Leituras

A teoria da exploração do socialismo-comunismo – Capítulo IV

Eugen von BÖHM-BAWERK

A idéia de que toda renda não advinda do trabalho (aluguel, juro e lucro) envolve injustiça econômica

(Um extrato)

Tradução: LYA LUFT

IV – A teoria do juro de Marx1

A. Apresentação detalhada da teoria de Marx

O principal trabalho teórico de Marx é sua grande obra em três volumes, sobre o capital. Os fundamentos de sua teoria da exploração estão expostos no primeiro destes volumes, o único a ser publicado em vida do autor em 1867. O Segundo, editado postumamente por Engels, em 1885, está em total harmonia com o Primeiro, quanto ao conteúdo. Menos harmônico é sabidamente o terceiro volume, publicado novamente após intervalo de vários anos, em 1894. Muitas pessoas, entre elas o autor destas linhas, acreditam que o conteúdo do terceiro volume seja incompatível com o do primeiro, e vice-versa. Mas, como o próprio Marx não admitiu isso e, ao contrário, também no terceiro volume exigiu que se considerassem totalmente válidas as doutrinas do primeiro, a crítica deve considerar as teses expostas nesse primeiro livro expressão da verdadeira e permanente opinião de Marx. Mas é igualmente válido – e necessário – abordar no momento adequado as doutrinas do terceiro volume, como ilustração e crítica.

1. A teoria de Marx sobre juro é mais extremista que a de Rodbertus

Marx parte do principio de que o valor de toda mercadoria depende unicamente da quantidade de trabalho empregada em sua produção. Dá muito mais ênfase a esse princípio do que Rodbertus. Enquanto este o menciona de passagem, no correr da exposição, muitas vezes apenas como hipótese, sem gastar tempo com sua comprovação,2 Marx o coloca no ápice de sua teoria, dedicando-lhe uma explicação extensa e fundamentada.

O campo de pesquisa que Marx se propõe examinar para “entrar na pista do valor” (I, p. 23)3 fica limitado originalmente às mercadorias, o que, para Marx, não significa todos os bens econômicos, mas apenas os produtos de trabalho criados para o mercado.4 Ele começa com uma análise da mercadoria (I, p. 9). A mercadoria é, por um lado [p. 282], uma coisa útil cujas qualidades satisfazem algum tipo de necessidade humana, um valor de uso; por outro, constitui o suporte material do valor de troca. A análise passa agora para este último. “O valor de troca aparece de imediato como a relação quantitativa, a proporção na qual valores de uso de um tipo se trocam com valores de uso de outro tipo, relação essa que muda constantemente, conforme tempo e lugar.” Portanto, parece ser algo casual. Mas nessa troca deveria haver algo de permanente, que Marx trata de pesquisar. E faz isso na sua conhecida maneira dialética: “Tomemos duas mercadorias, por exemplo, trigo e ferro. Seja qual for a sua relação de troca, pode-se representá-la sempre numa equação segundo a qual uma quantidade dada de trigo é igualada a uma quantidade de ferro, p. ex., um moio de trigo x quintais de ferro. O que significa essa equação? Que existe algo de comum, do mesmo tamanho, em duas coisas diferentes, ou seja, em um moio de trigo e x quintais de ferro. Portanto, as duas coisas se equiparam a uma terceira, que em si não é nem uma nem outra. Cada uma das duas, portanto, na medida em que tem valor de troca, deve ser reduzível a essa terceira.”

2. Dialética do valor em Marx

“Esse elemento comum – prossegue Marx – não pode ser uma característica métrica, física, química, ou outra característica natural das mercadorias. Suas características corporais, aliás, só entram em consideração na medida em que as tornam úteis, e são, portanto, valores de uso. Mas, por outro lado, a relação de troca das mercadorias aparentemente se caracteriza por se abstrair dos valores de uso dessas mercadorias. Segundo ela, o valor de uso vale tanto quanto qualquer outro, desde que apareça na proporção adequada. Ou, como diz o velho Barbon: “… Um tipo de mercadoria é tão bom quanto outro, quando seu valor de troca for igual. Não existe distinção entre coisas do mesmo valor de troca.’ Como valores de uso, as mercadorias são principalmente de qualidades diferentes, como valores de troca só podem ser de quantidades diferentes e, portanto, não contêm um átomo sequer de valor de uso.”

“Abstraindo o valor de uso das mercadorias, elas guardam ainda uma característica, a de serem produtos de trabalho. No entanto, também o produto de trabalho já se transformou em nossas mãos. Se abstrairmos o seu valor de uso, também estaremos abstraindo os elementos e formas corporais que o tornam valor de uso. Não se trata mais de mesa, ou casa, ou fio, ou outra coisa útil. Todas as suas características sensoriais estão apagadas. Ele também já não é o produto da marcenaria, ou da construção, ou da tecelagem, ou de qualquer trabalho produtivo. Com o caráter utilitário dos produtos de trabalho, desaparece o caráter utilitário dos trabalhos neles efetuados, e somem também as diversas formas concretas desses trabalhos. Eles já não se distinguem entre si [p.283]: reduziram-se todos ao mesmo trabalho humano, trabalho humano abstrato.”

“Consideremos agora o que restou dos produtos de trabalho. Nada resta deles senão aquela mesma objetualidade espectral, mera gelatina de trabalho humano indistinto, ou seja, o gasto de forças de trabalho humanas sem consideração pela forma desse dispêndio. Essas coisas apenas nos dizem que na sua produção se gastou força de trabalho humano, se acumulou trabalho humano. Como cristais dessa substancia social comum, eles são valores.”

Assim se define e se determine o conceito de valor. Segundo a teoria dialética, ele não é idêntico ao valor de troca, mas relaciona-se com ele de maneira íntima e inseparável: ele é uma espécie de destilado conceitual do valor de troca. Para usar as palavras do próprio Marx, ele é “a parte comum que aparece na relação de troca ou valor de troca das mercadorias”. O reverso é igualmente válido: “o valor de troca é a expressão necessária ou a manifestação do valor” (I, p. 13).

3. O “tempo de trabalho socialmente necessário” de Marx

Marx passa da determinação do conceito de valor para a exposição de sua medida e grandeza. Como o trabalho, é a substância do valor, conseqüentemente a grandeza do valor de todos os bens se mede pela quantidade de trabalho neles contido, ou seja, pelo tempo de trabalho. Mas não aquele tempo de trabalho individual, que aquele individuo que produziu o bem casualmente precisou gastar, mas o “tempo de trabalho necessário para produzir um valor de uso, nas condições sociais normais de produção disponíveis, e com o grau de habilidade e intensidade do trabalho possíveis nessa sociedade” (I, p. 14). “Só a quantidade de trabalho socialmente necessário ou o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir um valor de uso é que determina o seu valor. A mercadoria isolada vale aqui como exemplo médio da sua espécie. Mercadorias contendo igual quantidade de trabalho, ou que podem ser produzidas no mesmo tempo de trabalho, têm por isso o mesmo valor. O valor de uma mercadoria relaciona-se com o valor de outra mercadoria, da mesma forma que o tempo de trabalho necessário para a produção de uma delas se relaciona com o tempo de trabalho necessário para a produção da outra. Como valores, todas as mercadorias são apenas medidas de tempo de trabalho cristalizado.”

4. A “lei do valor” de Marx

De tudo isso deduz-se o conteúdo da grande “lei de valor”, que é “imanente à troca de mercadorias” (I, pp. 141 e 150) e que domina as condições de troca. Essa lei significa – e só pode significar – que as mercadorias se trocam entre si segundo as condições de trabalho médio, socialmente necessário, incorporado nelas (p. ex., I. p. 52). Há outras formas de expressão da mesma lei: as mercadorias “se trocam entre si conforme seus valores” (p. ex., I, pp. 142, 183; III, p. 167); ou “equivalente se troca com equivalente” (p.ex., I, p. 150, p. 183). É verdade que, em casos isolados, segundo oscilações momentâneas de oferta e procura, também aparecem preços que estão acima ou abaixo do valor. Só que essas “constantes oscilações dos preços de mercado (…) [p. 284] se compensam, se equilibram mutuamente e se reduzem ao preço médio, que é sua regra interna” (I, p. 151, nota 37). Mas a longo prazo “nas relações de troca casuais e sempre variáveis”, “o tempo de trabalho socialmente necessário acaba sempre impondo-se à força, como lei natural imperante” (I, p. 52).

Marx considera essa lei como “eterna lei de troca de mercadorias” (I, p. 82), como “racional”, como “a lei natural do equilíbrio” (III, p. 167). Os casos eventuais em que mercadorias são trocadas a preços que se desviam do seu valor são considerados “casuais” em relação à regra (I. p. 150, nota 37), e os próprios desvios devem ser vistos como “infração da lei de troca de mercadorias” (I, p. 142).

5. A “mais valia” de Marx

Sobre essa base da teoria do valor, Marx ergue a segunda parte de sua doutrina, a sua famosa doutrina do mais-valia. Ele examina a origem dos ganhos extraídos pelos capitalistas dos seus capitais. Os capitalistas tomam determinada soma em dinheiro, transformam-na em mercadorias, e, através da venda, transformam as mercadorias em mais dinheiro – com ou sem um processo intermediário de produção. De onde vem esse incremento, esse excedente da soma de dinheiro obtida em relação à soma originalmente aplicada, ou, como diz Marx, essa mais-valia”?

Marx começa limitando as condições do problema, na sua peculiar maneira de exclusão dialética. Primeiro, ele explica que a mais-valia não pode vir do fato de que o capitalista, como comprador, compra as mercadorias regularmente abaixo do seu valor e, como vendedor, regularmente as vende acima do seu valor. Portanto, o problema é o seguinte: “Nosso ( … ) dono do dinheiro tem de comprar as mercadorias pelo seu valor, e vendê-las pelo seu valor, mas, mesmo assim, no fim do processo, tem de extrair delas valor mais alto do que o que nelas aplicou… Essas são as condições do problema. Hic Rhodus, hic salta!* (I, p. 150 ss).

Marx encontra a solução dizendo que existe uma mercadoria cujo valor de uso tem a singular faculdade de ser fonte de valor de troca. Essa mercadoria é a capacidade de trabalho, ou seja, a força de trabalho. Ela é posta à venda no mercado sob dupla condição: a primeira, de que o trabalhador seja pessoalmente livre – caso contrario não seria a força de trabalho o que ele estaria vendendo, mas ele próprio, sua pessoa, como escravo; a segunda, de que o trabalhador seja destituído “de todas as coisas necessárias para a realização de sua força de trabalho”, pois, se delas dispusesse, ele preferiria produzir por conta própria, pondo à venda seus produtos, em vez de sua força de trabalho. Pela negociação com essa mercadoria, o capitalista obtém a mais-valia. O processo se dá da seguinte forma:

O valor da mercadoria “força de trabalho” depende, como o de qualquer outra mercadoria [p. 285], do tempo de trabalho necessário para sua produção, o que, nesse caso, significa que depende do tempo de trabalho necessário para produzir todos os alimentos que são indispensáveis a subsistência do trabalhador. Se, por exemplo, para os alimentos necessários para um dia for preciso um tempo de trabalho de seis horas, e se esse tempo de trabalho corporificar três moedas de ouro, a força de trabalho de um dia poderia ser comprada por três moedas de ouro. Caso o capitalista tenha efetuado essa compra, o valor de uso da força de trabalho lhe pertence, e ele a concretiza fazendo o trabalhador trabalhar para ele. Se o fizesse trabalhar apenas as horas diárias corporificadas na força de trabalho pelas quais ele teve de pagar quando comprou essa força de trabalho, não existiria a mais-valia. Ou seja, seis horas de trabalho não podem atribuir ao produto em que se corporificam mais do que três moedas, uma vez que foi isso que o capitalista pagou como salário. Contudo, os capitalistas não agem dessa maneira. Mesmo que tenham comprado a força de trabalho por um preço que corresponde só a seis horas de trabalho, fazem o trabalhador trabalhar o dia todo. Então, no produto criado durante esse dia, se corporificam mais horas de trabalho do que as que o capitalista pagou, o que faz o produto ter valor mais elevado do que o salário pago. A diferença é a “mais-valia”, que fica para o capitalista.

Tomemos um exemplo: suponhamos que um trabalhador possa tecer em seis horas cinco quilos de algodão em fio, com o valor de três dólares. Suponhamos, também, que esse algodão tenha custado vinte horas de trabalho para ser produzido e que, por isso, tem um valor de dez dólares; suponhamos, ainda, que o capitalista tenha despendido, máquina de tecer, para estas seis horas de tecelagem, o correspondente a quatro horas de trabalho, que representam um valor de dois dólares. Assim, o valor total dos meios de produção consumidos na tecelagem (algodão + máquina de tecer) equivalerá a doze dólares, correspondentes a vinte e quatro horas de trabalho. Se acrescentarmos a isso as seis horas do trabalho de tecelagem, o tecido pronto será pois, no total, produto de trinta horas de trabalho, e terá, por isso, valor de quinze dólares. Se o capitalista deixar o trabalhador alugado trabalhar apenas seis horas por dia, a produção do fio vai custar-lhe 15 dólares: 10 pelo algodão, 2 pelo gasto dos instrumentos, 3 em salário. Não existe mais-valia.

Muito diferente seriam as circunstâncias se este mesmo capitalista fizesse o trabalhador cumprir 12 horas diárias. Nestas 12 horas, o trabalhador processaria 10 quilos de algodão, nos quais já teriam sido corporificadas, anteriormente, 40 horas de trabalho, com um valor de 20 dólares. Os instrumentos teriam consumido o produto de 8 horas de trabalho, no valor de 4 dólares, mas o trabalhador acrescentaria ao material bruto um dia de 12 horas de trabalho, ou seja, faria surgir um valor adicional de 6 dólares. As despesas do capitalista – 20 dólares pelo algodão, 4 dólares pelo gasto dos instrumentos, e 3 pelo salário – somariam apenas 27 dólares. Iria, então, sobrar uma “mais-valia” de 3 dólares.

Portanto, para Marx, a mais-valia é uma conseqüência do fato [P. 286] de o capitalista fazer o trabalhador trabalhar para ele sem pagamento durante uma parte do dia. O dia de trabalho se divide, assim, em duas partes: na primeira, o “tempo de trabalho necessário”, o trabalhador produz seu próprio sustento, ou o valor deste; por essa parte do trabalho, ele recebe o equivalente em forma de salário. Durante a segunda parte, o “superávit em tempo de trabalho”, ele é “explorado”, e produz a “mais-valia”, sem receber qualquer equivalente por ela (I, P. 205 ss). “Portanto, o capital não é apenas controle sobre o trabalho, como diz A. Smith. É essencialmente controle sobre o trabalho não-pago. Toda a mais-valia, seja qual for a forma em que vá se cristalizar mais tarde – lucro, juro, renda etc. – é, substancialmente, materialização de trabalho não Pago. O segredo da autovalorização do capital reside no controle que exerce sobre determinada quantidade de trabalho alheio não pago.” (I, P. 554).

6. As inovações de Marx comparadas com as de Rodbertus

Esse é o cerne da teoria da exploração de Marx, exposta no Volume I de O capital. No Volume III, essa teoria talvez tenha sido involuntariamente contraditada mas nunca foi revogada, segundo ainda veremos. O leitor atento reconhecerá nessa exposição – embora parcialmente revestidas de outra forma – todas as teorias essenciais a partir das quais Rodbertus já havia construído sua teoria do juro. Por exemplo, as teorias de que o valor dos bens se mede pela quantidade de trabalho; de que só o trabalho cria valor; de que o trabalhador recebe em seu salário menos valor do que criou, forçado por sua miséria, sendo o excesso tomado pelo capitalista; de que o ganho de capital assim conseguido tem, portanto, um caráter de saque, de lucro sobre trabalho alheio.

Devido à consonância entre as duas teorias – ou, melhor, entre as duas formulações da mesma teoria – quase tudo o que apresentei como objeção à doutrina de Rodbertus também vale, plenamente, para a de Marx. Por isso, posso agora limitar-me a algumas exposições complementares, que julgo necessárias, em parte para adequar minha crítica à singular formulação de Marx, em parte para tratar de uma verdadeira inovação introduzida por Marx.

Entre essas inovações, a mais importante é a tentativa, de afirmar e fundamentar o princípio de que todo valor se baseia em trabalho. Em relação a Rodbertus, combati esse princípio tão incidentalmente como ele o apresentou: contentei-me com a inclusão de algumas exceções indiscutíveis, sem ir ao fundo do assunto. Em relação a Marx, não posso nem quero fazer isso [p. 287]. Encontro-me num terreno que foi inúmeras vezes palmeado por excelentes intelectuais, em discussões teóricas, de modo que não posso esperar acrescentar aí muita novidade. Mas creio que não seria bom, ao escrever um livro que tem como tema a crítica das teorias de juro, fugir da crítica profunda a um princípio que consiste no próprio fundamento de uma das mais importantes teorias. Infelizmente, também, o estado atual da nossa ciência não permite que se considere como um exercício supérfluo a renovação do exame crítico: exatamente em nossos dias5 aquele principio – que, na verdade, não passa de uma fábula contada certa vez por um grande homem, e desde então repetida por uma massa crédula – começa a ser aceito como evangelho em círculos cada vez maiores.

B. Fraqueza da prova de autoridade de Marx, baseada em Smith e Ricardo

Geralmente mencionam-se, não só como origem, mas também, como autoridades testemunhais da doutrina de que todo valor repousa no trabalho, dois nomes de peso: Adam Smith e Ricardo. Isso não constitui erro, mas também não é inteiramente correto. Nos textos de ambos encontra-se essa doutrina, mas por vezes Adam Smith a contradiz.6 Ricardo, por sua vez, limita de tal forma sua validade, e a contraria com tão importantes exceções, que não é muito justo afirmar que ele considere o trabalho como fonte geral e exclusiva do valor dos bens.Ele abre seus Principles explicando claramente que o valor de troca dos bens nasce de duas fontes: da sua raridade, e da quantidade de trabalho que custaram. Certos bens, como estátuas raras e quadros, auferiram seu valor exclusivamente da primeira fonte. Assim, só o valor daqueles bens que se deixam multiplicar ilimitadamente pelo trabalho – que são, na opinião de Ricardo, a grande maioria – é determinado pela quantidade de trabalho que custaram. Mas também em relação aos últimos bens, Ricardo se vê forçado a nova limitação. Ele precisa admitir que também em relação a eles o valor de troca não se determina só pelo trabalho: o tempo decorrido entre o dispêndio de trabalho inicial e a realização final do produto tem uma influência importante.8

Com isso, nem Smith nem Ricardo defenderam o princípio em questão sem reservas, como se acredita popularmente. Vejamos, pois, em que bases eles o aceitaram.

7. Nem Smith nem Ricardo fundamentaram sua própria obra

Aqui se pode fazer uma estranha descoberta. Smith e Ricardo nem mesmo fundamentaram seu princípio: apenas afirmaram sua validade, como se esta fosse algo por si mesma evidente. As famosas palavras de Smith em relação a isso, assumidas textualmente por Ricardo em sua própria doutrina, foram: “O verdadeiro preço de cada coisa – o que cada coisa custa realmente a quem a deseja adquirir [p. 288] – equivale ao esforço e à dificuldade da aquisição. O que cada coisa vale realmente para aquele que a adquiriu e a deseja vender ou trocar é o esforço e a dificuldade que essa coisa lhe poupa, e que podem ser repassados a outrem.”9

Aqui convém parar um pouco. Smith diz isso como se a veracidade de tais palavras fosse evidente em si. Mas serão tão óbvias assim? Valor e esforço serão realmente dois conceitos tão interligados que se tem de reconhecer, de imediato, que o esforço é razão do valor? Creio que nenhuma pessoa imparcial dirá isso. O fato de eu me ter esfalfado por uma coisa é um dado; o fato de essa coisa valer todo esse esforço é um segundo dado diferente. Por outro lado, a experiência nos mostra, de maneira indubitável, que os dois fatos nem sempre andam juntos. Cada um dos incontáveis esforços vãos, desperdiçados num resultado insignificante, seja por falta de habilidade técnica, seja por especulação errônea, ou simplesmente por infelicidade, dá testemunho disso a cada dia. Mas também o testemunha cada um dos incontáveis casos em que pouco esforço é compensado com alto valor: a ocupação de um pedaço de terra, a descoberta de uma pedra preciosa ou de uma mina de ouro. Mas, para fazer uma abstração de tais casos que se podem considerar exceções no curso regular das coisas, é um fato absolutamente normal que o mesmo esforço de pessoas diferentes terá valor bem diverso. O fruto do esforço de um mês de um artista muito bom normalmente vale cem vezes mais do que o fruto do mesmo mês de trabalho de um simples pintor de paredes. Isso não seria possível se realmente o esforço fosse o princípio do valor. Ou se, em função de uma relação psicológica, nosso julgamento de valor tivesse de se apoiar unicamente sobre critérios de esforço e dificuldade. A natureza não e tão elitista que suas leis psicológicas nos obriguem a valorizar cem vezes mais o esforço de um artista do que aquele de um modesto pintor de paredes.10 Penso que quem se propuser a refletir um pouco sobre isso, ao invés de acreditar cegamente, se convencerá de que não é possível falar numa relação interna óbvia entre esforço e valor, como a que parece pressupor aquele trecho de Smith.

Além disso, será que aquela realmente se relaciona – como em geral aceitamos sem discussão – com o valor de troca? Creio que, lendo Smith de modo imparcial, não se poderá, tampouco, afirmar isso. Não há referência nem a valor de troca, nem a valor de uso, nem a qualquer “valor” no sentido estritamente científico. Mas aqui, como já indica o termo usado (worth, não value), Smith quis dizer que a palavra valor está sendo usada naquele sentido mais amplo e indeterminado da linguagem comum. Fato muito significativo! Sentindo que uma reflexão científica séria não aceitaria seu princípio, Smith se utiliza da linguagem corrente para entrar no terreno das impressões cotidianas, menos controladas. E, conforme nos mostra a experiência, ele teve sucesso, o que, para a ciência, é lamentável [p. 289].

Não se pode considerar que essa passagem seja séria do ponto de vista cientifico. Uma prova disso é que, em suas poucas palavras, existe uma contradição. Num mesmo fôlego, Smith admite serem princípios do “verdadeiro” valor tanto o esforço que é poupado pela posse de um bem, quanto o esforço que é repassado a outrem. Ora, essas duas medidas, todos o sabem, não são idênticas. Com a divisão de trabalho vigente, o esforço que eu pessoalmente teria de aplicar para obter a posse de certa coisa desejada é, em geral, bem maior do que o esforço com que um operário especializado a produz. Qual desses dois esforços, o “poupado” ou o “repassado”, determinará o verdadeiro valor?

