Textos

A influência de Olavo de Carvalho

Rafael Falcón

Ask.fm, 2 de julho de 2013

          

Rafael, qual foi a influência do Olavo de Carvalho na sua formação?

Não foi, ainda é. E não acho que vai parar de ser. Aprendi de muita gente, mas a importância do que aprendi com Olavo é incomparável. Embora ele fale de muitos assuntos, e eu tenha aprendido fatos ou teorias específicas por meio de suas aulas, não é isso o que faz mais diferença. A cada coisa que ensina, ele expressa um aspecto diferente, uma sutileza mais aguda de um conhecimento maior. Não é o conhecimento específico de uma área, mas um modo de abordar e organizar o conhecimento, e também de reagir-lhe. É uma coerência interna da alma. O contato com Olavo produz aos poucos uma imagem impressionante de sua harmonia interior. Contemplando essa harmonia, eu mesmo percebi muita desordem na minha própria alma, e usando Olavo como guia pude restaurar peças fundamentais da minha consciência. O processo continua. Olavo não pára de impressionar.

É claro que, visto de fora, isso parece deslumbramento sectário. Hoje em dia parece que admirar uma pessoa é pecado. Mas estou absolutamente convencido de que as pessoas que têm pudor de admirar quem lhes é superior, ou que têm medo de ser “manipuladas”, incapacitam-se automaticamente à educação no sentido mais elevado. Educação integral subentende uma pessoa integral. Se você só consegue admirar um conhecimento determinado que o mestre tem, você não pode aprender o que ele tem de mais valioso: ele mesmo. No mais, estou seguro de que não sou “manipulado”, pelo simples fato de que, a respeito de quase tudo que Olavo fala de mais técnico (como política, por exemplo), eu não sei se concordo. Eu não concordo nem discordo: eu não sei. E quem me ensinou a diferenciar o que eu sei do que não sei, e a conviver com a consciência de minha ignorância quase total, foi ele mesmo, com sua atitude, simultaneamente honesta e intensa, para com o conhecimento.

Paulo Wernek entrevista Rodrigo Gurgel

“O sistema literário brasileiro está doente.” (Rodrigo Gurgel)

Folha de São Paulo, 2 de dezembro de 2012    

Conforme a Folha adiantou, Gurgel é o jurado “C”, aquele que atribuiu notas muito baixas a favoritos da categoria Romance da 54ª edição do Prêmio Jabuti, garantindo que seus livros preferidos fossem alçados aos primeiros lugares.

Até que pudesse se pronunciar –o regulamento não permitia que se manifestasse antes da revelação oficial do júri, –Gurgel foi atacado na internet durante semanas a fio– até de “jurado Carminha”, a vilã da novela “Avenida Brasil”, ele foi chamado.

A legitimidade do voto, no entanto, foi garantida pela Câmara Brasileira do Livro, que patrocina o prêmio –o que não a impediu de chamá-lo para dar esclarecimentos sobre seus votos, o que não havia acontecido nas três edições anteriores do Jabuti, nas quais foi jurado na mesma categoria.

Nesta entrevista, concedida num restaurante em São Paulo, na semana passada, ele explicou como viveu essas semanas de tensão após a abertura de seus votos no prêmio Jabuti.

Ele também falou do sistema literário brasileiro que além de “doente” está “dominado pelos departamentos de letras das universidades”, e de sua formação.

Nesse aspecto, trata-se de uma trajetória nada incomum na era Lula: ex-militante do PT, pelo qual chegou a tentar uma cadeira na Câmara de Vereadores de Jundiaí (SP) -recebeu 700 dos 850, 900 necessários–, e ex-colaborador de publicações da CUT, Gurgel bandeou-se para o outro lado do espectro político. Hoje é engajado aluno do filósofo Olavo de Carvalho, conhecido por suas ideias conservadoras e pelo combate ao relativismo cultural.

“Não havia uma ética”, diz ele sobre as primeiras “decepções” com a esquerda, no início do primeiro governo Lula. “O discurso era um. Mas a prática era a politica maquiavélica que é feita em qualquer partido.”

No campo literário, Gurgel cultivou a fama de severo, com julgamentos implacáveis contra “estruturalistas”, “desconstrucionistas” e outros advogados do experimentalismo.
Atualmente, desenvolve um projeto ambicioso: reler todo o cânon da literatura brasileira e submetê-lo a seu crivo em textos publicados no jornal “Rascunho”. O primeiro fruto, o volume de ensaios “Muita Retórica, Pouca Literatura – de Alencar a Graça Aranha” (Vide Editorial), foi publicado em agosto.

