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Diferença radical

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 13 de outubro de 2005

Há quem julgue o manifesto dos clubes militares um aceno de esperança. Para avaliá-lo, no entanto, é preciso confrontá-lo com a situação objetiva a que ele professa responder. Por mais turva que seja essa situação, um dos fatos que a integram paira acima dos outros e ilumina o sentido do conjunto com fulgurante claridade: o sr. presidente da República, acusado de vários crimes e de cumplicidade em outros tantos, negou todos eles mas já confessou o pior de todos. Ele admitiu, em documento oficial, que toma decisões de governo em reuniões secretas com ditadores e narcotraficantes estrangeiros, premeditadamente calculadas para desviar as atenções do povo brasileiro, do Congresso, da justiça, das Forças Armadas, etc. Negação absoluta da soberania nacional, a declaração expressa o desprezo completo do sr. presidente às instituições e à vontade popular, barradas na entrada por falta de convite enquanto a portas fechadas ele resolve os destinos da nação em parceria com interlocutores mais dignos da sua confiança: a narcoguerrilha colombiana, o Sendero Luminoso, o MIR chileno etc. É o mais cínico e brutal insulto que, em atos e depois em palavras, qualquer governante deste mundo já fez ao seu país, ao seu povo, à Constituição, às leis e ao cargo que ocupa. E todos os que tomaram conhecimento dessa declaração sabem que ela não é mero floreio de linguagem: é a afirmação literal de um fato que as atas e resoluções do Foro de São Paulo confirmam da maneira mais incontornável.

Diante disso, um protesto que se limite a endossar o falatório da mídia contra “a corrupção”, sem tocar nem de leve no escândalo supremo, acaba por fornecer ao réu confesso um álibi para amortecer o sentido de suas palavras e fazer com que ele não venha a ser acusado senão de ofensas bem menores do que aquela que admitiu ter praticado.

É claro que não foi essa a intenção dos signatários, homens honrados que conheço e respeito. Se diante da gravidade imensurável da confissão presidencial eles preferem falar de outra coisa, não é porque desejam colaborar na ocultação do crime. É porque, atônitos como o restante da população, já não atinam com a diferença radical, com a desproporção monstruosa entre os males de agora e os de sempre. Quando a perceberem, será tarde para assinar manifestos.

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Há mais de uma década recebo mensagens desesperadas de alunos e professores que, por desaprovarem a propaganda comunista imperante nas suas escolas, sofrem discriminação e constrangimento. A glorificação do comunismo e a exclusão dos divergentes já se tornaram normas tácitas aplicadas em toda a rede de ensino, pública ou privada.

Mas agora parece que a escalada da opressão escolar deu um “salto qualitativo”. Francisco Peçanha Neves, professor de filosofia no Colégio de Aplicação do Rio de Janeiro, adverte que os alunos, enraivecidos pelas suas idéias políticamente incorretas, passaram dos insultos às ameaças diretas de agressão física, diante dos olhos complacentes da direção do estabelecimento. Diremos que é uma epidemia de indisciplina? Ao contrário. É disciplina. É ordem. É obediência às regras de uma ideologia que o próprio ministro da Educação admira e cultua. O Colégio de Aplicação não é uma Casa de Mãe Joana. É um modelo de educação comunista.

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No artigo anterior, de tanto compactar a argumentação, cometi um lapso que no entanto não a invalida em nada. É claro que as armas roubadas do Estado não entram na classificação “origem ilegal”, como inadvertidamente dei a entender. O que eu quis dizer é que não cabe incluí-las, como fazia o Globo , entre os argumentos contra a posse de armas pelos cidadãos comuns. Se, de acordo com o mesmo jornal, os civis têm dez vezes mais armas do que o Estado, e se onze por cento das armas apreendidas com bandidos eram de propriedade estatal, então é patente que elas não estavam mais protegidas contra roubo do que o estariam sob a guarda de qualquer um de nós. O Estado só quer nos desarmar para ter o monopólio do direito de ser roubado.

