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O Estado covarde

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial), 21 de fevereiro de 2006

Uma coisa espantosa no Brasil de hoje é a candura, a inocência pueril ou mongolóide com que, num país onde ocorrem 50 mil homicídios por ano, as pessoas se acomodam à violência como uma fatalidade inevitável , dizendo de si para si que aquilo que não tem remédio remediado está, e saem buscando soluções para outros problemas em volta.

Digo cinqüenta mil porque é a estatística oficial da ONU. Segundo o repórter espanhol Luís Mir são 150 mil. Mas, se fossem cinqüenta mil, já seria o equivalente a três guerras do Iraque por ano, em tempo de paz.

Quem pode fazer a economia render, ampliar o mercado de empregos, aumentar a produção de bens, melhorar a distribuição, numa sociedade onde ninguém tem o mínimo de segurança física para saber se vai voltar vivo do trabalho? Quem pode pensar em educação, saúde, habitação, vestuário, se está sob ameaça de morte 24 horas por dia?

Isso é tudo ilusão, besteira, desconversa. Sem segurança não há progresso, educação, saúde, nem coisa nenhuma. Todo mundo sabe disto e faz de conta que não sabe. Faz de conta porque tem medo de enfrentar o problema fundamental, e então sai brincando de resolver os problemas periféricos só para dar “a si mesmo ou à platéia” a impressão de que está fazendo alguma coisa.

A taxa anual de homicídios no Brasil significa, pura e simplesmente, que não há ordem pública, não há lei nem direito, não há Estado, não há administração, há apenas um esquema estatal de dar emprego para vagabundos, sanguessugas, farsantes. O Estado brasileiro é uma instituição de auto-ajuda dos incapazes. E você, brasileiro, paga. Paga a pantomima toda. Paga para o sr. Gilberto Gil fazer de conta que é culto, paga para o sr. Nelson Jobim fazer de conta que é honesto, até para o sr. Lula da Silva fazer de conta que preside alguma coisa.

O Brasil, na verdade, só tem dois problemas: a insegurança geral e a inépcia da classe dirigente. O primeiro não deixa ninguém viver e o segundo anestesia a galera para que não ligue e trate de pensar em outra coisa.

Desaparecidos esses dois problemas, a sociedade encontraria sozinha as soluções dos demais, sem precisar da ajuda de governo nenhum. A sociedade pode perfeitamente criar e distribuir riqueza, dar educação às crianças, encontrar meios de que todos tenham uma renda decente, moradia, saúde, assistência na velhice.

O que a sociedade não pode é garantir a ordem pública pela força das armas e educar os governantes para que governem. Isso tem de vir do Estado. Mas o Estado, justamente para não ter de fazer o que lhe compete, prefere se meter em todo o mais. É o Estado educador, o Estado médico, o Estado assistente social, o Estado onissapiente. Só não é o Estado-Estado. Só não é o que tem de ser.

É o Estado que tem cada vez mais poder sobre os cidadãos e menos poder contra os inimigos do cidadão. É o Estado santarrão, pomposo, grandiloqüente e covarde.

Puro teatro, nada mais

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 20 de fevereiro de 2006

Quarta-feira, dia 15, a Folha de S. Paulo publicou uma entrevista minha, apresentando-me como o “decano”, entre merecidíssimas aspas, de uma nova corrente política de direita que estaria surgindo no país, e convocando, naturalmente, meia dúzia de tagarelas de esquerda para sondar as causas de tão alarmante fenômeno.

O fato mesmo de que ele tenha de ser explicado mostra o quanto parece anormal e surpreendente no Brasil de hoje.

