Leituras

Alcântara e anti-americanismo

Por Pedro Paulo Rocha


abril de 2002

Prezados Internautas,

A rede tem sido invadida por uma série interminável de SITES e emails de crítica ao acordo da Base de Alcântara.

Eu não sou expert no assunto mas, de imediato, um fato de impressionou: o exacerbado ANTI-AMERICANISMO subjacente a estas críticas. A começar pelo fato de que os políticos que mais atacaram este acordo são todos do PT, partido que sabidamente tem vinculações inequívocas com o marxismo. O que aliás foi confessado explicitamente pelo Sr Olívio Dutra, em recente entrevista.

E uma coisa que acompanho desde a minha infância: o anti-americanismo é uma caracteristica simbólica de todo comunista. E isto entendo que seja decorrente de uma razão óbvia: os EUA são uma ilustração do sucesso de tudo aquilo que eles condenam, com suas visões acanhadas e obcessivas. Um dos mais exaltados críticos do acordo é um cidadão que se apresentou como empresário e que, aparentemente, tem ligações estreitas com o grupo Guararapes.

Ele não só descarregou uma série de críticas contundentes ao acordo, em email dirigido a mim e a uma série de militares, como ontem me enviou um anexo em Power Point, que se inicia indagando o “que acho do terrorismo?”. Logo a seguir exibe uma imagem de um avião se chocando contra uma das torres do WTC. A seguir observa que terrorismo não é só isto. E passa a exibir dezenas de cenas chocantes, que atribui aos americanos, tanto no Vietnã quanto no lançamento da “bomba” contra o Japão.

Desta forma este cidadão explicitou seu ódio aos EUA.

Pensei em refazer o programa, colocando imagens das torturas a que os “hereges” foram submetidos pelos cristãos, durante a idade média, pela Santa Inquisição, que levou às fogueiras e a crueis e horripilants torturas mais de cem mil inocentes. Ou, para não ir mais longe, mostrar o que os nossos bravos bandeirantes fizeram com os nossos índios. Há uma imagem da cena descrita por um deles, que mostra o valente Anhanguera arrancando um indiozinho dos braços de sua mãe e o jogando aos seus mastins, para alimentá-los. Poderia indicar mesmo a cena dos rapazes que queimaram, com requintes de crueldade, um pobre índio, recentemente, em Brasília. Ou citar a chacina de que foram vítimas tribos inteiras, assassinadas com açucar envenenado ou dizimadas pela distribuição de roupas infectadas com doenças contagiosas. Isto para que pudessem explorar suas terras. Mas me contive, pois isto me rebaixaria ao nível dele.

A perversidade é uma característica do ser humano, único animal que tortura seu semelhante e sente prazer nisto.

Os interesses também são uma constante nas relações, não só entre pessoas, como entre nações. Países que ontem era inimigos mortais, hoje se declaram amigos incondicionais.

Mas isto jamais deveria perturbar nosso raciocínio ao ponto de nos levar a julgamentos injustos e conclusões errôneas, eivadas de radicalismo irracional e obtuso.

As pessoas que tanto criticam o acordo deveriam ter comparecido aos debates que os responsáveis pelo projeto promoveram no INCAer e no Congresso. E se tivessem, realmente, um espírito construtivo de crítica, que não se fixassem em determinadas cláusulas, com alegações estúpidas, como a de que “não deve ser por tempo indeterminado” (o que nos permite rescindir o contrato, sem ficarmos amarrados a prazos) de que a verba da locação “não pode ser aplicada no desenvolvimento do CLA” (quem é que poderia o impedir, uma vez incorporados ao nosso orçamento – portanto uma cláusula INÓCUA, para os olhos de quem não é burro), de que não poderíamos ingressar nas áreas alocadas (mas é lógico – como imaginar o acesso de extranhos aos segredos tecnológicos que eles desenvolveram), que o nosso foguete foi derrubado pelos americanos para propiciar o acordo (santa burrice – não temos verba nem para o rancho dos quartéis), que o local é fabuloso e que uma vez lá o americano não mais sairia (se sairam do Panamá, onde haviam gasto bilhões de dólares na construção do canal – muito mais estratégico! ou será que sairam com medo do terrível exército do Panamá?), que deveríamos poder alugar para outros interessados (quem mais iria querer?), que a cláusula impeditiva de usar o CLA para atos de terrorismo e uso de países inimigos era um cerceamento a nossa Soberania (meu Deus! não dá nem para comentar), que os americanos querem impedir o nosso desenvolvimento tecnológico (se o quisessem, bastava impedirem o nosso acesso às suas escolas e os nossos políticos petistas poderiam alocar verbas para as pesquisas, que inexistem, razão pela qual fomos obrigados a recorrer à exploração comercial da Base), etc., etc.