Sobra para todo mundo, inclusive Machado de Assis. De Raul Pompeia, o importante autor de “O Ateneu”, que vem sendo revalorizado pela crítica universitária, Gurgel diz: “Nós superestimamos, e eu superestimei durante muito tempo, o Raul Pompeia”. Ele pretende chegar até Osman Lins (1924-78), célebre pelos experimentalismos de “Avalovara” (1973).

“Sempre tive uma dificuldade com os escritores nacionais”, conta. “São muito retóricos, confundem literatura com eloquência, tem essa tendência a achar que a literatura não pode ser coloquial, tem que ter alguma artificialidade.”

A crítica também não é poupada: segundo ele, “Se você não inovar em termos linguísticos, se você não tentar recriar o “Finnegan’s Wake” [de James Joyce, marco da prosa experimental] o livro já não é bom” para os críticos brasileiros. O que fica são “exercícios narcisísticos”.

Quando foi servido o vinho, Gurgel provou-o em clima de suspense, examinando cada nuance do buquê.

Apreensivos, garçom e repórter tiveram certeza de que, rigoroso que é, Gurgel ia mandar devolver a garrafa. Não foi o caso, e o crítico ergueu um brinde à literatura brasileira.

*

FOLHA – Ao perceber a mudança no regulamento, você se deu conta de que poderia decidir o resultado do Jabuti?
Rodrigo Gurgel – O meu voto não foi nem maquiavélico, nem visionário. O Jabuti é um prêmio feito em duas fases, em que você não tem contato com os outros jurados. Então a decisão é sua, individual.

Na primeira escolha, que é classificatória, você necessariamente tem que dar as notas. Então você dá as notas, mas não na perspectiva de fazer um ganhador. Você escolhe, num universo de mais de 150 romances, os dez romances que na sua opinião são os melhores. O que não significa que sejam genais, o suprassumo da literatura nacional. É a aquilo que você tem naquele momento.

Quando a gente vai pra segunda fase, o jurado recebe a lista dos romances que passaram para a segunda fase, não em ordem alfabética, mas por ordem de classificação, de na ordem das notas que os livros receberam.

Já é um ranking.
Já é um ranking. Quando eu abri o papel, a primeira coisa que me chamou a atenção [na lista de finalistas] foi o livro do Wilson Bueno [“Mano, a Noite Está Velha”, ed. Planeta], que eu havia colocado em último lugar, apesar de ter dado uma nota de oito e pouco. Se um livro que você colocou em último lugar está em primeiro na lista, a primeira reação é dupla: você pensa em reler alguma coisa do livro, para ver se o julgamento continua de pé.

E, é claro, depois que chegou à conclusão que o seu julgamento continua o mesmo, você coloca ele de volta onde colocou na primeira lista. Só que aí você quer que outros livros sejam os primeiros. Aqueles que você considera melhores. Então você derruba a nota.

Por isso você atribuiu notas diferentes a Wilson Bueno?
É, e tem que ser assim. E o regulamento permitia essa possibilidade. Um jurado que não tem escolhas é um jurado que não tem critérios claros, não há necessidade de julgar.

Qual foi a segunda coisa que me chamou a atenção? Em segundo lugar, estava o livro da Ana Maria Machado, que é um livro que eu já tinha descartado desde a minha primeira lista. Então eu não tive dúvida. Esse livro eu nem precisei olhar de novo. Tive que colocar ele na posição de penúltimo lugar.

Para ranquear as suas preferências?
Claro. É evidente. Tinha livros que eu achava que eram melhores: foram os que coloquei nos quatro primeiros lugares. Foi a mesma coisa que eu fiz com o livro da Luciana Hidalgo, que eu tinha colocado na minha lista inicial em sétimo lugar.

Quando ela surgiu em quatro lugar na lista, não tive dúvida: passei ela pra baixo também. Quais são os quatro livros melhores, na minha opinião? São esses, que eu coloquei em primeiro lugar. Foi isso, nada mais, nada menos. Em nenhum momento imaginei que o peso da minha nota poderia significar a desclassificação definitiva de alguém. Eu não fiz essa conta. Eu pensei: vou privilegiar os livros de que gostei e dar uma nota baixa para os livros de que não gostei ou gostei menos.

