismo abstrato dos códigos e regras, mas na realidade da existência concreta, que não é acessível à compreensão intelectual antes de ser elaborada em símbolos pela imaginação literária.

Os humanistas do quattrocento e do cinquecento, e antes deles os pedagogos das escolas monacais dos séculos XI e XII, já haviam compreendido isso com muita clareza. Era na leitura dos clássicos que eles adquiriam o senso da compreensão, da benevolência, da misericórdia e da delicadeza de sentimentos – as virtudes própriamente humanas que os preparavam para a piedade e a caridade cristãs.

Foi com base em considerações dessa ordem que Lionel Trilling escreveu seu célebre estudo da ideologia americana dominante, The Liberal Imagination (1950). A palavra “liberal”, nos EUA, não tem nada a ver com o liberalismo econômico clássico que ela evoca espontaneamente no Brasil. Designa, bem ao contrário, o progressismo esquerdista que favorece os programas sociais, os impostos altos e o intervencionismo estatal, não raro o comunismo puro e simples. O progressismo, observava Trilling, era de fato a única tradição intelectual dos EUA. Entre o povo havia sentimentos conservadores, mas não, entre os intelectuais, uma história contínua de idéias conservadoras em debate. Daí a importância de examinar o fundo de símbolos e emoções por baixo das idéias esquerdistas em evidência. E a primeira coisa que o crítico aí notava era a rigidez esquemática das reações morais, a falta daquela abertura para a variedade e ambigüidade das situações humanas, que tão nitidamente transparecia entre os conservadores como Samuel Johnson, Edmund Burke, Samuel Taylor Coleridge, Mathew Arnold – ou, acrescento eu, Balzac, Dostoievski, Leonid Andreiev, Manzoni, Papini, Henry James, Conrad, Mauriac, Bernanos, Soljenítsin, V. S. Naipaul, Eugenio Corti.

“Se o progressismo tem uma fraqueza desesperadora, é uma imaginação moral inadequada.” Inadequada porque simplista e irrealista. “O progressista pensa que o bom é bom e o mau é mau: ante a idéia de bom-e-mau, sua imaginação falha.”

A diferença aparece com ênfase máxima na maneira como os romancistas traçam os personagens de seus virtuais antagonistas políticos. Os romances escritos pelos conservadores pululam de revolucionários, comunistas, anarquistas, terroristas e assassinos políticos retratados com toda a complexidade moral da sua vida interior e das situações que atravessam. Nos romances “de esquerda”, o adversário político quase sempre aparece sob forma caricatural, desumanizada ou monstruosa, sem qualquer atenuante, sem qualquer ambigüidade, sem qualquer concessão relativista ou mera simpatia humana. Leiam Gorki, Barbusse, Brecht, Hemingway, John Steinbeck, Ilya Ehrenburg, Theodore Dreiser, Lillian Helman, Howard Fast, e entenderão do que estou falando. É quase impossível conceber, na obra desses e outros romancistas de idêntica filiação ideológica – pelo menos enquanto permanecem sob a influência direta do movimento esquerdista – um personagem conservador ou de direita que tenha alguma virtude humana, alguma qualidade moral, alguma razão aceitável para ser como é e pensar como pensa. Há exceções, é claro, mas, em linhas gerais, a “imaginação moral”, ou mesmo a simples compreensão humana, parece ser monopólio da literatura conservadora. Não deixa de ser significativo que o próprio Georg Lukacs, o príncipe dos críticos marxistas, procurando na literatura de ficção exemplos de realismo objetivo à altura dos mais altos cânones do marxismo, os encontrasse antes nas obras de Balzac e Dostoievski – ou do apolítico Thomas Mann – do que entre os escritos de qualquer autor comunista.

A explicação de fenômeno tão uniforme e constante não me parece difícil de encontrar. O esquerdismo é quase que invariavelmente uma tomada de posição militante, que, se não leva necessariamente o escritor a filiar-se a um partido, ao menos faz dele um “companheiro de viagem” cujo círculo de convivência é preferentemente escolhido (por ele ou pelo próprio círculo) entre correligionários ideológicos. O próprio Partido Comunista sempre se encarregou de fazer com que fosse assim: ao menor sinal de que um escritor ou artista tinha simpatias de esquerda, agentes comunistas tratavam de assediá-lo, infiltrando-se em todos os meios que o infeliz freqüentava e fazendo o que podiam para tirar o máximo proveito político de suas palavras e induzi-lo a atitudes cada vez mais militantes, tanto na vida quanto na obra (leiam Stephen Koch, Double Lives: Spies and Writers in the Secret Soviet War of Ideas Against the West, 1994).

Já o conservadorismo é na quase totalidade dos casos uma pura preferência pessoal, desacompanhada de qualquer empenho de combatividade militante e livre de envolvimento direto ou indireto em organizações políticas de qualquer espécie. É normal que, ao desenhar o perfil de seus possíveis antagonistas políticos, o romancista conservador se atenha antes às exigências do realismo psicológico e da “imaginação moral” que às de qualquer intuito pedagógico-partidário de “transformar o mundo”. (Continua.)