Em suma, a famosa passagem em que o velho mestre Adam Smith introduz o princípio do trabalho na doutrina do valor fica bem distante do que se pretende ver nela: um grande e bem-fundamentado princípio científico básico. Essa passagem não é óbvia, não apresenta fundamento em palavra alguma. Além de ter a forma e a natureza negligentes de uma frase vulgar, encerra uma contradição em si mesma. Na minha opinião, o fato de ela geralmente merecer crédito deve-se a dois fatores: primeiro, ela foi emitida por um Adam Smith; segundo, ele a emitiu sem qualquer fundamentação. Se Adam Smith tivesse dirigido ao interlocutor uma só palavra que a fundamentasse – ao invés de falar apenas para a emoção – o interlocutor não teria desistido do seu direito de colocar a prova esse fundamento, o que certamente faria aparecer sua precariedade. Esse tipo de doutrina só vence pela surpresa.

Vejamos o que Smith e, depois dele, Ricardo têm a dizer:

“O trabalho foi o primeiro preço, o dinheiro de compra original, que se pagou por todas as coisas.” Essa frase é irrefutável, mas não prova nada para o princípio do valor.

“Naquele estado primitivo e rude da sociedade em que acontece a acumulação de capitais e a apropriação de terra, a relação entre as diversas quantidades de trabalho necessárias à aquisição de diversos objetos parece ser a única circunstância capaz de dar uma norma para a troca recíproca. Quando, por exemplo, uma tribo de caçadores gasta na caça de um castor duas vezes mais do que na caça de um cervo, naturalmente um castor comprará ou valerá dois cervos. É natural que aquilo que habitualmente é produto de trabalho de dois dias ou de duas horas de trabalho valha duas vezes o que é produto de um dia ou uma hora.”

Também nessas palavras procuraremos em vão qualquer fundamento. Smith diz simplesmente “parece”, “deve ser natural”, “é natural” [p. 290] etc., mas deixa que o leitor se convença por si da “naturalidade” dessas palavras. Aliás, tarefa que pois os primeiros, via de regra, se levam dez dias para encontrar, enquanto o cervo habitualmente se caça depois de um segundo condições de tempo de trabalho, teria de ser natural também, por exemplo, que uma borboleta rara e colorida, ou uma rã comestível, valesse dez vezes mais do que um cervo, pois os primeiros, via de regra, se levam dez dias para encontrar, enquanto o cervo habitualmente se caça depois de um dia de trabalho. É uma relação cuja “naturalidade” dificilmente parecerá óbvia a quem quer que seja.

Creio poder resumir da seguinte maneira o resultado dessas últimas considerações: Smith e Ricardo afirmaram axiomaticamente, sem nenhuma fundamentação, que o trabalho é princípio do valor dos bens. No entanto, não se trata de um axioma. Consequentemente, se quisermos manter este princípio, devemos ignorar Smith e Ricardo como autoridades, e procurar fundamentações independentes.

É muito singular que quase ninguém entre os seus sucessores tenha feito isso. Os mesmos homens que normalmente varavam as doutrinas tradicionais com sua crítica devastadora, os mesmos para quem não havia princípio antigo que parecesse suficientemente firme, a ponto de não precisar ser novamente questionado e examinado, esses mesmos homens renunciaram a qualquer crítica diante do princípio fundamental mais importante tomado da doutrina tradicional. De Ricardo a Rodbertus, de Sismondi a Lassalle, o nome Adam Smith é o único aval que se julga necessário para aquela doutrina. Como contribuição original só acrescentaram a essa doutrina repetidas afirmações de que o princípio é verdadeiro, irrefutável, indubitável. Não houve qualquer tentativa de realmente provar sua veracidade, de refutar possíveis objeções, de eliminar dúvidas. Os que desprezam provas baseadas em autoridades contentam-se, eles próprios, com a invocação de autoridades. Os que lutavam contra afirmações infundadas contentam-se, eles próprios, em afirmar, sem comprovação. Só muito poucos defensores da teoria do valor do trabalho constituem exceção a essa regra, e um desses poucos é Marx.

C. Exame e refutação da proposição básica de Marx

8. Marx escolheu um método de análise defeituoso

Alguém que busque uma verdadeira fundamentação da tese em questão poderá encontrá-la através de dois caminhos naturais: o empírico e o psicológico. O primeiro caminho nos leva a simplesmente examinar as condições de troca entre mercadorias, procurando ver se nelas se espelha uma harmonia empírica entre valor de troca e gasto de trabalho. O outro – com uma mistura de indução e dedução muito usada em nossa ciência – nos leva a analisar os motivos psicológicos que norteiam as pessoas nas trocas e na determinação de preços, ou em sua participação na produção. Da natureza dessas condições de troca poderíamos tirar conclusões sobre o comportamento típico das pessoas. Assim, descobriríamos, também, uma relação entre preços regularmente pedidos e aceitos, de um lado, e a quantidade de trabalho necessária para produzir mercadorias de outro [p. 291]. Mas Marx não adotou nenhum desses dois métodos naturais de investigação. É muito interessante constatar, em seu terceiro volume, que ele próprio sabia muito bem que nem a comprovação dos fatos nem a análise dos impulsos psicológicos que agem na “concorrência” teriam bom resultado para a comprovação de sua tese.

Marx opta por um terceiro caminho de comprovação, aliás, um caminho bastante singular para esse tipo de assunto: a prova puramente lógica, uma dedução dialética tirada da essência da troca.

Marx já encontrara no velho Aristóteles que “a troca não pode existir sem igualdade, e a igualdade não pode existir sem a comensurabilidade” (I, p. 35). Marx adota esse pensamento. Imagina a troca de duas mercadorias na forma de uma equação, deduz que nas duas coisas trocadas, portanto igualadas, tem de existir “algo comum da mesma grandeza”, e conclui propondo-se a descobrir essa coisa em comum, à qual se devem poder “reduzir, como valores de troca, as coisas equiparadas.”11

9. Fatos que antecedem uma troca devem evidenciar antes desigualdade do que igualdade

Eu gostaria de intercalar aqui um comentário. Mesmo a primeira pressuposição – a de que na troca de duas coisas existe uma “igualdade” das duas, igualdade essa que se manifesta, o que, afinal, não significa grande coisa – me parece um pensamento muito pouco moderno e também muito irrealista, ou, para ser bem claro, muito precário. Onde reinam igualdade e equilíbrio perfeitos não costuma surgir qualquer mudança em relação ao estado anterior. Por isso, quando no caso da troca tudo termina com as mercadorias trocando de dono, é sinal de que esteve em jogo alguma desigualdade ou preponderância que forçou a alteração. Exatamente como as novas ligações químicas que surgem a partir da aproximação: entre elementos de corpos: muitas vezes o “parentesco” químico entre os elementos do corpo estranho aproximado não é forte, mas é mais forte do que o “parentesco” existente entre os elementos da composição anterior. De fato, a moderna Economia é unânime em dizer que a antiga visão escolástico-teológica da “equivalência” de valores que se trocam é incorreta [p. 292]. Mas não darei maior importância a esse assunto, e volto-me agora ao exame crítico daquelas operações lógicas e metódicas através das quais o trabalho termina por surgir como aquela coisa em “comum” à qual as coisas equiparadas se poderiam reduzir.

10. Método intelectual errôneo de Marx

Para a sua busca desse algo em “comum” que caracteriza o valor de troca, Marx procede da seguinte maneira: coteja as várias características dos objetos equiparados na troca e, depois, pelo método de eliminação das diferenças, exclui todas as que não passam nessa prova, até restar, por fim, uma única característica, a de ser produto de trabalho. Conclui, então, que seja esta a característica comum procurada.

É um procedimento estranho, mas não condenável. É estranho que, em vez de testar a característica de modo positivo – o que teria levado a um dos dois métodos antes comentados, coisa que Marx evitava -, ele procure convencer-se, pelo processo negativo, de que a qualidade buscada é exatamente aquela, pois nenhuma outra é a que ele procura, e a que ele procura tem de existir. Esse método pode levar à meta desejada quando é empregado com a necessária cautela e integridade, ou seja, quando se tem, escrupulosamente, o cuidado necessário para que entre realmente, nessa peneira lógica, tudo o que nela deve entrar para que depois não se cometa engano em relação a qualquer elemento que porventura fique excluído da peneira.

Mas como procede Marx?

Desde o começo, ele só coloca na peneira aquelas coisas trocáveis que têm a característica que ele finalmente deseja extrair como sendo a “característica em comum”, deixando de fora todas as outras que não a têm. Faz isso como alguém que, desejando ardentemente tirar da urna uma bola branca, por precaução coloca na urna apenas bolas brancas. Ele limita o campo da sua busca da substância do valor de troca às “mercadorias”. Esse conceito, sem ser cuidadosamente definido, é tomado como mais limitado do que o de “bens” e se limita a produtos de trabalho, em oposição a bens naturais. Aí, então, fica óbvio que, se a troca realmente significa uma equiparação que pressupõe a existência de algo “comum da mesma grandeza”, esse “algo comum” deve ser procurado e encontrado em todas as espécies de bens trocáveis: não só nos produtos de trabalho, mas também nos dons da natureza, como terra, madeira no tronco, energia hidráulica, minas de carvão, pedreiras, jazidas de petróleo, águas minerais, minas de ouro etc.12 Excluir, na busca do algo “comum” que há na base do valor de troca, aqueles bens trocáveis que não sejam bens de trabalho é, nessas circunstâncias, um pecado mortal metodológico [p. 293]. É como se um físico que quisesse pesquisar o motivo de todos os corpos terem uma característica comum, como o peso, por exemplo, selecionasse um só grupo de corpos, talvez o dos corpos transparentes, e, a seguir, cotejasse todas as características comuns aos corpos transparentes, terminando por demonstrar que nenhuma das características – a não ser a transparência – pode ser causa de peso, e proclamasse, por fim, que, portanto, a transparência tem de ser a causa do peso.

A exclusão dos dons da natureza (que certamente jamais teria ocorrido a Aristóteles, pai da idéia da equiparação na troca) não pode ser justificada, principalmente porque muitos dons naturais, como o solo, são dos mais importantes objetos de fortuna e comércio. Por outro lado, não se pode aceitar a afirmação de que, em relação aos dons naturais, os valores de troca são sempre casuais e arbitrários: não só existem preços eventuais para produtos de trabalho, como também, muitas vezes, os preços de bens naturais revelam relações nítidas com critérios ou motivos palpáveis. É conhecido que o preço de compra de terras constitui um múltiplo da sua renda segundo a porcentagem de juro vigente. É também certo que, se a madeira no tronco ou o carvão na mina obtêm um preço diferente, isso decorre da variação de localização ou de problemas de transporte e não do mero acaso.

Marx se exime de justificar expressamente o fato de haver excluído do exame anterior parte dos bens trocáveis. Como tantas vezes, também aqui sabe deslizar sobre partes espinhosas de seu raciocínio com uma escorregadia habilidade dialética: ele evita que seus leitores percebam que seu conceito de “mercadoria” é mais estreito do que o de “coisa trocável”. Para a futura limitação no exame das mercadorias, ele prepara com incrível habilidade um ponto de contato natural, através de uma frase comum, aparentemente inofensiva, posta no começo do seu livro: “A riqueza das sociedades em que reina a produção capitalista aparece como uma monstruosa coleção de mercadorias.” Essa afirmação é totalmente falsa se entendermos o termo “mercadoria” no sentido de produto de trabalho, que o próprio Marx lhe confere mais tarde. Pois os bens da natureza, incluindo a terra, são parte importante e em nada diferente da riqueza nacional. Mas o leitor desprevenido facilmente passa por essas inexatidões, porque não sabe que mais tarde Marx usará a expressão “mercadoria” num sentido muito mais restrito.

Aliás, esse sentido também não fica claro no que se segue a essa frase [p. 294]. Ao contrário, nos primeiros parágrafos do primeiro capitulo fala-se alternadamente de “coisa”, de “valor de uso”, de “bem” e de “mercadoria”, sem que seja traçada uma distinção nítida entre estes termos. “A utilidade de uma coisa”, escreve ele na p. 10, “faz dela um valor de uso”. “A mercadoria…é um valor de uso ou bem”. Na p. 11, lemos: “o valor de troca aparece… como relação quantitativa… na qual valores de uso de uma espécie se trocam por valorem de uso de outra.” Note-se que aqui se considera primordialmente no fenômeno do valor de troca também a equação valor de uso = bem. E com a frase “examinemos a coisa mais de perto”, naturalmente inadequada para anunciar o salto para outro terreno, mais estreito, de análise, Marx prossegue: “Uma só mercadoria, um ‘moio’ de trigo, troca-se nas mais diversas proporções por outros artigos.” E ainda: “tomemos mais duas mercadorias” etc. Aliás, nesse mesmo parágrafo ele volta até com a expressão “coisas”, e logo num trecho muito importante, em que diz que “algo comum da mesma grandeza existe em duas coisas diferentes” (que são equiparadas na troca).

11. A falácia de Marx consiste numa seleção tendenciosa de evidências

No entanto, na p. 12, Marx prossegue na sua busca do “algo comum” já agora apenas para o “valor de troca das mercadorias”, sem chamar a atenção, com uma palavra que seja, para o fato de que isso estreitará o campo de pesquisa, direcionando-o para apenas uma parcela das coisas trocáveis.13

Logo na página seguinte (p. 13), ele abandona de novo essa limitação, e a conclusão, a que há pouco havia chegado para o campo mais restrito das mercadorias, passa a ser aplicada ao círculo mais amplo dos valores de uso dos bens. “Um valor de uso ou bem, portanto, só tem um valor, na medida em que o trabalho humano abstrato se materializa ou se objetiva nele!”

Se, no trecho decisivo, Marx não tivesse limitado sua pesquisa aos produtos de trabalho, mas tivesse também procurado o “algo comum” entre os bens naturais trocáveis, ficaria patente que o trabalho não pode ser o elemento comum. Se Marx tivesse estabelecido essa limitação de maneira clara e expressa, tanto ele quanto seus leitores infalivelmente teriam tropeçado nesse grosseiro erro metodológico. Teriam sorrido desse ingênuo artifício, através do qual se “destila”, como característica comum, o fato de “ser produto de trabalho”, pesquisando num campo do qual antes foram indevidamente retiradas outras coisas trocáveis que, embora comuns, não são “produto do trabalho”. Só seria possível lançar mão deste artifício da maneira como o fez, ou seja, sub-repticiamente, com uma dialética ríspida, passando bem depressa pelo ponto espinhoso da questão. Expresso minha admiração sincera pela habilidade com que Marx apresentou de maneira aceitável um processo tão errado, o que, sem dúvida, não o exime de ter sido inteiramente falso [p. 295].

Continuemos. Através do artifício acima descrito, Marx conseguiu colocar o trabalho no jogo. Através da limitação artificial do campo de pesquisa, o trabalho se tomou a característica “comum”. No entanto, além dele, há outras características que deveriam ser levadas em conta, por serem comuns. Como afastar essas concorrentes?

Marx faz isso através de dois raciocínios, ambos muito breves, e ambos contendo um gravíssimo erro de lógica

No primeiro, Marx exclui todas as “características geométricas, físicas, químicas ou quaisquer outras características naturais das mercadorias”. Isso porque “suas características físicas só serão levadas em conta na medida em que as tornam úteis, portanto as transformam em valores de uso. Mas por outro lado, a relação de troca das mercadorias aparentemente se caracteriza pela abstração de seus valores de uso”. Pois “dentro dela (da relação de troca) um valor de uso cabe tanto quanto outro qualquer, desde que exista aí em proporção adequada” (I, p. 12).

O que diria Marx do argumento que segue? Num palco de ópera, três cantores, todos excelentes, um tenor, um baixo e um barítono, recebem, cada um, um salário de 20.000 dólares por ano. Se alguém perguntar qual é a circunstância comum que resulta na equiparação de seus salários, respondo que, quando se trata de salário, uma boa voz vale tanto quanto outra: uma boa voz de tenor vale tanto quanto uma boa voz de baixo, ou de barítono, o que importa é que a proporção seja adequada. Assim, por poder ser, “aparentemente”, afastada da questão salarial, a boa voz não pode ser a causa comum do salário alto.

É claro que tal argumentação é falsa. É igualmente claro também que é incorreta a conclusão a que Marx chegou, e que foi por mim aqui transcrita. As duas sofrem do mesmo erro. Confundem a abstração [p. 296] de uma circunstância em geral com a abstração das modalidades específicas nas quais essa circunstância aparece. O que, em nosso exemplo, é indiferente, para a questão salarial, é apenas a modalidade especifica da boa voz, ou seja, se se trata de voz de tenor, baixo ou barítono. Mas não a boa voz em si. Da mesma forma, para a relação de troca das mercadorias, abstrai-se da modalidade específica sob a qual pode aparecer o valor de uso das mercadorias, quer sirvam para alimentação, quer sirvam para moradia ou para roupa. Mas não se pode abstrair do valor de uso em si. Marx deveria ter deduzido que não se pode fazer abstração desse último, pelo fato de que não existe valor de troca onde não há valor de uso. Fato que o próprio Marx é forçado a reconhecer repetidamente.14

Mas coisa pior acontece com o passo seguinte dessa cadeia de argumentação. “Se abstrairmos do valor de uso das mercadorias”, diz Marx textualmente, “resta-lhes só mais uma característica, a de serem produtos de trabalho”. Será mesmo? Só mais uma característica? Acaso bens com valor de troca não têm, por exemplo, outra característica comum, qual seja, a de serem raros em relação à sua oferta? Ou de serem objetos de cobiça e de procura? Ou de serem ou propriedade privada ou produtos da natureza? E ninguém diz melhor nem mais claramente do que o próprio Marx que as mercadorias são produtos tanto da natureza quanto do trabalho: Marx afirma que “as mercadorias são combinação de dois elementos, matéria-prima e trabalho”, e cita Petty num trecho em que este diz que “o trabalho é o pai (da riqueza) e a terra é sua mãe”.15

Por que, pergunto eu, o princípio do valor não poderia estar em qualquer uma dessas características comuns, tendo de estar só na de ser produto de trabalho? Acresce que, a favor dessa última hipótese, Marx não apresenta qualquer tipo de fundamentação positiva. A única razão que apresenta é negativa, pois diz que o valor de uso, abstraído, não é princípio de valor de troca. Mas essa argumentação negativa não se aplica, com igual força, a todas as outras características comuns, que Marx ignorou?

E há mais ainda! Na mesma p. 12, em que Marx abstraiu da influência do valor de uso no valor de troca, argumentando que um valor de uso é tão importante quanto qualquer outro, desde que exista em proporção adequada, ele nos diz o seguinte sobre o produto de trabalho: “Mas também o produto de trabalho já se transformou em nossas mãos. Se abstrairmos do seu valor de uso, abstrairemos também dos elementos materiais e das formas que o tornam valor de uso. Ele já não será mesa, casa ou fio, ou outra coisa útil. Todas as suas características sensoriais serão eliminadas. Ele não será produto de trabalho em marcenaria, construção ou tecelagem, ou outro trabalho produtivo. O caráter utilitário dos trabalhos corporificados nos produtos de trabalho desaparece se desaparecer o caráter utilitário destes produtos de trabalho, da mesma forma que desaparecem as diversas formas concretas desse trabalho: elas já não se distinguem; são reduzidas a trabalho humano igual, a trabalho humano abstrato.”

Será que se pode dizer, de modo mais claro e explícito, que, para a relação de troca, não apenas um valor de uso, mas uma espécie de trabalho, ou produto de trabalho, “vale tanto quanto qualquer outro, desde que exista na proporção adequada”? E que se pode aplicar ao trabalho exatamente o mesmo critério em relação ao qual Marx antes pronunciou seu veredito de exclusão contra o valor de uso? Trabalho e valor de uso têm, ambos, um aspecto quantitativo e outro qualitativo. Assim como o valor de uso é qualitativamente diverso em relação a mesa, casa ou fio, assim também são qualitativamente diferentes os trabalhos de marcenaria, de construção ou de tecelagem. Por outro lado, trabalhos de diferentes tipos podem ser diferenciados em função de sua quantidade, enquanto é possível comparar valores de uso de diferentes tipos segundo a magnitude do valor de uso. É absolutamente inconcebível que [p. 297] circunstâncias idênticas levem, ao mesmo tempo, à exclusão de alguns elementos e à aceitação de outros!

Se, por acaso, Marx tivesse alterado a seqüência de sua pesquisa, teria excluído o trabalho com o mesmo raciocínio com que exclui o valor de uso. Com o mesmo raciocínio com que premiou o trabalho, proclamaria, então, que o valor de uso, por ser a única característica que restou, é aquela característica comum tão procurada. A partir daí poderia explicar o valor como uma “cristalização do valor de uso”. Creio que se pode afirmar, não em tom de piada, mas a sério, que nos dois parágrafos da p. 12 onde se abstrai, no primeiro, a influência do valor de uso e se demonstra, no segundo, que o trabalho é o “algo comum” que se buscava, esses dois elementos poderiam ser trocados entre si sem alterar a correção lógica externa. E que, sem mudar a estrutura da sentença do primeiro parágrafo, se poderia substituir “valor de uso” por “trabalho e produtos de trabalho”, e na estrutura da segunda colocar, em lugar de “trabalho”, o “valor de uso”!

12. Idéia de Böhm-Bawerk de que Marx tinha “um intelecto de primeira categoria”

Assim é a lógica e o método com que Marx introduz em seu sistema o princípio fundamental de que o trabalho é a única base do valor. Como já afirmei recentemente em outra parte,16 julgo totalmente impossível que essa ginástica dialética fosse a fonte e a real justificativa da convicção de Marx. Um pensador da sua categoria – e considero-o um pensador de primeiríssima ordem – caso desejasse chegar a uma convicção própria, procurando com olhar imparcial a verdadeira relação das coisas, jamais teria partido por caminhos tão tortuosos e antinaturais. Seria impossível que ele tivesse, por mero e infeliz acaso, caído em todos os erros lógicos e metodológicos acima descritos, obtendo, como resultado não conhecido nem desejado, essa tese do trabalho como única fonte de valor.