Sou testemunha direta e pessoal da estranheza, mista de terror pânico, que a simples hipótese de alguma resistência, mesmo isolada, mínima e solitária, suscitava entre os esquerdistas uns anos atrás. Lembro-me perfeitamente bem da brutalidade mental psicótica com que reagiram ao meu ingresso em cena, reunindo-se instantaneamente em esquadrões de emergência para repelir o intruso. Os métodos usados revelavam a gravidade apocalíptica que enxergavam no episódio: xingar histericamente o recém-chegado, fingindo ao mesmo tempo superior desprezo olímpico; criminalizá-lo, atribuindo-lhe toda sorte de ligações sombrias com pessoas e entidades que ele ignorava por completo; acusá-lo alternadamente de ser um agente bem pago de potentados internacionais e um pé-rapado a quem ninguém jamais pagaria coisa alguma; suprimir toda menção aos seus livros e aulas de filosofia, para dar a impressão de que se tratava de um mero polemista de mídia; espalhar toda sorte de invencionices contra ele nas salas de aula, longe da possibilidade de uma resposta; por fim, mobilizar estudantes fanatizados para que o agredissem e matassem, e ao mesmo tempo chamá-lo de “raivoso”, como se numa competição de hidrofobia eu fosse páreo para terroristas e assassinos.

Tais foram os procedimentos de critica literária usados para o meu livro O Imbecil Coletivo .

Tudo isso revela até que ponto o esquerdismo era e é ainda o estado normal e obrigatório em toda a mídia, em todo o movimento editorial, devendo qualquer exceção ser denunciada como ameaça à ordem pública ou sintoma de desarranjo mental. À imagem e semelhança do que as placas nos botequins nos advertem quanto à condição de corintiano, o ser humano nasce, cresce, vive e morre esquerdista. Quando ele se recusa a fazer isso e já não se pode dar um sumiço no desgraçado, então é preciso chamar uma junta médica para diagnosticá-lo.

Dada a situação premente, alguns dos diagnósticos assumem a forma de uma busca de culpados pelo advento de semelhante descalabro.

Culpados não são difíceis de encontrar. O ambiente doméstico da esquerda tem hoje uma superpopulação de sacos de pancada. Se não fosse o “tombo ético” (sic) da administração petista, conjetura o jornal, parece que Olavo de Carvalho e quejandos jamais emergiriam das trevas do anonimato onde jaziam soterrados por um decreto da justiça cósmica.

Da minha parte, jamais vi “tombo ético” algum. Originado da promiscuidade entre o movimento sindical e a pseudo-intelectualidade uspiana, o PT é filho de um vigarista com uma prostituta. Nasceu ladrão e só evoluiu nos métodos. Exemplo da conduta de seu pai é a confissão da CUT, já em 1993, de que tinha oitocentos jornalistas na sua folha de pagamentos – uma compra de consciências por atacado que só encontra paralelo, talvez, no orçamento da KGB. Quanto à mamãe, tem vivido da impostura intelectual e do corporativismo mafioso da esquerda pelo menos desde os anos 50.

As denúncias de corrupção grossa no PT já datam de 1990. O único resultado que produziram foi a expulsão do denunciante. Atribuir a roubalheira atual a um “tombo” é um truque de linguagem usado pelos gerenciadores de danos para limpar o passado na imagem de um presente que já não se pode salvar. Sabem que no momento perderam toda credibilidade, mas querem guardar para o futuro os dividendos de uma lenda de santidade laboriosamente construída com a ajuda dos oitocentos empregadinhos da CUT.

O expediente serve também para cada um tirar o corpo fora da responsabilidade pela criação do monstro vexaminoso que é o PT no poder. Não havia nessa droga de partido um só militante ou simpatizante medianamente alfabetizado que, em 2002, ignorasse as denúncias de Paulo de Tarso Venceslau ou do irmão do prefeito Celso Daniel, nem os esforços da cúpula partidária para abafar ambos esses escândalos, esforços que, no segundo desses casos, vieram a ocorrer — por coincidência, por pura coincidência, é claro – junto com o assassinato de seis testemunhas do processo. Se todos se recusaram a ver aí qualquer sinal de bandidagem no partido; se não só continuaram a confiar nele mas redobraram a aposta na sua idoneidade, ao ponto de fazer da eleição de Lula um acontecimento comparável ao Segundo Advento, por que foi? Só pode ter sido por uma destas duas razões: ou apegaram-se tão fanaticamente ao mito da santidade petista que mesmo fatos visíveis com os olhos da cara não podiam abalar sua fé; ou, ao contrário, sentiam perfeitamente o mau cheiro mas preferiram tampar o nariz para não perder a oportunidade de ter amigos e correligionários no poder, por mais fedidos que fossem. Na primeira hipótese, mostraram-se obstinados na credulidade até o limite da estupidez criminosa. Na segunda, provaram ser tão maldosos e vigaristas quanto qualquer José Dirceu. Em ambos os casos, desqualificaram-se completamente para qualquer ofício intelectual que se preze.