E você achou adequada a mudança no regulamento deste ano, que permitiu notas de zero a dez, em vez de limitar a oito a dez, como antes?
Acho que o Jabuti está buscando soluções. Essa mudança das notas deveria ter sido pensada. Quem estabeleceu a nova regra não fez as contas. Não pensou: bom, quais são as situações que podem ocorrer? Ou então acreditou que todos os jurados votariam sem compromisso.

O que, aliás, é o que mais me chama a atenção nas críticas que recebi. E as mais violentas foram de escritores. Eu acho interessante. Em nenhum momento passa pela cabeça deles que eles poderiam ser um dos livros escolhidos por um jurado que luta pelos livros de que gosta. Um jurado que não teme se comprometer.

Que reações foram essas?
Foram coisas na internet, as pessoas julgando a minha atitude como se fosse irresponsável, impensada, desonesta, quando não é nada disso. Sou apenas um crítico que se compromete com as coisas, eu digo o que eu penso, não tenho medo de julgar e julgo. E se me pedem para julgar e me dão os critérios, eu uso os critérios.

O que pensou da atitude de do curador do prêmio, José Luiz Goldfarb, de logo no anúncio dos finalistas atribuir ao jurado C a responsabilidade pela situação?
As informações que tenho sobre ele, de amigos em comum, são todas ótimas. Eu não vi uma pessoa até hoje falar mal do Goldfarb. Acho que a atitude dele foi a de quem foi pego desprevenido. Ele não tinha feito as contas, não estudou os cenários possíveis. Não falou: se dois críticos derem dez e os outro crítico der zero, o que acontece com esse livro?

Quando ele viu o que aconteceu, ele simplesmente não estava preparado. E quando você não está preparado, é claro, prevalece a emoção.

Ele procurou você?
Nós conversamos por telefone, por solicitação de uma pessoa que é da comissão coordenadora. Essa pessoa começou a me cobrar posições, que eu justificasse a minha atitude. Eu disse: escuta…

Isso já tinha acontecido em edições anteriores?
Nunca me perguntaram nada, nunca tive contato com ninguém. Eu nunca tinha conversado com o Goldfarb. Eu disse então faz o seguinte: me dá o telefone do Goldfarb e eu ligo diretamente para ele.

E como foi?
Foi ótima, foi uma conversa no celular, e ele entendeu meu ponto de vista. Pelo menos foi a impressão que eu tive. Ele disse eu não concordo com a nota que você deu, não me lembro a expressão que ele usou, não sei se foi radical ou qualquer coisa assim, mas foi tudo dentro do regulamento e eu vou bancar, a CBL [Câmara Brasileira do Livro] vai bancar o seu voto. Nesse ponto eles foram extremamente éticos, muito corretos. Tivemos uma reunião, da qual o Goldfarb não participou, mas com os diretores.

Com os outros jurados também?
Não. Uma reunião comigo. Eu nem sei quem são os outros jurados, não faço ideia. Foram muito atenciosos e disseram: a única coisa que nós queremos dizer é que nós vamos prosseguir, o voto está dado, foi dentro das regras, você fique absolutamente tranquilo. Só não vamos defender em termos teóricos, em termos críticos, o seu voto.

Eu disse: mas isso é evidente, cabe a mim. Eu dei o voto e tenho uma justificativa para cada voto que eu dei. Reforçaram a questão de eu não me pronunciar até a entrega do prêmio [no último dia 28]… Eu disse: não tenham a menor dúvida, isso é inquestionável.

Por que houve tanta indignação com o resultado, especialmente em torno do livro da Ana Maria Machado?
Aí entram vários fatores. O primeiro fator é o ego do escritor. A primeira reação é essa que ela teve: “Ele votou contra o meu livro” [declaração da escritora em entrevista à Folha]. Ela não consegue imaginar que, na verdade, o procedimento foi outro. Eu votei a favor de outros livros, na minha opinião melhores que o dela.

Como relação especificamente a essa reação, não sei, talvez o fato de no momento em que abriram os votos da fase eliminatória, os últimos votos, me disseram que estava lá um jurado, e que ele reagiu muito mal. Fez um escândalo.

A abertura é pública, se eu quisesse, poderia estar lá. E também estava lá uma jornalista, se não me engano do jornal “O Globo”, e aí a coisa estourou. Agora, por que ele teve essa relação, não posso… não sem nem quem é, nem por que ele teve essa reação.