Creio que a situação real foi outra. Não duvido de que Marx estivesse sinceramente convencido de sua tese. Mas os motivos de sua convicção não são aqueles que estão apresentados em seus sistemas. Ele acreditava na sua tese como um fanático acredita num dogma. Sem dúvida, foi dominado por ela por causa das mesmas impressões vagas, eventuais, não bem controladas pelo intelecto, que antes dele já tinham desencaminhado Adam Smith e Ricardo, e sob influência dessas mesmas autoridades. E ele, certamente, jamais alimentou a menor dúvida quanto à correção dessa tese. Seu princípio tinha, para ele próprio, a solidez de um axioma. No entanto, ele teria de prová-lo aos leitores, o que não conseguiria fazer nem empiricamente nem segundo a psicologia que embasa a vida econômica.

Voltou-se, então, para essa especulação lógico-dialética que estava de acordo com sua orientação intelectual. E trabalhou, e revolveu os pacientes concertos e premissas, com uma espécie de admirável destreza, até obter realmente o resultado que desejava e que já de antemão conhecia, na forma de uma conclusão externamente honesta.

Conforme vimos acima, Marx teve pleno sucesso nessa tentativa de fundamentar convincentemente sua tese, enveredando pelos caminhos da dialética. Mas será que teria obtido algum amparo se tivesse seguido [p. 298] aqueles caminhos específicos que evitou, ou seja, o empírico e o psicológico?

13. Outros métodos de abordagem que não os de Marx

No segundo volume do presente trabalho – sua parte principal e positiva -, veremos que a análise dos motivos psicológicos que influenciam o valor de troca levaria a um resultado diferente. Isso foi admitido até por Marx no seu terceiro volume póstumo17. Resta, pois, a prova empírica a prova da experiência factual. O que esta nos revelaria?

14. Cinco exceções factuais negligenciadas por Marx

A experiência mostra que o valor de troca está em relação com a quantidade de trabalho apenas em parte dos bens, e, mesmo nesses, isto só acontece incidentalmente. A relação factual, embora seja muito conhecida em decorrência da obviedade dos fatos em que se baseia, é raramente levada em conta. Todo mundo – inclusive os intelectuais socialistas – concorda que a experiência não confirma inteiramente o princípio do trabalho, Frequentemente encontramos a opinião de que os casos em que a realidade está de acordo com o princípio do trabalho formam a regra geral, e que os casos que contrariam esse princípio são uma exceção bastante insignificante. Essa idéia é muito errônea. Para corrigi-la de uma vez por todas, pretendo reunir as “exceções” que proliferam no início do trabalho, dentro da Economia. Verão que as “exceções” são tão numerosas, que pouco sobra para a “regra”.

1) Em primeiro lugar, todos os “bens raros” foram excluídos do princípio do trabalho. Esses são todos os bens que não podem nunca – ou só podem limitadamente – ser reproduzidos em massa, por algum impedimento objetivo ou legal. Ricardo menciona, por exemplo, estátuas e quadros, livros raros, moedas raras, vinhos excelentes, e comenta ainda que esses bens “são apenas uma parte muito pequena dos bens diariamente trocados no mercado”. Se pensarmos que nessa mesma categoria se situam, além da terra, todos os inúmeros bens cuja produção está relacionada à patente de invenção, direitos autorais ou segredo industrial, não se consideraria insignificante a extensão de tais bens.18

2) Todos os bens que não se produzem por trabalho comum, mas qualificado, são considerados como exceção. Embora nos produtos diários de um escultor, de um marceneiro especializado, de um fabricante de violinos. [p. 299], ou de um consultor de máquina etc., não se corporifique mais trabalho do que no produto diário de um simples trabalhador manual, ou de -um operário de fábrica, os produtos dos primeiros frequentemente têm valor de troca mais elevado – às vezes muito mais elevado – que os dos segundos.

Os defensores da teoria do valor do trabalho naturalmente não puderam ignorar essa exceção. Porém, singularmente, fazem de conta que isso não é exceção, mas apenas uma pequena variante, que ainda se mantém dentro da regra. Marx, por exemplo, considera o trabalho qualificado apenas um múltiplo do trabalho comum. “O trabalho complexo”, diz ele, (p. 19), “vale só como trabalho comum potenciado, ou multiplicado. Assim, uma pequena quantidade de trabalho complexo equivale a uma quantidade maior de trabalho comum. A experiência nos mostra que essa redução acontece constantemente. Uma mercadoria pode ser produto de um trabalho complexo mas, se seu valor a iguala ao produto de trabalho comum, ela passa a representar apenas determinada quantidade de trabalho comum”.

Eis urna obra-prima de espantosa ingenuidade! Não há nenhuma dúvida de que em muitas coisas, por exemplo, no valor monetário, um dia de trabalho de um escultor pode valer cinco dias de trabalho de um cavador de valetas. Mas que 10 horas de trabalho do escultor sejam realmente 60 horas de trabalho comum, certamente ninguém pretende afirmar. Acontece que, para a teoria – assim como para se estabelecer o princípio do valor – não importa o que as pessoas pretendem, e sim o que é real. Para a teoria, o produto diário do escultor continua sendo produto de um dia de trabalho. Se, por acaso, um bem que seja produto de um dia de trabalho vale tanto quanto outro bem que seja produto de cinco dias de trabalho, não importa o que as pessoas queiram que ele valha. E ai está uma exceção à regra – que se quer impor – de que o valor de troca dos bens se mede pela quantidade de trabalho humano neles corporificado. Imaginemos uma ferrovia que determinasse suas tarifas segundo a extensão do trajeto exigido por passageiros e cargas, mas que determinasse, também, que, dentro de um trecho com operações particularmente dispendiosas, cada quilômetro fosse computado como dois quilômetros. Será possível a alguém dizer que a extensão do trajeto é o único princípio para a determinação das tarifas da ferrovia? Certamente não; finge-se que sim, mas, na verdade, o princípio é modificado levando em conta a natureza do trajeto. Assim também; apesar de todos os artifícios, não se pode salvar a unidade teórica do princípio do trabalho.19

Essa segunda exceção abrange também significativa parcela dos bens comerciais, o que não deve ser necessário explicar mais detidamente. Se quisermos ser rigorosos, estão aí contidos praticamente todos os bens, uma vez que na produção individualizada de quase todos os bens entra em jogo ao menos um pouco de trabalho qualificado: o trabalho de um inventor, de um diretor, de um capataz etc. [p. 300]. Isso eleva o valor do produto a um nível um pouco acima daquele que corresponderia apenas a quantidade de trabalho.

3) A quantidade de exceções aumenta com o número bastante grande de bens produzidos por trabalho extraordinariamente mal pago É sabido que – por razões que aqui não se precisa mencionar – em certos ramos da produção o salário de trabalho está sempre abaixo do mínimo necessário para a sobrevivência, como, por exemplo, no caso do trabalho manual feminino, como bordados, costura, malharia etc. Os produtos dessas ocupações têm, então, um valor extraordinariamente baixo. Não é incomum que o produto de três dias de trabalho de uma simples costureira não valha nem mesmo o produto de dois dias de uma operária de fábrica.

Todas as exceções que mencionei até aqui eximem certos grupos de bens da validade da lei do valor do trabalho, reduzindo, pois, o campo de validade desta própria lei. Na verdade, deixam para a lei do valor do trabalho apenas aqueles bens para cuja reprodução não há qualquer limite, e que nada exigem para sua criação além de trabalho. Mas mesmo esse campo de aplicabilidade tão reduzido não é dominado de modo absoluto pela lei do valor do trabalho: também aí, algumas exceções afrouxam sua validade.

4) Uma quarta exceção do princípio do trabalho é formada pelo conhecido e admitido fenômeno de que também aqueles bens cujo valor de troca se harmonize com a quantidade de custos de trabalho não demonstram tal harmonia em todos os momentos. Ao contrário, pelas oscilações de oferta e procura, frequentemente o valor de troca sobe ou desce além ou aquém daquele nível que corresponderia ao trabalho corporificado naqueles bens, trabalho esse que só determinaria um ponto de gravitação, não uma fixação do valor de troca. Parece-me que os defensores socialistas do princípio do trabalho também se ajeitam depressa com essa exceção. Constatam-na, sim, mas a tratam como uma pequena irregularidade passageira, que em nada prejudica a grande “lei” do valor de troca. Mas não se pode negar que tais irregularidades não são mais que exemplos de valores de troca regulados por outros motivos que não a quantidade de trabalho. Esse fato deveria provocar pelo menos uma investigação, no sentido de examinar a possibilidade de existir um princípio mais geral do valor de troca, que explicaria não só os valores de troca “regulares”, mas também aqueles que – do ponto de vista da teoria do trabalho – são tidos como irregulares. Nenhuma investigação desse tipo será encontrada entre os teóricos dessa linha.

5) Por fim vemos que, além dessas oscilações momentâneas, o valor de troca dos bens se desvia da quantidade de trabalho que eles corporificam, de maneira considerável e constante [p. 301]. De dois bens cuja produção exige exatamente a mesma quantidade média de trabalho, aquele que exigiu maior quantidade de trabalho “prévio” vale mais. Como sabemos, Ricardo comentou extensamente essa exceção do princípio de trabalho, em duas seções do Capitulo I de suas Grundsätze. Rodbertus e Marx a ignoram na formulação de suas teorias,20 sem a negarem expressamente, o que não poderiam fazer: É conhecido demais, para admitir dúvidas, o fato de que o valor de um tronco de carvalho centenário é mais elevado do que o correspondente ao meio-minuto que sua semeadura requer.

Vamos resumir: parcela considerável dos bens não faz parte daquela presumida “lei” segundo a qual o valor dos bens é determinado pela quantidade de trabalho neles corporificada, e o restante dos bens nem obedece sempre, nem com exatidão. Esse é o material empírico que serve de base para os cálculos do teórico do valor.

Que conclusão um investigador imparcial pode tirar? Certamente não será a de que a origem e medida de todo valor se fundamenta exclusivamente no trabalho. Uma conclusão dessas não seria em nada melhor do que aquela a que se poderia chegar, pelo método experimental – a partir da constatação de que a eletricidade vem não só do atrito mas também de outras fontes -: toda eletricidade provém de atrito.

Em contrapartida, pode-se concluir que o dispêndio de trabalho exerce ampla influência sobre o valor de troca de muitos bens. Mas não como causa definitiva, comum a todos os fenômenos de valor, e sim como causa eventual, particular. Não haverá a necessidade de procurar uma fundamentação interna para essa influência do trabalho sobre o valor, pois ela não seria encontrada. Pode também ser interessante – além de importante – observar melhor a influência do trabalho sobre o valor dos bens, e expressar esses resultados na forma de leis. Mas não se pode esquecer que estas não serão mais que leis particulares, que em nada atingem a essência do valor.21 Para usar de uma comparação: leis que formulam a influência do trabalho no valor dos bens estão para a lei geral do valor mais ou menos como a lei “Vento oeste traz chuva” está para uma teoria geral da chuva. Vento oeste é uma causa eventual de chuva, como o emprego de trabalho é causa eventual do valor dos bens. Mas a essência da chuva se fundamenta tão pouco no vento oeste quanto o valor se fundamenta no emprego de trabalho.

15. Marx agravou o erro de Ricardo

O próprio Ricardo ultrapassou pouco as fronteiras legítimas. Como demonstrei acima [p. 302], ele sabe muito bem que sua lei do valor do trabalho é somente uma lei particular de valor, e que o valor dos “bens raros”, por exemplo, tem outros fundamentos. Mas Ricardo engana-se na medida em que valoriza demais o campo de abrangência dessa lei, atribuindo-lhe uma validade praticamente universal. A este engano pode-se relacionar o fato de que, em fases posteriores, ele praticamente não dá mais atenção as exceções, pouco valorizadas, que no começo de sua obra mencionara com bastante acerto. E muitas vezes – injustamente – fala de sua lei como se ela fosse realmente uma lei universal de valor.

Foram os seus sucessores – que ampliaram o campo de abrangência dessa lei – que caíram no erro quase inconcebível de apresentar o trabalho, com pleno e consciente rigor, como princípio universal de valor. Digo “erro quase inconcebível”, pois, com efeito, é difícil acreditar que homens de formação teórica pudessem firmar, depois de reflexão madura, uma doutrina que não podiam apoiar em coisa alguma: nem na natureza da coisa, uma vez que nesta natureza não se revela absolutamente nenhuma relação necessária entre valor e trabalho; nem na experiência, pois esta, ao contrário, mostra que o valor geralmente não se coaduna com o dispêndio de trabalho; nem mesmo, por fim, nas autoridades, pois as autoridades invocadas jamais afirmaram o princípio com aquela pretendida universalidade que agora lhe era conferida.

Mas os seguidores socialistas da teoria da exploração, quando apresentam um princípio tão precário, não o colocam numa posição secundária, em algum ângulo inofensivo de sua doutrina teórica. Colocam-no no topo de suas afirmações práticas mais importantes. Sustentam que o valor de todas as mercadorias repousa no tempo de trabalho nelas corporificado. Em outro momento, atacam todos os valores que não se coadunam com essa “lei” (por exemplo, diferenças de valor que recaem como mais-valia para os capitalistas), dizendo-os “ilegais”, “antinaturais” e “injustos”, e condenando-os a anulação. Portanto, primeiro ignoram a exceção e proclamam a lei do valor como sendo universal. Em seguida, após terem obtido, sub-repticiamente, a universalidade dessa lei, voltam a prestar atenção às exceções, rotulando-as de infração dessa lei. Com efeito, tal argumentação não é muito melhor do que a de alguém que constate que existe gente louca, – ignorando que também há gente sensata – e que, a partir desta constatação, chegue a uma “lei de valor universal” segundo a qual “todas as pessoas são loucas”, exigindo que se exterminem todos os sábios, considerados “fora da lei”.

16. Dois volumes póstumos contraditórios no sistema marxista (por Engels: Vol. II, em 1885, e Vol. III, em 1894)

Na primeira edição da presente obra, há muitos anos, dei meu veredito sobre a lei do valor do trabalho em si, e particularmente sobre a fundamentação, que Marx lhe deu. Depois disso apareceu o terceiro volume, póstumo, de O Capital de Marx. Sua publicação era esperada com certa tensão nos meios teóricos de todas as orientações [p. 303]. Esperava-se, com curiosidade, o modo como Marx se livraria de certa dificuldade que o confundira no primeiro volume, e que, além de continuar sem resolução, não era mais mencionada.

Já comentei, quanto a Rodbertus, que a pressuposição imanente à lei do trabalho, de que os bens se trocam segundo o trabalho a eles ligado, é absolutamente conflitante com outra pressuposição do mesmo Rodbertus, claramente apresentada como fato empírico: a de que existe um nivelamento dos ganhos de capital.22 Naturalmente, também Marx sentiu essa dificuldade, que, para ele, se mostrava ainda mais drástica, uma vez que, na sua doutrina, a parte que contém o ponto crucial está formulada com ênfase particular, o que, por assim dizer, desafia tal dificuldade.

Marx distingue, no capital que serve aos capitalistas para obterem a mais-valia, duas partes: aquela que serve para pagar os salários do trabalho, ou seja, o “capital variável”, e aquela que é empregada em meios de produção como a matéria-prima os instrumentos e máquinas, e assim por diante, que é o “capital constante”. Como só o trabalho vivo pode produzir a nova noção de mais-valia, também só a parte de capital transformada em forma de trabalho pode modificar, aumentar seu valor no processo de produção, motivo pelo qual Marx chama esta parte de “capital variável”. Só este reproduz seu próprio valor, e, além disso, um superávit chamado de mais-valia. O valor dos meios de produção consumidos é mantido igual: reaparece no valor do produto de outra forma, mas com o mesmo tamanho; por isso, é chamado de “capital constante” e não pode “produzir mais-valia”. Como consequêcia necessária – que Marx destaca enfaticamente -, a massa de mais-valia que pode ser produzida com um capital não se liga diretamente ao montante do capital total, mas apenas à parte variável dele.23 Disso resulta também que capitais de igual montante têm de produzir uma quantidade desigual de mais-valia, quando sua composição em parcelas constantes e variáveis – chamada por Marx de “composição orgânica” – é diferente. Designemos, como faz Marx, a relação entre a mais-valia e a parte de capital variável, que paga os salários, de “porcentagem de mais-valia”; e designemos a relação entre a mais-valia e o capital total aplicado pelo empresário – na base do qual, na prática, se costuma calcular a mais-valia – de “porcentagem de lucro”. Marx diria, então, que, se o grau de exploração é igual ou se a porcentagem de mais-valia é a mesma, nesse caso, capitais de composição orgânica diferente necessariamente vão redundar em porcentagens de lucro diferentes. Capitais em que a composição apresenta parcela variável maior levarão a uma porcentagem de lucro maior do que a resultante daqueles capitais em cuja composição a parcela constante é mais elevada. Mas a experiência revela que, por causa da lei do nivelamento de ganhos, os capitais sempre redundam logo em altas porcentagens de lucro, independentemente de sua composição. Há, portanto, um conflito evidente entre o que é e o que deveria ser segundo a doutrina marxista.

O próprio Marx não ignorava esse conflito. Já o comentara laconicamente em seu primeiro volume, como se fosse apenas “aparente”, deixando sua solução para momentos posteriores de seu sistema .24 A longa e tensa espera para ver como Marx se esquivaria desse dilema fatal terminou, enfim, com a publicação do terceiro volume, que, apesar de conter um detalhado comentário do problema, não apresenta, para o mesmo, qualquer solução. Ao invés disso, como era de se esperar, confirma a contradição insolúvel, e glosa, de forma velada, sub-reptícia e suavizada, a doutrina do primeiro volume.

Marx desenvolve agora a seguinte doutrina: reconhece expressamente que, na realidade, por causa da concorrência, as porcentagens de lucro dos capitais – não importa qual sua composição orgânica – são igualadas numa porcentagem media de lucro, e isso tem de ser assim.25 Ele ainda reconhece expressamente que uma porcentagem igual de lucros para capitais cujas composições orgânicas são diferentes só é possível quando mercadorias isoladas não se trocam entre si segundo o seu valor determinado por trabalho, mas a partir de uma relação que se desvia desse valor. E a troca é feita de maneira tal que as mercadorias com proporção mais elevada de capital constante (capitais de “composição mais elevada”) se trocam acima do seu valor [p. 304]. Em contrapartida, as mercadorias em cuja criação participa capital com proporção mais baixa de capital constante e mais alta de capital variável (capitais de “composição mais baixa”) se trocam abaixo do seu valor.26 E Marx, por fim, reconhece expressamente que na vida prática o estabelecimento de preceitos realmente acontece assim. Ele denomina esse preço de uma mercadoria – preço que contém, além da recompensa pelos salários pagos e pelos meios de produção gastos (seu “preço de custo”), o lucro médio pelo capital empregado na produção – de “preço de produção” (III, p. 136). Este “corresponde, na verdade, ao mesmo que A. Smith chama de ‘natural price’, Ricardo, de ‘price of production’, e os fisiocratas, de ‘prix nécessaire’: a longo prazo ele é a condição do abastecimento, da reprodução da mercadoria em qualquer esfera especial de produção” (III, p. 178). Na vida real, pois, as mercadorias não se trocam mais segundo seus valores, mas segundo seus preços de produção, ou – como Marx prefere dizer eufemisticamente (p. ex., III, p. 176) – “os valores se transformam em preços de produção”.

É impossível, não reconhecer que essas afirmações e concessões do terceiro volume contradizem fortemente as doutrinas básicas do primeiro [p. 305]. No primeiro volume, apresentou-se aos leitores uma situação lógica e necessária, nascida da natureza da troca. Duas mercadorias igualadas entre si na troca devem conter algo em comum da mesma grandeza, e esse algo em comum de igual grandeza é o trabalho. No terceiro volume, lemos que as mercadorias igualadas na troca contém de fato, e regularmente, quantidades desiguais de trabalho, e isso tem de ser necessariamente assim. No primeiro volume (1, p.142) havia sido dito que “mercadorias podem ser vendidas à preços que se desviam dos seus valores, mas esse desvio aparece como infração da lei de troca de mercadorias”. Agora se diz que a lei de troca de mercadorias prevê que as mercadorias sejam vendidas por seus preços de produção, que se desviam fundamentalmente dos seus valores! Creio que jamais o início de um sistema tenha sido punido por sua mentira final de maneira tão severa e cabal!

Naturalmente, Marx não admite que haja nisso qualquer contradição. Também em seu terceiro volume ele proclama que a lei de valor do primeiro volume demonstra as verdadeiras condições da troca de bens, e não poupa esforços nem fugas dialéticas para demonstrar que essas condições ainda existem. Já comentei amplamente todos esses subterfúgios, demonstrando sua invalidade.27 Vou agora levar em conta, expressamente, apenas um deles, em parte por ser, à primeira vista, extremamente sedutor, em parte por ser defendido não só por Marx, ainda antes do terceiro volume, mas também por alguns dos mais brilhantes teóricos socialistas da atual geração. Em 1889, Konrad Schmidt tentou desenvolver, de forma independente mas ainda na linha de Marx, a parte incipiente da doutrina marxista.28 Sua teorização também desembocou no fato de que mercadorias isoladas não se trocam – como preconizava a lei de valor de Marx – segundo o trabalho nelas corporificado. Naturalmente, o autor se defrontou com a indagação: em que medida ainda se pode defender como válida a lei de valor de Marx, se é que se pode fazê-lo? Schmidt procurou, então, salvar essa validade com os mesmos argumentos dialéticos do terceiro volume de Marx.

Esses argumentos dizem que as mercadorias isoladas, de fato, são trocadas por valores abaixo ou acima do seu valor, mas que esses desvios se compensam e se anulam mutuamente. Assim, calculadas em conjunto, as mercadorias têm um preço que se iguala novamente a soma dos seus valores. Seria, pois, possível afirmar que, quando se considera o conjunto de todos os ramos de produção, a lei do valor é uma “tendência dominante”.29

Mas é muito fácil demonstrar a trama dialética dessa pseudo-argumentação [p. 306], como já expliquei em outra oportunidade.30

Afinal, qual é a tarefa da lei do valor? Nenhuma, senão explicar a relação de troca de bens que se observa. Queremos saber por que na troca, por exemplo, um casaco equivale a dez metros de linho, por que cinco quilos de chá equivalem a meia tonelada de ferro, e assim por diante. Foi a partir daí que o próprio Marx concebeu a lei do valor. Evidentemente, só se pode falar em relação de troca entre mercadorias diferentes entre si. No entanto, no momento em que colocamos todas as mercadorias juntas e somamos seus preços, estamos necessária e deliberadamente fazendo abstração da relação que há no interior desse conjunto. As diferenças relativas de preços existentes no interior desse conjunto compensam-se na soma total: o quanto o chá, por exemplo, vale mais que o ferro, corresponde ao quanto o ferro, por sua vez, vale menos que o chá, ou vice- versa. De qualquer modo, tal explicação não responde à nossa indagação sobre a relação da troca de bens na economia, pois só é válida para o preço total de todas as mercadorias juntas. Seria o mesmo que, a uma pergunta que fizéssemos sobre quantos segundos ou minutos o vencedor de uma prova teria levado a menos do que seus concorrentes para percorrer a pista, nos respondessem que todos os concorrentes juntos haviam levado 25 minutos e 13 segundos!

