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Obra-prima de vigarice

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 12 junho de 2009

“Queimada”, dirigido em 1969 por Gillo Pontecorvo e estrelado por Marlon Brando, Evaristo Marquez e Renato Salvatori, é um dos pontos altos do cinema comunista italiano – uma espécie de segundo neo-realismo, nascido nos anos 60 sob a inspiração de uma década e meia de leitura das obras de Antonio Gramsci pelos intelectuais militantes, tanto do PCI quanto das organizações maoístas e trotsquistas. A escola, intelectualmente sofisticada, de uma coerência ideológica e estratégica notável, foi inaugurada por “O Bandido Giuliano”, de Francesco Rosi, e “O Assassino”, de Elio Petri (ambos de 1961), e, com a ajuda do esquema de propaganda de Hollywood, veio a alcançar sucesso internacional ainda maior que o do que seu antecessor do imediato pós-guerra, muito menos uniforme ideologicamente.

Outros marcos na história desse movimento foram “Accatone”, de Pier Paolo Pasolini (1962), “A China Está Próxima”, de Marco Bellocchio (1967), “Investigação sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita”, de Elio Petri (1969), “O Conformista”, de Bernardo Bertolucci (1970), “A Classe Operária Vai ao Paraíso”, de Elio Petri (1971) e “O Caso Mattei”, de Francesco Rosi (1972).

A tônica desses filmes é mostrar a sociedade capitalista como uma infernal engenhoca protofascista de dominação, fundada na alienação das consciências, na prática endêmica da violência real e simbólica e na desinformação sistemática das multidões. Não há mal, desde a criminalidade até os amores fracassados e as doenças mentais, que aí não seja atribuído à ação maligna e camuflada da elite capitalista. Com um estilo narrativo frio e impessoal, evitando com cuidado o tom abertamente propagandístico e simulando investigação documentária dos acontecimentos (recurso usado com outros fins pelo primeiro neo-realismo), a escola consegue dar ares de pura realidade às mais prodigiosas falsificações históricas e sociológicas, ludibriando as multidões de patetas que guincham e se retorcem de prazer diante dessas coisas nos festivais de cinema como macaquinhos eletrizados por uma máquina de orgasmos.

“Queimada” é uma verdadeira aula de interpretação marxista da História, tanto mais persuasiva porque compõe com detalhes históricos bastante exatos um conjunto perfeitamente ilógico, cuja absurdidade só aparece quando o espectador, se advertido – o que raramente acontece –, se dá conta dos pontos essenciais astutamente omitidos.

A história é a seguinte. Em 1815, Sir William Walker (Marlon Brando), guerreiro e agente secreto mercenário, é contratado para armar um golpe de Estado na ilha de Queimada, colônia portuguesa, e, sob o pretexto de republicanismo e abolição da escravatura, transferir da monarquia portuguesa para uma companhia privada britânica o monopólio da produção local de açúcar. Ele realiza seus objetivos por meio de três operações sucessivas e articuladas: primeiro, uma rebelião de escravos, artificialmente fomentada para desestabilizar o governo local, encenada sob a liderança do negro José Dolores, que o próprio Sir Walker adestra para isso; segundo, a tomada do poder por um grupo de intelectuais e políticos ambiciosos, insatisfeitos com o regime colonial e chefiados por um idealista bocó, Teddy Sanchez; terceiro, a instalação de um regime republicano liberal e corrupto sob a presidência de Teddy Sanchez, com a conseqüente assinatura de uma cessão de direitos para a exploração da cana-de-açúcar e a contratação dos antigos escravos como assalariados da companhia inglesa. Sir William volta para a Inglaterra, onde leva uma vida de bebedeiras e arruaças (dando-se a entender que a sórdida operação antiportuguesa arruinara o seu caráter). Passados dez anos, os trabalhadores das plantações de cana, insatisfeitos com os salários de fome recebidos dos novos patrões, iniciam nova rebelião, sob a liderança do mesmo José Dolores, agora porém a sério e decididos a tomar as rédeas do governo em suas próprias mãos. Teddy Sanchez, aterrorizado, incapaz de controlar a situação, pede ajuda aos empresários ingleses, que vão buscar Sir William num botequim nojento onde ele se diverte em campeonatos de pugilismo com a ralé de Londres, e o enviam de volta à ilha, com plenos poderes para sufocar a revolta. Vendo que a coisa tomara as proporções de uma verdadeira revolução social, Sir William apela ao expediente extremo, mandando atear fogo às plantações e queimando vivos os trabalhadores rebeldes junto com suas famílias. Quando, vitorioso pela segunda vez, o guerreiro genocida vai embarcar de volta para a Inglaterra, o sobrevivente José Dolores, disfarçado de carregador, mata-o a facadas.

