Leituras

Um País Chamado “Culômbia”

Por José Nivaldo Cordeiro


 03 de julho de 2002

Josino Moraes escreveu no mês passado um excelente artigo, intitulado “O déficit fiscal brasileiro”, no qual fez um preciso diagnóstico sobre o problema fiscal: “O déficit público não depende do governo, ele é endógeno no processo em cerca de 80% (Veja, 23-9-98). Seriam as atuais micro-reformas propostas pelo governo suficientes para promover um propalado ajuste fiscal de alguma relevância? Elas são mais para inglês ver.” E por que endógeno? Porque o cipoal jurídico de direitos adquiridos contra o Tesouro público é tal que não há alternativa que não honrá-los, perpetuando o déficit de forma ampliada.

Na seqüência, ele aponta três possíveis caminhos a serem percorridos para o combate ao déficit fiscal: 1- Que a estabilidade fiscal se tornasse um “cabo eleitoral”, ou seja, expressasse a vontade da maioria do eleitorado; 2- Que venha a ocorrer uma guerra civil dos que trabalham contra os socialistas que controlam o Estado, nos diferentes poderes; e 3- Que viesse a ocorrer um “ultimato” dos pagadores de impostos contra os que administram o Estado, isto é, ninguém pagaria impostos se não fossem feitas, a toque de caixa, as esperadas reformas, vale dizer, a redução na receita e na despesas pública.

Eu acrescentaria ainda uma quarta alternativa, que seria a transformação do Brasil em uma “Culômbia” (assim, com “u” mesmo), uma mistura de Cuba com Colômbia, um paraíso de comunistas traficantes. Teríamos a prosperidade de Cuba e a paz social colombiana, algo que pode durar séculos. Seria o inferno na terra. A experiência na Rússia durou oitenta anos e em Cuba parece estar eternizada. Não dá para subestimar o mal.

Brincadeiras a parte, o fato é que isso pode realmente acontecer e diria mesmo que está acontecendo. O que vemos no Rio de Janeiro em termos de poderio dos traficantes, cujo chefe (Beira-Mar) viveu na Colômbia e foi íntimo colaborador da guerrilha marxista apoiada por Cuba, já é a materialização desse cenário. A metralha que fizeram no prédio da prefeitura carioca não é um mero decalque recreativo.

Um estudo da História, todavia, vai nos mostrar que sempre que há a exorbitância do Príncipe, o abuso do poder de Estado, a rebelião armada é inevitável. É uma mera questão de tempo. Isso vem do Antigo Egito e culminou na Era Moderna com a rebelião liberal da Inglaterra e dos EUA (e, depois, nos demais países do Ocidente). A nossa própria História registra isso, pois não podemos esquecer do martírio de Tiradentes. Se a rebelião armada não é automática, é uma possibilidade, com a vantagem de que a geração atual já sabe o caminho. No tempo certo, como diria o maroto poeta paraibano, “quem sabe fará a hora”.

Falando francamente, a possibilidade de um desfecho bélico para os atuais desequilíbrios políticos e econômicos da sociedade brasileira não pode ser descartada. Nenhum povo que não queira ser “culombizado” poderá agüentar a situação de braços cruzados, pois significaria render-se à escravidão. Penso que o clique revolucionário só acontecerá quando a parte da elite que é sócia do esbulho tributário não mais receber o seu quinhão, pois a lógica destrutiva da estrutura dos gastos públicos no Brasil aponta na direção de que nenhuma poupança será formada, vez que tudo será destinado a custeio. A chamada propensão a consumir dos esquerdistas é algo realmente notável, são traças insaciáveis a devorar tudo. Mais e mais recursos serão tomados de quem trabalha, como podemos ver no exemplo do monstruoso Plano Diretor que ora se discute em São Paulo, para bancar o ócio de camadas crescentes da população. A inviabilização do processo produtivo destruirá até mesmo os que eu chamei de “empresários socialistas” (no Brasil de hoje, até banqueiros vivraram socialistas). Será nesse momento de calote geral que eles se lembrarão dos valores liberais e certamente será demasiado tarde.

Antes disso, o Brasil deverá se tornar a grande Culômbia. Será uma tragédia apocalíptica, mas na ausência de uma massa de pessoas conscientes, capazes de enfrentar o pior antes que ele aconteça, só resta esperar.

O tempo está próximo. Orai e vigiai.

Palavras Venenosas

Por José Nivaldo Cordeiro


02 de Julho de 2002

Talvez a frase mais famosa de Lord Keynes seja a que afirma que “no longo prazo todos estamos mortos”. Nunca a engoli, nunca a aceitei. Sempre a achei de uma falsa espirituosidade óbvia, papo de salão de um finório charlatão. Mas confesso também que só fui compreendê-la em sua plenitude nefanda quando aprofundei minhas leituras religiosas e filosófica.