O problema é que os marxistas respondem à questão do valor com a sua lei do valor. Dizem que as mercadorias se trocam segundo o tempo de trabalho nelas corporificado. Depois, disfarçada ou abertamente, negam essa resposta quando se trata de troca de mercadorias isoladas – justamente neste terreno em que a pergunta mais caberia. Assim, sua lei do valor tem validade apenas para o produto nacional total, ou seja, num campo em que essa questão não faz sentido nem tem resposta. Assim, a “lei do valor” é desmentida pelos fatos. A única situação em que não é desmentida não traz uma boa resposta para a nossa pergunta, pois serviria de resposta a qualquer outra indagação.

Na verdade, essa resposta nem mesmo pode ser considerada como tal, uma vez que não passa de mera tautologia. Como qualquer economista sabe, mesmo nas formas mais veladas de transação monetária, mercadorias se trocam por mercadorias. Toda mercadoria que é objeto de troca, ao mesmo tempo é mercadoria, é também o preço que a ela corresponde. A soma das mercadorias é idêntica à soma dos preços obtidos por elas. Em outras palavras, o preço do produto nacional total nada mais é que o próprio produto nacional. Sob este ponto de vista é totalmente correto que a soma dos preços que se paga por todo o produto nacional combine inteiramente com o valor ou quantidade de trabalho cristalizada nele [p. 307]. Mas essa tautologia não significa progresso em direção a um verdadeiro conhecimento, nem pode servir como prova de que é correta a suposta lei de que os bens se trocam segundo o trabalho neles corporificado. Se fosse assim, essa seria uma maneira de se verificar qualquer outra “lei”, como, por exemplo, a “lei” de que os bens se trocam segundo medida do seu peso específico! Pois embora meio quilo de ouro como “mercadoria isolada” não se troque por meio quilo de ferro, mas por 20.000 quilos de ferro, a soma de preço que se paga, no total, por meio quilo de ouro e 20.000 quilos de ferro, não é nem mais nem menos do que 20.000 quilos de ferro e meio quilo de ouro. Portanto, o peso total da soma dos preços – vinte mil quilos e meio – é exatamente igual ao peso total corporificado no total das mercadorias, isto é, vinte mil quilos e meio. Conseqüentemente, seria possível considerar o peso como verdadeira medida segundo a qual se regula a relação de troca dos bens?!

NOTAS

1 Zur Kritik der politischen ökono mie. Berlim. 1859. Das Kapital. Kritik, de politischen Ökonomie, 3 vol., 1867: 1894. Cp. sobre Marx o artigo “Marx”, de Engels, no Handwarterbuch des Staatswissenschaften, (além de lista completa de escritos de Marx, na 3. edição no Handwörterbuch, completado por K. Diehl); cp. Também Knies, Das Geld, 2. ed.. 1885, (p.153 ss); A. Wagner em sua Grundlegung der politischen Ökonomie, 3. ed. passim, especialmente II (p. 285 ss); Lexis nos Jahrbiicher de Conrad, 1885, nova série, XI (p. 452 ss), Gross, K. Marx,Líipsia, 1885; Adler, Grundlagen der Marxschen Kritik der bestehenden Volkswirtschaft, Tübingen, 1887; Komorozynskil Der dritte Band von Karl Marx: Das Kapital, in Zeitschrift fair Volkswirtschaft, Sozialpolitik und Verwaltung, Vol. VI (p. 242 ss); Wenckstern, Marx, Leipzig, 1896; Sombart, “Zur Kritik des öbkonomischen Systems von Karl Marx”, Archiv für sozialistische Gesetzgebuns und Statistik (Vol. VII, Cad. 4, p. 555 ss); meu texto “Zum Abschluss des Marxschen Systems” in Festgabenfen für Karl Knies, Berlim, 1896 (publicado em livro em russo, em Petersburgo, 1897 e em inglês. em Londres, 1898); Diehl, “Über das Verhältnis von Wert und Preis im ökonomischen System vom Karl Marx”, reprodução de Festschriftzur Feier des 25 jäihringen Bestehens des staatwissenschaftlichen Seminars zu Halle a.S., Jena, 1898; Masaryk, Die Philosophischen und soziologischen Grundlagen des Marxismus, Vie- na, 1899; Tugan-Baranowski, Theoretische Grundlagen des Marxismus, Lípsia, 1905; v. Bortkiewicz, “Wertrechnung und Preisrechnung im Marxschen System” in Archiv for Sozialwissenschaft un Sozialpolitik, Vol. 23 e 25; e muitos outros textos da imensa e ainda crescents literatura sobte Marx.

2 Lifschitz, Zur Kritik der BöhmBawerkschen Werttheorie, Lípsia, 1908 (p. 16). O autor pretende ter-me apanhado numa contradição citando essa observação e a “séria defesa” de Rodbertus, num trecho anterior de meu livro (acima, p. 257 ss). Parece-me que ou leu muito superficialmente, ou pensou tão superficialmente, que troca entre si duas teses diferentes. Na verdade Rodbertus defendeu a tese de que todos os bens economicamente custam apenas trabalho, enquanto eu falo aqui de uma tese bem diferente, de que o valor dos bens se determine unicamente pela quantidade de trabalho. Lifschitz poderia ter dado alguma atenção à diferença bastante grande entre as duas teses, nem que fosse somente pela postura totalmente diversa que assumi acima na p. 262 ss, e 271 ss em relação a elas!

3 Cito o Vol. I de, O capital de Marx sempre a partir da (segunda) edção de 1872, o Vol.II segundo a ed. de 1885, o Vol. III segundo a de 1894. Salvo menção explícita, os comentários sobre o Vol. III referem-se à sua primeira parte.

4 I, p. 15, 17, 49 e 87 e outras. Cf. também Adler, Grundlagen der Karl Marxschen Kritik der bestehenden Volkswirtschaft, Tübingen, 1887 (p. 210 e 213).

* “Aqui é Rodes, então salte aqui!” (N. da T.)

5 Escrito em 1884; veja também acima Nota 19, Cap. I.

6 Por exemplo, quando no Cap. 5 do Livro II ele se expressa da seguinte maneira: “Não só os criados e criadas do arrendador, mas também seus animais de carga são trabalhadores produtivos”, e adiante: “Na agricultura a natureza trabalha com os homens, e, embora seu trabalho nada custe, seus produtos têm tanto valor quanto o produto dos trabalhadores mais bem pagos.” Cp. Knies, Der Kredit, Parte II (p. 62).

7 Cf. sobre isso Verrijn Stuart em seu belo estudo “Ricardo e Marx”, e meu comentário sobre isso nos Jahrbüchern de Conrad, III, Vol. I, 1891, (p. 877 ss.).

8 Ver p. 48 ss e Knies, op, cit, (p. 66 ss.).

9 Inquiry Vol. 1, Cap. V (p. 13 da ed. de MacCullogh); Ricardo, Principles, Cap. 1.

10 Smith diz o seguinte sobre o fenômeno mencionado no texto: “Quando um tipo de trabalho exige um grau extraordinário de habilidade e inteligência, confere-se a suas realizações – em decorrência do respeito que tais talentos inspiram – um valor maior do que o que corresponderia ao simples cálculo do tempo neles despendido. Tais talentos raramente se conseguem senão após longo tempo de dedicação e habitualmente o valor mais alto de seus resultados é apenas um substituto barato para o tempo e esforço gastos na sua obtenção.” (Livro 1, Cap. VI). É evidente que essa explicação não satisfaz. Primeiramente, é claro que o valor mais elevado dos produtos de pessoas extraordinariamente hábeis repousa em motivo bem diverso do “respeito que tais talentos inspiram”. 
Quantos escritores e intelectuais passaram fome apesar de todo o respeito público por seus talentos! E quantos vigaristas inescrupulosos foram premiados com fortunas imensas, embora seus “talentos” não fossem respeitados! Mas, caso supuséssemos que respeito fosse medida de valor, não estaríamos confirmando, e sim violando, a lei de que valor se baseia em esforço. Quando Smith, ao atribuir aquele valor mais alto ao esforço despendido para obter uma habilidade, usa a palavra’ “habitualmente”, ele próprio admite que isso não acontece em todos os casos. Portanto, continua a contradição.

11 I, p. 1 1; ver p. 69 ss.

12 Knies objeta com muito acerto contra Marx: “Na exposição de Marx não há nenhum motivo peIo qual a equação 1 “moio” de trigo = x quintais de madeira produzida na floresta não permita uma segunda equação, também válida, que diga: 1 “moio” de trigo = a quintais de madeira virgem = b acres de terra virgem = c acres de terra cultivada com prados naturais.” (Das Geld, Iª ed. p. 121;1 2ª ed p. 157).

13 Numa citação de Barbon se obscurece na mesma passagem mais uma vez a diferença entre mercadorias e coisas: “Uma espécie de mercadoria é tão boa quanto outra quando seu valor de troca é igual. Não há diferença ou diferenciação entre coisas com o mesmo valor de troca!”

14 Por exemplo, na p. 15, final: “Por fim nenhuma coisa pode ter valor sem ser objeto de uso. Se for inútil, o trabalho nela contido será inútil, não valerá como trabalho (sic!), e por isso não constituirá valor.” Já Knies chamara atenção para o erro lógico do texto. Veja-se Das Geld, Berlim, 1873, p. 123 ss. (2ª ed. p. 160 ss). Estranhamente, Adler (Grundlagen der Karl Marxschen Kritik, Tübingen, 1887, p. 211 ss) entendeu mal meu argumento, quando me censura dizendo que “boas vozes” não são mercadorias no sentido marxista. Para mim não se tratava de considerar “boas vozes” como bens econômicos Segundo a lei marxista de valor, mas, muito antes de dar o exemplo de um silogismo que revela o mesmo erro de Marx. Eu teria podido escolher muito bem outro exemplo, que não tivesse nenhuma relação com o terreno econômico. Por exemplo, poderia ter demonstrado que, segundo a lógica marxista, o “algo comum” está em haver colorido em sabe Deus o quê, mas não em haver uma mistura de várias cores. Pois uma mistura de cores – por exemplo, branco, azul, amarelo, preto, violeta – vale para a qualificação “colorido” o mesmo que a mistura de verde, vermelho, laranja, azul, etc., desde que as cores apareçam em proporção adequada”. Portanto, vamo-nos abstrair, no momento, das cores e das misturas de cor!

15 Das Kapital (p. 17 ss.).

16 Zum Abschluss des Marxschen Systems (p.77ss.).

17 Ver mais adiante.

18 Cp. Knies, Kredit (Parte II p. 61).

19 Fui mais minucioso ao tratar dessa questão no meu texto tão citado Zum Abschluss des Marxschen Systems (p. 80 ss.)

20 Marx só lhe dá atenção expressa no terceiro volume, póstumo, como era de se esperar, e, como resultado, entra em contradição com as leis do primeiro volume, que tinha construído sem levar em conta a exceção.

21 Parece-me que também Natoli. Principio del volore, vai longe demais. Apesar de reconhecer enfaticamente que o trabalho não exerce sobre o valor dos bens uma influência original nem universal, que o valor tem de se apoiar sempre no “qrado di utilità”, e de saber que na teoria do valor do trabalho de Ricardo se confundem causa e efeito (op. cit. 191), mesmo assim, alega que sempre é possível estabelecer a “equação de utilidade”, entre valor e trabalho, como lei fundamental do valor, e até mesmo como a “lei básica de toda a economia” (op. cit., p. 191, 244, 277 e 391).

22 Ver p. 277.

23 “Numa determinada porcentagem de mais-valia, e num determinado valor da força de trabalho, as quantidades de mais-valia produzidas são diretamente proporcionais às grandezas dos capitais variáveis adiantados.” “As quantidades de valor e mais-valia produzidas por capitais diferentes são – para -um dado valor e para graus de exploração de igual grandeza – diretamente proporcionais as grandezas dos elementos variáveis desses capitais, isto é, de seus componentes convertidos em trabalho vivo.” (Marx, 1, p. 311 ss).

24 I, p. 312 e 542.

25 “Por outro lado, não há dúvida de que, na verdade, excetuando diferenças insignificantes, casuais, que se anulam entre si, a diferença das porcentagens médias de lucro não existe para os diversos ramos da indústria, nem poderia existir, sem anular todo o sistema de produção capitalista.” (III, p. 132). “Em função da diferente composição orgânica dos capitais aplicados em diferentes ramos de produção… as porcentagens de lucro que imperam em diversos ramos de produção são originalmente muito diferentes. Essas porcentagens diferentes de lucro são compensadas pela concorrência, tomando-se uma porcentagem de lucro geral, que é a media de todas essas porcentagens de lucros diferentes.” (III, p. 136).

26 Marx desenvolve essa doutrina num exemplo esquemático que abrange cinco tipos de mercadorias e ramos de produção com capital de diversas composições orgânicas, e comenta os resultados da tabela em questão com as seguintes palavras: “As mercadorias juntas são vendidas 2+7+17=26 acima, e 8 + 18 = 26 abaixo do valor, de modo que os desvios de preço se compensam mutuamente pela distribuição igual da mais-valia, ou pela adição do lucro médio de 22% aos preços de custo das mercadorias I – V. Na mesma relação, na qual uma parte das mercadorias é vendida acima de seu valor, outra é vendida abaixo. E só sua venda a tais preços possibilita que a porcentagem de lucro para as mercadorias catalogadas de I –V seja igual – 22% -, sem consideração para com a composição orgânica diferente dos capitais de I – V.” O mesmo pensamento é manifestado nas páginas seguintes, 134- 144.

27 Zum Abschluss des Marxschen Systems (pp. 25 – 62). Hilferding, com sua crítica apologética publicada no Vol. I dos Marx-Studien (1904), não me levou a mudar de opinião. 
Desejo afirmar expressamente, com relação a certas observações de Heimann (Methodologisches zu den Probiemen des Werts, Separata do Archiv für Sozialwissenschaft Vol. 37, p. 19), que minhas tabelas apresentadas em op. cit. p. 53 são totalmente corretas e objetivas, ao passo que a “Correção” que Hilferding lhes fez é tão arbitrária quanto desviada do tema.

28 Die Durschschnittsprofitrate auf Grund des Marxschen Wertgesetzes, Stuttgart, 1889.

29 (“Na mesma proporção em que parte das mercadorias se troca acima do seu valor, outra parte se troca abaixo dele”) (III, p. 135). 
“No preço total das mercadorias I – V” (na tabela que Marx usa como exemplo), “estaria, pois, o seu valor total [ … ] E desta maneira, na própria sociedade[ … ] se considera que a totalidade de todos os ramos de produção [ … ], que a soma dos pregos de produção das mercadorias produzidas, seja igual à soma de seus valores” (III, p. 138). As divergências nos preços de produção em relação aos valores sempre se resolvem, pois “o que recai em excesso, como mais-valia, sobre uma mercadoria, em outra, recai a menos. Por isso, também os desvios de valor que aparecem nos preços de produção das mercadorias se equilibram mutuamente” (III, p. 140). Algo semelhante afirma K. Schmidt (op. cit. p. 51): “A divergência necessária entre o preço real e o valor das mercadorias isoladas desaparece … assim que se considera a soma de todas as mercadorias, o produto nacional anual.”

30 Menciono-o pela primeira vez num comentário do texto acima citado de Schmidt, in Tübinger Zeitschrift, 1890 (p. 590 ss.).

 

A teoria da exploração do socialismo-comunismo – Capítulo III

Eugen von BÖHM-BAWERK

A idéia de que toda renda não advinda do trabalho (aluguel, juro e lucro) envolve injustiça econômica

(Um extrato)

Tradução: LYA LUFT

III – A teoria do juro de Rodbertus1

A. Apresentação detalhada da teoria de Rodbertus

1. Rodbertus considera sua teoria como baseada em Smith e Ricardo

O ponto de partida da teoria do juro de Rodbertus é o princípio “introduzido por Smith na ciência econômica – e mais profundamente corroborado pela escola de Ricardo”-, de que “todos os bens, economicamente considerados, são apenas o produto do trabalho, e só custam trabalho”. Rodbertus esclarece esse princípio – que costuma ser expresso sob a forma “só o trabalho é produtivo” – da maneira seguinte: em primeiro lugar, só são bens econômicos aqueles bens que custaram trabalho, enquanto todos os outros bens, por mais úteis e necessários que sejam aos homens, são bens naturais, que não interessam à economia; em segundo lugar, todos os bens econômicos são apenas produto de trabalho e, no conceito econômico, não são concebidos como produto da natureza ou de qualquer outra força, mas somente como produto do trabalho: qualquer outra concepção deles cairia no campo das ciências naturais, não no do econômico; e, em terceiro lugar, do ponto de vista econômico, todos os bens são produto só daquele trabalho que executou as operações materiais necessárias à sua produção. Mas tal trabalho inclui não apenas aquele que produz diretamente o bem, como, igualmente, aquele que produz os instrumentos necessários à produção do bem. O cereal, por exemplo, é produto não apenas do trabalho de quem maneja o arado, mas também daquele de quem o construiu.2

2. Como Rodbertus formula suas reivindicações a favor dos trabalhadores

Os trabalhadores manuais que criam todos os bens têm, ao menos “segundo o Direito em si”, um título natural e justo à posse de todo o produto.3 Há, porém, duas importantes limitações, a saber: em primeiro lugar, o sistema de divisão de trabalho, segundo o qual muitos colaboram para a criação de um produto, torna tecnicamente impossível que cada trabalhador receba seu produto in natura. Por isso o direito ao produto todo tem de ser substituído pelo direito ao valor inteiro do produto.4 Em segundo, devem participar do produto todos os que prestam serviços úteis à sociedade sem colaborar diretamente na criação material do produto, como o padre, o médico, o juiz, o cientista, e, na opinião de Rodbertus, também os empresários que “sabem através de seu capital ocupar produtivamente uma multidão de trabalhadores”5 Mas esse trabalho indiretamente ligado à economia não terá direito a pagamento já na “distribuição dos originais dos bens”, da qual só devem participar os produtores, mas será remunerado numa “distribuição secundária de bens”. O que, segundo o Direito em si, podem reivindicar os que trabalham diretamente na criação de bens é receber na distribuição original o valor integral do produto de seu trabalho – sem prejuízo do direito secundário de outros membros úteis da sociedade.

Rodbertus diz que essa exigência natural não é atendida na estrutura social atual. Isto porque, na distribuição original, os trabalhadores recebem só parte do valor do seu produto em forma de salário, enquanto donos de terras e de capital recebem todo o resto em forma de renda. Para Rodbertus, renda é “todo ganho obtido sem trabalho próprio, unicamente devido a alguma propriedade.”6 Ele cita dois tipos de renda: renda de terras e ganho de capital.

3. Afirmação de Rodbertus sobre o problema geral do juro

“Que motivos – indaga Rodbertus – fazem com que, sendo todo ganho apenas um produto de trabalho, haja pessoas na sociedade que obtêm ganhos – ganhos primitivos – sem terem movido um dedo para produzirem esses ganhos?” Com essas palavras Rodbertus coloca o problema teórico geral da renda.7 E para ele encontra a seguinte resposta:

A renda deve sua existência à ligação entre dois fatos: um, econômico; o outro, positivamente jurídico. O motivo econômico da renda reside no fato de que, desde a introdução da divisão de trabalho, este produz mais do que os trabalhadores necessitam para seu sustento e continuidade do trabalho, de modo que também outras pessoas podem viver disso. O motivo jurídico reside na existência da propriedade privada de terras e de capital. Uma vez que, em função dessa propriedade privada, os trabalhadores ficam excluídos do controle das condições indispensáveis para a produção, não podem produzir senão segundo um acordo prévio, e a serviço dos proprietários. Estes, por sua vez, tornam acessíveis aos trabalhadores as condições de produção, impondo-lhes, em troca, a obrigação de lhes entregarem parte do produto de seu trabalho como renda. Na verdade, essa entrega acontece mesmo de uma forma ainda mais onerosa para os trabalhadores, que entregam aos proprietários todo o produto de seu trabalho, recebendo de volta, como salário, apenas parte do seu valor, ou seja, o mínimo indispensável para seu sustento e para a continuidade do trabalho. O poder que força os trabalhadores a concordarem com esse contrato é a fome. Vejamos o que diz o próprio Rodbertus:

“Uma yez que não pode existir ganho que não seja criado pelo trabalho, a renda se fundamenta em dois pré-requisitos indispensáveis [p. 253], quais sejam:

1) Não pode haver renda, a menos que o trabalho produza mais do que o necessário para que os trabalhadores prossigam com o trabalho – é, pois, impossível que, sem esse superávit, alguém venha a conseguir um ganho regular sem trabalhar.

2) Não pode haver renda se não houver condições de privar os trabalhadores desse superávit, total ou parcialmente, dirigindo-o para outros que não trabalham – pois, por natureza, os trabalhadores são sempre proprietários diretos de seu produto. O fato de o trabalho criar esse superávit resulta de fatores econômicos, em particular daqueles que aumentam a produtividade do trabalho. O fato de esse superávit ser retirado aos trabalhadores, no todo ou parcialmente, decorre de fatores jurídicos.

Assim, como a lei sempre se ligou ao poder, também neste caso essa privação é imposta por uma coerção constante.