A miséria no mundo

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 10 de outubro de 2005

Amigos que muito respeito pedem-me às vezes que escreva algo sobre pobreza, desigualdade social ou coisa assim. Sendo esse o assunto mais mexido e remexido em campanhas eleitorais, discursos parlamentares, teses universitárias, editoriais sapientíssimos, debates de botequim e congressos internacionais de especialistas em tudo, sinto-me naturalmente inibido de entrar numa conversa na qual praticamente todos os membros da espécie humana, por direito de nascimento, se sentem convidados a opinar e na qual, pela insuperável limitação de tempo decorrente da afluência universal ao microfone, cada um só pode desfrutar do seu direito de falar quando exerce com ainda mais tenacidade o direito de não ouvir.

Por isso mesmo tenho acreditado que a minha maior contribuição ao melhoramento da condição social dos desfavorecidos seria uma espartana abstinência de opiniões. Isso não quer dizer que não pensasse no assunto. Pensava nele, sim, mas sem nenhuma esperança de chegar a diagnósticos gerais ou propor terapêuticas. Movido por aquela prudência quase obsessiva que nasce da ignorância consciente, julguei que antes de me alçar a tão altos vôos seria recomendável coletar um certo número de observações básicas fáceis de confirmar, mas suficientemente amplas, na generalidade do seu alcance, para ter alguma utilidade em futuras especulações mais ambiciosas. Em compensação da penúria de opiniões e propostas, não me esquivo de maneira alguma a fornecer aos interessados uma lista dessas constatações:

1. Até onde alcança a visão do historiador, a pobreza e a desigualdade são as condições mais gerais e permanentes do ser humano na Terra. Não são de maneira alguma anomalias observadas, aqui e ali, sobre um fundo universal de prosperidade e igualdade. Também não são mutações sobrevindas após uma etapa historicamente registrada de riqueza geral e justa distribuição. O comunismo primitivo é uma conjeturação mítica exatamente como a Idade de Ouro de Hesíodo.

2. Em nenhuma etapa histórica anterior ao século XVIII europeu observa-se um estado de espírito marcado pela revolta geral, radical e crescente contra a desigualdade social em qualquer das suas formas. Essa revolta, partindo da França, veio junto com a crença na possibilidade de uma sociedade inteiramente planejada por uma elite de revolucionários iluminados.

3. A idéia da sociedade planejada sofreu muitas modificações desde então, mas toda tentativa de realizá-la produziu níveis de miséria e desigualdade social nunca imaginados pelas gerações anteriores. O mais radical desses experimentos, o “Grande Salto para a Frente” da China revolucionária, matou de fome trinta milhões de pessoas em uma década – por certo o mais notável desastre econômico de todos os tempos, só comparável a devastações produzidas por catástrofes naturais. Na Rússia soviética, após sete décadas de comunismo, o cidadão médio consumia menos proteínas do que um súdito do tzar, e tinha menos meios de adquirir um automóvel do que um negro da África do Sul sob apartheid .

4. Só povos que se atiraram de cabeça na aventura capitalista conseguiram elevar significativamente o padrão de vida de suas populações, mas em muitos países a prosperidade veio junto com um crescimento ainda maior do aparato burocrático-estatal, resultando naquela mistura de capitalismo e socialismo que leva o nome genérico de “fascismo”, um regime que deságua quase que naturalmente na autodestruição por meio da guerra.

5. Embora desde o século XVIII as esperanças de uma vida melhor para os pobres viessem associadas à expectativa de uma ampliação geral dos direitos civis e políticos, em muitos países esses dois objetivos entraram em conflito, ora sacrificando-se a liberdade em nome da igualdade, ora esta em nome daquela.

6. Somente um país conseguiu manter-se numa linha de desenvolvimento econômico constante e progressiva eliminação da pobreza sem sacrifício considerável das liberdades individuais: os Estados Unidos da América. Coincidência ou não, esse foi o país em que a doutrina da sociedade planejada foi recebida com maior frieza e hostilidade, só alcançando alguma aceitação nos períodos de atividade militar intensa (presidências de Woodrow Wilson, Franklin D. Roosevelt e Lyndon B. Johnson).

