Registro para a História

Registro para a História

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 27 de fevereiro de 2013

O “Consenso Nacional da Vaca Amarela”, a que me referi no artigo Causa mortis, consiste na aplicação geral e infalível da regra baixada pelo comissário do povo, Milton Temer, para todos os militantes, simpatizantes e puxa-sacos do comunismo na mídia brasileira: “Não comentem o Olavo de Carvalho” (ver http://www.fazendomedia.com/fm0023/entrevista0023.htm)).

Não tive, é claro, a honra de ser o único objeto dessa medida preventiva, já existente, aliás, antes que o sr. Temer a condensasse nessa fórmula imortal. Entre meus antecessores ilustres contam-se Gustavo Corção e Antônio Olinto, dois dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. O primeiro, morto há 34 anos, continua a desfrutar de uma confortável inexistência midiática; o segundo só saiu dela quando lhe sobreveio em 1997 a punição ainda maior de ser eleito para a Academia Brasileira de Letras.

Há também versões menores do pacto, aplicadas em domínios profissionais específicos e mais restritos. Geraldo Vandré e Juca Chaves foram vítimas da Vaca Amarela no show business. Gilberto Freyre esteve proibido na USP até o seu centenário, em março de 2000: tive a ocasião de testemunhar pessoalmente a abertura solene das boquinhas seladas, em cerimônia oficiada não no salão nobre da universidade, mas num discreto barracão, como se fosse um encontro furtivo de amantes ilícitos.

Minha inserção na lista foi devida ao vexame sofrido em 1996 por uma dezena de intelectuais de esquerda, que caíram de paus e pedras sobre o meu livro O Imbecil Coletivo e se deram muito mal, nada mais tendo conseguido provar senão que a obra era a respeito deles próprios.

 Esse vexame histórico levou-os à conclusão de que a atitude mais prudente a observar com relação ao autor era a mais rigorosa boca-de-siri. Tal decisão foi tomada na esperança de que, excluído da mídia, eu desapareceria do reino do ser, de vez que essas pessoas, não tendo substância senão midiática, julgam que os outros são compostos de idêntica matéria e sofrem de vazio existencial quando O Globo e a Folha não falam deles.

O Consenso corresponde, esquematicamente, àquilo que a socióloga alemã Elizabeth Noelle-Neumann definiu como “espiral do silêncio”, com a diferença, porém, de que o silêncio só é observado na grande mídia, ao passo que, nas salas de aula e outros círculos de influência, longe da possibilidade de um revide, os signatários e aderentes do pacto se empenham num zunzum dos diabos, atribuindo-me todas as intenções que não tenho nem posso ter – como a de instalar um governo teocrático, mandar homossexuais à fogueira ou fazer ressurgir da tumba o general Francisco Franco –, de modo a atiçar contra mim a imaginação de estudantes que sentem nisso um frisson indescritível.

Mal acabava eu de dar duas provas da contínua vigência daquele acordo célebre em pleno ano de 2013, quando logo em seguida me veio mais uma. Em artigo publicado no jornal Valor Econômico (http://www.valor.com.br/cultura/3000238/o-fim-de-um-tempo-no-jornalismo-cultural), um cidadão de nome Flávio Moura, professando dar um breve panorama do jornalismo cultural no Brasil atual, menciona ali todos os nomes, inclusive alguns dos mais óbvios continuadores do meu trabalho, omitindo, é claro, o de alguém que não só atuou muito mais que eles nessa área (e em algumas mais altas), mas ainda pôs em circulação uma infinidade de autores essenciais esquecidos ou nunca antes mencionados na nossa mídia cultural, como Louis Lavelle, Eugen Rosenstock-Huessy, Constantin Noica, Émile Boutroux, Eric Voegelin, Lipot Szondi e não sei quantos outros, coisa que por si já ultrapassa imensuravelmente as contribuições, conquanto meritórias, dos jornalistas referidos no artigo.

É claro que omissões como essa não me ferem no mais mínimo que seja (afinal, não foi por afã de notoriedade que só estreei como opinador na mídia aos 48 anos), mas registrá-las é estritamente obrigatório porque documentam, mais que quaisquer outros indícios, o estado presente da incultura brasileira, fenômeno tão inédito e deprimente  que já começa a incomodar até mesmo os seus próprios pais e responsáveis. O sr. Mino Carta que o diga.

