Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 05 de novembro 2007
Segundo o Asia Times do dia 26, “o ponto alto da visita do presidente russo Vladimir Putin a Teerã na semana passada foi o encontro com o supremo líder iraniano, aiatolá Ali Khamenei. Uma alta fonte diplomática em Teerã informou que no essencial Putin e Khamenei concordaram num plano destinado a esvaziar o incansável impulso da administração George Bush para um ataque preventivo, talvez mesmo tático-nuclear, contra o Irã. Um ataque ao Irã será visto por Moscou como um ataque à Rússia “.
Provavelmente o jornal tem razão. A ligação da Rússia com os radicais islâmicos é muito mais antiga e sólida do que a amizade fingida com os americanos. No mínimo, as principais lideranças revolucionárias muçulmanas não nasceram de nenhum espontaneísmo “fundamentalista”, mas de um longo esforço de preparação conduzido pela KGB através dos serviços de inteligência dos países satélites da União Soviética.
A KGB, hoje FSB, que desde o tempo de Lênin já mudou de nome uma dúzia de vezes mas jamais parou de crescer, é a maior, mais rica e mais poderosa organização de qualquer tipo que já existiu no mundo, e está capacitada para criar e implementar planos de longo prazo que ultrapassam o horizonte de visão da maioria dos analistas ocidentais, pelo menos os que escrevem na grande mídia. Estes tendem a explicar tudo em função de causas histórico-sociais anônimas, ignorando muitas vezes a ação de grupos e indivíduos de carne e osso por trás de tudo. A profusão desses diagnósticos pseudo-eruditos no que diz respeito ao terrorismo islâmico tem obscurecido por completo o único fator agente que tem importância efetiva: os planos de longo prazo da KGB para atacar os EUA com mão islâmica e ao mesmo tempo destruir a odiada “civilização ocidental” através de uma guerra cultural empreendida habilissimamente, na qual o próprio horror causado pelas iniciativas bárbaras dos terroristas islâmicos treinados pela KGB é usado como pretexto para um ataque brutal às tradições religiosas em geral, sobretudo aquelas mesmas que são as maiores vítimas da violência “islâmica”, isto é, o cristianismo e o judaísmo.
Entre os maiores ex-oficiais de inteligência soviéticos que desertaram para o Ocidente, é unânime a afirmação de que todo o radicalismo islâmico nada tem de islâmico e é, de alto a baixo, uma criação da KGB. Um desses oficiais, Ion Mihai Pacepa ( Red Horizons. Chronicles of a Communist Spy Chief , Washington, Regnery, 1987), relata ter sido um dos orientadores de Yasser Arafat, formado pela KGB para servir de testa-de-ferro num ataque indireto a Israel e EUA. O general Jan Sejna, membro do Comitê Central do Partido Comunista da Tchecoslováquia, testemunhou a articulação de terrorismo e narcotráfico que, preparada pelos soviéticos desde os anos 50, veio a criar todo o cenário de caos e terror em que o mundo vive hoje (v. seu depoimento em Joseph D. Douglas , Red Cocaine. The Drugging of America and the West , London, Harle, 2nd. ed., 1999). Anatoliy Golitsyn, ex-chefe da contra-espionagem anti-americana da KGB, antecipou, com base em informações de primeira mão, todos os passos estratégicos da Rússia nas últimas duas décadas, acertando, segundo aferições recentes, em 96 por cento de suas previsões, que incluíam o desmantelamento aparente do Estado soviético e ao mesmo tempo a expansão ilimitada das ações da KGB no mundo através do terrorismo islâmico, do narcotráfico, da ocupação de espaços nos organismos internacionais e da penetração maciça na mídia européia de modo a torná-la um poderoso instrumento para campanhas anti-americanas (v. New Lies for Old , New York, Dodd, Mead & Co, 1980). Suas análises são convergentes com algumas de Ladislav Bittman, ex-chefe do Departamento de Desinformação do serviço de inteligência tcheco (com missões inclusive no Brasil, onde foi um dos criadores da lenda da participação americana no planejamento do golpe de 1964: v. The KGB and Soviet Disinformation , Washington, Pergamon-Brassey’s, 1985), e também são coerentes com os fatos colhidos por Vassili Mitrokhin, alto funcionário que durante dez anos copiou em segredo arquivos da KGB e depois os transportou ao Ocidente, onde foram divulgados com a ajuda do historiador britânico Christopher Andrew em dois livros monumentais ( The Sword and the Shield. The Mitrokhin Archive and the Secret History of the KGB , New York, Basic Books, 1999, e sobretudo The World Was Going Our Way. The KGB and the Battle for the Third World , id., ibid., 2005). No mesmo sentido vêm os depoimentos e análises do coronel Stanislav Lunev, ex-membro do Diretório de Inteligência do Estado-Maior russo: “Não tenho dúvidas de que a Rússia esteve por trás de muitos desses grupos terroristas, financiando-os e equipando-os” (v. Through the Eyes of the Enemy: The Autobiography of Stanislav