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Da mediocridade obrigatória

Olavo de Carvalho

Folha de São Paulo, 25 de agosto de 2014

          

“Admirar sempre moderadamente é sinal de mediocridade”, ensinava Leibniz. Uma das constantes da mentalidade nacional é precisamente o temor de admirar, a necessidade de moderar o elogio – ou mesmo entremeá-lo de críticas – para não passar por adulador e idólatra.

Já mencionei esse vício em outros artigos, assinalando que ele resulta em consagrar a mediocridade como um dever e um mérito – às vezes, a condição indispensável do prestígio e do respeito.

Entretanto, não é um vício isolado. Vem com pelo menos mais dois, que o prolongam e consolidam.

O primeiro é este: ao contrário do elogio, a crítica, a detração e até mesmo a difamação pura e simples não exigem nem admitem limite algum, nem precisam de justificação: é direito incondicional do cidadão atribuir ao seu próximo todos os defeitos, pecados e crimes reais ou imaginários, ou então simplesmente condená-lo ao inferno por lhe faltar alguma perfeição divina supostamente abundante na pessoa do crítico. Esse vício faz do efeito Dunning-Kruger (incapacidade de comparar objetivamente os próprios dons com os alheios) mais que uma endemia, uma obrigação.

O segundo é talvez o mais grave: na mesma medida em que se depreciam os méritos de quem os tem, exaltam-se até o sétimo céu aqueles de quem não tem nenhum. O mecanismo é simples: se as altas qualidades excitam a inveja e o despeito, a mediocridade e a incompetência infundem no observador uma reconfortante sensação de alívio, a secreta alegria de saber que o elogiado não é de maneira alguma melhor que ele.

A compulsão de enaltecer virtudes inexistentes torna-se uma modalidade socialmente aprovada de autoelogio.

Da pura depreciação de méritos reais passa-se assim à completa inversão do senso de valores, onde a mais alta virtude consiste precisamente em não ser melhor que ninguém.

Essa inversão já era bem conhecida desde a Teoria do Medalhão, de Machado de Assis, e as sátiras de Lima Barreto. Mas nas últimas décadas foi levada às suas últimas conseqüências, na medida em que a esquerda ascendente, ávida de autoglorificar-se e depreciar tudo o mais, precisava desesperadamente de heróis, santos e gênios postiços para repovoar o imaginário popular esvaziado pela “crítica radical de tudo quanto existe” (expressão de Karl Marx).

A lista de mediocridades laureadas começa nos anos 60 com o presidente João Goulart, o arcebispo Dom Hélder Câmara, o almirante Cândido Aragão, o criador das Ligas Camponesas – Francisco Julião –, o doutrinador comunista Paulo Freire e toda uma plêiade de coitados, erguidos de improviso à condição de “heróis do povo” e incapazes de oferecer qualquer resistência ao golpe militar que os pôs em fuga sem disparar um só tiro.

Nas décadas seguintes, o insignificante cardeal Dom Paulo Evaristo Arns transfigurou-se num novo S. Francisco de Assis por fazer da Praça da Sé um abrigo de delinquentes; o sr. Herbert de Souza, o Betinho, por ter tido a ideia maliciosa de transformar as instituições de caridade em órgãos auxiliares da propaganda comunista, foi proposto pela revista Veja, sem aparente intenção humorística, como candidato à beatificação; e o sr. Lula da Silva, sem ter trabalhado mais de umas poucas semanas, foi elevado ao estatuto de Trabalhador Arquetípico, preparando sua eleição à Presidência da República e a pletora de títulos de doutor honoris causa que consagraram o seu orgulhoso analfabetismo como um modelo superior de ciência.

Nesse ínterim, é claro, a produção de obras literárias significativas reduziu-se a zero, milhares de indivíduos incapazes de conjugar um verbo tornaram-se professores catedráticos, as citações de trabalhos científicos brasileiros na bibliografia internacional foram se reduzindo até desaparecer e o número de analfabetos funcionais entre os estudantes universitários subiu a quase 50%.

Não por acaso os alunos das nossas escolas secundárias começaram a tirar sistematicamente os últimos lugares nos testes internacionais, ficando abaixo de seus colegas da Zâmbia e do Paraguai – resultado que um ministro da Educação achou até reconfortante, pois, segundo ele, “poderia ter sido pior” (até hoje ninguém sabe o que ele quis dizer com isso).

