Leituras

Um jornal engajado

José Nivaldo Cordeiro


8 de dezembro de 2001

A Folha de São Paulo de hoje se superou. Se já estava engajada na campanha de Lula da Silva para a Presidência, hoje ela deu uma amostra do que vai ser até as eleições. Seu primeiro caderno, e mais importante do ponto de vista do leitor qualificado e formador de opinião, é digno de um balanço. A manchete principal é uma propaganda ao revés, falando mal do governo federal e divulgando implicitamente a excelência petista no tema (“Ação antifome exclui 960 família). Todos sabem que nessa tecla Betinho e sua turma são imbatíveis na propaganda, não contra a fome em si, claro.

Na página 2, Clóvis Rossi (“Má-fé) faz um artigo que pretendo comentar em outro espaço, exaltando a candidatura de Lula da Silva. Eliane Cantanhêde, logo abaixo, não fica atrás (Chávez e o PT), sugerindo que Lula poderá fazer um bom governo como o caudilho venezuelano está a fazer (?).

Na página 4 é uma apoteose petista. A seção Painel tem quatorze notinhas, das quais cinco delas cita o PT e/ou Lula da Silva. E a seção Contaponto é dedicada ao senador Suplicy, do PT. Na mesma página tem uma entrevista com ninguém menos do que Duda Mendonça, o marqueteiro contratado para fazer a campanha de Lula da Silva. É claro que só fala dela, lembrando até os tempos de jovem engajado nas causas “progressistas”.

Na página 5 tem uma matéria assinada por Fábio Zanini (“Lula apresenta ao PT condições para concorrrer”). Não conseguiria ser mais explícita.

A única matéria da página 6, ao lado da do Ombusdman, tem o seguinte título: “Crítica aos EUA une Hugo Chávez e Lula”. Com direito à seguinte declaração de Lula: “Ele (Chávez) pensa o que eu penso”. Para usar uma expressão antiga de esconjuro e de espanto: Ave Maria cheia de graça!

A coluna de Elio Gáspari na página 11 (as páginas 7 a 10 são só propaganda) não falha. No seu principal comentário, embora o título se refira ao PFL (“A baixa marquetagem do PFL), fala mesmo é do PT de Lula da Silva, tomando a sua defesa e fazendo a sua pregação.

A página 12 traz uma matéria sobre a sucessão presidencial e, claro, das fotos inseridas a de Lula da Silva é a de maior tamanho e a de mais destaque.

Ou Folha de São Paulo tornou-se a porta-voz oficial do petismo e de Lula da Silva ou está mesmo em campanha para elegê-lo. Ou as duas coisas. Entre as três hipótese, fico com a última. Não analiso os demais cadernos do jornal porque mantém a média, de cabo a rabo. Só dá PT e Lula lá. Antonio Gramsci, se vivo e trabalhando na redação da Folha, não faria melhor.

Que os leitores tirem as suas conclusões.

 

Perguntas pertinentes

José Nivaldo Cordeiro


8 de dezembro de 2001

A coluna de Clóvis Rossi na Folha de São Paulo de hoje faz algumas perguntas pertinentes, que precisam ser respondidas:

1- “Por que Luiz Inácio Lula da Silva contrai comunismo, aos olhos de certos setores da mídia e da opinião pública, sempre que aparece em alguma foto ao lado de Fidel Castro, mas não é contaminado pelas virtudes de, por exemplo, Alejandro Toledo, o presidente peruano, quando posa com este, como aconteceu quinta-feira?

Ora, Lula da Silva não precisa aparecer em foto com Fidel para ser associado ao comunismo. Nem precisaria ir mais a Cuba, tantas vezes já foi lá. O caráter comunista (socialista, para alguns) está no programa oficial de seu partido, no programa econômico recentemente divulgado, e que tive oportunidade de comentar exaustivamente nesse espaço, e nos demais escritos publicados de todas as lideranças do partido e dos seus principais intelectuais engajados. Ser do PT é uma profissão de fé no socialismo. Os fatos do dia só confirmam e reiteram o passado, conhecido por todos e que apontam para o futuro nada seguro se Lula da Silva efetivamente obtiver o poder. Quanto a Alejandro Toledo, não sabemos ainda a que veio, mas sabemos que em de três meses no poder a sua popularidade é idêntica a de Fujimori em fuga.

2- “Por que Lula é acusado, por exemplo, de omitir o passado golpista do coronel Hugo Chávez, hoje presidente da Venezuela, mas Fernando Henrique Cardoso não é acusado de ter respaldado o golpismo de Alberto Fujimori na re-reeleição para a Presidência do Peru”?

Aqui há um típico argumento sofista. Lula é importante porque postula a Presidência da República, com chances de ganhar. Fernando Henrique está passando à História e deixou de ser ator nesse processo. Não é o caso de fazer tribunal de julgamento. O eleitorado não está interessado nisso, mas sim, no porvir, do que se anuncia para o horizonte. O que FHC fez com Fujimori não tem a menor relevância para avaliar a capacidade e a coerência política de Lula da Silva. Em outras palavras, os pecados de FHC não perdoam os pecados do candidato do PT. E, diga-se de passagem, a posição de FHC (e, de resto, do Estado brasileiro com relação à re-reeleição), foi a mais correta do ponto de vistas dos interesses nacionais.