Enfim, as razões eram tão medíocres, que mais pareciam nascer de cérebros acanhados. Com a agravante de que tais indivíduos não se rendiam às evidências e à lógica.

Pareciam-me um grupo de pessoas de inteligência normal e instrução superior, que se reúne, movida pelo objetivo comum de se imbecilizarem mutuamente, pela repetição uníssona e obsessiva de lugares comuns. É todo um bloco monolítico, impermeável a qualquer idéia divergente, prisioneiro de uma retórica, com um mesmo discurso demagógico, repisando monotonamente velhos chavões. Qualquer discordância é violentamente rechaçada. E acima de tudo a minha constatação é que esta discussão estéril nos desvia de problemas realmente cruciais, como a persistente doutrinação das nossas crianças – principalmente nos colégios do RS, onde até a FARC compareceu para participar de palestras – e a invasão de propriedades, a título de que é premordial o interesse social. Ou seja, o avanço sutil do marxismo deixa de ser observado e comentado e vocês, que entram neste jogo, ou querem a implantação do marxismo – que nunca funcionou em parte nenhuma do mundo – ou são meramente inocentes úteis.

Acordem, cidadãos, enquanto não é tarde demais. O INIMIGO está aqui dentro mesmo. E está querendo jogar poeira nos seus olhos, para que não vejam a VERDADE.

Genebra: condenar Cuba e China, uma obrigação de consciência

Por Armando F. Valladares


Diário de Las Américas, 26 de março de 2002

Em 18 de março começou o 58º período de sessões da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da ONU, em Genebra. Em 25 de março, data em que dou a conhecer este este artigo, não se sabe ainda quais dos mais de 50 governos ali representados se animarão a apresentar moções de condenação pelas afrontosas violações dos direitos de Deus e dos homens em Cuba e na China. São 12 milhões de cubanos aprisionados na ilha-cárcere há 43 anos e 1.200 milhões de chineses asfixiados detrás de uma “grande muralha” comunista de vergonha, opressão e sangue, durante um período maior ainda.

A mera menção destas flagrantes situações de injustiça institucionalizada, destas duas horríveis chagas que começaram a supurar no século XX e contaminaram o século XXI, deveria ser suficiente para levantar um clamor mundial. Mas isto não parece sensibilizar, até o momento, as delegações que, além de Cuba e China, estão reunidas em Genebra.

É explicável que China e Cuba, ironicamente membros de uma Comissão cujo objetivo é defender os direitos humanos, não se interessem em condenar-se a si próprias. É explicável que Líbia e Sudão, também membros da tal Comissão – regimes “talibânicos” que amparam o terrorismo e se assemelham aos dois anteriores por levar a cabo uma perseguição implacável contra os cristãos – não se interessem em condenar os governos comunistas. É explicável que o comuno-talibânico presidente Chávez, da Venezuela, dê ordem a seu embaixador em Genebra para que se solidarize com esses regimes.

Porém, onde estão os governos irmãos, latino-americanos, dos quais se esperaria uma pronta e categórica condenação? Como entender que o governo do Brasil – com sua influente chancelaria, o Itamaraty –, junto com os governos do México, da Colômbia, do Peru e do Equador continue, ano após ano, com uma política própria de Pilatos em relação ao drama cubano, lavando suas mãos com um voto de abstenção? Que atitude tomará o governo do Chile, encabeçado pelo socialista Lagos, que este ano passou a integrar a Comissão do Direitos Humanos? No ano passado a Venezuela votou a favor de Cuba. Em sentido contrário, de maneira meritória, os governos da Argentina, Costa Rica, Guatemala e Uruguai condenaram o regime de Havana.