Qual é o valor do Jabuti?
É o prêmio mais importante, de mais nome. E inclusive do ponto de vista da forma que se dá à votação, do meu ponto de vista é a forma correta, em relação ao fato de que os jurados ficam incógnitos. Não há possibilidade de você sofrer qualquer tipo de assédio, qualquer tipo de pressão, diferentemente de outros prêmios em que os jurados são anunciados, os nomes são públicos, os jurados se encontram, discutem. Eu, particularmente, não acredito nesse tipo de democracia. Não funciona.

O que o episódio revelou para você da cultura literária brasileira?
Os nossos escritores não estão acostumados a serem julgados. O nosso sistema literário está doente. Por quê? Quem aliás falou um pouco sobre isso há alguns meses foi a [editora e agente literária] Luciana Villas-Boas, numa entrevista: as editoras estão controladas pelos departamentos de letras das universidades. Então o que acontece? Hoje, a hegemonia dos departamentos de letras pertence a dois grupos: os estruturalistas e os desconstrucionistas.

Quem são os desconstrucionistas?
Eu vou chegar lá. Essas pessoas têm a hegemonia ideológica nos cadernos culturais, nas poucas publicações literárias que nós temos, nas editoras de livros. Quando eles escrevem uma crítica, as preocupações deles são, primeiro, a questão formal, linguística. Há um exagero de preocupação em relação a isso.

Se você não inovar em termos linguísticos, se você não tentar recriar o “Finnegan’s Wake” [de James Joyce, marco da prosa experimental] o livro já não é bom, ou é um livro tímido, que revela insegurança. O que nós poderíamos chamar de narradores tradicionais já são repudiados por princípio. O mesmo acontece nas editoras. Esse é o pessoal mais considerado.

Em termos de crítica literária, a preocupação desses críticos, na verdade, não é primeiro com relação à forma: é exclusivamente com relação à forma. Porque eles partem do princípio de que a obra é autossuficiente. A obra não tem que dialogar com a realidade. A literatura não tem que dialogar com o mundo. Tem que dialogar com ela própria.

O que você vê muito hoje em dia em termos de crítica são exercícios narcisísticos. Hoje uma crítica como a do Álvaro Lins, dizendo que determinada peça do Nelson Rodrigues é um horror, não existe. Aí entram os desconstrucionistas. Para eles, o texto nunca pode expressar a verdade. Ora, se nunca podem expressar a verdade, o texto não é nada, é só um mero exercício.

O que é um contrassenso, porque se o texto é um vazio, um somatório de fórmulas que ficam falando sobre si mesmas e nada mais, o próprio texto que o desconstrucionista escreve não tem valor nenhum. Estamos no centro de um sistema que está viciado.

Mas de onde vem isso?
O [crítico literário] Antonio Candido fala que o nosso sistema literário, no início, era assim: as pessoas que produziam eram as pessoas que consumiam. Esse é o nosso grande problema, nós não temos leitores. O escritor escreve para agradar o crítico, pra agradar o professor de teoria literária e para agradar os seus amigos.

Então ele precisa ser politicamente correto, precisa fazer experimentos linguísticos, esconder o narrador, abusar da metalinguagem. Precisa fazer do texto dele um resuminho daquilo que a vanguarda fez nos últimos anos, para agradar as pessoas. Se você não tem uma crítica que está disposta a agradar o público, numa linguagem que ele compreenda por que aquele livro é bom ou não é, você não forma leitores.

O leitor do caderno cultural não quer abrir o jornal e ter uma aula de estruturalismo. Não está interessado em Roland Barthes [crítico francês, expoente do estruturalismo], Roman Jakobson [linguista russo] e o diabo. Ele quer alguém que faça o meio de campo entre a obra e ele, leitor comum, e diga por que vale a pena ler aquele livro. A maior parte da crítica literária se recusa a isso.

Você é um crítico do relativismo cultural, como mostra o se livro.
Mas claro. Nós temos que fazer julgamentos. O Sílvio Romero desancou o Machado de Assis do começo ao fim. Tratava o Machado como se fosse um capacho. Ele fez mal? Não. Ele cumpriu o papel dele dentro do sistema literário, que é o de criticar. Isso diminuiu a obra machadiana? Até o momento, não. O que prevaleceu foi a obra machadiana, em detrimento da crítica do Sílvio Romero.

Isso diminui o valor do trabalho do Silvio Romero? Não. É uma figura importantíssima, precisa ser lido, precisa ser conhecido. Nós não podemos ter o temos de ocupar o nosso papel dentro do sistema literário. Precisamos deixar de lado essas coisas e dizer com absoluta franqueza o que a gente pensa.

Essa posição tem um custo para você?
É de ter muitos desafetos.

