Leituras

Sierra maestra nos gabinetes

Por Percival Puggina

Em meados do século passado, o expansionismo revolucionário barbudo cubano acossava nossa fragilidade institucional com o espectro de uma noite dos longos punhais ou de uma quartelada imberbe. E bem que tentaram. Já haviam se movimentado em 1935 quando a ANL de Luiz Carlos Prestes, a mando do Komintern soviético, assassinou vinte e oito militares durante a fracassada Intentona Comunista. Não pensavam noutra coisa várias dezenas de organizações revolucionárias clandestinas. E tentaram, principalmente, através da tolerância do presidente João Goulart com as tropelias daquilo que ele denominava suas “bases”. O caminho para o topo ficou tão franqueado que Prestes chegou a afirmar que os comunistas já estavam no poder, só faltava tomá-lo.Existem algumas coisas que basta abrir a janela para ver. Assim, quem quiser saber o que seria o Brasil se os companheiros treinados em Moscou e Havana, espalhados em todo o país ou acantonados nas Forças Guerrilheiras do Araguaia, tivessem conquistado o poder, basta dar um pulinho até a ilha do doutor Castro ou, mais econômico, ler o livro com o mesmo nome. Muitos que hoje falam sobre democracia, e apontam, com dedo bem duro, certos desvios ocorridos durante os governos militares, teriam feito muito mais e bem pior se tivessem realizado suas intenções. Não eram e não são democratas.

Mas os tempos mudaram. Hoje, os caminhos para a tomada do poder são mais sutis. Basta continuarem a fazer o que vêm fazendo: infiltrar-se nas organizações dedicadas à cultura, nas redações dos jornais, nas comunidades religiosas; pregar a tolerância para com quaisquer movimentos que afrontem o Estado de Direito; e insinuar-se nas escolas, cursinhos e universidades para ali promover aberta e persistente pregação (dizia-me ainda hoje um estudante que, no seu pré-vestibular, os professores se dedicam muito mais à pregação ideológica do que aos conteúdos). Antonio Gramsci plantou na Itália e colheu no Brasil.

Se mesmo assim não funcionar, está sendo calçado o sapato para um outro e mais sinistro passo, que será dado com a conquista, lenta mas determinada, do Poder Judiciário. Por esse caminho, no Brasil de hoje, é perfeitamente possível fazer uma revolução sem precisar se incomodar com o estampido das armas. Pergunto: não é objetivo de toda revolução emascular o direito legislado para dar vigência à sua ideologia? Ora, uma caneta é mais silenciosa e mais eficiente do que um fuzil. E um gabinete com ar condicionado, bem mais confortável do que as encostas de Sierra Maestra. Mas o resultado pode ser o mesmo.

Serra e Rita

Por José Nivaldo Cordeiro


24 de Maio de 2002

Dificilmente a candidatura oficial vai se livrar das piadinhas ensejadas pelo cacófato derivado da junção dos nomes. Serra, de fato, irrita, os amigos e os adversários. Mas, como diria o Dr. Jung, personalidade é destino e somos o que somos. E como nada é por acaso, o cacófato também não é, revelando um pouco mais do candidato.Para além das armadilhas da língua portuguesa, entretanto, importa mais avaliar o impacto político e eleitoral da escolha da vice da chapa do PSDB. Salvo a previsível guerra dos dossiês, que certamente acontecerá, pareceu-me uma escolha consistente. As pesquisas revelavam a menor força da candidatura Lula junto ao eleitorado feminino, que ficou um tanto órfão com a desistência da Roseana Sarney. A deputada Rita Camada certamente será um elemento a atrair considerável contingente desses votos.

Vice não manda, já diz o ditado popular. Alguém conhece alguma rua como nome de vice? Ele só é importante quando o titular, por qualquer motivo, fica impedido de exercer o poder. Enquanto vice, não é lá grande coisa em política.

Dessa forma, a deputada será mais uma garota-propaganda do que mesmo uma aglutinadora de forças políticas. Até onde a imprensa noticiou, as diversas facções que formam o PMDB não ficaram muito felizes com a escolha. A convenção do Partido não será um mero convescote dominical. Como se diz no popular, o bicho vai pegar. Pior ainda porque ela sempre integrou a ala oposicionista do Partido. A lógica, em política, nunca foi linear e esse acontecimento só confirma o truísmo.

De qualquer modo, penso que os estrategistas da candidatura acertaram. Era a melhor escolha. Qualquer um que fosse o escolhido geraria algum tipo de resistência e essa pelo menos agregou em termos eleitorais. Para ser perfeita só se fosse oriunda de Minas ou de São Paulo. Mas nada é perfeito. Nem Rita.

O problema colocado agora para a dupla Serra e Rita e decolar nas pesquisas eleitorais, deslocando-se do embolado segundo pelotão. Se isso não acontecer rapidamente, a candidatura corre sério risco de ser cristianizada. Quem pode esquecer o que aconteceu com o saudoso Ulysses Guimarães? Não basta controlar a máquina partidária e o Executivo para ser bem sucedido nas urnas, ainda mais numa eleição de corte plebiscitário, como a que se avizinha.

É esperar para ver.

 

Duelo Impossível

Por José Nivaldo Cordeiro


23 de Maio de 2002

A imprensa nos informa hoje que mais um oficial foi condenado pelos acontecidos de Eldorado dos Carajás. Volto ao tema, sem temer ser repetitivo, não por esse fato, que não mais é surpresa: a injustiça derivada daquele triste episódio passou a ser rotineira. Mas, sim, por causa de um dos argumentos utilizados pela acusação contra a ação dos policiais militares.A dúvida em debate diante do Júri era saber quem atirou primeiro. A simples colocação dessa questão já mostra a quantas anda o relativismo do nosso sistema jurídico e, por conseqüência, do sistema de Justiça. Uma ação como aquela, de restabelecimento da ordem pública e de desobstrução das vias de circulação, pressupunha o uso dos instrumentos normais nesse caso, como as bombas de gás lacrimogênio e as de efeito moral. O filme revela que policiais empunhando lançadores estavam na linha de frente da operação.

Pessoas normais temeriam a ação da PM e de seus instrumentos de trabalho e provavelmente entrariam em fuga, por medo natural. O que se viu é que aquelas não eram pessoas normais: à ação da PM responderam com inesperado ataque, pondo a correr os policias que despejavam as referidas bombas (não letais, como é do conhecimento geral). Do desfecho todos sabemos.

Ao se formular uma questão desse tipo é como se alguém pudesse cogitar a hipótese de a polícia ter que esperar ser atacada a tiros para poder cumprir o seu papel, o que é um absurdo. Ela estava ali para impor a ordem, não para travar um duelo fictício com os invasores. A polícia não pode ser derrotada. E a reação anormal à ação típica da PM apenas reforça a suspeita de um treinamento prévio – guerrilheiro – daquelas pessoas. Só alguém treinado para reagir daquela forma temerária.

É claro que era um duelo impossível. As Forças da Ordem tinham que se impor e os perturbadores da ordem tinham que ceder. Algo diferente disso seria supor que um poder alternativo imperasse naquelas plagas.

Nunca houve um duelo e a causa real do lastimável desenlace foi a resistência desmedida e imprevisível dos que pereceram.

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