Por outro lado, que está se passando com os governos europeus, várias de cujas nações sofreram na própria carne a agressão comunista? Em que base fica, nesses governos, a tão famosa defesa dos “direitos humanos”? Será que em um mundo em que se passou a defender com ênfase crescente os “direitos” dos animais e até das plantas, esses milhões de chineses e de cubanos não têm “direitos”, ou estes valem tão pouco, precisamente por serem “humanos”?

Quando, pouco depois de eu haver saído das masmorras comunistas de Cuba, o presidente Reagan me honrou com o cargo de embaixador norte-americano ante a Comissão de Direitos Humanos, em Genebra, senti na própria carne quão dura é essa crosta, mescla de indiferença e cumplicidade. Já não estava mais em frente a meus verdugos que diariamente me torturavam nos cárceres cubanos, junto a milhares de outros presos políticos, porém sim diante de muitos diplomatas que com sua apatia, suas pusilanimidades, suas cumplicidades e seu cinismo produziam em minha alma de cubano e de amante da liberdade torturas tanto ou mais dolorosas que as físicas.

Graças a Deus, devo reconhecer, durante minha gestão houve diplomatas e governos que se sensibilizaram com o drama cubano. E assim, pela primeira vez, a Cuba comunista foi condenada como merecia. Algo que ocorreu reiteradas vezes em anos posteriores, inclusive no ano passado, com uma vitoriosa moção de condenação apresentada pelo governo checo, apesar das pressões e chantagens cubanas, especialmente contra nações latino-americanas.

Todavia, recorrendo a artifícios regulamentares, e valendo-se das mesmas pusilanimidades de tantas representações governamentais, a China comunista tem conseguido ser sistematicamente absolvida.

Este ano, sabe-se que as pressões sino-cubanas estão sendo maiores, de maneira diretamente proporcional ao aumento do drama dos desditosos habitantes de ambas as nações. Uma prova disto é a demora em que apareça algum governo que assuma a denúncia de ambos os regimes opressores.

Faço um chamado aos governos latino-americanos, europeus e do mundo inteiro, representados na Comissão dos Direitos Humanos de Genebra, para que rompam com esse “muro” de indiferença, de cumplicidade e de vergonha, condenando sem eufemismos Cuba e China. Esta censura aos regimes comunistas – intrinsecamente perversos, segundo os qualifica a doutrina da Igreja – é uma obrigação da consciência, acima dos interesses econômicos, dos compromissos políticos e das chantagens de ordem diversa.

Minhas reprovações podem soar pouco diplomáticas, demasiado duras e, para alguns, até exageradas. Todavia, elas se baseiam em constatações históricas e na realidade atual. Para desmentir-me, que esses eventuais objetantes, cujos governos estejam representados na Comissão de Direitos Humanos de Genebra, o façam com fatos e não com palavras ocas. Obtenham eles uma categórica condenação a Cuba e à China, e me comprometo antecipadamente a reconhecer publicamente esse mérito, como acabo de fazer com os governos latino-americanos que votaram no ano passado contra a ditadura castrista.

Nesse momento, segundo se filtrou da ilha-cárcere de Cuba, grupos opositores pacíficos fazem jejuns e orações para que os governos membros da Comissão dos Direitos Humanos não cedam às pressões da Cuba comunista e de seus aliados, e tomem uma atitude coerente com a verdade. Esse emocionante clamor de opositores indefesos contrasta com a inexplicável atitude do Cardeal Arcebispo de Havana, Mons. Jaime Lucas Ortega y Alamino, o qual usufruindo da “liberdade” da palavra com a qual o regime premia a quem os favorece, pediu ao governo chileno que em Genebra não condene a Cuba castrista; o mesmo pastor que impeliu o rebanho católico cubano a ingressar no Partido Comunista Cubano (PCC); ou seja, a não só entregar-se às fauces do lobo vermelho, como a colaborar com ele. Enquanto isso, um grupo de valentes sacerdotes do Oriente cubano denunciou a “eficácia diabólica” do regime no controle da população. E o bispo cubano desterrado, Mons. Agustín Román, junto com pedir perdão às nações latino-americanas e em particular à Colômbia “pela violência marxista saída de Cuba”, acaba de advertir que “enquanto as doutrinas do terror estejam vivas em Cuba, não haverá paz na América”.