Duvido que, no fundo, muito no fundo, cada um deles não saiba disso perfeitamente bem e, ao contemplar-se solitário no espelho, não se veja com orelhas de burro ou feições de criminoso.

Como atenuar semelhante desconforto? Apelando, é claro, ao mesmo recurso de sempre: fingimento, pose, histrionismo. O intelectual ativista do Terceiro Mundo é, por tradição, um ator, um palhaço, um tipo caricato que, no esforço de ocultar seu próprio ridículo, se torna patético. É alguém que se alimenta da mentira e do auto-engano em doses que, para o cidadão comum, seriam letais.

Para camuflar ao mesmo tempo sua própria desmoralização e, de modo geral, a debacle irreversível do pensamento de esquerda no mundo, os diagnosticadores do neodireitismo empinam o narizinho, levantam professoralmente o dedo indicador, e, ante um público que presumem ignorar tudo, imitam seus próprios trejeitos de superioridade acadêmica de outras épocas, tentando mostrar que ainda são os donos do pedaço, os juízes supremos de toda aspiração intelectual possível, imbuídos da autoridade de barrar na porta os pretendentes novatos.

É claro que essa superioridade, mesmo em tempos passados, já era pura propaganda enganosa. O boicote geral a um Gustavo Corção ou a um Gilberto Freyre, o silêncio obsceno em torno da obra de um João Camilo de Oliveira Torres, já provavam que não havia ninguém na esquerda com cacife para discutir com qualquer dos três.

Mas, não podendo arrogar-se ostensivamente uma qualidade que já sabem duvidosa, limitam-se a dá-la como pressuposto implícito, na esperança de que seja aceita por distração. E, fazendo-se de juízes justos que só medem o similar pelo similar, tratam de ostentar desprezo à “nova direita” por meio de comparação com a “velha”, proclamando que já não há na praça nenhum Mário Henrique Simonsen, nenhum Roberto Campos, nenhum José Guilherme Merquior.

O grotesco da performance não tem limites. Desde logo, se esses três são até hoje os modelos de intelectuais conservadores mais citados pela esquerda, é graças apenas à afinidade que têm com ela, os dois primeiros por serem economistas e argumentarem numa clave bastante acessível ao cérebro esquerdista médio, o terceiro por ter raízes no esquerdismo acadêmico e jamais tê-las cortado para valer, ao ponto de só ter trocado o seu marxismo cultural de juventude por um ateísmo burguês de molde iluminista bem típico, inteiramente compreensível à mentalidade de seus adversários. O esquerdismo é uma cultura tribal, um círculo etnológico fechado que, no universo em torno, só reconhece o que lhe é semelhante. Mesmo o antagonismo já tem de vir catalogado, senão é tido por inexistente. Ninguém da tribo se aventurou jamais, por exemplo, a uma discussão com Miguel Reale, espírito incalculavelmente superior aos três citados, porque isso obrigaria a leituras que escapavam, de longe, à esfera de percepções habituais da esquerda na época. Muito menos havia na taba quem pudesse entender, mesmo por alto, a obra de um Vicente Ferreira da Silva, de um Vilém Flusser, de um João Camilo, de um Paulo Mercadante. Nem menciono Mário Ferreira dos Santos, tão grande que escapa não apenas à visão, mas à imaginação esquerdista. Não que o desconhecessem. Conheciam-no perfeitamente, e passaram por tantas humilhações na presença dele que por fim o excluíram do seu horizonte de consciência, como se faz com um trauma que não se consegue superar. Amputados os andares superiores, a cultura conservadora recortada à escala do QI esquerdista compõe-se de dois economistas e um crítico literário – muito bons os três, cada um no seu domínio, mas nenhum necessário, em termos absolutos, à formação de um pensamento conservador intelectualmente relevante.

