Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 14 de fevereiro de 2013
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 14 de fevereiro de 2013
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 13 de fevereiro de 2013
A queda do nível de consciência geral é chamada de “imbecilização”, quando a mera redução do número de gênios seria, mais apropriadamente,um “empobrecimento”.
Faz dezessete anos que publiquei O Imbecil Coletivo: Atualidades Inculturais Brasileiras, onde ilustrava com toda sorte de exemplos o desmantelamento da cultura superior no Brasil e sondava as causas de tão deprimente estado de coisas. Desde então, à medida que o fenômeno alcançava dimensões maiores e mais alarmantes, não cessei de acrescentar a essa obra, em artigos e conferências, inúmeras atualizações, esclarecimentos e novas análises.
Ao longo de todo esse período, não veio, da mídia ou do establishment universitário, nenhum sinal de que alguém ali desejasse discutir seriamente o problema ou reconhecer, ao menos, que um cidadão desperto havia soado o alarma.
Ao contrário: tudo fizeram para ocultar a presença do mensageiro e dar por inexistente o mal que ele apontava, do qual eles próprios, por suas ações e omissões, eram os sintomas mais salientes.
Chegaram ao cúmulo de, não podendo ignorar de todo as obras essenciais que eu recolocava em circulação com extensas introduções, notas e comentários, noticiá-las sem mencionar o nome do preparador, como se os textos abandonados no fundo do baú da desmemória nacional tivessem saltado dali por suas próprias forças, sem nenhuma ajuda minha.
Inaugurado quando da minha edição dos Ensaios Reunidos de Otto Maria Carpeaux em 1998, o “Consenso Nacional da Vaca Amarela”, como o chamei na ocasião, continua em pleno vigor, como se vê por dois exemplos recentes.
Na Folha de S. Paulo, um sr. Michel Laub faz ponderações sobre a Dialética Erística de Schopenhauer, usando a edição comentada que dela publiquei pela Topbooks em 1998 e esmerando-se em suprimir o meu nome ao ponto de atribuir ao filósofo alemão o título editorial “Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão”, como se fosse do texto original e não dos meus comentários.
Em recente edição da Carta Capital o sr. Mino Carta deplora o que ele chama de “imbecilização coletiva”, no tom de quem soa um alerta pioneiro e fingindo ignorar que esse termo, há muito tempo, já deixou de ser uma expressão genérica para se tornar alusão a um dos livros mais lidos das últimas décadas.
Talvez eu devesse estar contente de que, mesmo sem menção ao tremendo esforço que fiz para revelá-lo, o fenômeno mesmo se tornasse por fim objeto de alguma atenção. Mas o sr. Carta só toca no problema com a finalidade de encobrir suas causas, lançar as culpas sobre os bodes expiatórios de sempre e bloquear, enfim, toda possibilidade da discussão séria pela qual venho clamando desde 1996.
Desde logo, ele só enxerga a degradação cultural do Brasil pelo aspecto quantitativo da escassez de grandes obras – a qual, em si, não seria tão grave se a massa da produção mediana e os debates correntes dessem testemunho de um nível de consciência elevado, honrando uma herança que já não se consegue emular.
É justamente a queda do nível de consciência geral que justifica falar de “imbecilização”, quando a mera diminuição do número de gênios por quilômetro quadrado seria chamada mais propriamente de “empobrecimento” ou coisa assim.
Desprovido de qualquer tino de historiador ou sociólogo, o sr. Carta limita-se a registrar o fenômeno com a superficialidade de um resenhista cultural. somente entra no debate com um atraso monstruoso, mas rebaixa formidavelmente o nível de análise já alcançado uma década e meia antes.
Com aquele automatismo de quem já tem resposta pronta para todas as questões em que não pensou, ele lança o débito da miséria cultural brasileira na conta dos culpados genéricos mais à mão, os malditos capitalistas, sobretudo os donos da mídia. Em suma: os concorrentes comerciais do sr. Carta, que odeia o capitalismo mas ama o capital ao ponto de fazer dele o nome da sua revista.
Pergunto eu: em que foi que os expoentes da cultura brasileira antiga, um Guimarães Rosa, um Graciliano Ramos, um Gilberto Freyre, um Manuel Bandeira, dependeram jamais da mídia para produzir suas altas criações?
O sr. Carta, com toda a evidência, confunde cultura com show business: este não sobrevive sem a mídia, mas os grandes, os espíritos criadores, trabalham não só longe dela como contra ela. O que quer que ela diga ou faça não pode reforçar ou tolher sua inspiração. Em segundo lugar, a imbecilização da própria midia, que reflete na esfera mais baixa o decréscimo de QI nos andares superiores, não é de maneira alguma culpa dos empresários.
Quem quer que tenha alguma experiência de jornalismo no Brasil sabe que os donos e acionistas só interferem na redação muito raramente e na defesa de pontos específicos do seu interesse, deixando a orientação geral das publicações aos cuidados das celebridades jornalísticas, das primas donas, que aí imperam com invejável liberdade de movimentos, como o próprio Sr. Carta imperou no Jornal da Tarde, na Veja e em não sei mais quantos lugares.
Sabe também que essas lindas criaturas implantaram nas redações, desde a década de 1980, o mais estrito monopólio esquerdista, restringindo o espaço das vozes discordantes, eliminando qualquer possibilidade de confrontação de ideias e ainda discursando cinicamente contra o “pensamento único”, como se o único “pensamento único” que ali se praticava não fosse o delas próprias. Falaremos mais sobre este assunto no próximo artigo.