Há muitos elementos historicamente verossímeis nesse enredo: a ação inglesa por trás dos movimentos de independência das colônias portuguesas e espanholas; a liderança republicana verbosa e sem iniciativa própria; o aproveitamento de um arremedo de revolta popular como pretexto para a tomada do poder por uma elite corrupta; a transformação dos escravos em mão-de-obra barata para o capital estrangeiro; e até o agravamento da situação dos ex-escravos, soltos no mundo para lutar pela vida em condições desiguais. Abrilhantado por uma direção ágil de Pontecorvo e pela interpretação contundente de Marlon Brando, “Queimada” tem tudo para passar por um condensado esquemático fiel e quase científico dos movimentos de independência de muitas colônias portuguesas, inclusive o Brasil, onde o filme, exibido durante a fase mais dura da repressão militar às guerrilhas, sugeria a histéricas platéias estudantis a explicação mais fácil do que estava acontecendo no país e assim indicava o exemplo de José Dolores como o mais óbvio caminho a seguir.

Naquela época, pouquíssimos espectadores poderiam ter reparado em duas omissões capciosas que, no fundo, eram todo o segredo do impacto da narrativa. Desde logo, se até para encenar uma rebelião incipiente seguida de um golpe de Estado os habitantes da ilha – escravos mais elite branca – precisaram da ajuda estrangeira, como poderiam os escravos, sozinhos, sem armamento, sem nenhum treino político e só com as duas ou três artimanhas de guerrilheiro amador que Sir William ensinara a José Dolores, montar uma verdadeira revolução social capaz de derrubar o regime republicano? Jamais ocorreu uma rebelião desse tipo em nenhuma nação do Terceiro Mundo sem a maciça ajuda estrangeira, e nada, além do puro embuste narrativo, explica que possa ter ocorrido em Queimada. Para os fins propagandísticos visados por Gillo Pontecorvo, era necessário associar capitalismo com imperialismo e revolução comunista com espontaneidade popular autóctone, condensando na tela o velho ardil da propaganda estalinista – ainda hoje inspirador do Fórum Social Mundial – que pinta o livre mercado como traição a serviço do estrangeiro e o comunismo como patriotismo.

Em segundo lugar, impressionadas com o retrato aparentemente verossímil do frio maquiavelismo capitalista, as platéias também se esqueciam de perguntar que raio de cálculo econômico era aquele, que, para a suposta salvaguarda de interesses empresariais, destruía pelo fogo a matéria-prima, os meios de produção e praticamente a totalidade da mão-de-obra disponível, tornando inviável qualquer atividade econômica na ilha por muitas décadas à frente e instaurando ali o monopólio do nada. Sir William emerge da sua segunda excursão à ilha como vencedor, sob a aparente satisfação das classes dominantes, mas, se algum equivalente dele do mundo real cometesse um desatino militar e ecômico como o que ele promoveu em Queimada, quem logicamente desejaria matá-lo não seria José Dolores, e sim os donos da empresa.

Observado segundo os critérios da própria verossimilhança histórica da qual se pavoneia, “Queimada” perde todo impacto dramático e se revela uma farsa idiota, postiça até o desespero, composta por um pseudo-intelectual de meia idade para a deleitação masturbatória de jovens aspirantes a pseudo-intelectuais.

Não há um só filme dessa escola que não se baseie nesse mesmo tipo de engodo miserável, e, compreensivelmente, não há um só deles que não tenha sido louvado uniformemente pela crítica mundial como uma obra-prima de realismo e honestidade narrativa.

