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Notas da quinzena

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 1o de abril de 1999

Adepto da filosofia realista, segundo a qual os cinco sentidos nos mostram a realidade objetiva, há fatos, no entanto, que me fazem duvidar da existência do mundo exterior e me põem em angustiantes dúvidas metafísicas. Um deles é ouvir os governantes do Estado do Rio anunciarem que vão reprimir os assaltantes pelo método de desarmar suas vítimas.

Inútil exclamar, de mãos para o céu: “Será a Benedita?” Inútil, porque é mesmo da Benedita que se trata. E não só dela: também do sr. Garotinho – mais que um nome, um modo de ser. Juntaram-se os dois na varanda, como o General Craveiro e o Oliveira Salazaire da cantiga, a fazeire prupaganda pra guerra se acabaire . Valha-me Deus, que o que se acaba é o mundo se ninguém lhes mete umas camisas-de-força e outra no sr. Carlos Minc, que não é doido, mas finge com perfeição, já que ouve os dois falando e faz que sim com a cabeça – embora este gesto possa também ser interpretado como sinal de resignação filosófica ante o fim dos tempos.

Algum dia, Benê e Nenê anunciarão a solução definitiva para o tráfico de heroína: serão proibidas todas as injeções e fechadas todas as farmácias.

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A revista Época traz uma reportagem de Percival de Souza sobre o cabo Anselmo, o agitador esquerdista que, delatando meio mundo, possibilitou o fim da guerrilha urbana. Os editores, não podendo meter o lápis num texto do decano dos repórteres policiais, vingaram-se da sua neutralidade despejando na manchete de capa todo aquele rancor esquerdista que o tempo, em vez de atenuar, só torna mais insano. A reportagem, em si neutra e imparcial, adquiriu assim um sentido involuntariamente faccioso. Deixa a impressão de que o cabo não traiu um dos lados em disputa, mas o País inteiro. Mais um sinal de que o lobby comunista, firmemente instalado nos altos postos da imprensa nacional, já aboliu todos os escrúpulos de objetividade, mesmo fingida, e partiu para a doutrinação aberta, descarada, sem-vergonha.

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O poder mundial ascendente subjuga os Estados mediante uma política econômica global, enquanto de outro lado os debilita estimulando reivindicações divisionistas entre os cidadãos. Essas duas tarefas cabem respectivamente à “direita” e à “esquerda”, cujas rusguinhas de madames servem para jogar areia nos olhos do público.

Políticas raciais que incentivam ódios a pretexto de proteger minorias são talvez o componente mais maquiavélico dessa estratégia. O Programa de Educação Profissional patrocinado pelo BankBoston para crianças pobres, por exemplo, exclui a priori, em flagrante violação da Lei Afonso Arinos, toda criança que não seja de raça negra. Uma nação tem de ter perdido todo respeito por si mesma para permitir que emissários de um dos países mais racistas do mundo venham achincalhar uma cultura tradicionalmente inter-racial e mestiça, oferecendo-se para proteger brasileiros contra brasileiros por meios ilegais.

Só resta perguntar quanto de ancestralidade negra será preciso para ser admitido no programa. Meu neto André, que é loiro, tem uma gota de sangue negro por parte do bisavô materno. Será isso capital suficiente para abrir uma conta na carteira de crédito racial do BankBoston? Ou haverá testes genéticos para os casos de pureza incerta?

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O Conselho Federal de Psicologia, do alto da sua psicótica onipotência, acaba de editar sua resolução nº. 1/99, que, em substância, afirma: (1) não havendo provas de que o homossexualismo é doença, fica provado que não é; (2) para o psicólogo de ofício, é conduta altamente meritória incentivar a homossexualidade entre os heterossexuais e abominável delito, punível com a cassação do registro profissional, incentivar a heterossexualidade entre os homossexuais. O psicólogo curitibano Carlos Grzybowski já está ameaçado de cassação por violar essa norma bárbara, anticientífica, irracional. Os juristas que possam ajudá-lo a salvar-se da inquisição gay instalada no CFP por favor avisem-no pelo e-mail: catito@avalon.sul.com.br . O que torna o caso de Grzybowski ainda mais apalermante é que a “infração” de que o acusam foi cometida antes de emitida a resolução. Mas, como poderia o CFP respeitar os princípios do Direito, se desconhece os da lógica elementar?