Lunev , Washington, Regnery, 1998). Que a Rússia, em tudo isso, opera em estreita colaboração com a China, é algo de que não se pode duvidar desde as análises do prof. Alexandr Nemets, ex-membro da Academia de Ciências da URSS (v. “Chinese-Russian Alliance”) e sobretudo desde o projeto russo de uma nova estrutura de poder militar mundial a ter como centro de comando a Organização de Cooperação de Shangai, que reúne Rússia, China, Cazaquistão, Quirziguistão, Tajiquistão e Uzbequistão (v.”Sugestão aos bem-pensantes”). Outro refugiado russo, o filósofo Lev Navrozov, decerto uma das mentes mais brilhantes do universo, vem advertindo repetidamente quanto à acumulação chinesa de armas nanotecnológicas, instrumentos por excelência da guerra pós-nuclear, capazes de destruir em poucas horas as principais cidades americanas sem qualquer estado de guerra explícito (v. The Education of Lev Navrozov , New York, Harper’s, 1975, assim como a infinidade de artigos publicados em http://www.newsmax.com/Navrozov e em www.levnavrozov.com). Mas talvez o documento mais eloqüente de todos seja o livro em que dois oficiais chineses, com antecedência de dois anos, traçam planos meticulosos para a destruição do World Trade Center por meio do choque de dois aviões e ainda sugerem, como executor preferencial do plano, o nome de Osama Bin Laden (v. Qiao Liang and Wang Xiangsui, Unrestricted Warfare , Beijing, PLA Literature and Arts Publishing House, 1999).
É absolutamente impossível que os tagarelas pomposos da mídia ocidental, com suas especulações sobre “fanatismo religioso”, “populismo” e outras desconversas, entendam melhor o fenômeno do terrorismo internacional do que essas testemunhas diretas que o viram nascer na própria fonte.
Infelizmente, no Brasil, como já tenho assinalado repetidas vezes, a mídia popular tornou-se a fornecedora predominante ou única de informações para as classes cultas, ditas “dominantes”, que outrora tinham pelo menos a sabedoria de rir da opinião dos jornais (com exceção talvez dos consistentes editoriais do velho Estadão , que tinha a seu serviço estudiosos do porte de um Nicolas Boer) e buscar alimento em fontes mais sérias. Graças a esse fenômeno deprimente, a simples sugestão de que os bons e velhos comunistas soviéticos e chineses estão por trás do terrorismo islâmico soará naturalmente como pura fantasia direitista, talvez até “macartista”. Na mente nacional, mesmo “de direita”, chavões esquerdistas idiotas, incorporados à linguagem usual da mídia, são mais convincentes do que qualquer quantidade de conhecimentos e provas. Comparando a total ignorância aí vigente com a pletora de material bibliográfico existente nos EUA sobre o assunto deste artigo, torna-se claro que o Brasil, de uma vez por todas, desistiu de entender o mundo real e consentiu em deixar-se guiar por um grupo de revolucionários cegos e loucos, nos quais confia como se fossem enviados do Senhor ou no mínimo idealistas inofensivos.
O fato é que Putin, ao visitar a Inglaterra em 2000, advertiu que o Ocidente dificilmente escaparia de uma guerra com o Islam. Só não informou de que lado a Rússia estaria nesta guerra. Todo mundo, então, entendeu suas palavras como se viessem da boca de um aliado dos EUA. Mas o sentido invertido da declaração torna-se retroativamente patente quando lembramos que, na mesma entrevista, o ditador então em germe associou a tragédia do 11 de setembro aos atentados chechenos em Moscou, como se dissesse: “O terrorismo ameaça a todos nós.” Hoje sabemos, acima de qualquer possibilidade de dúvida, que os atentados em Moscou foram uma operação da própria KGB, destinada a aumentar formidavelmente o poder do governo central russo, que enquanto isso fornecia todo tipo de armas aos terroristas islâmicos contra os quais ele mesmo advertia. Com uma mesma frase, Putin diz uma coisa para a platéia, outra para os iniciados. É típico da linguagem comunista.
Para quem estuda o assunto, não há mais como duvidar de que o terrorismo internacional, com seu irmão siamês, o narcotráfico, não é senão a realização tardia da opção feita em 1967 pela KGB, quando um dos seus comandantes, o general Aleksandr Sakharovski, definiu o novo rumo a ser seguido pelo comunismo internacional: “No mundo de hoje, quando as armas nucleares tornaram obsoleta a força militar, a nossa principal arma deve ser o terrorismo.”
Se há indícios eloqüentes de que os EUA já estão preparando o bombardeio do Irã (v. “Bush Budget Plans for Iran Attack”) , há provas ainda mais abundantes e convincentes de que algo de muito maior e mais letal vem sendo preparado contra os EUA pela Rússia e pela China. Se os americanos continuam tratando essas duas ditaduras como se fossem suas aliadas confiáveis, isso só se explica pela tirada inesquecível do falecido Nikita Kruschev: “Nós cuspimos na cara deles, e eles acham que é orvalho caindo.”