Mais grotesco ainda esse gênero de filme se torna quando considerado não apenas na sua composição interna, mas nas condições sociológicas da sua produção. Se o capitalismo é mesmo como eles o descrevem, um sistema de escravização mental e física destinado a manter as multidões na total ignorância das causas da sua miséria, como se explica que a indústria mundial de espetáculos, infinitamente mais rica do que os usineiros de Queimada, subsidie e aplauda tantos filmes anticapitalistas como os de Gillo Pontecorvo, Francesco Rosi e tutti quanti, em vez de espalhar nos cinemas a apologia visual das belezas do livre mercado? A separação estanque entre as idéias dos intelectuais ou artistas e a sua condição existencial e social concreta é uma doença mental endêmica nas classes letradas do mundo Ocidental e, decerto, um dos pilares em que se assenta hoje em dia a efetiva escravização das consciências pela elite globalista.

Tanto no Brasil quanto em vários outros países, as obras do segundo neo-realismo italiano fizeram as cabeças de duas gerações de espectadores e, na condição de “clássicos”, desfrutam ainda de um prestígio considerável . Não duvido que milhares ou milhões de Emires Sáderes tenham absorvido desses filmes, e não dos livros que não leram, a substância mesma da sua ideologia e do seu modo de ser.

Um Founding Father

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 8 junho de 2009

“O desastre econômico que estamos vivendo é conseqüência da hegemonia, nos últimos trinta anos, do neoliberalismo – uma ideologia de direita que desregulou os mercados financeiros.” Assim diz, em artigo publicado na Folha do dia 1º. de junho, o ex-ministro da Economia Luiz Carlos Bresser-Pereira (v. http://www.bresserpereira.org.br/view.asp?cod=3393). Sem o mínimo esforço de provar essa afirmativa, ele salta direto dela para a conclusão automática de que, se a esquerda não está se saindo tão bem como deveria nas eleições européias, é “porque nos momentos em que esteve no poder nestes últimos trinta anos ela fez tantas concessões ao fundamentalismo de mercado neoliberal que, afinal, sua política muitas vezes se aproximava daquelas propostas pela direita”.

Ou seja: partindo da premissa de que a direita é sempre culpada de tudo, fica demonstrado que a ela cabem também as culpas da esquerda quando esta está no governo. Nem mesmo uma explicação de como simples “concessões” de um lado provam a “hegemonia” do outro o sr. Bresser-Pereira nos fornece, tão longe está da sua imaginação a hipótese hedionda de que alguém possa duvidar das suas palavras. Com o mesmo ar de certeza devota que não tem satisfações a dar aos fatos ou à lógica elementar, ele assegura que, embora contaminando-se pecaminosamente de direitismo na área econômica, no plano social os partidos de esquerda permaneceram limpos e santos, porque, recusando a tentação satânica de uma política baseada na meritocracia egoísta, “mantiveram-se fiéis à idéia de que cabe ao Estado aumentar a despesa social em educação, cuidados de saúde, previdência e assistência social e, dessa forma, diminuir a desigualdade”.

Excetuado o interregno George W. Bush – tão apegado a estatismos e intervencionismos que sua base conservadora acabou por chamá-lo de socialista e traidor –, o fato é que, no período mencionado pelo ex-ministro, quem esteve no poder não só na Europa, mas no mundo, foi a esquerda. Como é possível que uma época de tantos avanços do Estado no controle da sociedade fosse também uma de “hegemonia de direita” na esfera econômica? Seria a política – e especialmente a política social – uma esfera tão separada da economia ao ponto da independência absoluta? O Sr. Bresser-Pereira sabe que não é assim. Quando lhe interessa, ele consegue explicar os fracassos da economia pelos fatores políticos. Justificando seu pífio desempenho como ministro da Economia, ele afirma que, em 1987, renunciou ao ministério “por falta de condições políticas para o necessário ajuste fiscal” (v. http://www.bresserpereira.org.br/view.asp?cod=1279). Já quando se trata de achar um culpado para a crise americana e mundial, ele repentinamente faz abstração das “condições políticas” e proclama, contra toda evidência, que o mal veio tão-somente da desregulamentação do mercado e não da proliferação monstruosa das despesas estatais. Quando um governo acumula um déficit de três trilhões de dólares, só um raciocínio morbidamente artificioso e esquivo pode fugir ao óbvio e declarar que esse governo não acumulou dívidas porque gastou demais e sim porque “desregulamentou os mercados”. Aliás, se a desregulamentação foi tanta como diz o sr. Bresser-Pereira, como foi possível extrair da economia as quantias necessárias para cobrir as “despesas sociais” cada vez maiores? Como pode a “hegemonia neoliberal” coexistir com tal pletora de impostos e gastos públicos?