Originalmente, foi a escravidão – iniciada com a agricultura e com a propriedade de terra – que exerceu essa coerção. Os trabalhadores que criavam esse superávit com seu trabalho eram escravos. O senhor a quem pertenciam os trabalhadores e o próprio produto só concedia aos escravos o mínimo necessário para continuarem trabalhando, guardando para si o restante, ou seja, o superávit. Quando toda a terra se tornou propriedade privada, todo o capital passou, simultaneamente, aos particulares; a propriedade de terras e de capital passou, então, a exercer coerção semelhante também sobre trabalhadores libertos ou livres. Isso acarretou um duplo efeito. O primeiro é semelhante ao produzido pela escravidão: o produto não pertence aos trabalhadores, mas aos donos do solo e do capital. O segundo efeito é que os trabalhadores, que nada possuem, ficam satisfeitos por receberem dos donos do solo e do capital uma parte do produto de seu próprio trabalho para se sustentarem, isto é, para poderem continuar trabalhando. Assim, em lugar do domínio do dono de escravos, surgiu o contrato entre trabalhadores e empregadores, um contrato que é livre somente na forma, não na substância: quase sempre a fome substitui a chibata, e o que antes era chamado ração dos escravos agora se chama salário.”8

Segundo essa idéia, toda a renda é fruto da exploração,9 ou, como diz Rodbertus às vezes ainda mais causticamente,10 um roubo do produto do trabalho alheio. É esse o caráter de todos os tipos de renda excedente seja sobre terras seja sobre capital, ou mesmo aquelas derivadas dessas duas: o aluguel e o juro de empréstimo. Esses últimos são justificados para os patrões que os pagam, mas são injustificados em relação aos trabalhadores, a cuja custa são em última análise obtidos.11

4. Rodbertus e “quanto maior a produtividade, maior a exploração”

O valor da renda cresce com a produtividade do trabalho. Isto porque, no sistema de livre concorrência, de modo geral, o trabalhador só recebe de forma permanente a quantia necessária para sobreviver, ou seja, uma determinada parcela concreta do produto. Quanto maior a produtividade do trabalho, tanto menor a porcentagem do valor total do produto [p. 254] representada por esta parcela concreta do produto que ele recebe, e tanto maior a porcentagem do produto e do valor que sobra para o proprietário, ou seja, seu lucro.12

Segundo o que se afirmou até aqui, no fundo, toda renda é uma massa unificada de origem completamente homogênea; no entanto, na vida econômica prática ela se divide sabidamente em dois tipos básicos: a renda sobre terra e o ganho de capital. Rodbertus esclarece de maneira bem singular os motivos e as leis dessa divisão. Deve-se mencionar, de início, que ele parte da premissa teórica de que o valor de troca de todos os produtos é igual ao seu custo de trabalho.13 Ele assume, em outras palavras, que todos os produtos são intercambiáveis uns pelos outros, na base de seus custos relativos em termos de trabalho. O que há de singular nessa afirmação é que Rodbertus sabe que ela não está de acordo com os fatos. Mas ele acredita que a teoria se desvia da realidade apenas no aspecto em que “o verdadeiro valor de troca ora é maior, ora é menor”; assim, haveria sempre certa tendência gravitacional para aquele ponto que seria “o valor de troca natural e, portanto, justo.”14 Rodbertus rejeita firmemente a idéia de que haveria um rumo normal de eventos que faria com que os bens fossem trocados em outra base que não o trabalho ao qual se ligam. Ele exclui a possibilidade de que desvios dessa situação possam ser o resultado, não de oscilação passageira de mercado, e sim da aplicação de uma lei definida que leve o valor noutra direção.15 Chamo agora a atenção para esse ponto que será muito importante mais adiante.

5. Rodbertus divide a produção em bruta e manufaturada

Segundo Rodbertus, a produção total de bens se divide em dois tipos, quais sejam, a produção bruta, que, com ajuda da terra, gera produtos brutos e a manufatura, que processa os produtos brutos. Antes de se introduzir a divisão do trabalho, a obtenção e o processamento de produtos brutos se efetuavam em seqüência direta por um mesmo empresário que também auferia, indiferenciadamente, toda a renda resultante. Nesse estágio de desenvolvimento econômico ainda não se realizara a separação entre a renda sobre terras e ganho de capital. Desde a introdução da divisão do trabalho, porém, os empresários da produção bruta e os empresários da ulterior manufatura são pessoas distintas. A questão preliminar é como determinar a proporção em que se deve dividir a renda resultante do processo produtivo total.

A resposta repousa na natureza da renda. A renda é uma dedução do valor do produto, uma porcentagem dele. A massa da renda a ser obtida de um dado processo produtivo, portanto, dependerá do valor de troca [p. 255] do produto. Mas como o valor do produto depende da quantidade de trabalho empregado, produção bruta e manufatura se dividirão, na renda total, segundo o respectivo custo de trabalho gasto em cada um desses dois ramos de produção. Vejamos um exemplo concreto.*

6. Não há relação entre a quantidade de capital empregado e o juro recebido sobre o capital

Se forem necessários 1.000 dias de trabalho para se conseguir um produto bruto e 2.000 dias para seu ulterior processamento; se, por outro lado, forem deduzidos 40% do valor do produto em favor do proprietário, os produtores do produto bruto receberão, então, em forma de renda, o produto de 400 dias de trabalho, enquanto os industriais da manufatura receberão o equivalente a 800 dias. O montante de capital empregado em cada ramo da produção é irrelevante, para tal divisão: a renda, embora seja calculada sobre o capital, não se determina segundo ele, e sim segundo as quantidades de trabalho aplicadas.

É exatamente o fato de o montante do capital empregado não ter influência efetiva sobre a massa da renda obtida num ramo da produção que dá origem à renda sobre terras. Isso ocorre da seguinte maneira: a renda, embora produto do trabalho, é considerada rendimento da riqueza, porque depende da posse de riquezas. Como, em relação à manufatura, só se empreguem bens de capital, e não terras, considera-se como rendimento de capital – ou ganho de capital – toda renda obtida especificamente da manufatura. Através dos cálculos costumeiros da relação entre o montante do rendimento e o montante do capital que originou esse rendimento, chega-se àquela determinada porcentagem de ganho, que pode ser obtida com o capital empregado na manufatura. Essa porcentagem de ganho, que, em função de conhecidas tendências da concorrência, será mais ou menos uniforme em todos os ramos, também servirá de base para o cálculo do ganho sobre o capital investido na produção bruta. Mesmo que não houvesse outra razão, isso já seria verdadeiro simplesmente porque na manufatura se emprega parcela bem maior do “capital nacional” do que na agricultura e porque, compreensivelmente, o rendimento da parcela de capital que é predominante vai determinar a taxa de lucro aceitável para a parcela menor. Por isso, os produtores do produto bruto calcularão seu ganho de capital sobre o montante do capital empregado e sobre o valor da porcentagem habitual de ganho de capital. O restante do ganho, ao contrário, é considerado como rendimento da terra e do solo, constituindo-se na renda.

Segundo Rodbertus, essa renda sobre a terra deve necessariamente ser deixada de lado na produção bruta, por causa da premissa de que os produtos são trocados com base no trabalho incorporado a cada um deles. Rodbertus fundamenta esse seu modo de pensar mostrando que a quantidade de renda que se pode obter na manufatura não depende [p.256] – como se disse acima – da quantidade de capital gasto, mas da quantidade de trabalho empregado no processo de manufatura. Esse trabalho apresenta duas facetas: de um lado, o trabalho direto de manufatura; de outro, o trabalho indireto, “que deve ser levado em conta em função do desgaste dos instrumentos e máquinas”. Só alguns dos vários elementos que compõem o dispêndio de capital têm influência sobre o montante da renda, a saber, os salários e os gastos com máquinas e instrumentos. O capital despendido com matéria-prima, ao contrário, não exerce tal influência porque essa despesa corresponde a um trabalho inexistente no estágio de manufatura, muito embora essa parte do gasto aumente o capital sobre o qual se calcula a renda que será obtida. A existência de uma parcela de capital que, por um lado, aumenta o capital de manufatura sobre o qual se calcula como ganho a renda deduzida, mas que, por outro lado, não aumenta propriamente esse ganho, obviamente deve reduzir a relação do ganho sobre o capital, ou seja, a porcentagem do ganho de capital na manufatura.

7. A distinção que Rodbertus faz entre renda sobre terra e ganho de capital

Também o ganho de capital da produção bruta é calculado com base nessa taxa inferior. Mas, neste caso, as condições são ainda mais favoráveis. Como a agricultura inicia sua produção ab ovo – a partir do nada -, sem processar nenhum material originado de produção anterior, falta ao seu capital a parte de “valor material”. A única analogia possível seria com o solo, que, segundo todas as teorias, se pressupõe gratuito. Conseqüentemente, na divisão do ganho não participa nenhuma parcela de capital que não tenha influência sobre sua quantidade. Mais ainda: a relação entre a renda desejada e o capital empregado tem de ser mais favorável na agricultura do que na manufatura. No entanto, como o ganho de capital, também na agricultura, é calculado com base nas mesmas taxas inferiores que prevalecem na manufatura, é preciso que haja sempre um excedente em renda para o proprietário da terra, que o receberá como renda sobre a terra. Essa é, segundo Rodbertus, a origem da renda sobre a terra e de sua diferença em relação ao ganho de capital.16

8. Surpreendentemente, Rodbertus não pede a abolição da propriedade privada nem do ganho imerecido

Para completar, desejo observar, brevemente, que apesar do seu agudo julgamento teórico sobre a natureza exploradora do ganho de capital, Rodbertus não deseja abolir a propriedade de capital nem o ganho de capital. Ao contrário, atribui à propriedade de terras e de capital “um poder educativo” indispensável. “Uma espécie de poder doméstico que só poderia ser substituído por um sistema nacional de educação totalmente modificado, que ainda não temos condições de instaurar”17 A propriedade de terras e de capital parece-lhe “uma espécie de órgão público que exerce funções na economia nacional [p. 257], funções estas que consistem no direcionamento do trabalho econômico e nos meios econômicos da nação segundo necessidades nacionais”. A renda pode ser encarada – a partir desse ponto de vista favorável – como uma forma de salário que aqueles “funcionários” recebem pelo exercício de suas funções.18 Já comentei anteriormente o fato de que Rodbertus, ao fazer essa observação bastante casual – apenas uma nota de rodapé – , menciona pela primeira vez um pensamento que alguns dos escritores que o sucederam, especialmente Schaffle, desenvolveram numa variante singular da teoria do trabalho.

B. Deficiências do sistema de Rodbertus

Tratarei agora da crítica da doutrina de Rodbertus. Direi sem rodeios que considero totalmente errônea a teoria de juro de capital nela contida. Estou convencido de que ela comete uma série de pecados teóricos graves, os quais, a seguir, tentarei apresentar da maneira mais clara e imparcial possível.

9. Böhm-Bawerk: é decididamente errado afirmar que todos os bens, do ponto de vista econômico, são apenas produto de trabalho

O exame crítico esbarra logo na primeira pedra que Rodbertus coloca no edifício da sua doutrina, quando afirma que, do ponto de vista econômico, todos os bens são apenas produto do trabalho.

Primeiramente, o que significa a expressão “do ponto de vista econômico”? Rodbertus explica isso numa antítese, contrapondo o ponto de vista da economia ao das ciências naturais. Admite expressamente que, segundo as ciências naturais, os bens são produtos não apenas de trabalho mas também de forças da natureza. Assim mesmo, caso se considere que do ponto de vista econômico são produtos apenas do trabalho, isso pode significar apenas uma coisa: que a colaboração das forças : naturais na produção é totalmente irrelevante para o estudo da economia humana. Rodbertus expressa esse conceito drasticamente, dizendo: “Todos os demais bens (além dos que custaram trabalho), por mais necessários e úteis que sejam aos homens, são bens naturais, que em nada interessam a uma economia”. “O que a natureza realizou previamente em matéria de bens econômicos merece a gratidão do homem, uma vez que ela lhe poupou trabalho, mas, para a economia, estes bens têm valor apenas na medida em que o trabalho completou a obra da natureza.”19

Isso é simplesmente falso. Também certos bens puramente naturais, conquanto muito raros em comparação com a necessidade que há deles, interessam à economia. Acaso uma pepita de ouro encontrada no solo de um proprietário de terras, ou uma mina de ouro por ele eventualmente descoberta em suas terras, não vão interessar à economia? O dono do ouro e da prata dados de presente pela natureza acaso os deixará na terra sem lhes dar importância, ou os dará de presente, ou os esbanjará, apenas porque lhe foram dados pela natureza sem qualquer esforço [p. 258] de sua parte? Ou, ao contrário, ele os vai guardar cuidadosamente contra a cobiça alheia, aplicando-os prudentemente no mercado, explorando-os e, em suma, administrando-os como se este ouro e esta prata tivessem sido obtidos com o trabalho de suas próprias mãos? E será verdade que o interesse da economia por aqueles bens que custaram trabalho só se dá na mesma medida em que o trabalho completou a obra da natureza? Se fosse assim, as pessoas atribuiriam a um barril de magnífico vinho do Reno exatamente o mesmo valor que atribuem a um barril de vinho da colônia bem tratado, mas, por natureza, inferior ao primeiro: ambos custaram mais ou menos o mesmo trabalho humano! O fato, porém, de que o vinho do Reno em geral custa dez vezes mais que o da colônia é uma prova eloqüente de que a vida refuta o teorema de Rodbertus.

Objeções desse tipo são tão evidentes que poderíamos esperar que Rodbertus protegesse contra elas, com muito cuidado, sua afirmação básica. Mas, se esperássemos isto, ficaríamos desiludidos: Rodbertus elaborou todo um aparato de persuasão em favor de sua tese; no entanto, tudo acaba num apelo não-fundamentado a certas autoridades, numa dialética pouco convincente, que apenas rodeia, sem atingir, o ponto crucial.

10. Apesar da fama, Smith e Ricardo não são as autoridades adequadas

Nessa primeira categoria situo a repetida menção a Smith e Ricardo como defensores do princípio “sobre o qual não se discute mais na economia progressista”, aceito pelos economistas ingleses e defendido na França, e, “o que é mais importante, gravado para sempre na consciência do povo, defendendo-a dos sofismas de uma doutrina de segundas intenções”.20 Nós poderemos fazer um pouco adiante a interessante constatação de que Smith e Ricardo afirmam apenas axiomaticamente a tese da qual falamos, sem a fundamentarem. Ao mesmo tempo, conforme Knies provou tão brilhantemente,21 nenhum dos dois sequer aderiu coerentemente a essa tese. Além disso, na discussão científica, uma tese não pode ser aprovada apenas com a invocação de nomes de autoridades: provam-na os fundamentos expostos por estas autoridades. No caso em questão, no entanto, não há nem fundamentos nem afirmações coerentes que dêem respaldo a esses nomes. Assim, o apelo às autoridades não fortalece a posição de Rodbertus, a qual se apóia apenas nos alicerces que ele próprio consegue para sua tese.

11. Erros de Rodbertus quanto aos “custos”

Em função disso, deve-se examinar a exposição bastante longa feita no primeiro dos cinco teoremas “Zur Erkenntnis unserer staatswirtschaftlichen Zustände”,* e o silogismo mais consistente no texto “Zur Erklarung und Abhilfe der heutigen Kreditnot des Grundbesitzes”.**

No primeiro, Rodbertus comenta acertadamente o fato de termos de administrar bens que custam trabalho e o porquê de termos de fazê-lo. Com muita justeza, coloca em primeiro plano a disparidade quantitativa entre, de um lado, a “jnfinitude e insaciabilidade de nossa ambição”[p. 259] ou de nossas necessidades, e de outro, a limitação de nosso tempo e força. Só secundariamente, e de maneira incidental, ele comenta que o trabalho é “cansativo” um “sacrifício da liberdade”, e coisas desse gênero.22 Da mesma forma explica, com acerto, que um gasto de trabalho deve ser entendido como “custo” e explica também a causa disso. “É preciso – diz ele – 23 apenas esclarecer o conceito de “custo”. Este conceito não significa apenas que para produzir uma coisa necessitamos de outra. O essencial é que, por um lado, foi feito um dispêndio que não pode voltar a ser feito para outra coisa, e que, por outro, o dispêndio efetuado atinge a pessoa que o efetuou, com sua irrecuperabilidade. Esta última afirmação explica por que só o ser humano pode sentir o custo de alguma coisa.”

Totalmente correto! É igualmente correto que, como prossegue Rodbertus, os dois critérios de custo se aplicam ao trabalho. Isto porque o dispêndio de trabalho feito para a produção de um bem qualquer “não pode mais ser feito para nenhum outro bem” – primeiro critério. E “o dispêndio de trabalho efetuado só atinge ao homem uma vez que requer tempo e força, ambos muito limitados se se considera a lista interminável de bens que uma pessoa pode ambicionar” – segundo critério.

12. A abordagem do custo do trabalho feita por Rodbertus deve ser estendida ao custo de outros elementos de produção

Rodbertus precisa, então, provar que um “custo”, portanto um motivo para administrar, se aplica só ao trabalho e não a outros elementos. Logo de início ele tem de aceitar “que para a produção de um bem é preciso algo mais (além do trabalho)”, ou seja, além das idéias que o espírito fornece, é preciso um material, fornecido pela natureza, bem como forças naturais que, “a serviço do trabalho ajudem, a transformar ou a adaptar o material”. Mas à participação da natureza faltam os dois critérios de custo. Isso porque a força natural ativa é “infinita e indestrutível: a força que nutre uma espiga de cereal das substâncias que lhe são necessárias está sempre à disposição dessas substâncias. O material que a natureza fornece para a produção de um bem não se pode aplicar ao mesmo tempo a um segundo bem. Mas se quiséssemos falar de custos, teríamos de personificar a natureza, e falar em seus custos. A matéria não é um dispêndio que o homem efetue em troca do bem; custo do bem é só aquilo que é custo para o homem.”24

Dos dois elementos dessa conclusão, o primeiro – que pretende negar a exatidão do primeiro critério – é obviamente errôneo. É verdade que as forças naturais são eternas e indestrutíveis; mas, quando se trata do dispêndio para a produção, o que interessa não é se essas forças continuam a existir, e sim se elas subsistem e continuam a agir de modo a se tornarem adequadas para novo efeito produtivo. E nesse sentido – o único que interessa ao nosso problema – não se pode falar de permanência indestrutível [p. 260]. Quando queimamos nosso carvão, as forças químicas da substância do carvão – o qual, por mistura com o oxigênio do ar, produziu o calor desejado – subsistem. Mas a eficácia de suas propriedades não permanece, pois os átomos de carvão se misturaram aos átomos do oxigênio, e não se pode mais falar na repetição da eficácia dessas forças. O dispêndio de forças químicas que efetuamos quando queimamos carvão para produzir um bem não pode mais ser realizado em favor de outro bem.25 Exatamente a mesma coisa vale para as matérias da produção. Rodbertus admite isso em relação a elas, embora de maneira insuficiente, ao dizer que “enquanto isso” elas não podem ser empregadas para outro bem. Na verdade, elas deixam de ser aplicáveis a uma segunda produção, não apenas “enquanto” estão sendo empregadas no primeiro produto: também depois deixam de estar regularmente disponíveis para produção de um segundo bem. A madeira que uso para fazer vigas não serve mais para a produção de outro bem. E isso é verdade não apenas para o período em que esta madeira estiver na casa servindo de viga e apodrecendo aos poucos, mas também para depois de ela ter apodrecido: o estado em que estarão os elementos químicos que hão de persistir vai torná-la inadequada para o emprego humano. Um pouco mais tarde, na discussão de uma objeção proposta por ele mesmo, Rodbertus abandona o seu primeiro critério, apoiando-se unicamente no segundo critério, qual seja, o fato de faltar a relação do custo com a pessoa.

Também nesse ponto Rodbertus está sem razão. Mesmo o dispêndio das dádivas mais raras da natureza é um dispêndio, é uma irrecuperabilidade que atinge a pessoa, daquele mesmo modo exposto por Rodbertus em sua definição de custo e por aquele mesmo motivo alegado por ele para que o trabalho tenha valor. Mas, o que significa isso se, para Rodbertus, não é o sofrimento ligado ao trabalho, mas a limitação quantitativa do trabalho em relação à infinitude de nossas necessidades, o que , na verdade, nos força a administrar o trabalho e seus produtos? Significa, na verdade, que qualquer desperdício de trabalho – trabalho este que, de qualquer modo, sempre será insuficiente para a satisfação plena de nossas necessidades – abrirá uma lacuna ainda maior em relação a essa mesma necessidade. Essa alegação vale também para o caso de o trabalho não se ligar a qualquer sensação pessoal de sofrimento, aborrecimento, compulsão ou algo semelhante, mas sim, proporcionar ao trabalhador um prazer puro e imperturbado: mesmo assim, o trabalho seria insuficiente, em termos quantitativos, para produzir todos os bens necessários. Desse modo, a pessoa é atingida ou por um gasto de trabalho em vão, ou pelo próprio gasto de trabalho, simplesmente porque desperdiça a possibilidade de ter uma outra necessidade atendida.26 Exatamente a mesma coisa acontece quando se desperdiça – ou mesmo quando apenas se emprega – uma dádiva rara da natureza. Se desperdiço, propositalmente [p. 261) ou por mineração errônea, algum mineral valioso ou depósito de carvão, estou desperdiçando uma quantidade de satisfações de desejos que teria podido obter com um comportamento mais econômico e que estou esbanjando com meu comportamento não-econômico.27

13. Primeiro grande erro de Rodbertus: bens são apenas produto de trabalho manual

Em relação a essa objeção, que praticamente não se pode ignorar, o próprio Rodbertus se posiciona; diz que seria possível retrucar que o proprietário de uma floresta arca com os custos, entre outros, do trabalho gasto para cortar madeira, com os custos deste material, que assim foi obtido e “que, sendo empregado para um bem, não pode mais ser empregado para outro, constituindo-se, portanto, em dispêndio que afeta a ele, proprietário.”28 Mas Rodbertus foge dessa objeção através de um sofisma. Ele diz que ela repousa numa “ficção”, porque estabelece uma relação do direito legal com uma base econômica, que só deveria servir para relações naturais “legítimas”. Só do ponto de vista do direito legal se poderia presumir que nas coisas da natureza, antes de se aplicar nelas algum trabalho, já exista um “proprietário”, e que essa situação mudaria eliminando-se a propriedade de terra.

Mas em questões decisivas nada mudaria. A madeira do tronco é uma dádiva natural relativamente rara; no entanto, a própria natureza, independente do direito legal, atesta que qualquer desperdício desse raro dom implica bem-estar ou sofrimento, envolve pessoas. Ao direito legal só concerne o tipo de pessoa que será afetada. Num sistema de propriedade privada de terras, o interessado – portanto, o afetado – será o proprietário. Num sistema de propriedade comum, toda a comunidade será afetada. E, não havendo nenhum direito estabelecido, seria afetado aquele que detém o poder: ou o que chegou primeiro ou o mais forte. Nunca se poderia evitar que o gasto ou dispêndio de dons raros da natureza afetasse uma pessoa, ou comunidade, quanto à satisfação de suas necessidades. A não ser que imaginemos uma floresta que não tenha moradores humanos, ou cujos moradores, por alguma razão não-econômica, como religião, não tocassem em madeira. Nesse caso, a madeira não seria objeto da economia. Mas não porque dons puros da natureza não possam representar sacrifício para uma pessoa, e sim porque, nesse caso, essas dádivas teriam sido excluídas, pelas circunstâncias, da vida humana, na qual poderiam muito bem estar envolvidas.

