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Credulidade sem fim

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 2 de julho de 2009

Incluo entre as maravilhas do mundo, sem a menor hesitação, a credulidade residual que a espécie humana concede ainda, transcorridas duas décadas da queda da URSS, à totalidade dos mitos culturais espalhados pela KGB. Se fosse preciso alguma prova da presteza servil com que as almas cedem ante a autoridade moral da mentira, essa seria mais que suficiente. As lendas mais estapafúrdias, as tolices mais deprimentes, as absurdidades mais flagrantes são ainda acreditadas como verdades de evangelho, não só nos círculos esquerdistas, mas até entre pessoas que se imaginam liberais e conservadoras. Volta e meia, quando contesto de passagem alguma dessas enormidades, meus leitores e “admiradores” se apressam em me enviar links e “fontes” que parecem me contraditar. Fazem-no ressalvando que não acreditam em nada disso, mas que se sentem desarmados para contestar essas fontes pessoalmente, deixando, portanto, ao meu encargo essa tarefa e colocando sobre as costas de um só a responsabilidade que seria de milhares.

É verdade que nunca houve no mundo uma organização – de propaganda ou de qualquer outra coisa – que se comparasse à KGB, com seus 500 mil funcionários em Moscou, milhões de agentes espalhados pelo mundo e orçamento secreto, ilimitado, inacessível até ao Parlamento soviético. Mas também é verdade que, após tantos exemplos que forneci com provas cabais, aqueles que tendem a concordar comigo teriam a obrigação de usar sua própria inteligência, de fazer suas próprias pesquisas e de me ajudar nesse esforço inglório em vez de sobrecarregar com uma multiplicidade de tarefas miúdas aquele que tem deveres mais altos a cumprir.

Esta semana, por exemplo, um leitor aponta-me o livro de Morgana Gomes, A Vida e o Pensamento de Karl Marx, no qual o físico Albert Einstein aparece como “uma das vítimas mais famosas do macartismo”. Como eu respondesse, pelo meu programa de rádio, que aquilo era mentira grossa, o remetente insistiu, afirmando que aparentemente Morgana Gomes se baseara em fontes idôneas, como por exemplo o livro The Einstein File de Fred Jerome, baseado no dossiê Einstein do FBI, e endossado até por sites insuspeitos de esquerdismo como www.americanheritage.com.

Como já expliquei dezenas de vezes, toda mentira é construída com pedaços da verdade, às vezes acrescentando alguns de pura invencionice, às vezes – na maior parte dos casos – apenas suprimindo os dados comparativos para deformar as proporções e o sentido dos fatos. Esse é precisamente o caso.

Como poderia Albert Einstein ser uma “vítima do macartismo” se nunca foi preso, nem interrogado, nem intimado por nenhuma autoridade federal americana, nem jamais perdeu seu emprego por pressões do governo? Se havia um dossiê sobre ele no FBI, era simplesmente pelo fato de que todos os cientistas sugeridos para contratação em projetos de energia atômica eram investigados, e o eram obrigatoriamente, como o são em qualquer país do mundo envolvido nesse tipo de empreendimento. Se J. Edgar Hoover se abstivesse de investigá-lo, pelo simples fato de ser Einstein um queridinho da mídia, estaria abrindo uma exceção ilegal e incorrendo em crime de prevaricação. Omitido esse dado óbvio, a simples existência do dossiê passa a valer como prova de “perseguição”.

No caso de Albert Einstein, a obrigação de investigá-lo era tanto maior porque ele mesmo, sem ser convidado, insistia obstinadamente em pedir sua inclusão no Projeto Manhattan (fabricação da bomba atômica), e foi por influência dele que o projeto contratou os serviços do Dr. Klaus Fuchs, que mais tarde se comprovou ser espião comunista e colaborador estreito do casal Rosenberg. Recentemente, a galeria Sotheby de Londres colocou à venda, em leilão milionário, nove cartas de Einstein que provam sua ligação amorosa secreta com Margarita Konenkova, identificada como agente da KGB nas memórias do espião soviético Pavel Sudoplatov, publicadas em 1995. Para piorar as coisas, Einstein era afiliado a pelo menos dezessete organizações de fachada a serviço da KGB, entre as quais o “Congresso Mundial contra a Guerra Imperialista”, a “Liga Americana contra a Guerra e o Fascismo” e o “Comitê Americano de Ajuda à Democracia Espanhola” (democracia que era, na verdade, uma ditadura genocida).