A devastação geral da inteligência lesou até alguns cérebros que poderiam ter dado exemplos de imunidade à estupidez crescente. Nos anos que se seguiram ao golpe de 1964, os partidos comunistas conseguiram cooptar, sob o pretexto de “luta pela democracia”, vários intelectuais até então cristãos e conservadores, que, travados pelo senso das conveniências imediatas, foram então perdendo seus talentos até chegar à quase completa esterilidade.

Desse período em diante, Otto Maria Carpeaux nada mais escreveu que se comparasse à História da Literatura Ocidental (1947) ou aos ensaios de A Cinza do Purgatório (1942) e Origens e Fins (1943); Ariano Suassuna nunca mais repetiu os “tours de force” do Auto da Compadecida (1955) e de A Pena e a Lei (1959). Alceu Amoroso Lima deixou de ser o filósofo de O Existencialismo e Outros Mitos do Nosso Tempo (1951) e de Meditações sobre o Mundo Interior (1953), para tornar-se “poster man” da esquerda e garoto-propaganda do ridículo Hélder Câmara.

Nada disso foi coincidência. A total subordinação da cultura superior aos interesses do Partido é objetivo explícito e declarado da estratégia de Antonio Gramsci, um sagui intelectual que se tornou, entre os anos 60 e 90 do século passado, o guru máximo das consciências e o autor mais citado em teses acadêmicas no Brasil.

Comparados aos feitos da esquerda no campo da educação e da cultura, o Mensalão, o dinheiro na cueca e a roubalheira na Petrobras recobrem-se até de uma aura de santidade..

Mais um caso de histeria

Olavo de Carvalho

Folha de São Paulo, 17 de agosto de 2014

          

O problema de muitos “formadores de opinião”, no Brasil de hoje, não é a burrice em estado puro, mas aquela burrice em segunda potência que nasce do impulso histérico de criar uma frase e, ouvindo-a da própria boca, acreditar nela pela simples razão de ter conseguido dizê-la.

O histérico vive em um mundo fictício composto inteiramente de autopersuasão. Daí ao mais extremo analfabetismo funcional o passo é bem curto. Quando o histérico lê alguma coisa, não entende aquilo que está escrito, mas o que desejaria que estivesse escrito. E acredita piamente que foi isso o que leu.

Um desses, um tal de Renato Rovai, leu no meu Facebook a seguinte afirmação: “O governo torna sigilosas as investigações de acidentes aéreos e poucos dias depois já vem um acidente aéreo politicamente relevante. Ou o acaso está gozando da nossa cara, ou não é acaso.” Que é que ele fez com isso? Imediatamente tascou no seu blog do Portal Forum: “Olavo de Carvalho culpa Dilma pela morte de Eduardo Campos”.

Qualquer pessoa razoavelmente alfabetizada, com uma inteligência mediana não entorpecida por impulsos neuróticos incoercíveis, entende que uma sentença construída em modo alternativo sugere duas hipóteses e nenhuma certeza.

No episódio presente, um acaso irônico ou a vaga possibilidade de um crime. Transformar isso na afirmação peremptória da ocorrência de um crime, seguida da identificação positiva de um culpado, é, sem a menor dúvida possível, obra de imaginação histérica.

Com toda a certeza o sr. Rovai desejaria mesmo que eu tivesse dito a enormidade que me atribui. Assim poderia facilmente pintar-me como um caluniador fantasista, à perfeita imagem e semelhança dele próprio, e, escondendo-se por trás de um autorretrato com o meu nome, acreditar-se melhor que eu. Um histérico, na verdade, não faz outra coisa na vida senão representar cenas autolisonjeiras no seu teatrinho mental para não ter de tomar consciência da sua deplorável miséria humana.

Tão agudamente necessitado de fazer-se de superior estava o sr. Rovai, que me descreveu como alguém “que é considerado filósofo por ‘gênios’ do estilo de Roger, o ex-cantor e pretenso humorista”, sem nem por um segundo levar em conta que:

(1) O sr. Roger, do qual só tive notícia ontem, não consta ter jamais emitido a menor opinião a meu respeito. A busca no Google aponta o meu nome junto a dois Rogers – Scruton e Kimball – mas não a esse.