Num texto posterior Rodbertus dedica novamente à sua tese uma breve argumentação, que aparentemente segue este mesmo raciocínio, mas, na verdade, assume, em parte, outra direção. Ele diz que é produto tudo o que nos chega como bem através do trabalho e que, por isso, esse termo deve ser atribuído economicamente só ao trabalho humano, uma vez que este é a única força original e também o único dispêndio original que a economia humana administra.29 Podemos duvidar seriamente dessa [p.262] argumentação. A premissa em que ela se fundamenta será correta? Knies questiona firmemente a validade desta premissa, valendo-se, a meu ver, de bons argumentos.30 Além disso, ainda que a premissa fosse correta, a conclusão não o seria necessariamente: mesmo que o trabalho fosse a única força original administrada pela economia humana, não vejo por que esta economia teria que se limitar a administrar as “forças originais”. Por que não administraria, por exemplo, certos frutos daquela força original, ou mesmo o resultado de outras forças originais? Por que, por exemplo, não administraria o meteoro ou o ouro de que falamos? Ou as pedras preciosas encontradas por acaso, ou os depósitos naturais de carvão? Rodbertus tem uma concepção muito estreita da essência e dos motivos da economia humana. Diz, acertadamente, que “lidamos economicamente com a força original trabalho, já que, por ser limitado em tempo e medida, uma vez usado, o trabalho se gasta, transformando-se, por fim, em privação de nossa liberdade”. Mas estas são apenas razões intermediárias: não são a razão última de nosso comportamento econômico. No fundo, agüentamos o trabalho limitado e cansativo porque, se tivéssemos um comportamento não-econômico em relação a ele, nosso bem-estar sofreria. E é exatamente este mesmo motivo que nos leva a administrar todas as outras coisas úteis que, por existirem em quantidade limitada, não podemos perder ou dispensar sem sacrifício de nosso bem-estar, seja uma força original ou não, tenha ou não custado a força original “trabalho”.

Por fim, a posição de Rodbertus torna-se totalmente insustentável quando ele acrescenta que devemos encarar os bens apenas como produtos de trabalho manual. Essa afirmação, que exclui da atividade econômica produtiva, entre outras, até mesmo a orientação intelectual direta do trabalho de produção, leva a uma série de contradições internas e conclusões erradas, que comprovam, sem dúvida alguma, a falsidade dessa tese. Essas contradições foram atacadas por Knies de maneira tão irrefutável que seria uma repetição supérflua de minha parte voltar a esse assunto.31

Assim, ao armar seu primeiro princípio fundamental, Rodbertus já contradiz a verdade. Para ser inteiramente justo, devo fazer aqui uma concessão, que Knies não pôde fazer do ponto de vista da teoria do uso, que estava defendendo: a objeção àquele princípio fundamental não atinge toda a teoria do juro de Rodbertus. Aquele seu princípio é falso [p. 263] não porque ele interpreta mal a contribuição do capital, mas, sim, porque interpreta mal a colaboração da natureza na criação de bens. Creio, como Rodbertus, que, considerando a seqüência das fases de produção como um todo, o capital não terá lugar independente nos custos da produção. Afinal, o capital não é exclusivamente “trabalho prévio”, como diz Rodbertus, mas é, em parte, “trabalho prévio” e, em parte, valiosa força natural armazenada. Onde esta força natural se retrai – por exemplo, numa produção que, em todas as fases, emprega apenas ou dádivas naturais e trabalhos espontâneos, ou produtos surgidos unicamente disso – então efetivamente se pode dizer, com Rodbertus, que do ponto de vista econômico tais bens são apenas produto do trabalho. Por conseguinte, uma vez que o erro fundamental de Rodbertus se relaciona não com o papel do capital e sim com o da natureza, também as conclusões que ele tira a respeito do ganho de capital têm de ser erradas. Só poderemos considerar sua doutrina falsa se, no prosseguimento de sua apresentação, aparecerem erros graves. E eles aparecerão.

Para não extrair dividendos indevidos do primeiro engano de Rodbertus, organizarei minhas pressuposições no resto da presente análise de modo a eliminar totalmente as conseqüências desse engano. Vou supor que todos os bens são criados unicamente por uma colaboração entre o trabalho e as forças livres da natureza, com a ajuda exclusiva daqueles elementos de capital que surgiram, eles próprios, apenas da colaboração entre o trabalho e as forças naturais livres, sem a intervenção de dons naturais com valor de troca. Considerando essa premissa limitadora, eu também posso aceitar aquele princípio fundamental de Rodbertus, de que os bens encarados economicamente custam somente trabalho. Vamos adiante.

14. Segundo grande erro de Rodbertus: negligenciar a influência do tempo sobre o valor

A tese seguinte de Rodbertus diz que, segundo a natureza e o direito, o produto que o trabalhador produziu sozinho – ou todo o valor desse produto, sem deduções – deve pertencer unicamente a ele. Concordo plenamente com essa tese; contra ela, dentro da limitação que estipulei acima, não se pode levantar qualquer objeção em termos de correção e de justeza. Mas creio que Rodbertus, como todos os socialistas, tem uma concepção falsa de como se concretizaria esse princípio realmente justo. Enganados por essa concepção, desejam uma situação que, além de não corresponder àquele princípio, até o contraria. Como, singularmente, nas tantas tentativas de refutar a teoria da exploração, ou raramente se tem tocado nesse ponto, ou, quando ele é levado em consideração, isto é feito de maneira muito superficial, permito-me solicitar ao leitor muita atenção para a exposição que se segue, principalmente por causa de sua complexidade.

Quero, primeiramente, apontar o erro que critico para depois elucidá-lo. O princípio correto de que o trabalhador deve receber todo [p. 264] o valor de seu produto pode ser interpretado, sensatamente, da seguinte maneira: o trabalhador deve receber agora o valor atual do seu produto. Ou, ainda: o trabalhador deve receber no futuro todo o valor futuro do seu trabalho. Acontece que Rodbertus e os socialistas explicam que o trabalhador deve receber agora o valor futuro do seu produto, e agem como se isso fosse coisa evidente, como se fosse a única interpretação possível desse princípio.

Ilustremos a questão com um exemplo concreto. Imaginemos que a produção de um bem, por exemplo uma máquina a vapor, custe cinco anos de trabalho, e o valor de troca da máquina pronta seja de 5.500 dólares. Imaginemos, também – sem levar em conta, por enquanto, a divisão do trabalho entre várias pessoas – que um trabalhador sozinho tenha construído a máquina com trabalho continuado de cinco anos. Perguntaremos, então, o que lhe é devido como salário, com base no princípio de que ao trabalhador deve pertencer ou todo o seu produto, ou todo o valor do seu produto. Não pode haver, em nenhum momento, qualquer sombra de dúvida em relação à resposta: ele deve receber ou a máquina a vapor inteira ou todos os 5.500 dólares. Mas quando? Também quanto a isso não pode haver nenhuma dúvida: obviamente, depois de transcorridos os cinco anos. Isto porque, pelas leis naturais, ele não pode receber a máquina a vapor antes que ela exista, nem o valor por ele produzido de 5.500 dólares antes que esse valor tenha sido criado. Nesse caso o trabalhador receberá seu salário segundo a fórmula: todo o produto futuro, ou todo o seu valor futuro, num determinado momento futuro.

Mas acontece muitas vezes que o trabalhador não pode esperar – ou não o deseja – seu produto estar inteiramente pronto. Nosso trabalhador deseja, por exemplo, receber: logo depois de um ano, parte do pagamento. Surge, então, a pergunta: como, de acordo com o princípio acima, se fará para medir esta parte? Creio que, também aí, não cabe qualquer dúvida: será justo para com o trabalhador que ele receba o todo que trabalhou até então. Portanto, se até então ele tiver criado um monte de bronze, ferro ou aço não concluído, será justo para com ele entregar-lhe ou esse monte inteiro de bronze, ferro ou aço, ou todo o valor desse monte de matéria, naturalmente seu valor atual. Creio que nenhum socialista poderá fazer qualquer crítica a essa decisão.

Qual será, no entanto, o valor desta parte do trabalho em relação ao valor da máquina pronta? Este é um ponto em que um pensador superficial pode errar facilmente. O trabalhador executou até agora um quinto do trabalho técnico exigido para a criação da máquina inteira [p. 265]. Conseqüentemente – somos tentados a concluir num pensamento superficial – seu produto atual será um quinto do valor do produto inteiro, o que corresponde, portanto, a 1.100 dólares. Conclui-se, então, que o trabalhador deve receber um salário anual de 1.100 dólares.

Errado: a quantia de 1.100 dólares corresponde a um quinto do valor de uma máquina a vapor pronta, atualmente; mas o que o trabalhador produziu até aqui não é um quinto de uma máquina pronta, e sim um quinto de uma máquina que só estará pronta em quatro anos. E isso são duas coisas diferentes. Não se trata apenas de um jogo de palavras, de um sofisma: objetivamente, são duas coisas distintas.

O primeiro quinto tem um valor diferente do do último quinto, da mesma forma que uma máquina completa tem, hoje, um valor diferente do de uma máquina que só estará disponível dentro de mais quatro anos. Isto é tão certo quanto o fato de que todos os bens hoje existentes têm um valor diferente daquele que têm os bens futuros.

Uma das mais difundidas e importantes realidades econômicas é esta: numa avaliação presente, atribui-se aos bens presentes um valor mais elevado do que o de futuros bens da mesma espécie e qualidade. As causas desse fato, suas diversas modalidades de manifestação, as também variadas conseqüências a que ele leva na economia, serão objeto de uma análise detida que farei no segundo volume desta obra.* Estas análises não serão tão fáceis e simples como parece prometer a simplicidade desse pensamento fundamental. Mas, mesmo antes de completada essa análise detalhada, creio poder lembrar o fato de que bens atuais têm um valor mais elevado do que bens futuros da mesma espécie. Isto porque a própria existência deste bem, em si mesma, graças à mais simples experiência da vida cotidiana, deixa de ser duvidosa. Faça-se 1.000 [p. 266] pessoas escolherem entre receber um presente de 1.000 dólares daqui a 50 anos ou recebê-lo hoje, e todas as 1.000 preferirão receber logo os 1.000 dólares. Ou, então, pergunte-se a outras 1.000 pessoas que precisem de um bom cavalo e estejam inclinadas a dar 200 dólares por um bom animal quanto dariam hoje por um cavalo que fosse também muito bom, mas que elas só receberiam dentro de 10 ou 50 anos. Todas ofereciam uma quantia infinitamente pequena. Isto mostra que quem lida com conceitos de economia sempre valoriza mais os bens presentes do que os mesmos bens futuros.

Dessa forma, a parte daquela máquina a vapor – máquina que ficará pronta em mais quatro anos – , que nosso trabalhador obteve com um ano de trabalho, não tem o valor total de um quinto da máquina acabada; seu valor é mais baixo. Em quanto? Não posso dizer ainda, sem fazer uma antecipação que poderá confundir o leitor. Basta observar que a importância representada por essa diferença se relaciona com a porcentagem de juro vigente no país, bem como com o tempo que falta para chegar ao momento em que o produto ficará pronto. Se eu presumir um juro de 5% , o produto do primeiro ano de trabalho custará, ao cabo desse ano, mais ou menos 1.000 dólares.32 Assim, o salário que o trabalhador deve receber pelo primeiro ano de trabalho será – com base no axioma de que deve receber ou seu produto inteiro ou o valor deste – de 1.000 dólares.33

Se, apesar das conclusões a que chegamos acima, ainda ficar a impressão de que este valor é baixo, é preciso pensar no seguinte: ninguém pode ter dúvidas de que o trabalhador não estará sendo prejudicado se, depois de cinco anos, receber a máquina a vapor inteira, ou o seu valor inteiro, de 5.500 dólares. Para efeito de comparação, vamos calcular também o valor que terá a parcela antecipada de salário no fim do quinto ano. Como os 1.000 dólares recebidos no fim do primeiro ano ainda podem ser postos a juros por mais quatro anos, eles devem ser multiplicados, numa porcentagem de 5%, perfazendo mais 200 dólares (sem juro composto). Como esta aplicação está aberta também ao trabalhador, os 1.000 dólares recebidos pelo trabalhador no fim do primeiro ano equivalem [p.267] a 1.200 dólares ao fim do quinto ano. Assim, se o trabalhador recebeu, depois de um ano, por um quinto do trabalho técnico, a quantia de 1.000 dólares, obviamente foi recompensado com base em um critério mais favorável a ele, uma vez que, se recebesse pelo todo, depois de cinco anos, só teria 5.500 dólares.

Como imaginam Rodbertus e os socialistas que se deva cumprir o princípio segundo o qual o trabalhador deve receber todo o valor do seu produto? Eles querem que o valor total que o produto pronto vá ter ao fim do trabalho seja a base dos pagamentos de salários, mas não somente quando concluída a produção: querem que o seja, parceladamente, já durante o decorrer do trabalho. Imagine-se o que representa isso. Representa, em nosso exemplo, que o trabalhador já receberia – com base na média dos pagamentos parcelados – depois de dois anos e meio, o total de 5.500 dólares, total este que a máquina a vapor só vai valer depois de cinco anos, quando pronta. Devo admitir que considero totalmente impossível basear essa exigência naquela premissa. Como se pode justificar, segundo a natureza e o direito, que alguém receba já depois de dois anos e meio um total que terá produzido ao cabo de cinco anos? Isso é tão pouco “natural” que nem ao menos é exeqüível. Não será exeqüível nem se livrarmos o trabalhador de todas as algemas do tão censurado contrato de trabalho, colocando-o na posição pretensamente privilegiada de empresário. Como trabalhador-empresário, ele realmente receberá todos os 5.500 dólares, mas não antes de os ter produzido, não antes dos cinco anos. E como se fará, por contrato de trabalho e em nome do direito, aquilo que a natureza das coisas recusa ao próprio empresário? O que os socialistas desejam é, usando das palavras certas, que os trabalhadores recebam através do contrato de trabalho mais do que trabalharam, mais do que receberiam se fossem empresários, mais do que produzem para o empresário com quem firmaram contrato de trabalho. O que eles produziram – e ao que têm direito justo – são 5,500 dólares depois de cinco anos. Mas 5.500 dólares depois de dois anos e meio, que é o que exigem, é mais que isso, chega a corresponder a cerca de 6.200 dólares depois de cinco anos, a um juro de 5% . Essa valorização relativa não resulta de instituições sociais duvidosas que criaram o juro e o fixaram em 5% , mas é resultado direto do fato de que nossa vida transcorre no tempo, de que o hoje, com suas necessidades e preocupações, vem antes do amanhã, e de que talvez nem cheguemos a ver o depois-de-amanhã. Não apenas os capitalistas ambiciosos, como também cada trabalhador, cada ser humano aliás, faz essa diferença de valor entre presente e futuro. Estaria certo o trabalhador que se queixasse de estar sendo logrado se, ao invés dos dez dólares que lhe devessem como salário semanal hoje, lhe oferecessem 10 dólares em um ano! E o que é relevante para o trabalhador, por acaso deveria ser irrelevante para o empresário? É possível querer que ele dê 5.500 depois de dois anos e meio, em troca de 5.500 que só depois de cinco anos receberá na forma do produto acabado? Isso não é justo, nem natural! Justo e natural, admito novamente com boa-vontade, é que o trabalhador ganhe todos os 5.500 dólares depois de cinco anos. Se ele não pode, ou não quer esperar cinco anos, mesmo assim deverá receber o valor total do seu produto; mas, naturalmente, o valor atual do seu produto atual. Esse valor terá de ser menor do que a cota do futuro valor do produto correspondente ao trabalho técnico, porque na economia impera a lei de que o valor atual de bens futuros é menor do que aquele de bens presentes; lei que não nasceu de nenhuma instituição pública ou social, mas diretamente da natureza dos homens e das coisas.

Se há alguma desculpa para ser prolixo, creio que ela caiba aqui, neste espaço onde se questiona uma doutrina de conseqüências tão graves como a doutrina socialista da exploração. Por isso, correndo o risco de entediar os meus leitores, desejo apresentar um segundo caso concreto, que, espero, me dará oportunidade de provar, de modo ainda mais convincente, o erro dos socialistas.

15. Böhm-Bawerk dá exemplo de cinco socialistas que construíram uma máquina a vapor e receberam pagamento desigual mas justo

Em nosso primeiro exemplo abstraí o fator divisão de trabalho. Agora, farei uma mudança nas circunstâncias, aproximando-as mais da realidade da vida econômica. Vamos, pois, presumir que cinco trabalhadores participaram na feitura dessa máquina, cada um deles contribuindo com um ano de trabalho. Talvez um dos trabalhadores extraísse da mina o minério necessário, o segundo preparasse o ferro, o terceiro o transformasse em aço, o quarto fabricasse com o aço as peças necessárias, e o quinto, por fim, as organizasse devidamente e desse a última demão no trabalho. Como cada trabalhador, peIa natureza do processo, só pode começar quando o anterior tiver concluído seu trabalho, os cinco anos de trabalho de nossos homens não seriam simultâneos, mas subseqüentes. Portanto, como no primeiro exemplo, a produção da máquina demoraria cinco anos. O valor da máquina pronta continua sendo 5.500 dólares. Segundo o princípio de que o trabalhador deve receber todo o valor do produto de seu trabalho, quanto poderá exigir cada um dos cinco participantes pelo que realizou?

Solucionemos primeiro o problema considerando o caso de os salários se dividirem entre os trabalhadores, sem intervenção de um empresário: o produto obtido será simplesmente dividido entre os cinco. Nesse caso, duas coisas são certas: primeiro, que a divisão só poderá ocorrer depois de cinco anos, porque antes não existirá nada adequado para se dividir; se quiséssemos, por exemplo, usar o minério e o ferro [p. 268] obtidos nos dois primeiros anos como pagamento de cada um, faltaria matéria-prima para a continuação da obra. É claro que o produto prévio conseguido nos primeiros anos tem de ser necessariamente isento de qualquer divisão, ficando preso à produção até o fim. Segundo, é certo que um valor total de 5.500 dólares terá de ser dividido entre cinco trabalhadores.

Mas, em que proporção?

Esta divisão não deveria, certamente, ser feita em partes iguais, como se poderia pensar numa primeira visão superficial: isso favoreceria grandemente os trabalhadores que fizessem seu trabalho num estágio mais avançado da produção. A pessoa que trabalhasse no acabamento da máquina receberia pelo seu ano de trabalho os 1.100 dólares imediatamente depois de terminar seu trabalho. O que tivesse produzido as peças receberia a mesma quantia, mas teria tido de esperar um ano inteiro para receber seu salário. O que tivesse extraído o minério receberia o mesmo pagamento quatro anos depois de trabalhar. Como é impossível que tal atraso não fizesse diferença para os trabalhadores, todos iriam querer executar o trabalho final, cujo pagamento não sofreria atraso algum, e ninguém iria querer assumir os trabalhos preparatórios.

Para encontrar quem os executasse, os trabalhadores das fases finais seriam forçados a ceder aos colegas que os antecedessem uma recompensa pelo atraso, na forma de uma participação maior no valor final do produto. O montante dessa diferença dependeria em parte da demora do atraso, em parte da diferença que existe entre a valorização de bens presentes e a de bens futuros, de acordo com as condições econômicas e culturais de nossa pequena sociedade. Se essa diferença for, por exemplo, 5% , as partes dos cinco trabalhadores ficariam assim distribuídas: O primeiro trabalhador, que tem de esperar mais quatro anos depois de concluído seu trabalho, receberá ao fim

do quinto ano. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.200 
o segundo, que esperará três anos.. . . . . . . . . . . . . 1.150 
o terceiro, que esperará dois anos. . . . . . . . . . . . .. 1.100 
o quarto, que esperará um ano. . . . . . . . . .. . . . . .. 1.050 
o último, que receberá o salário logo
depois de concluído seu trabalho . . . . . . . . . . . . . .1.000 
Total 5.500

Só se poderia imaginar todos os trabalhadores recebendo o mesmo salário de 1.100 a partir do pressuposto de que a diferença de tempo não tivesse para eles qualquer importância, de que se satisfizessem com 1.100 dólares recebidos três ou quatro anos depois, considerando-se [p. 269] tão bem pagos como se recebessem esta quantia logo depois da conclusão do trabalho. Não creio ser necessário dizer que essa pressuposição nunca é correta, nem pode ser. Por outro lado, é totalmente impossível que cada um receba 1.100 dólares imediatamente depois de executado o trabalho, a não ser com a intromissão de uma terceira parte.

Talvez valha a pena, de passagem, chamar atenção para uma circunstância especial. Não creio que alguém julgue injusto o esquema de distribuição feito acima; não é, também, o caso de se poder falar em injustiça do empresário, pois os trabalhadores dividiram seu produto unicamente entre eles. Mesmo assim, aquele trabalhador que executou o penúltimo trabalho não receberá um quinto completo do valor final do produto, mas apenas 1.050 dólares, e o último trabalhador receberá, ao cabo, apenas 1.000.

Vamos presumir, agora, o que em geral acontece na realidade: que os trabalhadores não podem ou não querem esperar o fim do trabalho todo para receberem seu salário, e que façam um acordo com o empresário, para obterem dele, no fim do seu trabalho, um salário em troca do qual ele, o empresário, será dono do produto final. Vamos fazer mais: vamos imaginar que esse empresário é um homem justo e desprendido, que jamais se aproveitaria de uma situação difícil dos trabalhadores para baixar com usura o salário deles. Indaguemos, agora: em que condições se fará tal contrato de salário, numa situação dessas?