Mas você tem muitos desafetos?
Acredito que sim.

Nesse episódio, você foi criticado também pelas afinidades com o filósofo Olavo de Carvalho. Qual é sua relação com ele?
Eu sou aluno do Olavo. O Olavo tem um seminário de filosofia on-line do qual sou aluno, e sou admirador do trabalho que ele faz, seja como filósofo, seja como polemista. É uma pena que nós não tenhamos mais pessoas com a coragem que o Olavo tem, de falar as coisas com absoluta franqueza, e dar a sua opinião.

Não estou discutindo se ela é a certa ou a errada. Mas expressar a sua opinião de maneira clara e, como se diz no jargão, pôr a cara para bater. As críticas que fazem em relação ao Olavo se baseiam muito mais na figura dele como polemista.

Se as pessoas parassem e fossem efetivamente ler as obras do Olavo, de critica cultural, obras filosóficas, começariam a formar não digo uma ideia diferente, mas perceberiam que as coisas que o Olavo fala são fundamentadas.

Não é um louco que sai por aí atirando de maneira irresponsável. Ainda que, como polemista, seja essa a impressão que ele pode passar. Isso se deve também à hegemonia do marxismo. A hegemonia de esquerda foi lentamente construída.

“Panorama Mercantil” entrevista Olavo de Carvalho

Entrevista com Olavo de Carvalho

Panorama Mercantil, 7 de junho de 2011

“Barack Obama é um semi-analfabeto”. Esta é a visão de um dos intelectuais mais polêmicos do Brasil, que conta com o privilégio de analisar o país “do lado de fora”,e ainda diz com uma convicção crua e nua que o leitor brasileiro é bombardeado por análises que dão dó.

Por Eder Fonseca

Em um país onde a hipocrisia reina, ter coragem para divulgar e ainda discutir idéias que muitas vezes não são combatidas é quase uma agressão física. Mas para o filósofo Olavo de Carvalho isso não é regra. Homem de grande capacidade intelectual, é um crítico do modo como a política é tramada, não só nacionalmente como no expectro internacional. Para o mesmo,o presidente dos Estados Unidos Barack Obama,não passa de um semi-analfabeto à altura do ex-presidente Lula. Diz também que o deputado mais burro do Parlamento Europeu,comparado aos nossos ministros, deputados e senadores é um Aristóteles redivivo.
Quando perguntado se a grande mídia é de direita, ele afirmou que no máximo ela é tucana, e essa afirmação ele não faz como um leigo no assunto, pois já trabalhou em orgãos da imprensa gigante e mandatária entre os quais podemos distacar a revista ‘Bravo!’, a extinta ‘Primeira Leitura’, além dos jornais ‘O Globo’, ‘Zero Hora’, ‘Jornal do Brasil’ e revista ‘Época’ (desses últimos quatro, ele diz que não foi mandado embora mais sim chutado).

Atualmente ele mora em uma zona rural de Richmond, cidade que fica no estado da Virgínia nos EUA, de lá ele é um dos mentores do site Mídia Sem Máscara (que recebe apoio financeiro da Associação Comercial de São Paulo) (Nota: equívoco do jornalista. O MSM não recebe nenhum apoio financeiro da ACSP), mantém o seu programa periódico de rádio em streaming pela internet, denominado True Outspeak ou traduzido para o bom português ‘Sinceridade de Fato’, com participação do público por telefone, Volp ou email, além de colaborar também com o jornal mineiro Diário do Comércio, onde atua como correspondente internacional.

Escreveu prefácios e posfácios de grandes pensadores como Otto Maria Carpeaux, Mário Ferreira dos Santos entre outros.

Leia a partir de agora,a entrevista desse senhor que é um dos poucos brasileiros que são capazes de criticar o músico e compositor Chico Buarque de Hollanda,endeusado pela maioria do povo brasileiro e que desperta a ira de antigos pares,como o economista Rodrigo Constantino que o chamou de vaidoso,e do jornalista Sebastião Nery, que afirma que ele jamais poderia ser chamado de filósofo, pois lhe falta o diploma dessa ciência.


Panorama Mercantil – Existem muitos charlatães no meio acadêmico brasileiro?