Se o ex-ministro esconde por trás de uma verbiagem insensata o papel dos fatores políticos na produção da crise, é porque esses fatores, inteiramente criados pela esquerda, forçaram propositadamente o aumento dos gastos estatais e a implosão do sistema bancário, visando a gerar artificialmente a crise de modo a poder lançar as culpas de tudo no espantalho do “neoliberalismo” e, com a cara mais cínica do mundo, propor como remédio ao desastre causado pelo excesso de gastos uma dose centuplicada de novos gastos miraculosamente investidos de não se sabe quais virtudes salvadoras (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/090305dc.html).

O próprio estilo com que esse homem escreve é o de um demagogo de palanque, não o de um cientista como ele se pavoneia de ser. Todo o seu arremedo de argumento baseia-se em estereótipos lisonjeiros para um lado, depreciativos para o outro, e no apelo às certezas da mitologia esquerdista, tomadas como premissas desnecessitadas da mais mínima prova ou discussão. Na prática do charlatanismo intelectual, esse indivíduo iguala-se a qualquer Emir Sader ou Frei Betto, compondo, com eles e outros tantos, o panteão dos Founding Fathers da miséria cultural e moral brasileira.

Jornalistas contra a aritmética

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 5 de junho de 2009

Não há mentira completa. Até o mais ingênuo e instintivo dos mentirosos, ao compor suas invencionices, usa retalhos da realidade, mudando apenas as proporções e relações. Quanto mais não fará uso desse procedimento o fingidor tarimbado, técnico, profissional, como aqueles que superlotam as redações de jornais, canais de TV e agências de notícias. Mais ainda – é claro – os militantes e ongueiros a serviço de causas soi disant idealistas e humanitárias que legitimam a mentira como instrumento normal e meritório de luta política.

Na maior parte dos casos, os elementos de comparação que permitiriam restituir aos fatos sua verdadeira medida são totalmente suprimidos, tornando impossível o exercício do juízo crítico e limitando a reação do leitor, na melhor das hipóteses, a uma dúvida genérica e abstrata, que, como todas as dúvidas, não destrói a mentira de todo mas deixa uma porta aberta para que ela passe como verdade.

Um exemplo característico são as notícias sobre a tortura nas prisões de Guantánamo e Abu-Ghraib. Como em geral nada se noticia na “grande mídia” sobre as crueldades físicas monstruosas praticadas diariamente contra meros prisioneiros de consciência nos cárceres da China, da Coréia do Norte, de Cuba e dos países islâmicos, a impressão que resta na mente do público é que o afogamento simulado de terroristas é um caso máximo de crime hediondo. Mesmo quando não são totalmente ignorados, os fatos principais recuam para um fundo mais ou menos inconsciente, tornando-se nebulosos e irrelevantes em comparação com as picuinhas às quais se deseja dar ares de tragédia mundial. Só o que resta a fazer, nesses casos, é usar a internet e toda outra forma de mídia alternativa para realçar aquilo que a classe jornalística, empenhada em transformar o mundo em vez de retratá-lo, preferiu amortecer.

Às vezes, porém, o profissional da mentira se trai, deixando à mostra os dados comparativos, apenas oferecidos sem ordem nem conexão, de tal modo que o público passe sobre eles sem perceber que dizem o contrário do que parecem dizer. Isso acontece sobretudo em notícias que envolvem números. Com freqüência, aí o texto já traz em si seu próprio desmentido, bastando que o leitor se lembre de fazer as contas.