7. Desde a época de Johnson, no entanto, a tendência ao controle estatal crescente e à restrição das liberdades nos EUA tem aumentado perigosamente nas últimas décadas, com ou sem atividade guerreira concomitante. Essa tendência vem associada a projetos de uma Nova Ordem global, fortemente apoiada por uma elite de metacapitalistas (a explicação do termo encontra-se em http://www.olavodecarvalho.org /semana/040617jt.htm ), que, para realizar sua ambição de uma sociedade planejada global, já se mostraram dispostos a sacrificar parcelas importantes da própria soberania nacional americana. (O conflito mortal entre globalismo e interesse nacional americano, o fato capital da nossa época , é totalmente desconhecido do público brasileiro, graças à ignorância maciça – não raro voluntária – da classe jornalística e daquela raça de macacos, mistos de papagaios, com cérebros de jumento e almas de víbora, que a si próprios se denominam “intelectuais”. Há muitos livros a respeito, mas a fonte mais acessível é o site de Henry Lamb, http://www.sovereignty.net , que abrirá para o leitor uma infinidade de outras fontes.)

8. Hoje em dia, a promessa de eliminação radical da miséria e da desigualdade social no mundo, repetida ao ponto de disseminar por toda parte uma explosiva impaciência com a continuidade desses males, é alardeada principalmente pelos centros de difusão do projeto globalista, cujo porta-voz mais notório é a ONU. Dessa mesma origem provêm inúmeros outros projetos associados, como o da uniformização mundial dos padrões educacionais, o de um controle ecológico global o de uma fusão administrativa de todas as religiões numa espécie de gerência espiritual do planeta. Não pretendo opinar sobre os planos econômicos da ONU e demais entidades associadas, que não estudei a fundo, mas tenho a certeza de que não estão desligados dos projetos nas áreas de educação, ecologia e religião, já que, se me permitem, o globalismo é global, isto é, holístico, uma visão unificada construída ao longo de meio século e não uma colcha de retalhos improvisada. Tal como no século XVIII, a utopia do progresso igualitário vem hoje no bojo de um projeto civilizacional integral, a ser realizado por meio do planejamento centralizado. A diferença é que os philosophes se tornaram burocratas, têm poder decisório, recursos financeiros ilimitados e escala de ação global.

9. Um breve exame do Index of Economic Freedom , aqui citado na semana retrasada, basta para mostrar que os níveis máximos de miséria e desigualdade social coincidem com os locais de maior interferência estatal e economia planejada. O argumento em favor da economia planejada global é que os planejamentos falharam porque adotados em escala nacional, defrontando-se ao mesmo tempo com dificuldades que transcendiam as fronteiras das nações. Basta portanto universalizá-los e tudo correrá às mil maravilhas.

10. O programa globalista não é a mesma coisa que a expansão mundial do capitalismo, um processo historicamente espontâneo no qual ele toma carona parasitária, tal como aconteceu em escala nacional em vários países, onde o crescimento do capitalismo teve como efeito colateral a ascensão dos metacapitalistas e a proliferação dos seus aliados naturais, os burocratas e os intelectuais ativistas. Nesse sentido, a profecia de Karl Marx de que o capitalismo geraria os seus próprios coveiros se revelou acertada, com a ressalva de que esse papel não coube nem poderia caber aos proletários, mas à parcela mais ambiciosa politicamente da própria classe capitalista e aos “intelectuais” (no sentido gramsciano e ampliado do termo). Esta ressalva, por sua vez, foi diagnosticada e expressa em tempo hábil pelos socialistas fabianos – especialmente Bernard Shaw –, não sendo, pois, de espantar que o fabianismo tenha se tornado, formal ou informalmente, a ideologia dominante das elites burocráticas globalistas. A tensão aparentemente insolúvel entre expansão do capitalismo e centralização burocrática mundial lateja no fundo do conflito, acima mencionado, entre os EUA e os organismos globais.