Para entender toda a plenitude de veneno que está por trás dessa afirmativa, todo o seu cinismo, é preciso esmiuçá-la e também rememorar um pouco da biografia e da psicologia de Lord Keynes. Comecemos pela segunda parte.

Nunca foi segredo que Keynes era um homossexual assumido e jamais constituiu família, não deixando descendência. Foi integrante do grupo de Bloomsbury, uma sociedade de intelectuais brilhantes, que tinham em comum a crença no hedonismo, no materialismo, no niilismo, no socialismo e desprezavam os valores maiores da tradição ocidental. Muitos de seus membros foram pervertidos sexuais e morais, tendo alguns deles se tornado espiões profissionais para a extinta União Soviética. Tudo bona gente. Uma boa descrição dessas pessoas pode ser encontrada no excelente ensaio de Alceu Garcia (“A teoria econômica de Lord Keynes e a ideologia triunfante de nosso tempo)”, disponibilizado no site www.olavodecarvalho.org. Lá podemos ler:

“A enorme influência do socialismo fabiano marcou profundamente a formação intelectual e moral de Keynes. Ele integrou uma sociedade secreta em Cambridge conhecida como Os Apóstolos e posteriormente a confraria de letrados ilustres denominada Grupo de Bloomsbury, ambas subprodutos do caldo cultural do fabianismo. Hedonismo, niilismo, elitismo, iconoclastia, bissexualismo, pedantismo, amoralismo e, claro, socialismo, eram os traços comuns aos integrantes desses grêmios. O filósofo G.E. Moore, um dos gurus máximos da tchurma, autor de um livro intitulado Principia Ethica, exerceu forte atração sobre Keynes. Para Moore não existiam princípios morais universais, reduzindo-se a ética aos prazeres estéticos pessoais. Não é possível compreender o caráter de Keynes, nem sua atuação política e sua produção científica, isolados do contexto ideológico em que ele atuou. E os traços chave da natureza do economista britânico eram: relativismo moral e desonestidade intelectual”.

[Se você, leitor, nada sabe de economia ou se sabe muito, deve ler esse ensaio de Alceu Garcia. Além de brilhante e erudito, é muito didático, permitindo aos seus felizes leitores compreenderem a extensão da miséria intelectual em economia inaugurada por Lord Keynes].

Ora, para um cristão ou qualquer outro crente nas grandes religiões, a frase é uma blasfêmia . No longo prazo estaremos vivos, pois não escapa àqueles que professam uma religião, ainda que pessoal, o sentido da vida, a consciência de que o efêmero integra a Eternidade. Ao pronunciar a sentença nefanda, Keynes simplesmente insultou o que há de mais caro ao Ocidente, a promessa de Cristo da ressurreição no Além.

Mas não é necessário que alguém seja religioso para repudiar a sentença maldita. Alguém ateu, mas que seja moralmente íntegro, que não seja um pervertido moral, que construiu (ou pretende construir) família e tem filhos, sabe que, pela sua descendência, estará perpetuado. No longo prazo há os filhos, os netos, os sobrinhos e todas as gerações vindouras. A vida se resume em um horizonte de curto prazo apenas para os sujeitos estéreis, que negam a natureza e acham que a felicidade está na entrega desregrada aos pecados da carne. Mas a vida não é assim. Os homens de bem não são bestas sensuais.

Há um sentido e esse sentido está na perpetuidade da espécie humana. No longo prazo estaremos vivos, o que dá aos adultos de hoje toda a responsabilidade de cuidar bem da herança que deverão legar aos descendentes. Essa herança não é apenas material, mas é sobretudo do espírito, ou seja, a capacidade de discernir a verdade. E cuidar bem dessa herança começa por denunciar as mentiras, as promessas vãs, as falsas ciências, as pormessas políticas desonestas e mesmo as singelas frases de efeito que são um poderoso veneno para matar a alma daqueles que não estão devidamente avisados.

Leiam, pois, Alceu Garcia. É uma aula de economia e de ética em grande estilo.