(2) Uma breve pesquisa no meu currículo e nos documentos que o embasam (http://www.olavodecarvalho.org/english/life-and-works.html) teria bastado para mostrar que quem me considera filósofo (e até, vejam vocês, bom filósofo) não são gênios entre aspas, mas alguns dos maiores intelectuais do Brasil e do mundo, como Miguel Reale, Josué Montello, Herberto Sales, Roberto Campos, Ariano Suassuna, Alexandre Costa Leite, Romano Galeffi, David Walsh, Antoine Danchin e uma infinidade de outros, além de uns ministros de Estado e dois ex-presidentes da República.

Um jornalista sério, quando se refere a um escritor, pode falar dele bem ou mal, mas não pode esconder sob uma pueril afetação de desprezo uma identidade histórica solidamente formada e comprovada. Pode, por exemplo, não gostar de Ariano Suassuna, de Jorge Amado ou de mim, mas não pode dizer que só humoristas fracassados apreciam o que escrevemos.

Isso não é jornalismo: é fabulação histérica. Um jornalista escreve para contar algo do que vê e do que sabe. Um histérico, para compensar seus recalques com grotescos trejeitos de superioridade fingida.

Dito isto, é certo que o sr. Rovai, cujas realizações intelectuais não chegaram a ser louvadas nem mesmo por algum humorista fracassado, pela incontestável razão de que não existem, vai quase que infalivelmente tentar tirar proveito retroativo do vexame, fazendo-se de importante pelo simples fato de que lhe consagrei estas linhas.

Para tirá-lo dessa ilusão, peço-lhe que releia a primeira frase deste artigo, onde a deformação histérica da linguagem aparece como fenômeno generalizado e epidêmico, do qual ele não é senão um exemplo entre milhares, aqui escolhido precisamente porque ilustra muito bem até que ponto essa patologia intelectual pode atrofiar o julgamento e eliminar o senso de realidade.

Lembro aos leitores o diagnóstico já clássico do dr. Andrew Lobaczewski: quando um grupo de psicopatas assume o poder e controla a sociedade, o bombardeio de mentiras oficiais, debilitando na população o impulso de dizer o que vê e o que sente, e substituindo-o pela compulsão de repetir o que ouve, acaba por gerar uma multidão de apoiadores histéricos, cuja única função na vida é fingir para poder persuadir-se e persuadir-se para poder fingir.

Quando as coisas chegam a esse ponto, todos os critérios de realidade foram abolidos e toda possibilidade de ação racional eliminada: é o Império do Mal, onde o caos e o crime podem espalhar-se à vontade, sem que ninguém tenha a autoridade moral de detê-los.

A atuação pública inteira do sr. Rovai não é senão uma ilustração, especialmente miserável, desse estado de coisas.

Terrorismo e outras notinhas

Olavo de Carvalho

Folha de São Paulo, 7 de agosto de 2014

          

A profecia de Fátima – “Os erros da Rússia se espalharão pelo mundo”– faz cada vez mais sentido. Estou lendo Death Orders. The Vanguard of Modern Terrorism in Revolutionary Russia, de Anna Geifman (Praeger International, 2010), onde aprendo que o terrorismo foi de cabo a rabo uma invenção russa, que começou como um fenômeno local e hoje é um flagelo mundial.

A autora também desfaz a confusão alimentada pelos espertalhões que disseminam e pelos bobocas que repetem o lugar-comum: “O terrorista de um é, para o outro, um combatente pela liberdade”. O terrorismo, explica a Profa. Geifman, define-se por um traço inconfundível que o distingue da morte de civis causada acidentalmente em ataques a alvos militares: terrorismo é ato de violência premeditadamente, deliberadamente calculado para espalhar o terror na população civil e, assim, fomentar a desordem social com vistas a determinados fins políticos.

Nivelar, para distingui-los, o “terrorista” e o “combatente pela liberdade” é uma confusão de gêneros. Disseminada pela malícia ou pela ignorância, obscurece o fato de que o terrorismo é uma tática de combate e não o motivo ideológico do combate.