Também é fato, atestado para além de qualquer dúvida possível por meus livros O Jardim das Aflições, Aristóteles em Nova PerspectivaA Dialética Simbólica ou A Filosofia e Seu Inverso, bem como pela massa inabarcável dos cursos e conferências do Seminário de Filosofia (www.seminariodefilosofia.org) ou pelo material reproduzido no site www.theinteramerican.org, que minhas ambições e esforços estão muito acima do jornalismo cultural, e que seria até uma ofensa designar-me tão-somente por um lugarzinho nessa área. Mas negar-me até mesmo esse lugarzinho só pode ser coisa de quem, como o sr. Temer e similares, assustado ante a abrangência e complexidade de uma obra que escapa ao seu horizonte de compreensão, prefira bater em adversários menores por saber que não tem musculatura para briga de gente grande. Que esse monstruoso e aliás justíssimo complexo de inferioridade se camufle sob afetações de desprezo olímpico só torna o fenômeno ainda mais grotesco, mais macunaímico – e sociologicamente mais significativo. Entre a tentação de responder ao sr. Moura na mesma moeda, da qual aliás não disponho, e o risco de que me acusem pela milésima vez de bater em crianças, escolho esta última hipótese e registro pois aqui o seu nome para garantir, na modesta medida das minhas forças, que os futuros historiadores da miséria mental brasileira não se esquecerão dele.

Em torno de Yoani Sanchez

Em torno de Yoani Sanchez

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 25 de fevereiro de 2013

Certas controvérsias surgidas dias atrás a propósito da blogueira cubana Yoani Sanchez, uns considerando-a uma heroína, os outros uma perigosa agente camuflada dos irmãos Castro, podem ser resolvidas facilmente se a ânsia de julgar ceder o passo ao desejo de compreender.

Os próprios dados do problema trazem a sua solução, bastando ordená-los de maneira razoável.

1. Desde logo, é insensato pensar que as denúncias da blogueira possam fazer algum bem ao regime cubano. Mais do que ninguém nos últimos tempos, ela tem contribuído para divulgar crimes e atrocidades que mancham de uma vez para sempre a reputação dos irmãos Castro. Quando, por exemplo, os horrores da ditadura cubana foram expostos no nosso Congresso Nacional com a visibilidade que lhes deu a visita de Yoani Sanchez? Imaginar que o governo cubano se alegre com isso é levar longe demais a conjeturação de planos secretos.

2. Igualmente insensato é supor que, para fazer o que faz, Yoani tenha de ser uma direitista ou conservadora ou deva satisfações ideológicas aos que assim se definem. Ela nunca foi direitista nem conservadora, e não faz o menor sentido julgar a confiabilidade, a idoneidade ou a utilidade do seu trabalho por um imaginário dever de fidelidade a uma corrente política à qual ela nunca pertenceu.

3. Yoani é uma protegida de George Soros, o que basta para situá-la historicamente como um instrumento – voluntário ou involuntário, pouco importa – do grande processo de renovação interna do movimento revolucionário, empenhado em desfazer-se de sua antiga casca bolchevista para assumir feições mais sedutoras e lançar-se a novas e mais ambiciosas conquistas.

4. Nesse processo, os velhos bolchevistas que não puderem se adaptar às novas condições serão sacrificados, como ciclicamente acontece na história das revoluções, que progridem e crescem por autodestruição, limpando-se na sua própria sujeira cuja existência negavam até a véspera. Nessas transições, o movimento revolucionário se renova e se fortalece, mas torna-se temporariamente vulnerável, de modo que suas contradições internas podem ser aproveitadas pelos seus adversários, se estes não caírem nas duas esparrelas opostas: ou imaginar que os dissidentes internos do socialismo se converteram todos às ideias democráticas e conservadoras ou, inversamente, condená-los como falsos conservadores e agentes infiltrados quando seu discurso não coincide com aquilo que em outras nações se entende como conservadorismo “autêntico”.