Argumentar que não se devem fazer pressões públicas sobre Cuba e China porque seria contraproducente, é negar a realidade. Basta recordar, por exemplo, que foram essas pressões as que fizeram que em 2001 o ditador Castro libertasse imediatamente as duas meninas seqüestradas, Sandra Becerra e Anabel Soneira, cujos pais cubanos as reclamavam desde o Brasil. Basta mencionar a recente declaração do bispo coadjutor de Hong Kong, Mons. Joseph Zen, transcrita pela agência romana Zenit e por Avvenire, órgão do episcopado católico italiano, dizendo que o regime chinês, apesar de uma aparência de imutabilidade, é sumamente sensível às denúncias sobre direitos humanos: “Pequim é sensível: finge não dar importância, mas na realidade tem medo. Sabemos que tem medo. Convém falar”.

Alegar que condenar China e Cuba prejudicará o intercâmbio comercial, a conseqüente liberalização econômica que isto supostamente produziria e, por fim, a liberalização política de ambos os regimes, é negar igualmente a realidade dos fatos. Segundo advertiu recentemente a diretora do Centro para a Liberdade Religiosa, com sede em Washington, depois que a China foi admitida na Organização Mundial do Comércio (OMC) e de que se lhe concedesse a sede das Olimpíadas de 2008, “as coisas têm piorado” em matéria de direitos humanos. Em Cuba, os vultosos investimentos estrangeiros, notadamente do México, Espanha, França, Brasil e Inglaterra, tampouco conseguiram nada em matéria de liberdades; o que se tem obtido é fortalecer economicamente o regime e lucrar com o trabalho semi-escravo – contemplado na Lei de Inversões Estrangeiras – em um dos episódios mais censuráveis, mais imorais e mais silenciados da chamada globalização.

Absolver a China comunista significará deixar abandonados à sua própria sorte velhos bispos católicos, jovens e velhos sacerdotes, assim como incontáveis fiéis que, segundo a agência vaticana Fides, se encontram nesses instantes encarcerados, sendo que muitos deles não se sabe, sequer, em qual masmorra se escondem. Essa absolvição também significaria deixar impunes as torturas que se estão exercendo contra fiéis cristãos, para que delatem seus líderes, de acordo com notícia divulgada por The Times, de Londres, e reproduzida pela agência católica Zenit.

Colocar em pé de igualdade, por uma lado, o terrível embargo interno – político, econômico, psicológico e religioso – que o regime cubano exerce contra a população e, por outro, o chamado embargo norte-americano, significa desconhecer que o primeiro é a causa real dos males de Cuba; e o segundo, um efeito ou, se se quer, um remédio cujas propriedades terapêuticas podem ser discutíveis. De qualquer modo, na Cuba comunista, a miséria que asfixia o povo não é causada pelo “embargo” americano, senão pelo próprio sistema socialista, que nega a propriedade privada e a livre iniciativa.

Atenuar uma condenação a Cuba e à China alegando supostos “logros” em matéria de saúde e educação (como, no caso de Cuba, tem feito o atual mandatário brasileiro e, como não podia deixar de ser, o Cardeal de Havana) é desconhecer que ambos são instrumentos de manipulação mental e psicológica, sobre os desditosos cubanos.

Em Genebra, condenar Cuba e China é uma obrigação de consciência. Abster-se é fazer o triste papel de Pôncio Pilatos e ficar indelevelmente marcado pelo seu estigma.

Armando@Valladares.as

Armando Valladares, ex-preso político cubano, autor do livro “Contra toda esperança”, foi embaixador norte-americano na Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, durante as administrações Reagan e Bush.