11. Exatamente como as propostas globalistas em educação, ecologia e cultura religiosa – cujas fontes analisarei em outro artigo –, a promessa de eliminação mundial da pobreza é uma parte integrante de um discurso ideológico globalista, e a ela não corresponde nenhum mecanismo prático de realização exceto aqueles já desencadeados espontaneamente – e anteriormente — pela expansão planetária do capitalismo, à qual o globalismo só vem a acrescentar, em última análise, um elemento parasitário: os custos crescentes de uma burocracia planetária cada vez mais intromedida, paralisante e contraproducente.

12. A luta contra a pobreza e a desigualdade social encontra-se hoje no seu ponto de máxima tensão. De um lado, a revolta radical contra esses males milenares se incorporou de tal modo à mentalidade coletiva, que por toda parte se espalhou a expectativa insana de soluções globais a prazo relativamente curto. De outro lado, essa mesma expectativa alimenta o crescimento da burocracia planetária que suga e desvia para seus próprios objetivos políticos os frutos da expansão mundial do capitalismo, retardando a distribuição dos seus benefícios a bilhões de seres humanos necessitados.

13. O Brasil, nesse panorama, é uma folha levada na tempestade, incapaz não só de controlar o seu destino mas até mesmo de compreendê-lo, graças à inépcia geral dos “intelectuais” nacionais, que estão entre os mais despreparados, levianos e pretensiosos do mundo.

Assim descrito o quadro, na medida das minhas possibilidades, e ressalvada qualquer imprecisão devida à pressa da redação jornalística, permito-me agora emitir uma opinião. Como qualquer outro ser humano, eu desejaria uma vida melhor para todos, mas, ao contrário da maioria deles, não acredito que se deva esperar algum progresso substancial na busca desse objetivo ao longo das próximas décadas, apesar de todas as conquistas da técnica agrícola e industrial. A tensão entre capitalismo e globalismo não resultará necessariamente em tragédia global, mas é quase impossível que ela não desemboque mais cedo ou mais tarde em agressões militares de conseqüências incalculáveis. O capitalismo é uma força de expansão, o globalismo uma força de contração. Equivalem, no simbolismo alquímico, ao mercúrio e ao enxofre. A produção da resultante – alquimicamente, o sal – é um processo infinitamente delicado, sutil e complexo, mais sujeito ao acaso e à providência divina do que ao arbítrio humano. A atenção devota, a paciência, a prudência e a busca constante da compreensão do processo são aí incomparavelmente mais úteis e necessárias do que os programas e as palavras-de-ordem. Mais úteis ainda para aqueles países que, sem ter voz ativa no processo, não podem contar senão com a esperança de uma adaptação vantajosa às circunstâncias de cada momento. Infelizmente, é precisamente nesses países que prolifera de maneira mais incontrolável a raça dos “intelectuais” amantes de slogans e palavras-de-ordem.

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Tal como expliquei aqui semanas atrás, o presidente George W. Bush, embriagado por altos planos para o Oriente Médio, levou até o limite da imprudência a aposta no unanimismo bipartidário. Suas concessões ao partido adversário, que começaram com uma política fiscal inversa à prometida em campanha e culminaram na nomeação de uma contribuinte de Al Gore para a Suprema Corte, passando por uma tolerância quase suicida para com os imigrantes ilegais, receberam finalmente um “basta” da base conservadora. Isso já era esperado aqui desde muito tempo. Só é novidade para a mídia brasileira, que, após ter pintado Bush com as cores do conservadorismo radical, não podia mesmo enxergá-lo com suas dimensões reais de conciliador compulsivo. Vista daqui, a mídia brasileira é uma infindável comédia de erros.

A arte de mentir

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 6 de outubro de 2005

No jornalismo há muitos tipos de fraude. O mais banal é ofuscar os leitores com um título, na esperança de que não leiam a matéria ou não percebam que ela o desmente.