5. Malgrado todas as ambiguidades e hesitações no curso do processo, em última instância é impossível que Yoani sirva igualmente ao novo e ao velho esquema revolucionário. A opção dela está feita, na prática. Como ela encara isso subjetivamente é irrelevante no momento. Seus motivos íntimos só se revelarão mais tarde, e até lá toda tentativa de julgá-la moralmente, seja para aplaudi-la, seja para condená-la, é ejaculação precoce.

6. A destruição do regime cubano é um bem em si, independentemente do seu futuro aproveitamento pelo movimento revolucionário, cuja nova encarnação terá de ser combatida num outro quadro de condições, totalmente diverso da luta contra a ditadura castrista.

7. Os conceitos descritivos e categorias mentais em que se expressa o conflito interno em Cuba não coincidem com os da luta politica no resto do continente latino-americano nem muito menos no Brasil em especial ou no quadro geral do mundo. Como diria um trotsquista, historicamente esses fenômenos pertencem a “fases” diferentes. Numa ditadura socialista totalitária, não é muito urgente saber se seus dissidentes são conservadores, liberais ou apenas socialistas com pretensões democráticas desiludidos com algo que lhes parece um pseudo-socialismo – diferenças que, no quadro de uma democracia, ou mesmo de um regime meramente autoritário como o brasileiro, podem se tornar essenciais.

O “novo” socialismo do sr. George Soros só existe hoje fora de Cuba. Nesse quadro, ele representa o inimigo número um da democracia tradicional e de todos os conservadores. Dentro de Cuba, ele aparece junto com estes como a quintessência do direitismo reacionário – assim como, mutatis mutandis, no Brasil o socialismo light dos tucanos é pintado pelo governo com as cores da “extrema direita”. A diferença é que no Brasil algo à direita dos tucanos ainda pode subsistir em relativa liberdade, o que não acontece em Cuba. Se o governo cubano concede a Yoani Sanchez a margem de ação que nega a seus concorrentes de direita é por dois motivos: teme o apoio internacional que ela desfruta e, não excluindo a possibilidade de uma mudança de regime amanhã ou depois, embora lute para evitá-la, está preparado para aceitá-la com a condição de que ela não destrua de todo a ideia socialista, mas apenas lhe dê novo formato.

8. No presente momento, o trabalho de Yoani é da mais alta importância e não cabe depreciá-lo sob pretexto nenhum. O que importa é estar preparado para combater, mais tarde, as tentativas de aproveitar os resultados dele em favor do “novo” movimento revolucionário. Transformar isso numa luta pró e contra Yoani Sanchez, do ponto de vista da fidelidade ou infidelidade da blogueira a valores democráticos tradicionais que objetivamente nunca foram os dela, é processar o cão em vez do dono que o atiçou.

Revelar os compromissos de Yoani com o movimento revolucionário é decerto útil e necessário, mas fazer disso um motivo para fulminá-la com anátemas ideológicos é extemporâneo e contraproducente.

Armados e desarmados

Armados e desarmados

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 20 de fevereiro de 2013

O Homeland Security está distribuindo às escolas, igrejas, clubes e outras instituições um vídeo em que ensina como reagir a um invasor armado de pistola, rifle ou metralhadora. Receita número um: saia correndo. Número dois: esconda-se debaixo da mesa. Número três: ataque o sujeito com uma tesoura, um hidrante, um cortador de papéis, um grampeador ou algum outro instrumento mortífero em estoque no almoxarifado. E assim por diante . (Não é gozação minha. Veja emhttp://www.youtube.com/watch?v=5VcSwejU2D0).

A hipótese de manter um guarda armado ou de permitir que funcionários habilitados portem armas não é nem mesmo mencionada. É exorcizada. Há lugares, é claro, onde o exorcismo não funciona: a comissão de educadores da cidade de Newtown, aquela onde duas dezenas de crianças morreram assassinadas por um atirador alucinado, já declarou que vai seguir a sugestão da National Rifle Association e não as lições sapientíssimas do Homeland Security.

Para sua própria proteção, é claro, o Homeland Security apela ao remédio exatamente inverso daquele que recomenda aos outros. Alegando, vejam só, “defesa pessoal”, o departamento acaba de comprar sete mil fuzis AR-15 – aquele mesmo que o governo quer tomar dos cidadãos – e dois bilhões, sim, dois bilhões de balas hollow point, daquelas que espalham estilhaços no corpo da vítima. Essa munição é proibida para uso militar pela Convenção de Genebra, só podendo ser usada, portanto, contra a população civil. O inferno não está cheio só de boas intenções.