3- “Por que há um escândalo (aliás, justo) cada vez que Lula elogia Fidel, mas ninguém parece escandalizar-se com o fato de FHC, confessadamente, ter oferecido asilo para o argentino Carlos Saúl Menem quando este estava preso sob acusação de formação de quadrilha para a venda irregular de armamento”?

De novo, a erística em ação. Uma situação nada tem a ver com a outra. Menem tem lá os seus pecados, mas nada comparado a Fidel, que transformou sua Ilha em uma acampamento de prisioneiros miseráveis, praticou (há quem diga que ainda pratica) genocídio, exportou, e ainda tenta exportar, a revolução para outros países, inclusive o nosso, treinando guerrilheiros, dando recursos financeiros e materiais para a instauração de guerrilhas, e muito mais. Fidel é um perigo para a Humanidade. Menem não tem esse status. E, diga-se, a Suprema Corte daquele país já o soltou. Quando FHC fez a oferta estava alinhado com os interesses do Brasil, pois Menem e seu grupo político são relevantes na estrutura de poder da Argentina. Não houve nada de errado nisso, apenas mantivemos a tradição de dar auxílio a políticos momentaneamente em desgraça, que mais das vezes voltam a seus países na condição de primeiros mandatários. Realpolitik. E aprender com genocidas e elogiá-los mostra um a tendência não muito saudável para um aspirante a governante.

4- “Será hipocrisia ou é também má-fé”?

Nem uma coisa e nem outra. É fidelidade aos fé. Se há má-fé, esta está contida em escritos como esses, que claramente objetivam confundir o leitor e levá-lo a decisões políticas que não tomaria, se bem informado fosse.

Contradições sinistras

José Nivaldo Cordeiro


6 de dezembro de 2001

A prefeitura da cidade de São Paulo começou a distribuir a chamada bolsa-escola, conforme fui informado por uma propaganda oficial ufanista e reconstrutivista, a mando da senhora prefeita. Ao mesmo tempo, estimativas da imprensa indicam que cerca de sessenta mil alunos ficarão de fora da rede de ensino público municipal por absoluta falta de vagas. O setor público municipal — e estamos falando aqui do ensino fundamental, sua missão constitucional — simplesmente não se equipou para atender a demanda. Em paralelo, a prefeita iniciou embate político na Câmara de Vereadores, objetivando reduzir a obrigatoriedade de alocar 30% da arrecadação tributária para a rubrica Educação, instituída pela Lei Orgânica do Município, reduzindo-a para 25%. E, de quebra, passando a considerar os gastos com inativos e pensionistas como elemento de cálculo para atingir o percentual, reduzindo ainda mais os recursos efetivos para o investimento e o custeio na estrutura educacional.

As contradições são gritantes. Como implantar um programa adicional (a bolsa-escola) para o conjunto privilegiado de alunos que têm a vaga e, supostamente por falta de recursos financeiros, não criar as sessenta mil vagas faltantes, penalizando duplamente os que não estão na escola, sem vaga e, portanto, sem o requisito para ter acesso ao benefício pecuniário? Qual é a hierarquia de prioridades, incluir benefícios para os incluídos e esquecer à danação os excluídos? Mas não é plataforma política da prefeita e do seu Partido denunciar a exclusão? Como então praticar efetivamente a exclusão? Parece coisa de um ser esquizóide: que não saiba a sua direita o que faz a sua esquerda, ora pois.

Quero declarar que por princípio sou contrário ao “carimbo” das verbas orçamentárias para o que quer que seja. Para mim 30 ou 25% continua sendo um número arbitrário. A cidade e as necessidades da população mudam ao sabor dos tempos e é bem provável que as mudanças nas variáveis demográficas, com o tempo, reduzam tanto a quantidade de crianças que a estrutura já feita não terá clientela. Por outro lado, a ponta oposta da escala etária será tão populosa – e provavelmente tão carente – que será merecedora da atenção especial do poder público, fenômeno que já se verificou em outros países. Pelo carência de vagas, seria o caso do município, no momento, investir até mais, quem sabe 35 ou 40% da receita tributária, porque não?

O ponto é que a prefeita e seu Partido acreditam na ossificação orçamentária como instrumento de garantia para as suas políticas e é nisso que reside a inconsistência: afinal, a Educação é, ou não, para eles, uma prioridade? A julgar pela peça que enviaram para a Câmara, não é, ou, como diria um recorrente candidato à Presidência da República, é menas prioridade.

O fato objetivo é que sessenta mil crianças pobres ficarão fora da escola e isso é algo imperdoável. É, para resumir numa palavra, incompetência. Nada justifica. O município de São Paulo é suficientemente rico para que suas crianças não fiquem fora da escola, desde que os governantes tenham como prioridade as reais necessidade de seus cidadão e que sejam movidos pelo propósito da inclusão social.

Lamentavelmente, os fatos gritam em sentido contrário. E continuamos a construir mais uma geração de analfabetos, párias sem lugar na sociedade, por culpa exclusiva de governantes despreparados. Isso no coração da cidade mais rica do Brasil.

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