“A maioria das armas do crime teve origem legal”, proclama O Globo de 4 de outubro. No cérebro do leitor, a conclusão é instantânea: o grosso da violência no Brasil não é causado pelos criminosos assíduos, mas por pessoas de bem que “matam por motivos fúteis”. Urge portanto desarmá-las. Desarmar os bandidos é secundário.

No texto, a informação, baseada numa pesquisa da polícia carioca, não é bem essa: é que, “de um total de 86 mil armas apreendidas de criminosos desde 1999, 33% eram do chamado estoque legal — com registro… Outras 39% eram do estoque informal — originalmente pertenciam a pessoas sem antecedentes criminais, mas nunca foram registradas. Apenas 28% tinham origem criminosa… Do total de armas registradas, cerca de dois terços pertenciam a pessoas físicas, um terço ao Estado (polícias, Forças Armadas etc.)”.

Basta você ler com atenção e a fraude embutida salta do pacote gritando: “Surpresa!”, como aquelas garotas do bolo de aniversário nos filmes de máfia. Armas sem registro não provêm do comércio lícito. Estão fora da lei. Classificá-las eufemisticamente de “informais” não modifica em nada a sua condição. Portanto, 67 por cento das armas apreendidas eram ilegais. Sessenta e sete? Nada disso. Dos 33 por cento restantes, um terço pertencia ao Estado. Sobram 22 por cento de armas lícitas roubadas. Setenta e oito por cento das armas usadas na prática de crimes ao longo de seis anos eram de origem ilegal. Exatamente o contrário do que diz o título.

O jornal ainda reforça a informação errônea explicitando a sua conclusão, para maior didatismo do engano: “Para Rubem César Fernandes, do Viva Rio, a pesquisa é um argumento único a favor do desarmamento no Brasil.” Único no sentido de ímpar, inigualado, lindão mesmo.

Aí o engodo aparentemente simples do título sobe às alturas de uma fraude lógica requintada. Pois aqueles 22 por cento abrangem somente armas de origem legal que passaram às mãos de criminosos. Não incluem de maneira alguma as que permanecem em poder de seus donos legítimos – aqueles mesmos cidadãos de bem que matam por nada, por frescura, em transes repentinos e inexplicáveis. Se estes e não os bandidos, segundo o discurso desarmamentista, são os responsáveis pela maior quota de crimes com armas de fogo, então é óbvio que, quanto mais armas são roubadas dessas perigosas criaturas e postas a serviço da bandidagem, mais diminui o poder de fogo da parcela mais perigosa da sociedade. O roubo de armas, nessa perspectiva, é uma ajuda providencial que os delinqüentes dão à manutenção da ordem pública. A análise do discurso desarmamentista revela implacavelmente essa premissa maior oculta. O desarmamentista coerente, em busca de um “argumento ímpar” para a proibição do comércio de armas, o encontraria portanto num índice baixo, e não alto, de armas legais roubadas. O índice é realmente baixo, como o demonstra a pesquisa. Mas a premissa maior é imoral e absurda demais para ser declarada em voz alta. Para tornar o silogismo digerível é preciso então uma dupla camuflagem: inverter as proporções no título e em seguida convocar o sr. Rubem César para tirar delas uma conclusão também invertida. Tudo parece lógico e veraz, quando é completamente irracional e falso.

É que a inverdade, por si, às vezes não pega. Para aumentar sua aderência é preciso acrescentar-lhe uma dose de absurdo. Não basta mentir: é preciso estontear a vítima para que, mesmo percebendo vagamente a mentira, não consiga discerni-la da verdade.

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“João Figueiredo: Missão Cumprida”, coletânea organizada por Gilberto Paim, com colaborações de Paulo Mercadante, Jarbas Passarinho e outros (Rio, Escrita, 2005), é um ato de coragem. É preciso uma lucidez destemida para admitir o que no fundo todo mundo sabe: que, comparado a Lula, Figueiredo foi um ótimo presidente.

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