O Homeland Security é o monstro burocrático criado após o 11 de setembro, teoricamente com a finalidade de impedir o ingresso de inimigos no território. Hoje é a menina-dos-olhos do presidente Barack Hussein Obama, que conta com ele para desarmar a população e, de quebra, intimidar seus inimigos políticos.

 Uma de suas grandes realizações foi instalar nos aeroportos aquelas máquinas de raios-x que revelam às autoridades o tamanho dos pênis e os modelos das calcinhas. Nenhum terrorista foi jamais descoberto por esse meio. Em compensação, milhões de velhinhas passaram mal, milhões de senhoras e senhoritas se sentiram bolinadas, milhões de empresários perderam encontros de negócios e milhões de maridos estão até hoje tentando explicar por que chegaram tarde em casa. Mas nem tudo é prejuízo: é possível que algum namoro tenha começado nas filas de espera.

Uma das funções básicas do Homeland Security é, por definição, impedir o ingresso e a permanência de imigrantes ilegais nos EUA, mas, com o mesmo desvelo com que vasculha as partes íntimas dos viajantes nos aeroportos, o departamento se empenha em facilitar o ingresso e assegurar a permanência dos invasores: sabendo que a massa dos ilegais não vem por via aérea, desarticula a vigilância nos postos de fronteira, franqueando a passagem dos indesejáveis, e faz corpo mole na hora de expulsar os que já entraram, alegando que são muitos e não há condições de pegar um por um.

Não é preciso dizer que o presidente Barack Hussein Obama enxerga nos ilegais um delicioso contingente de futuros eleitores do Partido Democrata, assim como vê na metade nacionalista, conservadora e armada da população americana um inimigo a ser destruído por todos os meios, a começar pela sua rotulação – por enquanto oficiosa – de radical e terrorista.

Por isso mesmo, o departamento que acha impossível expulsar doze milhões de ilegais não recua ante o projeto infinitamente mais ambicioso e complexo de desarmar uma quantidade doze vezes maior de cidadãos americanos; e aliás, como vimos, já se prepara para isso estocando armas e munições, o mais convincente argumento contra os obstinados e recalcitrantes.

 O presidente tem boas razões para apostar todas as suas fichas no Homeland Security, já que o pessoal das polícias estaduais não está nem um pouco assanhado para desarmar os americanos e muito menos para atirar neles.

Em vários Estados, as associações de xerifes já declararam que, se algum agente federal aparecer por lá para  tomar as armas dos cidadãos, vão simplesmente prendê-lo.

Se há uma realidade que se torna mais óbvia a cada dia que passa, é esta: o governo Obama não quer desarmar a população – quer é desarmar os inimigos e armar os amigos, exatamente como fez Hitler nos anos 30. O próprio Obama, ainda enxugando aquela lagriminha forçadíssima e festejadíssima que dedicou às crianças mortas de Newtown, acha horrível colocar guardas armados nas escolas, mas envia suas filhas a uma onde há pelo menos onze deles; e ainda tem a cara de pau de espalhar uma foto onde aparece disparando um rifle de caça capaz de estourar os miolos de um elefante.

Outro dia, o repórter Jason Mattera encostou na parede um dos mais fanáticos desarmamentistas, o prefeito novaiorquino Bloomberg, ao surpreendê-lo circulando pela cidade com cinco seguranças armados, mas não conseguiu obter dele uma resposta à pergunta: “Por que diabos você tem o direito de se proteger, e nós não?” Em vez de responder, o prefeito mandou um dos seguranças seguir o repórter para assustá-lo.

São essas coisas, que constituem o arroz com feijão das conversações populares na América hoje em dia, que a grande mídia americana tenta esconder do seu público, ainda que não o consiga. Por que faz isso? É simples: noventa por cento dos leitores e telespectadores estão nas mãos de apenas seis empresas – GE, Newscorp, Disney, Viacom, Time-Warner e CBS –, das quais somente uma, a Newscorp, não está totalmente a serviço do esquema obamista, embora o esteja pela metade.