Olavo de Carvalho – Sim, creio que eles são mesmo predominantes nesse meio. Só para lhe dar um exemplo: é quase impossível encontrar hoje em dia uma tese de mestrado ou de doutorado que não venha carregada de erros de português os mais grosseiros e escabrosos. Um sujeito que não domina o próprio idioma não pode, por definição, dominar nenhuma disciplina acadêmica. Deveria ser enviado de volta ao ginásio ou mesmo ao curso primário. Um ministro da Educação que não sabe soletrar a palavra “cabeçalho”, um chefe de departamento universitário que escreve “Getulio” com LH, são exemplares típicos da corja de vigaristas e farsantes que hoje domina o ensino superior no Brasil. Se essa amostragem lhe parece muito pequena, lembre-se do “Dicionário Crítico do Pensamento da Direita”, obra de cento e tantos professores tidos como alguns do melhores nas suas especialidades, onde cada um demonstrou um meticuloso desconhecimento do assunto. Há, é claro, alguma distância entre a mera incompetência e o charlatanismo. Mas a epidemia de incompetência veio junto com um aumento terrível do poder e da autoridade dos professores universitários, que hoje reinam como déspotas sobre multidões de alunos devotos e atemorizados – algo que, para quem chegou à vida adulta nos anos 60, parece de um ridículo sem fim. A incompetência, quando aliada à arrogância e à presunção, não se distingue mais do charlatanismo. Isso é regra geral no Brasil. As poucas pessoas sérias que restam no meio universitário sentem-se isoladas e impotentes, sonhando em sair do país.

Panorama – Os nossos políticos são piores ou iguais aos do exterior?

Carvalho – Não há comparação possível. Só para lhe dar um exemplo: desses ministros, deputados e senadores brasileiros que vêm aos EUA, nenhum sabe falar inglês nem o bastante para pedir um cachorro-quente na lanchonete da esquina. Nosso alto funcionalismo público já foi um dos mais competentes do mundo, mas hoje é uma desgraça. Nos EUA, a exigência de boa formação cultural para os líderes políticos é tão implacável, que Barack Obama, um semi-analfabeto digno de competir com o Lula, teve de falsificar um currículo universitário e posar de autor de um livro escrito por William Ayers para poder ser aceito como candidato. Na Europa, então, nem se fala. O deputado mais burro do Parlamento Europeu, comparado aos nossos ministros e senadores, é um Aristóteles redivivo. A diferença é tão vasta, tão abissal, que ela escapa ao horizonte de visão dos brasileiros, até mesmo de classe alta. Ninguém aí percebe o oceano de ignorância, de inépcia e de incompetência em que o Brasil mergulhou, porque, quando o nível baixa, o critério de julgamento baixa mais ainda, ao ponto de considerarem que Dilma Rousseff é “uma mulher culta”. A diferença, de tão imensa, se tornou inapreensível.

Panorama – Existe alguma diferença entre o PT e o PSDB, ou eles são farinha do mesmo saco como se diz no linguajar popular?

Carvalho – Não são bem farinha do mesmo saco, são as duas lâminas opostas e complementares daquilo que Lênin chamava “a estratégia das tesouras”. Cortam por lados opostos, mas produzem uma figura planejada em comum. Veja, por exemplo, essa campanha obscena do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em favor da liberação das drogas. Dirigindo a questão para os aspectos jurídicos e econômicos mais gerais e abstratos, ele camufla o resultado político concreto que a liberação das drogas produzirá fatalmente: a ascensão das Farc à condição de empresa multinacional legítima e partido político legalmente constituído. Isso é a coisa mais clara do mundo. Liberado o comércio de drogas, quem dominará o mercado senão aqueles que já têm o controle absoluto da produção, da distribuição e dos pontos de venda? Transformar-se em empresa e partido, com uma via aberta para a conquista legal do poder, sempre foi o objetivo permanente das Farc, porque guerrilhas, por definição, não visam a uma vitória militar, e sim a uma vitória política. Dar-lhes essa vitória é o objetivo comum do governo e dessa oposição farsesca personificada em Fernando Henrique Cardoso. Não esqueça que PT e PSDB nasceram do mesmo grupo intelectual uspiano que agora domina o cenário político por dois lados.

Panorama – O senhor acredita que a grande mídia nacional é de direita?