Atos como a explosão de uma bomba no Aeroporto de Guararapes, em 1966, ou o atentado ao Consulado Americano em São Paulo, em 1968, foram crimes de terrorismo no sentido mais literal e exato do termo, e continuariam a sê-lo mesmo que os seus autores estivessem, no seu próprio entender, “combatendo pela liberdade” e não pelo comunismo como de fato estavam.

Não existe nada de inexato ou de insultuoso em chamar de terroristas pessoas como Dona Dilma Rousseff ou o srs. Franklin Martins e José Dirceu. É uma simples questão de propriedade vocabular.

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Os israelenses defendem seus filhos. Os heróicos palestinos escondem-se atrás dos seus para poder acusar os judeus de matar criancinhas. “Escudo humano” é uma invenção da KGB. Terroristas “palestinos” usam o mesmo truque sujo dos vietcongues. Mesclam-se à população civil para que não seja possível combatê-los sem matar de quebra umas quantas vítimas inocentes e ser assim acusado de trucidar mulheres e crianças.

A coisa é guerra assimétrica em todo o esplendor da sua malícia.

Hoje em dia a afetação de ódio aos antissemitas do passado coexiste com o descarado amor aos do presente.

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O maior problema da esquerda no Brasil é que não tem políticos nem empresários de direita para perseguir. Então persegue alguns blogueiros e diz que está lutando contra a onipotente burguesia reacionária.

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A autoridade do “mainstream” é a autoridade da ignorância majoritária. Ninguém pode estar no meio do rebanho e à frente dele ao mesmo tempo.

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Uma coisa é usar as expressões “desinformação”, “lavagem cerebral”, “manipulação de comportamento” ou “seita” como termos técnicos, para designar os fenômenos que objetivamente lhes correspondem. Outra coisa é usá-las como rótulos infamantes para dar ares de coisa maligna a alguma idéia ou conduta que você deseja destruir. Infelizmente, este é o uso mais corrente desses termos no Brasil. Esse cacoete estilístico basta, por si, para identificar um charlatão, ou, na melhor das hipóteses, um palpiteiro ignorante.

Quem quer que saiba o que é “lavagem cerebral”, por exemplo, entende que só é possível aplicá-la a um prisioneiro ou a alguém sobre o qual se tenha controle direto e permanente. Um professor não pode aplicar “lavagem cerebral” a alunos que depois da aula vão para casa, Muito menos é possível fazer “lavagem cerebral” à distância, por internet ou qualquer outro meio.

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Todas as teorias científicas do passado, sem exceção, são ensinadas nas escolas e nos manuais — para não falar da mídia e do show business — em versões adaptadas à mentalidade contemporânea, otimizadas, higienizadas, idealizadas, purificadas de todas as suas taras originárias. Quantos dos nossos estudantes de biologia leram A Origem das Espécies? Quantos estudantes de física aprenderam a gravitação universal diretamente nos escritos de Newton? Quantos, por jamais ter lido Galileu, acreditam que ele provou suas teses no confronto com a Inquisição? Ignorar a história da ciência que pratica parece ser uma conditio sine qua non para alguém falar em nome da ciência hoje em dia. O Galileu que venceu por argumentos científicos o “obscurantismo inquisitorial” é uma criação ficcional dos séculos posteriores. Na verdade ele levou uma surra intelectual memorável de S. Roberto Belarmino. Suas teses foram corroboradas mais tarde por meios que ele nem poderia imaginar.

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Quando um estudante medíocre domina suficientemente a matemática da ciência física e percebe a sua coerência com os testes empíricos, ele acredita ingenuamente que essa física corresponde à “realidade”, sem notar que “realidade” não é um conceito nem físico, nem matemático (nem aliás definível nos termos de qualquer ciência experimental). É de espantar que semelhante imbecil não entenda a diferença entre colocar em dúvida a validade ontológica da relatividade e “contestar Einstein”?

Dentre todos os erros de lógica, a ignoratio elenchi — não perceber qual o ponto em discussão — é o mais difícil de corrigir. Nenhum argumento lógico tem o poder de infundir discernimento num cretino. Nenhuma ciência experimental pode ir além da coincidência entre teoria e experimento, o que está infinitamente aquém do necessário para estabelecer uma “realidade” — coisa que Leibniz já ensinava no século 18.

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