Pergunta bastante fácil de responder. Obviamente os trabalhadores terão tratamento justo, se o empresário lhes oferecer como salário o mesmo que teriam recebido como cota no caso de uma produção independente. Esse princípio nos fornece um critério fixo para aquele trabalhador que, no nosso exemplo, teria recebido 1.000 dólares logo depois de cumprir seu trabalho. Para ser inteiramente justo, é essa a quantia que o empresário deverá oferecer-lhe. Para os outros quatro trabalhadores, no entanto, o princípio acima fixado não fornecerá nenhum critério direto. Como o momento de pagar no caso do nosso exemplo será diferente do momento de pagar se ocorresse uma distribuição de cotas, não nos podemos valer das cifras dessa distribuição como padrão. Mas temos outro critério fixo: como os cinco trabalhadores realizaram o mesmo para seu trabalho, merecem, com justiça, o mesmo salário; e este se expressará numa cifra igual, agora que cada trabalhador será pago imediatamente após seu trabalho. Portanto, de maneira justa, todos os cinco trabalhadores receberão 1.000 dólares cada um ao fim do seu ano de trabalho.

Se alguém pensar que é muito pouco, dar-lhe-ei o seguinte exemplo bastante fácil, que provará que os trabalhadores recebem exatamente o mesmo valor que receberiam numa distribuição – absolutamente justa – do produto inteiro entre eles. O trabalhador nº 5 recebe, no caso [p. 270] de uma distribuição, 1.000 dólares logo no fim do seu ano de serviço e, no caso de um contrato de salário, a mesma quantia no mesmo tempo. O trabalhador no 4 recebe, no caso de distribuição, 1.050 dólares, um ano depois de concluído seu ano de trabalho; tratando-se de contrato de salário, receberia 1.000 imediatamente depois do ano de trabalho. Se durante um ano colocar essa quantia a juros, estará exatamente na mesma situação em que estaria no caso de uma distribuição de cotas: terá 1.050 dólares um ano depois de concluir seu trabalho. O trabalhador no 3 recebe, com a distribuição de cotas, 1.100 dólares dois anos depois de terminar seu trabalho; no caso de um contrato de salário, os 1.000 que receberia imediatamente, a juros, cresceriam para 1.100 dólares no mesmo período. E, assim, finalmente, os 1.000 dólares que os trabalhadores 1 e 2 recebem, com o acréscimo dos juros, completarão perfeitamente os 1.200 e 1.150 dólares que teriam recebido em caso de distribuição de cotas, quatro e três anos depois de concluído seu serviço. Mas se cada salário se equipara à cota de distribuição equivalente, naturalmente a soma dos salários deve equiparar-se à soma de todas as cotas: a soma de 5.000 dólares, que o empresário paga a seus trabalhadores diretamente depois de executarem seu trabalho, vale exatamente o mesmo que os 5.500 dólares que poderiam ser repartidos entre os trabalhadores, ao fim de cinco anos.34

Um pagamento maior, por exemplo um salário, pelo trabalho anual, de 1.100 dólares cada um, só seria imaginável ou se o que faz diferença para os trabalhadores, ou seja, defasagem de tempo, fosse totalmente indiferente para o empresário, ou se o empresário quisesse presentear aos trabalhadores a diferença de valor entre os 1.100 dólares presentes e futuros.

Via de regra não se deve esperar nem uma coisa nem outra de empresários privados, e não os devemos, por isso, criticar, nem muito menos dizer que cometem exploração, injustiça ou roubo. Existe só uma pessoa de quem os trabalhadores podem esperar, como regra, aquele comportamento: o Estado. Este, como entidade permanente que é, não precisa ligar tanto para a diferença de tempo entre o fornecimento e o pagamento de bens quanto os indivíduos, que têm uma existência breve. O Estado – cujo objetivo mais importante é o bem-estar de todos os seus membros -, quando se trata de um bom número destes membros, pode abandonar sua postura rígida de pagar contra fornecimento e presentear em lugar de negociar. Assim, seria concebível que o Estado, e só ele, aparecendo como um gigantesco empresário da produção, oferecesse aos trabalhadores, assim que o trabalho destes terminasse, o futuro valor total do seu futuro produto, em forma de salário. Se o Estado deve fazer isso – resolvendo praticamente a questão social, em termos de socialismo -, é um problema de oportunidade, que não abordarei mais minuciosamente aqui. Repito, porém, com toda a ênfase: se o Estado socialista paga aos trabalhadores como salário, agora, todo o valor futuro do seu produto [p. 271], isso não é o cumprimento de algum acordo mas, por motivos político-sociais, um desvio do princípio básico de que o trabalhador deve receber, como salário, o valor do seu produto. Portanto, não se trata da restauração de uma condição que, por natureza ou por direito, foi violada pela ambição dos capitalistas; trata-se, sim, de um gesto artificial, a partir do qual algo que não seria exeqüível no curso natural das coisas torna-se possível. E isso acontece através de um disfarçado presente dessa generosa entidade chamada Estado aos seus membros mais pobres.

Agora, uma breve explicação prática. Reconhece-se facilmente que a situação de pagamento que descrevi por último é a que efetivamente acontece em nossa economia: esse sistema não distribui, como salário, o valor pleno do produto do trabalho, distribui uma quantia menor, porém o faz mais cedo. Na medida em que a soma total do salário, distribuída em parcelas, só é menor do que o valor final do produto final naquilo que é necessário para se manter a diferença entre bens presentes e futuros – em outras palavras, quando a cifra do salário só for menor do que o valor final do produto segundo os juros vigentes -, os trabalhadores não terão redução alguma de seus direitos ao valor total do seu produto. Receberão o produto inteiro, de acordo com sua valorização no momento em que receberem o salário. Só quando a diferença entre o salário total e o valor do produto final perfizer uma cifra superior à dos juros vigentes, é que se poderá falar, em certas circunstâncias, numa verdadeira exploração dos trabalhadores.35

Voltemos a Rodbertus. O segundo erro decisivo de que o acusei nas últimas páginas reside justamente no fato de ele interpretar de modo injusto e ilógico o princípio de que o trabalhador deve receber agora todo o valor que seu produto acabado terá um dia.

16. Terceiro erro de Rodbertus: o valor da troca de bens é determinado pela quantidade de trabalho neles contida

Se examinarmos o porquê de Rodbertus ter caído nesse segundo erro, encontraremos um outro erro, um, terceiro erro importante que vejo em sua teoria da exploração. E que ele parte da pressuposição de que o valor dos bens depende exclusivamente da quantidade de trabalho exigida para a sua produção. Se isso fosse correto, o pré-produto, ao qual se acrescentou um ano de trabalho, deveria passar a valer um quinto pleno do valor do produto acabado, para o qual foram necessários cinco anos de trabalho. E, nesse caso, a exigência de que o trabalhador [p. 272] deva receber já agora um quinto pleno daquele valor como salário seria justa.

17. Como Rodbertus, através de uma omissão, realmente deturpa os pontos de vista de Ricardo

Da maneira como Rodbertus apresenta aquela pressuposição, ela é indubitavelmente falsa. Para provar isso, nem é preciso desacreditar a famosa lei de valor de Ricardo, de que o trabalho é fonte e medida de todo valor. Basta chamar atenção para a existência de uma importante exceção à essa lei, que o próprio Ricardo registra conscienciosamente e comenta amplamente em certa, passagem, e que Rodbertus, singularmente, não percebe. É fato de que, de dois bens cuja produção custou o mesmo trabalho, aquele cujo acabamento exigiu maior quantidade de trabalho preparatório, ou mais tempo, adquire maior valor de troca. Ricardo nota esse fato de maneira singular. Ele afirma (seção IV do Capítulo I de seus PrincipIes) que “o princípio de que a quantidade de trabalho aplicado à produção de bens determina o valor relativo desses bens sofre uma importante modificação através do emprego de máquinas e de outro capital fixo e durável” . Mais adiante (Seção V): “através da duração desigual do capital e da velocidade desigual com que este retoma ao seu dono”. Então, aqueles bens em cuja produção se emprega muito capital fixo, ou capital fixo de longa duração, ou aqueles para os quais o período de retomo do capital líquido ao dono for maior, terão valor de troca mais alto do que bens que custaram imediatamente muito trabalho, mas que ou não são atingidos pelas circunstâncias referidas, ou o são apenas em grau muito reduzido. Esse valor de troca mais alto dependerá do ganho de capital exigido pelo empresário.

Nem os mais ardorosos defensores da lei do valor do trabalho podem duvidar de que essa exceção existe. Nem devem duvidar de que, em certas circunstâncias, o fator distância no tempo tenha até maior influência no valor dos bens do que a quantidade de trabalho aplicada. Lembro, por exemplo, o valor de um vinho antigo armazenado por decênios, ou o de um tronco centenário na floresta.

Mas essa exceção tem ainda outro aspecto especial. Não é preciso ser muito arguto para notar que nela reside a essência do juro de capital original: o superávit do valor de troca daqueles bens cuja produção exige determinado trabalho prévio é aquilo que fica nas mãos do empresário capitalista como ganho de capital na distribuição do valor do produto. Se essa diferença de valor não existisse, também o juro de capital original não existiria. Essa diferença de valor possibilita que este juro exista e perdure, e é idêntica a ele. Nada é mais fácil de ilustrar do que isso – se é que um fato tão evidente [p. 273] precise ser comprovado. Vamos presumir três bens que, apesar de exigirem um ano de trabalho cada um para serem produzidos, implicam uma duração diferente de trabalho prévio; o primeiro necessitaria só um ano, o segundo dez anos, o terceiro vinte anos de trabalho prévio para poder realizar esse ano de trabalho. Nessas condições, o valor de troca do primeiro bem precisa cobrir o salário de um ano de trabalho, mais o juro de um ano de trabalho prévio. Mas é evidente que o mesmo valor de troca não pode cobrir o salário de um ano de trabalho, mais os juros de dez ou vinte anos de trabalho prévio. Isso só poderia acontecer se os valores de troca do segundo e do terceiro bem fossem proporcionalmente mais elevados do que o valor de troca do primeiro, embora os três tenham exigido trabalho igual. E a diferença no valor de troca é claramente a fonte de onde o juro de capital de dez e vinte anos brota – e deve brotar.

18. O que Ricardo apresenta apenas como apenas como “exceção” devia ter sido sua principal explicação para o juro. Rodbertus foi demasiadamente “pobre” e sem acuidade como leitor de Ricardo

A exceção da lei de valor do trabalho apresentada por Ricardo tem a importância de ser idêntica ao principal exemplo de juro de capital original. A pessoa que quiser explicar a exceção terá, logo de início, de explicar o exemplo, e vice-versa. Sem a explicação daquela exceção, não há explicação para o problema do juro. No entanto, a exceção de que falamos é ignorada – para não dizer rejeitada – em ensaios cujo objeto é exatamente o juro de capital, o que nos coloca diante de um erro muito grave. No caso de Rodbertus, ignorar aquela exceção significou ignorar o ponto principal daquilo que lhe cabia explicar.

Não se pode desculpar esse erro dizendo que Rodbertus não pretendia levantar uma regra válida para a vida real, mas apenas uma hipótese para facilitar análises abstratas. Em algumas passagens de seus escritos, Rodbertus apresenta em forma de mera pressuposição o princípio de que todo valor dos bens é determinado pelo custo do trabalho. Mas, por um lado, há passagens em que ele demonstra estar certo de que sua regra de valor também vale para a vida econômica real. Por outro lado, mesmo em forma de mera suposição, uma pessoa não pode aceitar o que bem entender. Igualmente, mesmo numa pura hipótese, só se pode abstrair condições reais irrelevantes para o problema analisado. O que dizer, porém, quando, no ponto crucial de uma análise teórica sobre juro de capital, se abstrai o mais importante exemplo de juro de capital?! Quando a melhor parte do que deve ser explicado fica escamoteada “por pressuposição”?!

Rodbertus tem razão ao dizer que, quando se deseja verificar um princípio como o da renda de terra ou juro de capital, não se pode “fazer o valor subir e descer como numa dança”, mas que se deve supor uma regra sólida de valor. O fato de que bens com diferença temporal [p. 274] maior entre custo de trabalho e acabamento caeteris paribus* têm valor maior, não é também uma sólida regra de valor? E essa regra de valor não é também de fundamental importância para o surgimento do juro de capital? Mesmo assim deveríamos abstrair dela como se ela fosse um fenômeno casual nas condições de mercado?!

As conseqüências dessa singular abstração não se fizeram esperar. Uma primeira conseqüência já foi comentada por mim: ignorando a influência do tempo no valor do produto, Rodbertus cometeu o erro de confundir o direito do trabalhador a todo o valor presente do seu produto com o direito ao valor futuro do mesmo produto. Veremos, logo a seguir, outras conseqüências.

19. Quarto erro de Rodbertus: sua doutrina é contrária em questões importantes. Sua lei da tendência geral de equalização de todo o superávit contradiz importantes pontos de sua teoria do juro em geral, e de sua teoria do juro de terras em particular

Uma quarta acusação que levanto contra Rodbertus é a de que sua doutrina contradiz a si mesma em pontos importantes.

Toda a teoria de renda de terras de Rodbertus se fundamenta no princípio – que ele, repetida e enfaticamente, afirma – de que o montante absoluto de “renda” que se pode obter num produto não depende do montante do capital empregado, mas unicamente da quantidade de trabalho aplicado. Supondo que numa determinada produção industrial – por exemplo, numa indústria de calçados – estejam ocupados dez trabalhadores e que cada trabalhador produza num ano um produto de valor equivalente a 1.000 dólares. O sustento mínimo – que ele recebe como salário – retira 500 dólares deste montante. Deste modo, seja qual for a quantidade de capital empregado, a renda anual do empresário será de 5.000 dólares. Caso o capital empregado seja de 10.000 dólares – com 5.000 em salários e 5.000 de material -, a renda constituirá 50% do capital. Imaginemos que numa outra produção, digamos, de objetos de ouro, também se ocupem dez trabalhadores. Suponhamos, também, que o valor do que esses trabalhadores produzem depende da quantidade de trabalho neles empregado: num produto anual de 1.000 dólares cada um, a metade fica para eles como salário, a outra metade fica para o empresário como renda. Mas como o material ouro representa um valor de capital muito mais alto do que o couro de sapateiro, nesse exemplo a renda total de 5.000 dólares advirá de um capital muito maior. Imaginemos que ele será de 200.000 dólares, dos quais 5.000 serão de salários e 195.000 de investimento em material. A renda de 5.000 dólares será, então, equivalente a um juro de apenas 2,5% do capital do negócio. Os dois exemplos estão inteiramente dentro do espírito da teoria de Rodbertus. Por outro lado, se em quase toda a “manufatura” existe outra relação entre o número de trabalhadores (direta ou indiretamente) ocupados e a magnitude do capital empregado, pode-se concluir, também, que, em quase todas as manufaturas, o capital deveria render juros [p. 275] em porcentagens diversas, com limites muito amplos. No entanto, nem o próprio Rodbertus se atreve a afirmar que isso realmente acontece na prática. Ao contrário, num trecho singular da sua teoria sobre a renda da terra, ele pressupõe que, devido à concorrência dos capitais, haverá em todo o campo da manufatura uma porcentagem igual de ganho. Apresentarei essa passagem textualmente. Depois de comentar que a renda advinda da manufatura é considerada inteiramente um ganho de capital, já que nela se aplicam somente bens de capital, ele prossegue:

“Há, além disso, uma porcentagem de ganho de capital que agirá como equiparadora dos ganhos de capital. Por isso, também sobre o capital necessário à agricultura se deve calcular, segundo esta porcentagem equiparadora, o ganho de capital referente àquela parte da renda que recai sobre o produto bruto. Se, como resultado do valor de troca estabelecido, agora existe um critério uniforme para expressar a relação entre rendimento e capital, esse mesmo critério serve, quando se trata da parcela da renda que recai sobre o produto da manufatura, para expressar a relação entre ganho e capital. Em outras palavras, poderemos dizer que o ganho numa indústria equivale a X por cento do capital aplicado. Então, a porcentagem de ganho de capital dará o critério para a equiparação dos ganhos de capital. Naquelas indústrias em que essa porcentagem de ganho de capital acusar ganhos maiores, a concorrência providenciará maior aplicação de capital, provocando, assim, um esforço geral no sentido da equiparação dos ganhos. Por isso, ninguém aplicará capital onde não puder esperar ganhos segundo essa porcentagem.”

Vale a pena examinar melhor essa passagem.

Rodbertus aponta a concorrência como fator que garantirá uma porcentagem uniforme de ganho no campo da manufatura. E comenta isso brevemente. Pressupõe que qualquer porcentagem de ganho acima da média baixará ao nível médio em decorrência de um aumento da aplicação de capital. Podemos deduzir, então, que qualquer porcentagem de ganho mais baixa será erguida ao nível médio pela dispersão de capitais.

Levemos adiante nosso exame dos fatos, pois Rodbertus interrompe bruscamente o seu. De que modo uma maior aplicação de capital pode nivelar uma porcentagem de ganho anormalmente alta? Obviamente isso só acontece porque, com o capital aumentado, a produção do artigo em foco cresce, e em razão do crescimento da oferta o valor de troca do produto baixa tanto que, depois de descontados os salários, sobra como renda apenas a porcentagem de ganho comum. Em nosso exemplo da indústria de calçados, teríamos de imaginar da seguinte forma o nivelamento da porcentagem anormal de ganho de 50% para a porcentagem média de 5%: atraídas pelo ganho elevado de 50% , não só inúmeras pessoas retomarão a fabricação de sapatos, como também os atuais produtores de calçados aumentarão sua produção. Com isso, a oferta de calçados cresce [p. 276], e seu preço – seu valor de troca – baixa. Esse processo terá efeito até o ponto em que o valor de troca do produto anual de dez trabalhadores da indústria de calçados baixar de 10.000 dólares para 5.500. Assim, depois de descontar os salários necessários de 5.000 dólares, o empresário ficará com apenas 500 dólares de renda, que, repartidos num capital de 10.000 dólares, lhe darão o juro comum de 5%. Assim, o valor de troca dos calçados terá de se manter no ponto atingido para que o ganho nessa indústria não volte a crescer anormalmente, o que levaria à repetição do processo.

De maneira análoga, a porcentagem de ganho abaixo do normal de 2,5%, no nosso exemplo da manufatura de objetos de ouro, subirá para 5% . Este lucro insignificante restringirá a manufatura de ouro, reduzindo a oferta em produtos de ouro e aumentando. Conseqüentemente, seu valor de troca, até o ponto em que o produto de dez trabalhadores no ramo de ourivesaria atinja um valor de troca de 15.000 dólares. Aí, então, vão restar, depois da dedução dos salários necessários de 5.000 dólares, os 10.000 dólares de renda para o empresário, que equivalem ao juro costumeiro de 5% sobre o capital empregado, que era de 200.000 dólares. Com isso, chegou-se ao ponto de estabilização, no qual o valor de troca de objetos de ourivesaria poderá firmar-se duradouramente, como acima vimos acontecer com o valor dos calçados.

É um aspecto importante este de que o nivelamento de porcentagens anormais de ganhos não possa acontecer sem uma mudança duradoura no valor de troca dos produtos envolvidos. Antes de prosseguir, desejo tocar em outra faceta desta questão para que ela fique totalmente isenta de dúvidas. Se o valor de troca dos produtos não mudasse, uma porcentagem de ganho insuficiente só poderia voltar ao nível normal caso se cobrisse a diferença com o salário indispensável ao trabalhador Se, no nosso exemplo, o produto dos dez trabalhadores na manufatura de objetos de ouro se mantivesse com o valor imutável de 10.000 dólares – correspondente à quantidade de trabalho empregado -, um nivelamento da porcentagem de ganho de 5%, ou seja, um aumento do ganho de 5.000 para 10.000 dólares não seria possível senão com retirada total do salário de 500 dólares de cada trabalhador, ficando o produto inteiro como ganho para o capitalista. Abstraí aqui totalmente o fato de que essa suposição já é, em si, uma impossibilidade. Desejo apenas lembrar que ela contraria tanto a experiência quanto a própria teoria de Rodbertus. Contraria a experiência porque esta mostra que a limitação niveladora da oferta em um ramo de produção não tem, como efeito regular, a redução do salário, mas, sim, o aumento do preço do produto regular. Além do mais, essa suposição ignora que, nessas indústrias que exigem grande investimento de capital, o salário teria de ser bem mais baixo do que em outras. Por outro lado, pela experiência [p.277], também não comprova que a exigência de ganho maior seja repassada aos salários, e não aos preços dos produtos. Essa suposição contraria, ainda, a própria teoria de Rodbertus, que pressupõe que os trabalhadores recebem permanentemente como salário o custo mínimo de sua subsistência, regra fortemente infringida pelo nivelamento acima descrito.

Seria fácil, por outro lado, provar o contrário, ou seja, que só poderia haver uma diminuição dos ganhos exagerados com valor de produto inalterado, caso na indústria o salário dos trabalhadores fosse elevado a níveis acima do normal, o que também contradiz essa teoria de Rodbertus bem como a experiência. Estou certo de que descrevi o problema do nivelamento de ganhos conforme os fatos e conforme as pressuposições de Rodbertus, ao mostrar que o nivelamento de ganhos excessivos é obtido através de alterações, reduções ou aumentos do valor de troca dos produtos em questão.

No entanto, se admitimos que o produto anual de dez trabalhadores na indústria calçadista tem valor de troca de 5.500 dólares, e que o produto anual de dez trabalhadores em ourivesaria vale 15.000 dólares, como preconiza a equiparação de ganhos imaginada por Rodbertus, como fica a idéia desse mesmo Rodbertus, de que produtos se trocam com base no custo do trabalho? A contradição em que Rodbertus se envolveu é tão evidente quanto insolúvel. Ou os produtos realmente se trocam de maneira duradoura segundo o trabalho neles despendido, dependendo o montante da renda numa produção da quantidade de trabalho neles aplicado – e, neste caso, é impossível nivelar o ganho de capital – ; ou existe esse nivelamento – e , nesse caso, é impossível que os produtos continuem a ser trocados segundo o trabalho neles despendido, e que a quantidade de trabalho despendido seja o único fator a condicionar a soma da renda a ser obtida. Rodbertus teria notado essa contradição tão óbvia se, ao invés de se ater a uma frase superficial sobre o efeito nivelador da concorrência, tivesse pensado seriamente, por pouco que fosse, no fenômeno do nivelamento de superávit.

Mas não é só isso. Toda a explicação sobre a renda de terras – que em Rodbertus se liga tão intimamente à explicação do juro de capital – se baseia numa inconseqüência de tal modo evidente que só por [p. 278] uma distração quase inacreditável pode ter passado despercebida a este autor.