Caprichos da natureza

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 18 de março de 1999

Um raio que cai durante uma garoinha rala e sem fazer nenhum barulho audível na cidade próxima é, sem dúvida, fenômeno que transcende as rotinas da Natureza. Mas se esse raio despenca sobre uma empresa recém-privatizada e paralisa os seus serviços em metade do País, contribuindo para demonstrar pela força do exemplo vivo o silogismo esquerdista de que privatização é barbárie, só podemos concluir que a Mãe-Natura se superou ainda mais do que parecia à primeira vista: pois não somente abriu uma vistosa exceção a seus procedimentos de praxe, como também o fez com notável senso de oportunidade histórica e com uma acuidade estratégica e tática que faria inveja a Vladimir Ilich Lenin. Ora, a Natureza e a história são domínios tão afastados entre si que ainda não descobriram um jeito de poder ser descritos cientificamente por um mesmo corpo de conceitos. Quando agem em uníssono, estamos portanto diante de um daqueles acontecimentos surpreendentes que receberam o nome de sinais proféticos , como por exemplo no caso do Mar Vermelho que se abriu ou do sol que se deteve no ar, atendendo, em ambas as ocasiões, não a conexões causais conhecidas, mas às conveniências históricas dos heróis que estrelavam a cena. O raio de Bauru, portanto, é um sinal celeste que indica o sentido da história vindoura, o que me leva a suspeitar que quem armou a cena, se não foi a Providência Divina em pessoa, foi alguém que tem as habilidades técnicas necessárias a fazer-se passar por ela aos olhos da cândida platéia dos habitués do Faustão e devotos da Tiazinha. Na mais modesta das alternativas, esse magno evento deve contribuir para dar respaldo à teoria científica conhecida sob a denominação de hipótese Gaia , segundo a qual a Terra, incluindo a atmosfera em torno, é um ser vivo e pensa. Que ela pense como um militante do PC do B pode ser uma pobreza lamentável, mas não se poderia exigir mais de um planeta que ocupa, no concerto astral, um posto dos mais retirados e humildes.

Porém algo me diz que nossa progenitora cósmica vem fazendo dessas extravagâncias um vício, como é próprio das criaturas que se entregam a caprichos audaciosos depois de ultrapassada uma certa idade. Pois ainda recentemente, no Rio de Janeiro, logo após a privatização da Telerj, a velha dama indigna, no curso de uma chuva de poucas horas, dedicou-se com meticulosa pachorra ao trabalho de romper os cabos onde eram aéreos e encharcá-los onde eram subterrâneos, equalizando democraticamente a paralisia das comunicações nos bairros altos e baixos por duas semanas; e ainda teve a finura de informar de suas intenções os funcionários da empresa, os quais meia hora após o acontecido já davam o diagnóstico completo de suas causas naturais profundas, continuando a repeti-lo obstinadamente ante usuários perplexos, até o momento em que os orelhões se cansaram de sua miraculosa imunidade e, sem ser forçados a isto por qualquer chuvisco adicional, decidiram tornar-se também surdos ao clamor popular.

Mas o mais notável nessa ordem de acontecimentos é que, como é de hábito nas intervenções da Providência, os feitos dos profetas maiores são anunciados, com grande antecedência, por profetas menores. Um ex-vizinho meu, funcionário da Eletropaulo e militante esquerdista, já mais de dez anos atrás fazia considerações esperançosas quanto a uma arma mortífera que os justiceiros históricos infiltrados na empresa iam preparando na intenção de usá-la, um dia, contra os malvados e poderosos que ameaçavam profanar o templo do monopólio estatal. O nome desse poderoso instrumento bélico era “apagão” – um termo então esotérico a que os anos vieram dando tal notoriedade, que hoje ninguém mais recorda suas origens gremiais e quase direi castrenses. Devo penitenciar-me agora perante esse meu conhecido, que não sei onde anda, pelas risadas que a minha tola imprevidência então opunha aos seus arroubos proféticos de justiça, embora fundados, segundo ele, não em vãs imaginações e sim no conhecimento direto e empático das idéias, intenções e meios de ação de seus colegas de emprego. Pois hoje reconheço que ele estava certo no essencial e, se errou, foi apenas num detalhe de somenos, ao atribuir a intenções humanas um ato que, hoje sabemos pelo que nos informa o governo, foi pura premeditação leninista da Mãe-Natureza.