Hoover seria ele próprio um criminoso caso se abstivesse de coletar dados como esse e de informá-los ao governo americano. Tudo isso foi obtido com investigações discretas, sem que o suspeito fosse jamais intimado a dar uma só declaração, seja ao FBI, ao Comitê de Atividades Anti-americanas do Senado ou a qualquer outra entidade do governo americano. Que, com essa ficha de “companheiro de viagem”, Einstein continuasse a receber todo o apoio oficial e midiático para seu trabalho científico, sem ser jamais incomodado diretamente, prova apenas até que ponto a democracia é tolerante e bondosa para com seus inimigos. E, quando se sabe que hoje a teoria da relatividade é contestada como mera empulhação elegante – v. http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=teoria-da-relatividade-e-ideologia–e-nao-ciencia–defende-pesquisador&id=010130090527 –, é mesmo de se lamentar que tanta delicadeza de sentimentos seja desperdiçada com quem não a merece.

Porém, mais absurdo do que dizer que Einstein foi perseguido é pretender que o tenha sido pelo senador Joseph McCarthy. Não só o cientista jamais foi convocado para depor ante a famosa comissão McCarthy, mas esta nunca teve qualquer colaboração substantiva do FBI. J. Edgar Hoover foi um dos inimigos mais odientos de Joseph McCarthy e um dos responsáveis diretos pela destruição da sua carreira. McCarthy, sim, foi vítima do FBI. Sofreu nas mãos de Hoover o que Einstein jamais sofreu: teve seu telefone grampeado, sua correspondência violada, sua vida particular vasculhada e espalhada pelos jornais, seus assessores interrogados e todo o seu trabalho boicotado. Isso está abundantemente comprovado em três livros que todo interessado no assunto tem a obrigação de ler antes de sair fazendo de Einstein uma “vítima do macartismo”: McCarthy and His Enemies, de William F. Buckley Jr. e L. Brent Bozell (Washington, Regnery, 1954, reimpresso em 1995); Joseph McCarthy: Reexamining the Life and Legacy of America’s Most Hated Senator, de Arthur Herman (New York, The Free Press, 2000); e sobretudo Blacklisted by History: The Untold Story of Senator Joe McCarthy and His Fight Against America’s Enemies, de M. Stanton Evans (New York, Crown Forum, 2007). Hoje há evidências cabais de que todos os cinqüenta e tantos altos funcionários apontados por McCarthy como riscos de segurança para o governo americano tinham efetivamente ligações com a espionagem soviética e não eram riscos imaginários. McCarthy só errou ao presumir de suas forças e não medir o exato poderio do inimigo – poderio que ainda se exerce sobre as mentes e corações de tantos dos nossos contemporâneos.

Ameaça ostensiva

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 29 de junho de 2009

O colunista Bob Herbert – aquele mesmo segundo o qual John McCain não parou de fazer insinuações racistas durante a campanha eleitoral de 2008, embora o restante da espécie humana não as ouvisse – publicou no New York Times do último dia 20 um artigo bastante esclarecedor. Esclarecedor mesmo: basta lê-lo para compreender por que aquele jornal vai diminuindo de tiragem a cada ano e já está à beira da falência, tendo sido obrigado a arrendar metade do seu edifício-sede para arcar com seus custos de produção.

O artigo, é óbvio, não fala de nada disso. Apenas exemplifica, ao tratar de assunto completamente diverso, o tipo de demagogia alucinada que a publicação do sr. Sulzberger passou a aceitar como jornalismo desde há mais de uma década, pagando esse capricho de esquerdista rico com uma desmoralização aparentemente irreversível. Desmoralização que só os jornalistas brasileiros não notaram, pelo simples fato de que em geral nada lêem da mídia estrangeira exceto o próprio New York Times (e o Monde Diplomatique, que é mais mentiroso ainda). Mas não há nisso nada de inusitado: a degradação do NYT, afinal, não completou o prazo regulamentar de trinta anos exigido para que os fatos do mundo sensibilizem o cérebro nacional.

Herbert assegura que os três crimes mais chocantes ocorridos no território americano nas últimas semanas – os assassinatos do médico abortista Tiller, de três policiais em Pittsburgh e de um guarda do Museu do Holocausto em Washington D.C. – foram causados pela propaganda direitista contra o governo Obama.

Ele alerta às autoridades que os “ataques foram motivados pelo ódio direitista: são apenas o começo e o pior está por vir” – donde se conclui facilmente que o governo precisa fazer alguma coisa para tapar a boca dos agitadores, especialmente, segundo Herbert, a National Rifle Association (NRA), cujo presidente, Wayne La Pierre, exorta continuamente os membros da entidade a lutar contra qualquer tentativa governamental de privá-los de suas armas de fogo.