Carvalho – A hipótese é ridícula. A grande mídia nacional, é, na mais ousada das hipóteses, tucana. Verifique por si mesmo: quantos jornais e canais de televisão defendem os valores morais tradicionais que são os da população brasileira? Quantos defendem o cristianismo contra os ataques gayzistas, feministas, etc.? A grande mídia apóia integralmente, fanaticamente, o programa cultural, psicológico e moral da esquerda mais radical, divergindo dela somente na questão da “liberdade de imprensa”, que envolve o seu interesse direto. Tal como no caso do PSDB, trata-se apenas de disputa de espaço dentro de um consenso geral esquerdista, e nunca de uma divergência ideológica séria. Pergunte a si mesmo: qual foi a última vez que um cristão conservador dirigiu um jornal ou canal de TV no Brasil? Você vai ter de procurar nos anos 50. Quantos colunistas cristãos conservadores ocupam espaço na grande mídia? Lembre-se da confissão de Luís Garcia, o diretor do Globo: quando o jornal já tinha uma centena de articulistas de esquerda, acharam bom contratar um – unzinho – que lhes parecesse de direita, para disfarçar um pouco, e mesmo assim trataram de chutá-lo fora quando ele começou a falar muito do Foro de São Paulo, numa época em que a mídia inteira jurara fazer silêncio para que essa entidade sinistra pudesse crescer em paz.

Panorama – É verdade que Bill Clinton, quando estudante, se beneficiou de verbas da KGB?

Carvalho – Não sei. O que é certo é que ele favoreceu o quanto pôde a espionagem chinesa nos EUA e, com a tal “Operação Colômbia”, ajudou as Farc a conquistarem o monopólio do comércio de drogas na América Latina. E recebeu milionárias contribuições de campanha do governo chinês. Perto disso, embolsar dinheiro da KGB quando estudante seria apenas um pecadinho de juventude.

Panorama – Barack Obama é um fantoche de Wall Street e das grandes corporações norte-americanas?

Carvalho – Não. Barack Obama é um fantoche da elite globalista, a qual não é a mesma coisa que “as grandes corporações”. Essa elite compõe-se de grandes fortunas que já se libertaram há muito tempo de toda concorrência capitalista e hoje buscam dominar o mundo por meio de controles burocráticos que a tornam uma aliada natural dos movimentos de esquerda. O “Consórcio”, como costumo chamá-lo, precisa dos EUA como seu apoio militar, mas ao mesmo tempo precisa debilitar o poder nacional americano e subjugá-lo a controles burocráticos internacionais. É uma situação perigosa e ambígua, que tem de ser manipulada com muita sutileza e infinitos cuidados. Na grande mídia brasileira, você não encontrará um só analista político que entenda alguma coisa do jogo de poder nos EUA. Sobretudo a alternância de disputa e ajuda mútua que se vê entre a elite americana e a revolução islâmica. O mesmo governo que gasta uma fortuna imensa para localizar e matar Bin Laden gasta outro tanto para elevar ao poder, na Líbia, no Egito, etc., a Fraternidade Muçulmana, comando geral do anti-americanismo no Oriente Médio. O esquematismo bocó dos nossos analistas políticos, fruto da pseudo-cultura esquerdista que os formou, não lhes permite compreender nada dessas sutilezas. Os leitores brasileiros são diariamente alimentados com uma ração de imbecilidades provincianas que, vista do exterior, é de fazer dó.

Panorama – Por que a filósofa Marilena Chauí é uma professora de ginásio?

Carvalho – Não acho que ela sempre tenha sido isso. Seu livro sobre Spinoza, obra de juventude mal recauchutada na idade matura, mostra que ela tinha algum talento quando começou. Ao longo do tempo, porém, ela se deixou imbecilizar pelos compromissos políticos que foi assumindo, ao ponto de se tornar, já não digo uma professora de ginásio, mas uma animadora pedagógica de escolinha do MST. O que eu tinha a dizer sobre ela já foi dito no meu artigo “O Chicote da Tiazinha”. Leia e veja se estou exagerando.

Panorama – Leandro Konder é mesmo um propagandista barato?

Carvalho – Não. É um homem de talento que se deixou rebaixar a essa condição por comodismo, desejo de afeição, saudosismo e tudo o mais que corrompe um ser humano e faz dele um escravo da sua geração, ou patota de juventude. A intelectualidade esquerdista tem uma capacidade de envolvimento, uma espécie de grude que se cola nas pessoas e destrói suas almas a golpes de lisonja e de chantagem emocional. Até mesmo o grande Otto Maria Carpeaux, um homem de gênio, terminou seus dias como um bobão, um office boy do Partido Comunista que ele intimamente desprezava. Leia a minha introdução ao volume I dos Ensaios Reunidos e verá do que estou falando. Por que o Leandro Konder, uma personalidade muito mais fraca do que o Carpeaux, iria resistir melhor a essa máquina de moer cérebros?