Colho no Globo Online o exemplo mais lindo da semana (v. http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2009/05/20/relatorio-confirma-abuso-de-milhares-de-criancas-por-parte-da-igreja-catolica-da-irlanda-755949622.asp,http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1161142-5602,00-INQUERITO+DENUNCIA+ABUSO+SEXUAL+ENDEMICO+DE+MENINOS+NA+IRLANDA.html e http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1161468-5602,00.html).

Não digo que o Globo seja o único autor da façanha. Teve a colaboração de agências internacionais, de organizações militantes e de toda a indústria mundial dos bons sentimentos. Naquelas três notas, publicadas com o destaque esperado em tais circunstâncias, somos informados de que uma comissão de alto nível, presidida por um juiz da Suprema Corte da Irlanda, investigando exaustivamente os fatos, concluiu ser a Igreja Católica daquele país a culpada de nada menos de doze mil – sim, doze mil – casos de abusos cometidos contra crianças em instituições religiosas. A denúncia saiu num relatório de 2600 páginas. Legitimando com pressa obscena a veracidade das acusações em vez de assumir a defesa da acusada, que oficialmente ele representa, o cardeal-arcebispo da Irlanda, Sean Brady, já saiu pedindo desculpas e jurando que o relatório “documenta um catálogo vergonhoso de crueldade, abandono, abusos físicos, sexuais e emocionais”. Depois dessa admissão de culpa, parece nada mais haver a discutir.

Nada, exceto os números. O Globo fornece os seguintes:

1) A comissão disse ter obtido os dados entrevistando 1.090 homens e mulheres, já em idade avançada, que na infância teriam sofrido aqueles horrores.

2) Os casos ocorreram em aproximadamente 250 instituições católicas, do começo dos anos 30 até o final da década de 90.

Se o leitor tiver a prudência de fazer os cálculos, concluirá imediatamente, da primeira informação, que cada vítima denunciou, além do seu próprio caso, outros onze, cujas vítimas não foram interrogadas, nem citadas nominalmente, e dos quais ninguém mais relatou coisíssima nenhuma. Do total de doze mil crimes, temos portanto onze mil crimes sem vítimas, conhecidos só por alusões de terceiros. Mesmo supondo-se que as 1.090 testemunhas dissessem a verdade quanto à sua própria experiência, teríamos no máximo um total de exatamente 1.090 crimes comprovados, ampliados para doze mil por extrapolação imaginativa, para mero efeito publicitário. O cardeal Sean Brady poderia ter ao menos alegado isso em defesa da sua Igreja, mas, alma cristianíssima, decerto não quis incorrer em semelhante extremismo de direita.

Da segunda informação, decorre, pela aritmética elementar, que 1.090 casos ocorridos em 250 instituições correspondem a 4,36 casos por instituição. Distribuídos ao longo de sete décadas, são 0,06 casos por ano para cada instituição, isto é, um caso a cada dezesseis anos aproximadamente. Mesmo que todos esses casos fossem de pura pedofilia, nada aí se parece nem de longe com o “abuso sexual endêmico” denunciado pelo Globo. Porém a maior parte dos episódios relatados não tem nada a ver com abusos sexuais, limitando-se a castigos corporais que, mesmo na hipótese de severidade extrema, não constituem motivo de grave escândalo quando se sabe – e o próprio Globoo reconhece – que grande parte das crianças recolhidas àquelas instituições era constituída de delinqüentes. Se você comprime bandidos menores de idade num internato e a cada dezesseis anos um deles aparece surrado ou estuprado, a coisa é evidentemente deplorável, mas não há nela nada que se compare ao que aconteceu no Sudão, onde, no curso de um só ano, vinte crianças, não criminosas, mas inocentes, refugiadas de guerra, afirmaram ter sofrido abuso sexual nas mãos de funcionários da santíssima ONU, contra a qual o Globo jamais disse uma só palavra.

Só o ódio cego à Igreja Católica explica que o sentido geral dado a uma notícia seja o contrário daquilo que afirmam os próprios dados numéricos nela publicados.

Por isso, saiba o prezado leitor que só leio a “grande mídia” por obrigação profissional de analisá-la, como se analisam fezes num laboratório, e que jamais o faria se estivesse em busca de informação.

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