Tradução: Maria das Graças de Arruda Salgueiro

IMPORTANTE:

Clique no link abaixo. Abrirá automaticamente um e-mail, no qual você poderá fazer sua firme, porém respeitosa reclamação às chancelarias acima mencionadas, assim como fará chegar suas palavras à chancelaria chilena e a uma lista de imprensa.

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No corpo do e-mail solicite que Cuba e China sejam condenadas na Comissão de Direitos Humanos, em Genebra, que já está em sessão desde o dia 18 de março. Acrescente seu nome, o de seus familiares e amigos que aderem à mensagem, e coloque a cidade ou ao menos o país de onde escreve.

Meu mergulho no esterco

Olavo de Carvalho

23 de março de 2002

Resposta às observações de S. Excia. o Sr. (ex-) Ministro da Justiça quanto ao meu artigo “Carta ao Ministro”,publicado em Época de 23 de março de 2002

  1. Embora seja um tanto desconfortável ter de chamar de Excelência um indivíduo no qual não vejo excelência alguma, responder às observações publicadas em Época de 30 de março pelo sr. Ministro da Justiça (a esta altura já ex-ministro) não será tarefa de todo desprovida de encanto e diversão.

          2. Há um prazer inegável em discutir com um adversário que me acusa de, sondando os mistérios de sua vida pública e de seu caráter, “mergulhar no esterco”. Eu jamais teria pensado numa expressão tão sugestiva para descrever a substância em que andei bracejando nas profundezas do mundo político e mental de S. Excia. Nem asseguro que seja termo literalmente preciso. Mas uma coisa não hei de negar: se non è vero, è ben trovato.

          3. Também não deixa de ser uma experiência agradável o enfrentar-me com um debatedor que, na ânsia de mostrar habilidade, mete valentemente o sorvete na própria testa já nas primeiras linhas da sua missiva, ao proclamar, com relação à narrativa jornalística do seu confronto com o Dr. Tasso Jereissati, que, “na medida em que o governador e eu nos abstivemos de comentar o assunto proliferaram, naturalmente, as versões”. Pois fato, segundo todos os dicionários, é o que é relatado por testemunhas diretas, e versão o comentário posterior, sobretudo feito pelas partes interessadas. Ao noticiar as palavras grosseiras ditas pelo ministro durante uma refeição de Natal, o Correio Braziliense e Época nada mais fizeram que reproduzir o fato segundo relatado por testemunhas. O que quer que o sr. Ministro acrescentasse à notícia depois de publicada não poderia ser senão opinião, interpretação, versão. Inverter agora o sentido das palavras, fazendo dos testemunhos versões e dos comentários fatos, isto sim é tentar sobrepor à realidade a versão e, pior ainda, fazê-lo mediante um trejeito dialético de um primarismo deplorável.

          Em segundo lugar, S. Excia., assim como confunde fato e versão, troca também o singular pelo plural. Como dizer que “proliferaram as versões” se, justamente, um só relato foi publicado, idêntico e invariável, no jornal e na revista, e se ninguém, nem mesmo os personagens envolvidos, abriu jamais a boca para desmenti-lo ou corrigi-lo?

          Em terceiro lugar, o detalhe mais notável: mesmo agora, ao protestar contra a publicação de suas palavras, o ministro não as desmente por extenso, limitando-se a alegar que “não obstante a aspereza da troca de palavras, nós (isto é, ele e o governador Jereissati) nos mantivemos no terreno da crítica política”. Ora, as palavras mencionadas no Correio e em Época foram as seguintes: “Está olhando o que? Não tenho medo de você. Não quero bater num safenado.” Foram essas as palavras que considerei injuriosas e perversas, sobretudo porque dirigidas em tom ameaçador a um homem que, operado recentemente, não tinha a menor condição de entrar em confronto muscular com S. Excia.

          Dando-se ares de quem vai desmenti-las, S. Excia. se esquiva espertamente de esclarecer se jamais pronunciou a injúria ou se, tendo-a pronunciado, a considera apenas uma “crítica política” sem qualquer sentido ofensivo. Dito de outro modo: não dá para saber, pelo texto do desmentido, se S. Excia, nega o fato ou apenas sua tipicidade jurídica.