Ao escolher essa régua para medir a “nova direita”, os saberetas consultados pela Folha mediram-se tão somente a si mesmos.

No mais, o fenômeno conservador que assinalam, abstraída a minha obra pessoal da qual não se aventuram a dizer um “a”, pois não são bobos de dar a cara a tapa, se limita até agora à crítica jornalística, o que torna ainda mais extemporâneo o julgamento que fazem. Esse neoconservadorismo, ainda no berço, não tem sequer expressão política, quanto mais uma produção bibliográfica que pudesse ser confrontada com as de Merquior, Simonsen e Campos, acumuladas ao longo de décadas de trabalho. As próprias condições adversas em que surgiu, incomparáveis com o conforto e a segurança de que desfrutaram esses três, tornam o paralelo esboçado na Folha apenas um exercício de cinismo e impropriedade, bem ao feitio de quem, não tendo a menor idéia de onde está, quer dar a impressão de que está por cima.

Mas não imaginem que empreendimentos diagnósticos dessa natureza sejam exclusividade brasileira. Nos EUA pululam hoje em dia estudos sobre a “direita religiosa”, procurando caracterizá-la como um fenômeno inédito, estranhíssimo e necessitado de explicação científica, como se os primeiros Founding Fathers já não fossem conservadores religiosos, como se a América não tivesse sido sempre o país mais cristão e pró-capitalista do universo, como se tivesse sido desde a origem uma nação de socialistas ateus que, de repente, com susto enorme, vissem descer do Mayflower o primeiro pregador protestante.

Esquerdismo é teatro, nada mais.

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Vocês não conseguem imaginar como, vista dos EUA, a mídia brasileira é boba em tudo o que noticia da política americana. O pessoal aí continua fazendo barulho em torno da “invasão de privacidade”, que é como chamam as gravações de telefonemas de terroristas, enquanto aqui o Partido Democrata e o Republicano já entraram num acordo de nem investigar mais o assunto.

Cabeça de político americano é absolutamente impenetrável ao olhar rombudo dos nossos jornalistas. No Brasil, quando alguém lança uma campanha de mídia contra um governante, é porque pretende criar uma CPI contra ele, meter-lhe um processo, submetê-lo a impeachment , acabar com a raça do desgraçado. Nos EUA, fazer onda na mídia significa exatamente que não se pode fazer nada disso contra o sujeito. Quando se tem alguma coisa de substantivo para fazer, faz-se logo de cara. O barulho nos jornais vem depois. Quando são estes últimos que começam a encrenca, geralmente ela pára por aí. No caso De Lay, ninguém anunciou nada contra ele. O infeliz acordou com um processo nas costas. Se não houvesse meio de dar um jeito nele, lançariam uma chuva de calúnias no Washington Post . A mídia chique americana é o instrumento por excelência do blefe político. A rigor, só serve para isso. Para obter informação, você tem de ir direto aos aos think tanks dos partidos e suas respectivas publicações impressas e eletrônicas, que são muitas.

Qualquer correspondente estrangeiro tem a obrigação de saber disso, mas, se o bicho é brasileiro, todo o trabalho dele consiste em acordar do porre às duas horas da tarde e copiar o New York Times , que, cá entre nós, só serve para embrulhar peixe (experimentem só dar uma espiada no site http://www.timeswatch.org ). Foi por esse método que toda a nossa mídia celebrou antecipadamente a vitória de John Kerry nas últimas eleições.

Se alguém ainda lê os jornalões brasileiros, é por saudosismo. Lêem como num ritual espírita, à espera de que ali baixem o dr. Júlio Mesquita ou o dr. Roberto Marinho.