Panorama – O senhor talvez seja um dos poucos brasileiros que dizem que o cantor Chico Buarque é tão significativo antropologicamente quanto à extinta Banheira do Gugu. Como chegou a essa conclusão?

Carvalho – Chico Buarque de Hollanda é um sambista que encontrou um dicionário de rimas na biblioteca do pai e fez umas letras que, na terra do Teixeirinha, pareciam sofisticadas. Isso é tudo. Não é um poeta de maneira alguma; está, rigorosamente, fora da literatura. Para perceber isso, é preciso ter lido Mallarmé, Saint-John Perse, Ungaretti, Yeats e, de modo geral, a grande poesia universal. Ele mesmo disse, numa de suas letras de samba: “Quem não conhece não pode reconhecer.” Ele escreve para um público que não tem a menor experiência da grande poesia e que, por isso mesmo, o aceita como poeta. A importância desmedida que se dá a seus escritos é mais um sinal da miséria cultural brasileira, mas essa mesma miséria impede que as pessoas a percebam. Diga você mesmo, sinceramente, se tem a formação literária requerida para distinguir entre poesia e pseudo-poesia. O provincianismo brasileiro chegou àquele ponto em que o caipira não consegue imaginar nada fora da sua província e acha que está em Atenas. O Brasil simplesmente já não tem uma elite intelectual capaz de perceber as coisas com suas devidas proporções.

Panorama – Não existe nada que o senhor goste nas idéias de esquerda?

Carvalho – A pergunta é um pouco simplória. “A esquerda” é uma tradição cultural e política com mais de duzentos anos de existência, coisa de uma complexidade e riqueza quase inabarcáveis, e, mesmo que se esforçasse muito para fazer só porcaria, teria necessariamente de produzir alguma coisa boa nesse ínterim, ao menos por equívoco. Quando penso “a esquerda”, o que vem à minha mente é algo de imensamente mais vasto do que aquilo que se entende pelo termo nesse favelão intelectual que é o Brasil. “A esquerda” é, por exemplo, Charles Péguy, é Jules Michelet, é John Ruskin, é Heinrich Heine, é José Ingenieros. Nem o mais empedernido dos reacionários pensaria em jogar tudo isso fora. Quantas páginas de Lênin, de Marx, de Gramsci, não li com grande satisfação! Faça a sua pergunta a algum cabo eleitoral, não a um homem de estudos.

Panorama – O senhor não considera legítima a luta do MST?

Carvalho – Não é uma questão de legitimidade. É uma questão de receita e despesa. O MST custa uma fábula aos cofres públicos e não contribui em nada nem mesmo para o sustento dos seus próprios membros. Enquanto isso, o tão abominado agronegócio fornece aos brasileiros comida abundante e barata, tapa os rombos da balança de pagamentos e ainda leva pedradas e cuspidas da turma do MST. O MST tem tanto a ver com agricultura quanto eu com a criação de tatus. Aquilo é uma comedeira de dinheiro, uma sem-vergonhice total e, pior, acabou se tornando mais um instrumento para a penetração das Farc no Brasil. “Legitimidade” é um valor abstrato que não tem nada a ver com o caso. No Brasil, “pensar” tornou-se sinônimo de aderir genericamente a símbolos abstratos e ostentar distintivos. Isso é coisa de retardado mental.

Panorama – O que mais prejudicou a humanidade: a ciência, os bancos ou as religiões e por quê?

Carvalho – Faça as contas. O movimento revolucionário, que prometeu nos libertar de todos os males do mundo, matou mais gente, em dois séculos, do que todas as epidemias, terremotos, furacões e guerras desde a origem da espécie humana. Some Revolução Francesa, Revolução Mexicana, Revolução Russa, Revolução Chinesa, etc., e compare com as demais causas de mortandade, incluindo guerras. Nada se compara, em capacidade mortífera, aos construtores de “um futuro melhor”. Não é uma questão de opinião. É uma questão de números. Perto disso, acusar as religiões ou a ciência é de uma hipocrisia sem par.

Panorama – O economista Rodrigo Constantino disse que sua vaidade é maior que o seu fanatismo religioso. O que tem a dizer sobre isso?

Carvalho – Um sujeito que começa uma conferência gabando-se dos belos resultados do seu último regime de emagrecimento não deveria chamar ninguém de vaidoso. Constantino é um moleque bobo e nada do que ele diga sobre o que quer que seja tem a mais mínima importância.

Link: Entrevista de Olavo de Carvalho ao site Panorama Mercantil

 

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