          As ambigüidades, afinal, existem precisamente para tirar do aperto quem não pode dizer o português claro.

          4. Também fingindo desmentir que tenha havido algo de indecoroso na indenização dada com dinheiro público à sua ex-esposa pelos crimes que ela própria cometeu, o ministro confessa que a portaria que a determinou não foi assinada pelo seu antecessor, e sim por ele próprio, sem o mínimo reexame da decisão tomada e não executada pelo dr. José Gregori, o qual o próprio ministro Nunes Ferreira, usando aliás de uma expressão tão do seu agrado, dificilmente hesitará em reconhecer como “alguém da sua laia”.

          5. O belo discurso do dr. Nunes Ferreira quanto ao “sagrado direito de rebelião contra uma tirania insuportável” jamais poderá abolir a ordem cronológica dos fatos: a dita rebelião começou três anos antes da “tirania insuportável” e depois  usou o advento desta como pretexto para dar à sua iniciativa belicosa, retroativamente, as aparências de uma legítima autodefesa.  Mas por que o homem que confunde tão galhardamente fatos e versões, singular e plural, não confundiria também o antes e o depois? Também é fato, e as palavras do dr. Nunes Ferreira não podem mudá-lo em nada, que entre 1964 e 1968 a tal “tirania insuportável” se limitou a demitir figurões e cassar mandatos — não se lhe podendo imputar outra maldade senão a de ter cortado as asinhas políticas de tipos ambiciosos como ele próprio –, e só começou a usar de violência contra a esquerda depois que esta já havia explodido 84 bombas, matando e ferindo umas dezenas de pessoas que o ministro ou ex-ministro exclui a priori da categoria dos “patriotas”, reservada por certo a pessoas que trabalharam para regimes democráticos como os da Alemanha Oriental e de Cuba. Igualmente verdadeiro é que, se a atmosfera de cassações e demissões podia ser “insuportável”, só um patológico mau gosto haveria de julgar mais confortável o ambiente de fuzilamentos generalizados, prisões arbitrárias e tortura em massa no qual os Nunes Ferreiras e tutti quanti foram buscar abrigo e ajuda.

          Mais ainda: o termo “direito de rebelião” só pode ter alguma validade quando a situação política contra a qual alguém se rebela exclui toda possibilidade de oposição pacífica. Tal é, precisamente, a argumentação subentendida no emprego que S. Excia. faz da expressão. Mas como admitir que a guerrilha brasileira nascesse da inexistência de meios pacíficos de oposição, se ela brotou justamente de um “racha”, no seio do próprio Partido Comunista, entre a minoria que julgava dever partir para a violência e a maioria que, lendo Gramci, apostou (e venceu) na viabilidade maior da luta pacífica? Se algo a história daquele período deixou claro, foi que o governo militar concentrou suas baterias no combate à guerrilha, dando campo livre à atuação da esquerda pacífica não somente infiltrada nos partidos legais mas autoconstituída, já então, em senhora e dona absoluta dos meios culturais e jornalísticos, tanto que jamais, na história brasileira, a indústria de livros esquerdistas floresceu como naqueles anos, coisa provada e arquiprovada pelos registros da Câmara Brasileira do Livro. A própria história subseqüente do Partido Comunista, com a completa derrota da guerrilha e a vitória incontestável da “revolução cultural” gramsciana, basta para impugnar toda tentativa de legitimar a guerrilha pela suposta ausência de canais pacíficos de oposição ao governo militar.

5. S. Excia. acusa-me de “tomar as dores” da empresa maranhense vasculhada pela Polícia Federal numa ação cujos resultados judiciais serão incertos e de longo prazo mas cujo efeito eleitoral, que S. Excia. finge nem perceber, foi imediato e inquestionável.