Nivaldo Cordeiro

O autor é economista e mestre em Administração de Empresas pela FGV – SP

O movimento dos trabalhadores sem-terra: um pequeno enfoque

Por Carlos Ilich Santos Azambuja

O “Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra” é definido por alguns cientistas sociais como “uma escola itinerante, em face da importância dada pelo principal movimento social do continente à formação, tanto de seus militantes como do conjunto de seus milhões de seguidores”.Edgard Kolling, pedagogo e educador, pertencente à Coordenação Nacional do MST, por sua vez, diz estar convencido que os Sem-Terra devem ser postos
ombro a ombro, junto com os operários e outros setores sociais para a “construção de uma nova sociedade . Socialista, evidentemente. Prossegue Kolling: “A História nos mostra que os camponeses foram peças importantes nos processos revolucionários, desde a Rússia e China, até Cuba e Nicarágua.
Coincidimos também na idéia de que o trabalho coletivo supera o individual e por isso incentivamos a formação de cooperativas, pois assim as famílias alcançam um maior desenvolvimento de consciência política”.

O MST integra uma rede mundial de organizações camponesas coordenada pela “Via Campesina”, com atuação em todos os continentes, bem como uma rede latino-americana denominada “Coordenadora Latino-Americana de Organizações Camponesas (CLOC)”.

A maioria dos atuais dirigentes chegou ao MST através de um trabalho prévio junto à Igreja, na Pastoral da Terra e em Comunidades Eclesiais de Base, e uma boa parte desses dirigentes tem experiência pessoal como professor.

Cerca de 200 mil jovens, filhos de pais ligados ao Movimento, estão recebendo educação em todos os níveis (escolar básico, superior e formação política) em escolas organizadas pelo MST que funcionam com o apoio de prefeituras e do Estado. Essas escolas estão localizadas em assentamentos e nos acampamentos do MST, de acordo com o conceito de “escola itinerante”. Tão logo se constitui um acampamento, estabelece-se automaticamente umaescola, logo reconhecida pelo Estado. Cerca de 500 militantes cursam,atualmente, Pedagogia e Magistério.

O MST tem cerca de seis mil pessoas dedicadas ao trabalho de Educação. Mas que tipo de Educação?

Segundo uma longa reportagem publicada pela revista “Isto É”, de 17 deagosto de 1998, relatando o que foi visto na Escola Agrícola de Primeiro Grau 15 de Maio, próxima aos assentamentos rurais de Faxinal dos Domingues e
União da Vitória, no interior de Santa Catarina, “embalados pela música engajada da cantora argentina Mercedes Sosa, um grupo de crianças aprende a traduzir do espanhol frases aguerridas de ícones da Revolução Cubana, como Che Guevara e José Martí, numa cena que parece saída da década de 60. Mas
não é só. As aulas na língua falada na pátria de Fidel Castro vão além de simples traduções. Os alunos também aprendem a discutir conceitos complicados como luta de classes, reforma agrária e exclusão social”.

Prossegue a reportagem: “Essas crianças são formadas pela pedagogia linha-dura do MST, desenvolvida pelo seu setor de Educação, que hoje faz a cabeça de um exército de 40 mil crianças em cerca de mil escolas de Primeiro Grau em acampamentos e assentamentos. O projeto de Educação do MST nasceu há 10 anos e amplia-se a cada dia. A pedagogia dos professores vai das idéias do educador pernambucano Paulo Freire às de Che Guevara, e inclui ainda clássicos da filosofia comunista como Karl Marx, Fiedrich Engels, Mao Tsé-Tung e Antonio Gramsci. Alunos e professores cantam músicas que evocam ideais revolucionários. As letras defendem a famigerada união operária e camponesa e de quebra ainda criticam a burguesia e o latifúndio. O ritmo é marcado pelos braços erguidos e os punhos fechados”.

Raul Jungman, que foi Ministro da Reforma Agrária, nessa mesma reportagem assinalou: “A fixação de modelos como estes no fundo está voltada para a formação de quadros para um projeto político, para a continuidade do movimento e não para a formação de cidadãos. A cabeça do povo não é lata. Esse é um modelo fracassado, como o usado na antiga União Soviética e em Cuba, país que leva zero em matéria de democracia. Falo isso como socialista que sempre fui e continuo sendo”.

Essa rede de escolas do MST, as quais constituem verdadeiros “sovietes”, foram montadas com dinheiro dos contribuintes, de ONGs internacionais e de certas ordens religiosas estrangeiras. E as aulas são ministradas em espanhol. Objetivam transcrever literalmente o pensamento de Che Guevara.

Todavia, em todo esse trabalho existe um enorme abismo entre os “Acampamentos” e os “Assentamentos” no que diz respeito à formação do “homem novo”, pois nos “Acampamentos” o MST busca engendrar “o novo”. Entretanto, quando o homem passa a ter acesso à terra, o germe do “novo” evapora-se, dissolvendo-se, pois a luta pela sobrevivência e a busca pelo trabalho passam a ocupar todos os espaços, sufocando “o novo”, e a luta cotidiana
para produzir melhores condições de vida é a luta de todos em qualquer tempo e espaço. Como não há nada de novo em todo esse processo, alguns cientistas sociais já assinalaram que o MST pode estar reproduzindo relações sociais que engendram homens burgueses.