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 7 de fevereiro de 2013
É praticamente inevitável que, num meio social cada vez mais burro e tacanho, cada vez mais materialista, imediatista e dinheirista, um trabalho como aquele que desenvolvo nos meus cursos e conferências desperte todo um florescimento de suspeitas e fantasias paranóicas.
Se neste país nem mesmo as pessoas de classe média e alta têm alguma ideia do que seja um filósofo no sentido vulgar, profissional e burocrático do termo, como poderiam entender alguém que busca, na linha de um Louis Lavelle, de um Dietrich von Hildebrand ou de um Gabriel Marcel (autores dos quais nunca se ouve falar na úichpi ou na púqui), restaurar a síntese clássica de cultura, pensamento e vida, a união indissolúvel do saber e do ser, a filosofia como uma disciplina não só da inteligência, mas da alma?
Incapazes de encontrar para essa atividade uma classificação tranquilizante na nomenclatura das profissões usuais, muitos são os que conjeturam, para explicá-la, toda sorte de hipóteses extravagantes. O temor caipira mescla-se aí ao fenômeno mais geral e disseminado da adolescência prolongada, gerando as reações mais incríveis e estratosféricas.
Sabendo que vez por outra vêm estudantes à minha casa, para aí impregnar-se um pouco de um estilo de vida que dê substância existencial ao que aprenderam nas minhas aulas, papais e mamães, preocupados com a segurança e bem-estar de seus bebês de vinte, trinta ou quarenta anos, perguntam angustiadamente se não se trata de uma seita, de um movimento subversivo ou mesmo de alguma rede internacional de tráfico de escravas brancas, e advertem as criancinhas para que se mantenham a uma prudente distância de coisas tão horríveis.
Aqueles que leram dois ou três livrinhos, o suficiente, no Brasil, para fazer de um retardado mental um jornalista, um professor, um “formador de opinião”‘, dão expressão pública a essas fantasias domésticas, fornecendo, para explicar as minhas atividades malignas, teorias que, decerto, dizem mais a respeito deles próprios que de qualquer coisa que tenha a ver com a minha pessoa de carne e osso.
Conforme o seu grupo de referência – pois no Brasil não há pensamento individual, só o bom e velho “imbecil coletivo” –, arrumam suas conjeturas e suspeitas numa linguagem que simula a racionalidade-padrão do seu meio social, às vezes chegando até a acreditar que com isso disseram algo de tremendamente científico.
A hipótese da “seita”, com direito a escravização mental e genuflexões ante o guru, foi posta em circulação pelo sr. Rodrigo Constantino, o qual não precisou, para isso, nem frequentar minhas aulas, nem coletar depoimentos de vítimas traumatizadas, nem muito menos ler os meus livros de filosofia, que passam léguas acima da sua cabecinha, bastando-lhe tão-somente lamber por alto meia dúzia de meus artigos e, vendo aí algumas referências a Deus, concluir que se tratava de religiosidade fanática e doentia (adjetivos redundantes, já que para ele toda religiosidade é isso).
Sendo o sr. Constantino aceito em certos círculos como porta-voz do liberalismo econômico iluminista, disciplina em cujo domínio o ex-ministro Ciro Gomes demonstrou que ele tem a agilidade de uma tartaruga de pernas para o ar, é compreensível que ele pense que todo mundo que não é igual a ele nem comunista deva ser um esquisitão do tipo Rajneesh ou Reverendo Moon.
Já um tal sr. Bertone não sei das quantas, que se diz psicólogo – e talvez o seja mesmo, pois no Brasil tudo é possível – assegura que sou um representante vivo do “patriarcalismo burguês”, daqueles que em casa impõem o mais severo moralismo repressivo, mas, quando os filhos chegam aos quatorze ou quinze anos, os levam a um puteiro para que aprendam a ser machões exemplares. Na verdade, a instituição mais próxima de um puteiro à qual fui com meus filhos foi o jardim zoológico. Juro que jamais os levei ao Congresso Nacional.
Em contraste com o sr. Bertone, outros disseram que sou homossexual ou transexual furioso, desses que não podem ver homem sem ter chilique, e que viajei para a Europa para trocar de sexo, só restando, na minha modesta opinião, esclarecer qual sexo eu tinha antes e qual tenho agora, excluída a hipótese de que eu haja me submetido àquela sangrenta operação duas vezes, de modo a que ninguém desse pela diferença.
Em certos meios militares, estimulados pelo conhecimento da minha amizade de juventude com os srs. José Dirceu e Rui Falcão, e atordoados ante o fato de que eu fizesse críticas à ditadura ao mesmo tempo que a defendia contra acusações demasiado inventivas, correu a história de que eu era um agente de desinformação, um comunista enrustido, íntimo de Nicolae Ceaucescu (o qual estava morto já fazia dez anos quando cheguei à Romênia pela primeira vez).
Não espanta, pois, que aqueles que receberam na universidade algumas noções de marxismo – ou do que se entende por isso nas regiões intelectualmente inóspitas do Terceiro Mundo –, não consigam resistir à tentação de me explicar, segundo os cânones dessa doutrina, vendo em mim um agente pago do imperialismo internacional, o qual imperialismo, para todos os fins de fato e de direito, fica representado nessa história pelo Diário do Comércio.
O nosso já conhecido sr. Patschiki alerta a seus companheiros que, de parceria com essa organização fascista, planejo matá-los a todos. Ele acredita mesmo nisso, e não me parece que seja possível demovê-lo dessa convicção aterrorizante sem umas boas palmadas no traseiro, não muito eficientes, no entanto, porque ele as interpretará como tentativa de assassiná-lo pela parte mais elevada da sua inteligência.