Só é possível uma das duas alternativas: ou acontece um nivelamento de ganhos de capital em função da concorrência, ou este nivelamento não acontece Admitamos que ele aconteça: qual seria a justificativa para o fato de Rodbertus presumir que o nivelamento, depois de atingir todo o terreno da manufatura, há de parar como que por encanto na fronteira da produção bruta? No caso da agricultura, que não permite um ganho mais elevado e atraente por que motivo não se deveria aplicar mais capital, por que não se aumentaria o cultivo buscando outros métodos melhorando a cultura até o ponto em que o valor dos produtos brutos se harmonizasse com o capital agrícola crescente passando a lhe conceder também a porcentagem habitual de ganhos? Se a “lei” de que a quantidade de renda não depende do gasto de capital, mas sim da quantidade de trabalho despendido não impediu o nivelamento da manufatura, por que impediria o da produção bruta? Onde fica então o constante superávit sobre a porcentagem habitual de ganhos, ou da renda sobre a terra?

Vejamos a outra alternativa: o nivelamento não acontece. Neste caso, não existe porcentagem de juros vigente e geral, e falta, também à agricultura, uma certa norma para a cifra que se pode calcular em “renda” como ganho de capital. Então faltará também, por fim uma fronteira entre ganho de capital e renda de terra Por isso, haja ou não haja equiparação de ganhos, em qualquer das duas alternativas, a teoria de renda sobre a terra, de Rodbertus, fica solta no ar. Portanto, são contradições sobre contradições, que ocorrem não em aspectos de somenos importância, mas nos princípios básicos da teoria!

20. Quinto erro de Rodbertus: o erro “geral” e espantoso que o incapacita de dar qualquer explicação sobre um aspecto importante do fenômeno do juro

Até aqui dirigi minha crítica contra detalhes da teoria de Rodbertus Quero concluir, analisando a teoria como um todo. Se a teoria for correta, ela deverá ser capaz de fornecer uma explicação satisfatória para o fenômeno do juro de capital, assim como ele aparece na vida econômica real, em todas as suas manifestações. Caso a teoria não dê conta disso, estará condenada: será falsa.

Posso garantir – e prová-lo, a seguir – que a teoria da exploração de Rodbertus até seria capaz, embora muito precariamente, de tomar inteligível o ganho de juros das parcelas de capital investidas nos salários de trabalho, mas, através dela, é absolutamente impossível explicar o ganho de juros daquelas parcelas de capital aplicadas em materiais de manufatura. Vejamos.

Um joalheiro que se dedica a fazer colares de pérolas manda cinco empregados enfiarem em cordões anualmente um milhão de dólares em pérolas legítimas, e vende os colares em média após um ano. Assim [p. 279], terá investido um capital de um milhão de dólares em pérolas, que, segundo a porcentagem normal de juros, lhe darão um ganho anual líquido de 50.000 dólares. Mas como se explica que o joalheiro tenha esse ganho em juros?

Rodbertus diz que o juro de capital é um ganho originado da exploração, nascido do roubo praticado contra salários justos e naturais. Salários de que trabalhadores? Dos cinco que selecionam pérolas e as enfiam em cordões? Não pode ser, pois, se alguém que roubasse parte dos salários justos de cinco trabalhadores pudesse ganhar 50.000 dólares, o salário justo deles deveria ser de mais de 50.000 dólares, ou seja, deveria ser superior a 10.000 dólares por cada homem – cifra que não se pode levar a sério, pois o trabalho de selecionar e enfiar pérolas muito pouco difere de qualquer trabalho não especializado.

Examinemos melhor a questão: talvez o joalheiro consiga esse ganho explorador a partir do produto do trabalho de trabalhadores em algum estágio anterior da produção. Mas ocorre que o joalheiro nem teve contato com esses trabalhadores; ele comprou as pérolas do empresário da pesca de pérolas, ou até de algum intermediário: portanto, ele nem teve ocasião de tirar dos pescadores de pérolas uma parte de seu produto ou do valor dele. Talvez, em lugar dele, tenha feito isso o empresário da pesca de pérolas, nascendo, assim, o ganho do joalheiro, de uma redução de salários imposta por esse empresário a seus trabalhadores. Também isto é impossível, pois obviamente o joalheiro teria seu ganho mesmo que o empresário da pesca de pérolas não deduzisse nada dos salários de seus trabalhadores. Mesmo que este dividisse entre seus trabalhadores todo o milhão que valem as pérolas pescadas e que ele recebeu como preço de compra do joalheiro, só conseguiria não ter lucro, mas de maneira alguma poderia prejudicar o lucro do joalheiro. Pois, para o joalheiro, a maneira como vai ser dividido o preço de compra que pagou – caso este não se tenha elevado – é totalmente indiferente. Portanto, por mais que forcemos nossa fantasia, será vão procurarmos os trabalhadores de cujo salário justo poderia ter sido subtraído o ganho de 50.000 dólares do joalheiro.

Talvez esse exemplo ainda deixe escrúpulos em algum leitor. Talvez alguns julguem estranho que o trabalho de cinco enfiadores de pérolas seja a fonte da qual o joalheiro consiga um ganho tão considerável, de 50.000 dólares. No entanto, mesmo parecendo estranho, o exemplo não é, em absoluto, inconcebível. Quero dar um segundo exemplo, ainda mais convincente. Trata-se, aliás, de um bom exemplo, bem antigo, a partir do qual muitas teorias de juros já foram propostas e refutadas no curso dos tempos.

O dono de uma vinha colheu um barril de bom vinho novo, vinho este que tem, logo depois da colheita, um valor de troca de 100 dólares [p. 280]. Deixou o vinho no porão, e, depois de doze anos de envelhecimento, esse vinho adquiriu um valor de troca de 200 dólares. O fato é conhecido. A diferença de 100 dólares ficou para o dono do vinho, como juro de capital aplicado no vinho. De que trabalhadores ele extorquiu esse ganho de capital?

Como, durante o armazenamento, não houve absolutamente nenhum trabalho relacionado ao vinho, só se pode concluir que os explorados foram aqueles trabalhadores que produziram o vinho novo. O vinhateiro lhes teria pago um salário insuficiente. Mas, pergunto eu, como lhes poderia ter pago um “salário justo”? Mesmo que ele lhes pagasse todos os 100 dólares que o vinho novo valia na época da colheita, ainda continuaria com o acréscimo de valor de 100 dólares, que Rodbertus rotula de ganho de exploração. Mesmo que lhes pagasse 120 ou 150 dólares, ainda seria acusado de exploração. E só se livraria dessa nódoa se pagasse todos os 200 dólares.

É possível querer, em sã consciência, que sejam pagos duzentos dólares “como justo salário de trabalho” por um produto que não vale mais de cem dólares? O proprietário poderia saber, de antemão, que o produto algum dia valerá 200 dólares? Ou, então, não poderia ser forçado a contrariar sua intenção, e gastar ou vender o vinho antes dos doze anos? E, neste caso, ele não teria pago 200 dólares por produto que nunca iria valer mais de 100, ou talvez de 120 dólares? Quanto, então, teria de pagar aos trabalhadores que produzissem o vinho que ele vende antes do envelhecimento por 100 dólares? Também a estes deveria dar 200 dólares? Se fosse assim, ele ficaria arruinado. Ou será que deve pagar-lhes só 100 dólares? Nesse caso, trabalhadores diferentes receberão por trabalho absolutamente igual salários diferentes, o que é novamente injusto. E não se levou em conta, aqui, o fato de que dificilmente se pode saber antecipadamente qual dos produtos será vendido logo, e qual deles será armazenado durante doze anos.

E ainda há mais: mesmo o salário de 200 dólares por um barril de vinho novo ainda poderia vir a ser considerado como explorador. Pois o dono pode armazenar o vinho no porão durante vinte e quatro anos em vez de doze; o vinho, então, já não valerá apenas 200, mais sim 400 dólares. Será que, por isso, os trabalhadores que produziram esse vinho 24 anos atrás seriam, por justiça, credores de quatrocentos dólares? A idéia é absurda demais! Mas se o proprietário lhes pagar só 100 dólares – ou mesmo 200 dólares – terá um ganho de capital, e Rodbertus declara que, com isso, estará reduzindo o salário justo do trabalhador, uma vez que retém parte do valor do seu produto!

21. Crítica geral à doutrina de juros de Rodbertus: a) mal fundamentada; b) conclusões falsas; c) contraditória

Não creio que alguém se atreva a afirmar que os casos de obtenção de juros aqui apresentados, e inúmeros casos análogos, fiquem esclarecidos pela doutrina de Rodbertus. O fato é que uma teoria que fica devendo explicação para parte importante dos fenômenos a serem explicados não pode ser verdadeira. Sendo assim, esta sumária análise final leva aos mesmos resultados da crítica detalhada que antecedeu: a teoria da exploração de Rodbertus é falsa em sua fundamentação e em seus resultados, contradiz-se a si mesma, e contradiz os fatos reais [p.281].

A natureza de minha tarefa crítica fez com que nas folhas acima eu tivesse de apontar apenas alguns dos erros em que Rodbertus incorreu. Creio dever à memória desse grande homem o reconhecimento do mérito inegável de sua contribuição para o desenvolvimento da teoria econômica, embora não faça parte de minha tarefa atual descrever tais méritos.

Notas

1 Uma lista bastante completa dos inúmeros textos do Dr . Karl Rodbertus, Jagetzow está em Kozak: Rodbertus’ sozial-õkonomische Ansichten, Jena,1882 (p.7ss). Usei basicamente as cartas 2 e 3 enviadas a von Kirchman,na impressão (um pouco modificada) que Rodbertus publicou em 1875 sob o título Zur Beleuchtung der sozialen Frage, e também o texto Zur Erklärung und Abhilfe der heutigen Kreditnot des Grundbesitzes (2.ed. Jena,1876), assim como a obra póstuma de Rodbertus, editada por Adolf Wagner e Kozak sob o título Das Kapital que era a 4ª carta social enviada a von Kirchman (berlim, 1884). A teoria de juros de Rodbertus foi a seu tempo submetida a uma crítica muito detida e conscienciosa por parte de Knies (Der Kredit, parte II, Berlim, 1879, p.47 ss), crítica esta que confirmo nos pontos mais importantes, embora não possa deixar de efetuar um novo exame crítico e independente, uma vez que meu ponto de vista teórico é muito diferente do de Knies, pois encaramos vários fatos sob luzes bastante diversas. Cf. sobre Rodbertus também A. Wagner em sua Grundlegung III, 3.ed.(parte 1 § 13 Parte II § 132), e também H. Dietzel, C. Rodbertus, Jena, 1886-1888.

2 Zur Beleuchtung der Sozialen Frage (pp.68 e 69).

3 Soziale Frage(p.56);Erklärung und Abhilfe (p.112).

4 Soziale frage (p.87 e 90); Erklä rung und Abhilfe (p.111); Kapital (p.116),

5 Soziale Frage (p.146); Erklärung und Abhilfe (II, p.109 ss.).

6 Soziale Frage (p.32).

7 Soziale Frage (p.74 ss.).

8 Soziale Frage (p.33); similarmente, de forma detalhada (pp.77 – 94).

9 Soziale Frage (p.115 e em diversas outras).

10 Op. cit. 150;Kapital (p.202).

11 Soziale Frage (p.115,148);Cf. também a crítica contra Bastiat,op.cit. (pp.115 a 119).

12 Soziale Frage (p.123 ss.).

13 Op.cit. (p. 106).

14 Soziale Frage (p.107); similarmente, pp.113, 147; também Erklärung (I,p.123).

15 Soziale Frage (p.148).

* Esse exemplo não é dado por Rodbertus: é acrescentado por mim apenas para proteger de confusões esse árduo raciocínio.

16 Soziale Frage (p.94 ss.); especialmente pp. 109-111. Erklärung (I, p. 123).

17 Erklärung (II, p. 303).

18 Erklärung (II, p. 273 ss.). No seu texto póstumo sobre o Kapital Rodbertus manifesta-se mais asperamente contra o capital privado, querendo que ele seja substituído, e não simplesmente abolido.

19 Soziale Frage (p.69).

20 Soziale Frage (p.71).

21 Kredit (Parte II p.60 ss.).

* “Para reconhecimento de nossa situação econômica” (N. da T.)

** “Para esclarecimento e correção da atual falta de crédito na propriedade de terras” (N. da T.)

22 Zur Erkenntnis unserer staatwirstschaftlichen Zustand(1842), primeiro teorema (pp.5 e 6.)

23 Op. cit. (p. 7).

24 Op. cit. (p. 8).

25 É fácil ver que Rodbertus também deveria, por coerência, ter declarado a força de trabalho algo eterno e indestrutível, uma vez que também as forças químicas e mecânicas que existem no organismo humano não desaparecem da terra!

26 Será que uma pessoa que “empreita” o trabalho dos outros, seja esta pessoa um empregador, um patriarca ou um dono de escravos, não tem por que administrar o trabalho alheio? Naturalmente aqui não se pode considerar como motivo o fato de esse trabalho de administrar custar o tempo dele, a força dele ou seu sacrifício pessoal em liberdade. O que importa é a relação, descrita no texto, dom a satisfação das necessidades dele ou de sua família.

27 Todas as legislações sobre mineração que contêm determinações contra métodos predatórios constituem uma contradição a Rodbertus, pois tornam um dever administrar economicamente dons raros da natureza.

28 Op. cit. (p. 9).

29 Erklärung und Abhilfe (II. P. 160); similarmente,Soziale frage (p. 69).

30 Der Kredit (II. P. 69) : “ Objetivamente, não é verdadeiro o único motivo apresentado por Rodbertus: o trabalho é a única força original e também o único dispêndio original com o qual se efetua a economia humana”. Seria um engano surpreendente num proprietário de terras se ele afirmasse ser impossível que as forças efetivas do solo de suas limitadas propriedades pudessem ficar “mortas” ou “desperdiçadas pelo inço” por causa de pessoas que não as sabem administrar. Um julgamento tão absurdo teria também de defender o princípio de que a perda de x acres não significa “perda econômica” para o dono de y milhas quadradas de terra.

31 Veja-se Knies, Der Kredit (II, p. 64 ss.). Por exemplo: “quem deseja ‘produzir’ carvão não deve apenas cavar, mas deve cavar em determinado local: em milhares de locais se poderá efetuar, sem resultados, a mesma operação material de cavar. Mas se o ato difícil e necessário de determinar o local é assumido por um especialista, por exemplo em geólogo; se o ato de cavar um poço depende de uma certa ´força intelectual´, etc…, como então se pode querer que o ato de cavar, por si só, constitua `serviço econômico´? Será que o valor econômico de remédios manufaturados estará unicamente ligado à atividade manual de que estes remédios resultam, quando, na verdade, a escolha dos materiais, a determinação das quantidades, etc…partem de outras pessoas que não aquelas que `fazem´ as pílulas?”

* Böhm-Bawerk refere-se ao segundo volume da obra, em três volumes,Capital e juro de capital, da qual o presente livro é um excerto (N. da T).

32 Naturalmente não me ocorre querer apresentar a porcentagem de juros como causa da baixa valorização de bens futuros. Sei muito bem que juro e porcentagem de juro são apenas conseqüências daquele fenômeno primário. Aliás, não pretendo aqui dar explicações, mas descrever fatos.

33 Logo adiante será demonstrado o acerto dessa cifra de juros que, à primeira vista, pode parecer estranha.

34 Stolzmann, Soziale Kategorie (p. 305 ss.) fez, em relação a este exemplo, algumas objeções que me parecem bastante secundárias, além de errôneas. Partindo da opinião equivocada de que em meu grupo de trabalhadores eu quis apresentar – ou teria apresentado – uma espécie de arquétipo, um pequeno Estado com economia independente e fechada em si mesma, ele argumenta que também o último trabalhador “não poderia fazer nada com a máquina pronta, não poderia prolongar com ela um só dia de sua vida” (307). Argumenta, ainda, que o pagamento do primeiro trabalhador, de 1.200 dólares ao cabo do quinto ano, é uma recompensa insuficiente para sua espera de cinco anos. “Se nesse longo tempo ele não morresse de fome” – afirma o autor da objeção – enquanto “fosse forçado a deixar no regaço as mãos ociosas e inúteis”, deveria receber o pagamento por cinco anos inteiros, isto é, 5.000 dólares (308). Direi apenas, em relação a isso, que não tive intenção de dar como exemplo algum arquétipo isolado, mas pretendi descrever, e descrevi, uma sociedade de cinco pessoas, dentro da moderna vida econômica, ocupada num trabalho de produção: a construção de uma máquina. Remeto às claras palavras que usei para expressar as condições de meu exemplo, nestas páginas. Nesse exemplo fala-se, entre outras coisas, do “valor de troca” da máquina acabada. No exemplo em questão, fiz abstração apenas da divisão do trabalho – e assim mesmo só de passagem – relacionado à fabricação daquela máquina. Por isso não se pode dizer, também, que os participantes daquela operação produtiva fossem forçados a permanecer ociosos quando não estavam ocupados com ela. E quando na p. 313 Stolzmann me acusa de um “gravis error dupli” pelo fato de eu julgar possível que um dos trabalhadores pudesse colocar a juros até o fim do quinto ano seu salário, recebido antes dos outros, e de, com isso, ter feito o que ele chama de “rotular os trabalhadores de capitalistas junto com os empresários”, devo dizer que não há no meu exemplo, uma só palavra que exclua a possibilidade de que um ou outro dos participantes pudesse ter meios que lhe permitissem essa espera.Ao contrário, nas pp. 346 e 351 pressupus expressamente a alternativa de que os trabalhadores “não possam ou não queiram esperar”. Essa passagem foi erroneamente citada por Stolzmann nas pp. 307 e 309 como “não possam e não queiram esperar”. Por fim, já na nota 32 deste mesmo capítulo, afirmei claramente que com meu exemplo não pretendi explicar o fenômeno do juro, mas apenas ilustrar com fatos determinado raciocínio.
Objeção interessante, e bem mais profunda, foi feita pelo Dr. Robert Meyer na sua excelente obra sobre Wesen des Einkommen (Berlim, 1887, p. 270 ss.). Mas como o esclarecimento da sua objeção, igualmente fruto de interpretação errônea, exigiria inúmeros detalhes a respeito de minha teoria positiva de capital, deixo sua discussão para o volume II desta obra.

35 No segundo volume desta obra procederei a exames mais detidos. Para me proteger de mal-entendidos bem como da suspeita de considerar “ganho explorador” todo ganho empresarial acima dos juros vigentes no país, acrescentarei apenas o breve comentário a seguir. A diferença entre o valor total do produto e o montante pago em salários, diferença esta que fica para o empresário, pode ser constituída de quatro componentes diferentes entre si:
1) Um prêmio de risco pelo perigo de a produção fracassar. Corretamente medido, ele será usado no decorrer dos anos para cobrir perdas efetivas e naturalmente não implica deduções do salário dos trabalhadores.
2) Uma recompensa pelo próprio trabalho do empresário, recompensa essa que naturalmente é justa e em certas circunstâncias, p. ex., no aproveitamento de alguma nova invenção do empresário, poderá ser computada segundo uma porcentagem alta, sem haver nisso injustiça contra os trabalhadores.
3) A recompensa mencionada no texto, advinha da diferença de tempo entre pagamento de salário e concretização do produto final, e medida segundo os juros vigentes.
4) Por fim, o empresário pode conseguir ganho extra, aproveitando-se da situação de miséria dos trabalhadores para reduzir ainda mais seu salário. Só esse último aspecto fere o princípio de que o trabalhador deve receber todo o valor do seu produto.

* “Sem modificação das demais coisas” (N. da T.)

***

Capítulo IV

 

A teoria da exploração do socialismo-comunismo – Capítulo II

Eugen von BÖHM-BAWERK

A idéia de que toda renda não advinda do trabalho (aluguel, juro e lucro) envolve injustiça econômica

(Um extrato)

Tradução: LYA LUFT

1. Por que foram escolhidos Rodbertus e Marx

Para exercer a função de crítico diante da teoria da exploração tive vários caminhos a escolher. Poderia criticar individualmente cada um dos representantes dessa teoria. Seria o caminho mais exato, mas a grande semelhança das diversas doutrinas levaria a repetições supérfluas e cansativas. Uma outra possibilidade seria a de, sem me deter em formulações individuais, criticar o esquema geral que fundamenta todas essas manifestações isoladas. Esta opção, porém, me exporia a uma dupla desgraça. De um lado, haveria o perigo de menosprezar certas nuances individuais da doutrina; de outro, mesmo que eu escapasse desse perigo, certamente não escaparia à acusação de ter escolhido o caminho mais fácil, exercendo minha crítica não à verdadeira doutrina, mas a uma imagem deformada dela, voluntariamente construída. Por isso, decidi-me por um terceiro caminho: retirar da massa de exposições isoladas algumas poucas que considero as melhores e mais perfeitas, submetendo-as a uma crítica individual.

Para esse fim escolhi as exposições de Rodbertus e de Marx. São as únicas que oferecem fundamentação razoavelmente profunda e coerente: em minha opinião, a do primeiro é a melhor delas; a do segundo, por sua vez, é a mais amplamente reconhecida, constituindo, de certa forma, a doutrina oficial do socialismo de hoje. Submetendo as duas a um exame detalhado, creio estar enfocando a teoria da exploração pelo seu lado mais forte – segundo as belas palavras de Knies: “Quem quiser ser vitorioso no reino da pesquisa cientifica tem de deixar o adversário aparecer com todo o seu armamento e força.” *

2. O que é e o que não é levado em conta

Antes disso, um comentário para evitar mal-entendidos: o objetivo das páginas que se seguem é exclusivamente criticar a teoria da exploração enquanto teoria, ou seja, examiná-la para verificar se efetivamente o fenômeno econômico do juro de capital tem suas causas naquelas circunstâncias que a teoria da exploração dá como causas primeiras do juro. No entanto, não pretendo fazer um julgamento sobre o lado prático, político-social do problema do juro ou sobre suas implicações do ponto de vista da legislação social. Tampouco pretendo fazer qualquer julgamento sobre a sua qualidade boa ou má, nem mesmo defender a sua permanência ou revogação. Não me proponho a escrever um livro sobre o juro de capital, silenciando, ao mesmo tempo, sobre a mais importante das indagações a ele relacionadas. Eu posso, entretanto, comentar eficazmente o lado “prático” desse assunto, desde que a parte teórica esteja inteiramente clara, o que me força a deixar essa análise para o segundo volume do meu trabalho. Aqui, repito, desejo apenas examinar se o juro de capital, seja ele bom ou ruim, existe pelas razões alegadas pela teoria da exploração.

Nota

* Der Kredit, Parte 2, Berlim, 1879 [p. VII]

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Capítulo III

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