No início de maio de 2000 o MST concretizou uma de suas ações mais espetaculares desde que foi criado. Cerca de cinco mil militantes ocuparam prédios públicos em 14 capitais. Outros 25 mil realizaram invasões pelo interior e passeatas. Em três localidades foram atacadas sedes regionais do INCRA. Em outras onze, o MST invadiu escritórios do Ministério da Fazenda.”Agora vamos pegar o Malan. A vontade de nosso povo é pegar a foice e descer o cacete”, disse Gilmar Mauro, um dos dirigentes do Movimento (revista “Veja”, de 10 de maio de 2000).

Em uma palavra, o MST não quer mais terra. Ele quer “toda a terra”. Quer tomar o poder por meio de uma revolução e, feito isso, implantar um socialismo tipo aquele que foi derrubado a partir de novembro de 1989, após a queda do Muro de Berlim. Quem diz isso são os próprios líderes do MST.

Num primeiro momento o inimigo do MST era o latifúndio improdutivo. Com o tempo, os latifúndios produtivos passaram a ser também atacados. Nessas invasões registram-se sempre ocorrências de roubo de gado e de grãos estocados, depredação de tratores e houve, até mesmo, um caso em que uma fazenda foi incendiada. Em uma fase seguinte, o MST deixou a área rural mas permaneceu nas pequenas cidades do interior, organizando saques a supermercados, invadindo delegacias de polícia para libertar companheiros presos e ocupando agências bancárias como forma de protesto.

Tal é o empenho do MST em enfatizar suas reivindicações que seus integrantes não hesitam em violar o Código Penal em vários artigos, invadindo repartições públicas e impedindo-as de funcionar, mantendo servidores do Estado em cárcere privado, danificando bens públicos e propriedades particulares. Como considera ilegítimo o Estado, o MST desconsidera suas
leis.

Eis alguns pontos extraídos de uma cartilha do MST que orienta a formação política de seus militantes: “devemos lutar pela tomada dos bens de produção; os caminhos a trilhar para a libertação do proletariado são a reforma agrária e o socialismo, e para isso são válidas todas as formas de luta ; a luta pela terra passou do plano da conquista econômica para o da luta política contra o Estado; apenas ocupar a terra para trabalhar é uma
posição já superada; o nosso sonho revolucionário é construir sobre os escombros do capitalismo uma sociedade socialista; é preciso desenvolver um trabalho ideológico para que as aspirações das massas adquiram um caráter
político e revolucionário”.

Após receber 22 milhões de hectares de terra, área equivalente a cinco Dinamarcas, o MST acrescentou um novo item ao seu tradicional discurso. Agora, a tônica de reivindicações do Movimento deixou de ser a distribuição de terras e passou a ser a distribuição do dinheiro público. Nesse sentido, a pauta completa de pedidos feita pelo MST ao governo tem 50 itens, entre os quais a diminuição da taxa de juros, concessão de créditos especiais e financiamentos para a construção de casas.

Existem duas interpretações conflitantes para as novas práticas do MST. Uma é a do Grande-Timoneiro, João Pedro Stédile: “Nossas ações são a única forma de chamar a atenção para a política social que empobrece o país”. Stédile é pós-graduado em Economia, no México, aprecia os textos de Lenin, Marx e Mao
Tsé-Tung e, em sua opinião, as ações radicais e a indisposição ao diálogo são a forma adequada de apresentar à sociedade as mazelas do atual sistema de governo. Em suma, os governos todos são um Mal e o MST é um Bem.

Os pobres, que, na ausência de alternativas, seguem a bandeira do MST, querem um pedaço de chão, todavia as lideranças encaram a luta pela terra apenas como um instrumento político para atingir uma sociedade socialista.

Em março de 2002, após a invasão, roubo e depredação da fazenda dos filhos do Presidente da República, em Buritis, vemos, em abril, um dirigente do MST, financiado com dinheiro da “Via Campesina”, dentro do “bunker” de Iasser Arafat, apresentando “a solidariedade” do MST à luta dos palestinos.

Ao mesmo tempo, no dia 3 de abril, em Brasília, após uma passeata do MST à Embaixada de Israel, o líder José Rainha que há muito tempo não é mais sem-terra declara apoio aos atentados contra alvos civis israelenses: “Os atentados contra Israel são a arma de defesa dos palestinos. Muitas vezes as
vítimas são civis, mas não há outra saída”.

Pergunta-se: o que mais deveremos esperar de um movimento como o do MST?

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