Como dizia minha santa avó: vivendo e aprendendo.

Viva o fascismo!

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 4 de março de 1999

No Brasil de hoje, há três e não mais de três blocos ideológicos.

O primeiro é o neoliberalismo globalista. Ele proclama que a liberdade econômica é a condição necessária e suficiente de todas as outras liberdades, que toda interferência de valores extra-econômicos na vida econômica é uma ameaça ao progresso, que o enriquecimento de todas as pessoas é o objetivo moral supremo e que portanto as leis, os Estados, as religiões, as artes e os costumes devem ser julgados segundo sua maior ou menor capacidade de fomentar a prosperidade geral num ambiente de livre mercado.

Daí ele conclui que todas as barreiras nacionais, religiosas e culturais que se opõem à mundialização do mercado são obstáculos ao progresso humano. Para derrubá-los, ele cria a técnica da engenharia social que permite destruir os valores tradicionais, abolir as diferenças de culturas nacionais e religiosas por meio da educação em massa, da propaganda e das leis. Todos os atos, sentimentos e reações humanas, mesmo os mais íntimos, tornam-se então objeto de planejamento estatal – e, quando finalmente a liberdade econômica impera sobre o mundo, todas as demais liberdades desapareceram para sempre.

O segundo bloco é socialista. Ele proclama que a igualdade é o supremo valor. Não existe pior mal no mundo do que um homem ser rico e o outro pobre. Quando todos estiverem economicamente nivelados, um não poderá mais oprimir o outro pela ameaça da fome e do desemprego.

Para instituir a igualdade, é preciso quebrar a espinha dorsal do poder econômico, e o instrumento para fazer isso é o Estado. Mas como quem tem o poder econômico não o cede de mão beijada, o Estado, para tomá-lo, tem de ser forte, muito mais forte do que o ralo Estado liberal que se contentava em ser um árbitro entre mercadores. Os funcionários do Estado socialista investem-se então de poderes especiais. O poder não somente se centraliza, mas se eleva. Abolido o poder econômico, resta apenas o poder político. As diferenças entre os homens não desapareceram, mas agora só há uma diferença essencial: a diferença entre quem tem e quem não tem poder político, entre quem está dentro e quem está fora da Nomenklatura. Antigamente, o homem alijado do poder político podia usar do poder econômico, seu ou emprestado, para fazer face à autoridade do Estado. O poder econômico fazia a mediação entre os de cima e os de baixo. Agora não há mais mediação. Quem sobe, sobe dentro do Estado. Quem cai, cai pelo cano do esgoto do Estado. E como não há poder fora do Estado, é compreensível que quem está dentro não queira sair nunca, e quem está fora não tenha como entrar senão por especial concessão dos de cima. Quando finalmente se estabelece a perfeita igualdade econômica, a desigualdade de poder político é tamanha, que torna o governante socialista uma divindade inacessível aos clamores de baixo.

O terceiro bloco é o fascismo. Hoje ele não encanta senão a uma minoria, mas é uma minoria profética. Ele proclama que o liberalismo é a ditadura do poder econômico, o socialismo a ditadura do poder político. Quem tem de mandar, diz ele, não é este nem aquele: é a nação.

Para fortalecer a nação, ele propõe uma aliança do poder econômico com o poder político, do capital com o Estado. A nação é a unidade, a conciliação dos contrários, a superação de todas as divergências. Com os dois poderes irmanados e cantando em uníssono na harmonia do Estado-síntese, a nação ergue a cabeça entre as nações e, se alguém reclamar, pau nele. Se o neoliberalismo realizava a liberdade mediante a supressão das liberdades, se o socialismo realizava a igualdade mediante a absolutização da desigualdade, o fascismo encarna o terceiro ideal da modernidade. Ele realiza a fraternidade: no fascismo todos os que têm poder são irmãozinhos, e não gostam que a gente se meta nos assuntos de família deles.

Donde concluo fatalmente que só o fascismo, embora aparentemente minoritário, tem futuro, porque só ele pode tornar felizes, ao mesmo tempo, os neoliberais e os socialistas. E nós? Ora, eles vão estar tão felizes que não vão querer saber a nossa opinião. E, a essa altura, se vocês querem meu conselho, será melhor mesmo não ter nenhuma.

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