Leituras

Justiça cega

Por José Nivaldo Cordeiro


16 de Maio de 2002

Não conheço o Coronel Pantoja, que hoje foi condenado pelos acontecidos de Eldorado dos Carajás. Sei, todavia, que ninguém é nomeado comandante de uma de nossas polícias militares se não tiver os requisitos de probidade, competência, equilíbrio e senso de hierarquia. Um comandante militar é, antes de tudo, um cumpridor de ordens superiores, no caso do governador do Estado.Hoje é um dia triste para aqueles que buscam cumprir o seu dever e a lei e não apenas para o Coronel Pantoja. Não sou jurista e nada entendo dos procedimentos jurídicos. No entanto, apesar de usar óculos, posso enxergar muito bem. As filmagens dos tristes episódios de Eldorado dos Carajás mostram claramente que a polícia foi atacada e que, se não usasse dos meios de autodefesa disponíveis no momento, teria sido massacrada. E, com ela, o estado de Direito, a democracia e as autoridades constituídas.

Os homens que enfrentaram aquela situação viveram momentos de heroísmo, de real perigo de vida em cumprimento de seu dever perante a coletividade. Em qualquer outra situação teriam sido condecorados por bravura, mas não em nosso Brasil de hoje, infelizmente.

Aquela data foi um divisor de águas. Desde o lamentável episódio que as Força da Ordem em nosso País ficaram intimidadas, pois ficou claro que as suas agora passaram a ser objeto de julgamento não jurídico, mas político, portanto não isento, mas tendencioso. Qualquer infortúnio no cumprimento do dever poderia ser usado para destruir a vida pessoal dos agentes da lei. Então seria mais prudente a omissão do que ação e ainda mais recomendável trocar de lado, passar a apoiar os que infringem a lei do que defender a quem supostamente a lei buscaria proteger. É o relativismo moral e jurídico aplicado em toda a sua plenitude.

Desde então vivemos a total inversão da ordem, a implantação da insegurança pública, o relativismo legal. Em alguns estados da Federação, como no Rio Grande do Sul, a situação ultrapassou qualquer limite do sensato.

Em todo o Brasil vemos o medo com que as polícias enfrentam os bandos organizados unicamente para infringir a lei, delinqüir, ainda que sob o escudo protetor de certo segmento político e de suas palavras de ordem, que buscam isentar antecipadamente de responsabilidade todos os desmandos desses grupos. Dizem-se sem terra, sem teto, sem isso e sem aquilo. Na verdade, são sem lei, foras-da-lei. A única coisa que lhes falta é o respeito pelas instituições democráticas.

Quero que o Coronel Pantoja receba a minha palavra de conforto e solidariedade. Sei o desgosto que vive, a inaudita solidão e o desamparo que só os inocentes injustamente condenados podem sentir.

 

Política desavergonhada

Por Maria Lucia Victor Barbosa

Se no Brasil o voto fosse facultativo, como o é na maioria dos países, possivelmente muita gente se absteria de votar. Não que as pessoas não gostem de política, gostam e muito, mas o fato é que elas andam profundamente desgostosas com os políticos. Este desgosto vem aumentando com a eclosão de escândalos que têm no seu cerne a corrupção que, diga-se de
passagem, é velha companheira da sociedade brasileira desde seus primórdios.

A novidade é que a corrupção existente no meio político nunca foi tãonoticiada nem tão punida como agora, se bem que ainda que de forma insuficiente, pois uma enorme quantidade de ladrões da coisa pública estão livres, leves e soltos, aproveitando a doce vida que os frutos do seu patrimonialismo desenfreado lhes proporciona.Se a maioria desses larápios permanece sempre em altos cargos ou consegue se reeleger com grande facilidade, por outro lado pode-se dizer que os eleitores estão mais atentos e críticos. Na verdade o País tem sido varrido por uma onda de moralidade cívica. Tal fenômeno proporcionou ao PT inúmeras
vitórias, justamente por ser este partido considerado a vestal de pureza imaculada em meio às raposas peludas e os lobos vorazes da esfera política.

No poder o PT tornou-se um partido igual aos outros mas, mesmo assim, conseguiu manter a máscara da virtude. Afinal, tudo que o PT faz é alardeado com justo, ético, voltado para os pobres e oprimidos mesmo que aja de forma idêntica aos que antes condenava. E como o PT condena! É implacável com os
que não rezam por sua cartilha, processa a torto e a direito, intimida, patrulha. O PT é um partido inquisidor por excelência e por mais que agora queira exibir uma face amena, não consegue ocultar por muito tempo seu vezostalinista.

Mas terá mudado mesmo o PT, que hoje busca alianças com o PL e o PMDB de Orestes Quércia na sua quarta tentativa de chegar à presidência da República?

Em 2 de maio de 1994, participei do programa “Fogo Cruzado”, da TV Gazeta, em São Paulo. Fui convidada para debater com os professores do PT, Maria Vitória Benevides e Marco Aurélio Garcia e o filósofo José Arthur Giannotti. O tema central da discussão era a aliança PSDB/PFL, execrada pelos petistas.

Naquela ocasião, pude observar de perto a segurança com que os fervorosos adeptos da estrela barbuda discutiam temas polêmicos, certos que seu líder já estava eleito. Eles não hesitaram em utilizar a crítica contundente e de caráter populista, que tenta acender as paixões eleitorais e oferece a
desforra dos pobres contra os ricos. Cientes de sua força, brandindo do alto do triunfo previsto o fogo sagrado de sua pureza, os professores do PT execraram a união do PSDB com o PFL em apoio ao então candidato Fernando Henrique Cardoso. O mínimo que disse Marco Aurélio Garcia, foi que o PFL
representava os grotões e o coronelismo ainda existente no Brasil.