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Meu amigo Caio Rossi chama-me a atenção para um artigo importantíssimo de Amir Taheri no New York Post (jornalzinho bom) de 12 de fevereiro. Sob o título “Hijacking Islam” (“Raptando o Islam”), confirma plenamente o que eu disse nas minhas conferências no Centro Israelita Brasileiro e no Clube “A Hebraica”: o neo-radicalismo islâmico não é “fundamentalista” coisa nenhuma, é uma espécie de “teologia da libertação” islâmica, uma criação de marxistas safados que decidiram fazer de trouxa a multidão dos crentes, o que aliás não é difícil: os árabes são só oito por cento do mundo islâmico, o restante só sabe o Corão por decoreba e acredita em tudo o que algum palpiteiro bem falante diz que está no livro. Não consegui ter acesso ao artigo na página do jornal, mas encontrei-o reproduzido no site http://www.benadorassociates .com/article/19322 . Não deixem de ler.

Malditos imperialistas

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 19 de fevereiro de 2006

(RICHMOND, VIRGINIA) – Querem saber como funciona o odioso imperialismo americano? Vou lhes mostrar.

Até os anos 60, o governo dos EUA era obrigado, por lei, a estocar reservas de comida suficientes para, no caso de guerra ou crise mundial, alimentar cada cidadão do país por três anos.

Então alguém convenceu o Congresso a dar comida de graça para as populações pobres de outros países.

Desde então, as remessas ao exterior não cessaram de aumentar, e as reservas não cessaram de diminuir.

Em 1996, o governo anunciou que o estoque restante bastava para apenas três dias.

Em 11 de setembro de 2001, os silos do governo estavam quase vazios. Povos que tinham se alimentado do estoque durante anos saltavam nas ruas, festejando a morte de três mil americanos.

E quantidades cada vez maiores de comida continuaram sendo doadas aos pobres da Ásia, da África e da América Latina.

Em 2003, o Departamento de Agricultura parou de medir a reserva estatal em dias, porque restava menos que o suficiente para um dia por pessoa. Logo depois, parou completamente de medir a reserva estatal, que era irrisória, e começou a somar a totalidade da comida circulante no país, incluindo as prateleiras de supermercados. Todo o alimento de consumo diário passou a ser computado como reserva de emergência. Somado, dava 34 quilos por pessoa: o total da comida disponível era dezoito vezes menor que o estoque de emergência de 1960.

E as remessas para os países pobres continuavam aumentando.

Em 2005, com ameaças de guerra pipocando por toda parte, metade do mundo unida numa feroz campanha anti-americana, o estoque total baixou para 7,1 quilos por pessoa. Uma queda de 80 por cento em dois anos.

Militarmente, o ponto mais vulnerável da defesa americana é a comida. Mas ninguém pensa em reduzir a ajuda ao exterior.

Quando vocês me apontarem um caso análogo em toda a história universal, quando me mostrarem alguma nação que tenha se prejudicado a si mesma, consciente e deliberadamente, para socorrer aqueles que em retribuição a xingam e sonham com a sua destruição, então talvez eu comece a desconfiar que os americanos sejam um povo tão ruim quanto qualquer outro.

Até o momento, vivendo aqui desde maio do ano passado, só tenho motivos para acreditar que são melhores. Logo na semana em que cheguei, entrei numa igreja protestante do interior. Só caipira. Sabem o que os malditos rednecks estavam fazendo? Coleta para as crianças pobres… do Brasil.

Cinqüenta entre cada cem americanos fazem trabalho voluntário – a favor de “minorias” locais ou, em geral, de populações do Terceiro Mundo. Claro, de outras nações também sai dinheiro para o mesmo destino. Mas vem de governos, de instituições, de empresas. Um povo, mães e pais de família largando seus afazeres para cuidar de gente que nunca viram – isso nunca houve em parte alguma. Só aqui. O advento de uma sociedade capaz de criar esse tipo de pessoas é o acontecimento mais notável da história moral da humanidade.

Os brasileiros não podem entender isso porque, como se sabe, eles se dividem genericamente em dois tipos: adultos ricos e remediados que, da janela de seus carros, espantam com gritos e ameaças as crianças pobres que lhes vêm pedir dinheiro; e crianças pobres que, descrentes da caridade pública, vão trabalhar para o narcotráfico ou, armadas de faças ou lascas de garrafas, assaltar os ricos e remediados. Com essa tremenda autoridade moral é que falamos dos americanos.

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