          Não me espanta que o homem capaz de tentar intimidar fisicamente um recém-operado seja também capaz de lançar uma insinuação dessa ordem contra um jornalista que uma semana antes, em vez de tomar as dores de quem quer que fosse, já havia manifestado de público todo o seu desprezo pela candidatura lesada, e que por isso nem tem por que se defender de uma imputação que antecipadamente já se anulou a si mesma.

          Mas chega a ser admirável a facilidade com que S. Excia. desce, num relance, da pose altiva de dignidade ofendida aos golpes rasteiros da intriga de botequim, com a ressalva de que é tão inábil numa coisa como na outra.

          Quanto à operação referida, bem sei que obedeceu a todos os trâmites formais, nada podendo se lhe imputar de ilegal. Mas a escandalosa oportunidade eleitoral da data escolhida para realizá-la mostra que a lei às vezes tem outras utilidades além da manutenção da ordem e da justiça. Quem disse “Para os inimigos, a lei” ensinou que não é preciso fazer nada de ilegal contra os desafetos, quando se pode simplesmente usar do aparato legal como de um porrete ou de uma gazua — e aliás alguns ministros da Justiça são nomeados especialmente para isso.

          6. S. Excia. chama-me “filósofo de meia tigela”. Confesso que essa imputação me deixa um pouco atônito, pois jamais me ocorreu que se pudesse filosofar com tigelas. Não me lembro de jamais ter lançado mão de um desses utensílios, seja inteiro, seja pela metade, no exercício dos meus discretos afazeres filosóficos, dos quais suspeito que S. Excia. não saiba grande coisa, donde sua extravagante presunção de avaliá-los pela capacidade das tigelas que ele aí supõe utilizadas.

          Confesso que a idéia que o sr. ministro faz da filosofia me escapa totalmente. Para mim, essa é a parte mais enigmática da sua carta. A julgar, porém, pelo uso que ele faz da primeira e mais elementar das disciplinas filosóficas, que é a lógica, creio que não me conviria de maneira alguma pedir-lhe mais explicações a respeito, pois ele poderia querer trocar idéias sobre o assunto e, inevitavelmente, eu levaria prejuízo na troca.

          7. S. Excia., imaginando que com isto vai trazer algum dano à minha argumentação, acusa-me de usar o termo “terrorista” como o usava a Gestapo para denegrir os alemães que atentaram contra a vida de Hitler. A imagem não é nada boa, porque os autores do atentado eram aristocratas conservadores, e a Gestapo a polícia política de um Estado socialista. S. Excia. não deveria abusar desses giros retóricos pueris que só melam mais um pouco sua reputação já nada invejável. E a palavra “terrorista” tem atualmente uma acepção tecnicamente fixada que nenhum advogado sério pensaria em tergiversar. S. Excia. e sua digníssima esposa foram terroristas no sentido mais estrito e menos pejorativo do mundo, e qualquer uso próprio ou impróprio que a Gestapo ou quem quer que fosse possa ter feito do termo meio século antes não muda isso em nada. Mais ainda: disse e repito que S. Excia. jamais condenou explicitamente o recurso político aos assaltos, aos seqüestros e às bombas cujo emprego define, precisamente, a atividade terrorista. Limitou-se a declarar que nem sempre são oportunos em certas circunstâncias, observação que nem bin Laden ou Carlos o Chacal hesitariam em endossar.

          8. Por fim, uma mensagem direta ao ex-ministro:

Se V.. Excia tem por mim sentimentos análogos aos que nutre pelo Dr. Jereissati — e, pelo texto da sua carta, não vejo quais outros poderia ter –, não deve refrear a expressão deles como o fez, entre dentes, no infausto encontro de Natal. Seu colega do Ministério da Saúde nada lhe adverte quanto a esse ponto, mas o fato é que fingir autocontrole quando a baba já começa a lhe escorrer pelo canto da boca pode fazer mal ao coração de V. Excia., tornando-o candidato a usuário de pontes de safena.

Portanto, Excia., se tem negócio comigo, não se iniba: estou com um pouco de gripe, mas não sou safenado nem cardíaco, nem me consta jamais ter corrido de medo de quem quer que fosse.

Com meus melhores votos,

Olavo de Carvalho

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