O que dirão agora sobre as aproximações do seu partido com o PL e o PMDB de Orestes Quércia, os professores Marco Aurélio e Maria Vitória? Como Aloizio Mercadante, certamente dirão que as circunstâncias são outras. Provavelmente, também pedirão para que todos esqueçam o que o PT disse ou
foi. Aliás, ensinaram ao candidato Lula dizer que as pesadas denúncias sobre Quércia nunca foram comprovadas e, portanto, nada de mais um acerto entre ambos. Em 1994, quando Quércia afirmou que “o PT nunca dirigiu um carrinho de pipoca”, e que “o PT é fascista (…) o problema do Lula é sua orígem e não adianta ele querer mascará-la”, Lula retrucou: “Só respondo ao Quércia quando ele estiver com o prontuário limpo”.

A questão que se coloca, então, não é a flexibilização do PT face as naturais alianças políticas, mas o tipo de política desavergonhada que adotou depois de pregar moralismo como se fosse a UDN da esquerda. Isso em termo mais amplos, esmaece ainda mais os valores em uma sociedade como a
nossa, onde a moralidade sempre foi dúbia e a lei pouco cumprida.

Parafraseando o grande jornalista H.L. Mencken, se o PT achar que converter-se ao canibalismo pode lhe render votos, mandará engordar um bispo da Igreja Universal no quintal da casa do Lula.

Os Banqueiros e o desastre inevitável

Por José Nivaldo Cordeiro


02 de Maio de 2002

As crises econômicas habitualmente têm origem ou se transformam, em seu processo, em problemas com os financiadores internacionais. Está aí a Argentina e as últimas crises brasileiras para atestar o fato. Por conta disso, os discursos políticos “críticos” começam e acabam em propor soluções extramercado para com os financiadores internacionais, as chamadas moratórias, de triste memória. Em que consiste realmente o problema? 

É claro que país algum pode dispensar o concurso dos banqueiros, pois é a partir das garantias bancárias que o comércio entre as nações pode acontecer. Cumprem, os bancos, esse fundamental e insubstituível papel. Sempre que se tentou fazer a substituição dos banqueiros, como o Brasil nos anos setenta com os países do bloco socialista, deu no que deu: prejuízo. O caso da Polônia e as famigeradas “polonetas”, tão denunciadas pelo Embaixador Meira Penna, é emblemático. Alguns bilhões de dólares foram despejados no ralo do esgoto.

Os banqueiros, todavia, não se limitam a financiar e garantir o comércio. Eles também garantem, mediante empréstimos, a liquidez corrente, de curto prazo, dos países. Fazem os “papagaios” necessários para o fechamento das contas, quando há problemas.

Outra função que eles têm é financiar a atividade produtiva, aportando recursos diretamente às empresas dos diferentes setores. Apóiam assim o desenvolvimento empresarial, muitas vezes em complemento e suprindo lacunas nos sistemas financeiros imperfeitos dos chamados países pobres, cuja formação de poupança é insuficiente e cujo processo de intermediação financeira não está ainda inteiramente institucionalizado.

O drama começa quando governos pródigos vêem nos financiadores internacionais agências de fomento. Aí passam a absorver todo tipo de recursos disponíveis, sem fazer os corretos cálculos da relação custo/benefício, a fim de alavancar o desenvolvimento. Quando se está no começo da festa, em que a proporção dívida/PIB é baixa e o serviço da dívida é ainda irrelevante no orçamento, ninguém reclama. Quando, todavia, chega o dia em que os banqueiros dão o basta, porque a capacidade de endividamento esgotou-se e o serviço da dívida passa a devorar parcela desproporcional do orçamento, toda sorte de discurso populista contra os banqueiros passa a ser feito.

O curioso é que ninguém se lembra de responsabilizar os governantes irresponsáveis que, livres e espontaneamente, foram buscar os recursos e assinaram os contratos. Ilusoriamente, passam a culpar os banqueiros, que culpa nenhuma têm se bateram na sua porta. E, diante do contrato assinado, têm que executar a dívida, posto que não passam de gestores de recursos alheios.

É curioso então analisar o discurso político das esquerdas. Ora elas culpam os banqueiros por não dar créditos adicionais, como acontece no caso da Argentina no momento, ora os culpam por querer emprestar. Afinal, os banqueiros são maus por emprestarem ou por não emprestarem? Nem sempre fica claro ao se ouvir o discurso dos “progressistas”.

Outra coisa curiosa é que esses atores políticos implicitamente propõem zerar (ou algo assim) a taxa de juros e prolongar ao infinito o prazo de pagamento da dívida (não é outro o intuito que está por trás da moratória). E depois querem levantar recursos adicionais. É claro não há qualquer realismo nessas idéias.

Algo porém é certo: os banqueiros não são doadores de recursos enquanto empresários. Assinou o contrato, tem que pagar. Compete aos tomadores de empréstimos serem precavidos ao tentarem levantar recursos. Todos sabem que os juros são caros e devem ser pagos e que um dia o crédito vencerá e também deverá ser pago. É simples assim.

Todo o carnaval que as esquerdas fazem contra os banqueiros não passa de uma mistura de ignorância e de má fé. Não enganam as pessoas bem informadas. Talvez consigam enganar-se a si mesmas, encantadas que ficam com o próprio discurso. O que se vê é um descolamento da realidade, que é substituída no imaginário dessas pessoas por demônios inexistentes. O pior é que essas pessoas ganham votos e acabam por se tornar governantes, tomando as decisões mais erradas em nome da coletividade. O desastre, então, é inevitável.

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