Vamos agora aos fatos:

1. Segundo a polícia, o assassino do dr. Tiller não é militante de nenhuma organização anti-abortista, cristã ou conservadora: é um doente mental, já cometeu outros crimes e não disse uma só palavra que sugerisse motivações morais ou ideológicas. É até possível – mera suposição, que Herbert toma como certeza absoluta – que ele tenha reagido, de maneira insana, à notícia de que o médico era responsável pelas mortes de milhares de crianças, muitas delas saudáveis e completamente formadas, já no nono mês de gestação; mas essa notícia não é propaganda direitista de maneira alguma: é um fato reconhecido por toda a mídia e alardeado, com orgulho, pelo próprio Tiller, sob o nome de socorro humanitário a pobres mulheres privadas do conhecimento das camisinhas ou dos benefícios incalculáveis da esterilização preventiva. Caso as organizações anti-aborto estivessem mesmo induzindo alguém à prática da violência, os primeiros a atender a esse apelo deveriam ser seus próprios militantes. Estranha propaganda, essa, que nenhum efeito exerce sobre seu público-alvo mas vai influenciar, à distância, um maluco que jamais mostrou qualquer interesse pela causa anti-abortista! O mesmo fenômeno observa-se, aliás, na NRA: seus milhões de membros armados até os dentes insistem em não cometer crime algum, deixando irresponsavelmente essa tarefa para pessoas de miolo mole que jamais freqüentaram a organização.

2. O autor dos disparos no Museu do Holocausto foi retratado pela mídia como um fanático anti-semita, coisa que ele é mesmo. Mas ele é também um evolucionista roxo e anticristão odiento – um dado cuidadosamente omitido não só por Herbert mas também pela seção noticiosa do New York Times, e que por si já basta para mostrar que o criminoso nada tem a ver com a direita americana; direita que, para a desgraça total das especulações herbertianas, é tão notoriamente pró-judaica que os esquerdistas em massa a acusam de ser um bando de vendidos à “internacional sionista”. Herbert repete o engodo de Michael Moore, que, para lançar sobre os conservadores a culpa moral pelo massacre de Columbine, omitiu de propósito a informação de que os autores do crime o cometeram num acesso de ódio ao cristianismo. O mesmo truque sujo foi usado no caso da Virginia Tech, quando a grande mídia unânime escondeu do público que o assassino, um imigrante coreano, fora doutrinado por uma professora esquerdista, militante black radical, na base do slogan “Morte aos brancos, morte aos judeus”. Quando a inspiração ideológica é direta, comprovada, explícita e vem da esquerda, é preciso escondê-la a todo custo, inventando, em contrapartida, as mais artificiosas associações de idéias para criminalizar cristãos e conservadores. Herbert não é, nisso, nem um pouco original: segue a regra estabelecida.

3. Quanto ao assassino dos três policiais, o site de fiscalização midiática Slate, confrontando as várias notícias, concluiu que não há como classificar o sujeito de extremista, seja de direita, seja de esquerda, já que ele é uma cabeça confusa demais para compreender o sentido político do que faz. Embora ele tenha declarado temer o desarmamento forçado da população, não consta que ele jamais tivesse lido a respeito em revistas ou folhetos da NRA. A única fonte que ele citou sobre o assunto foi o site neonazista Stormfront, publicação tão representativa da direita americana que chega a rotular Obama de conspirador sionista, enquanto os sionistas de verdade e os conservadores em peso preferem julgá-lo, como disse recentemente Morton Klein (líder da Zionist Organization of America), “o presidente americano mais anti-Israel de todos os tempos”, empenhado, segundo o rabino Pomerantz, em “criar um clima de ódio contra os judeus”.

Forçando a especulação de intenções sutis até o último limite da inversão completa, Herbert procura persuadir os leitores de que a pregação conservadora é uma ameaça potencial à segurança pública dos EUA (aviso que chega a ser psicótico numa época em que americanos são mortos todas as semanas sob os aplausos da esquerda mundial), mas não consegue esconder que seu apelo ostensivo à ação governamental contra esses alegados subversivos é uma ameaça real e presente ao direito de livre expressão. Tendo em vista os esforços da esquerda democrata para restaurar a Fairness Doctrine e tirar dos conservadores metade do tempo que eles têm no rádio, torna-se uma simples questão de realismo parafrasear o próprio Herbert e concluir que essa ameaça “é apenas o começo e o pior está por vir”.

Neste e em outros artigos, Herbert pinta os EUA como nação recordista de crimes violentos, causados – é claro! – pelos milhões de armas legais nas mãos de seus cidadãos. Mas o curioso não é que ele apele a esse estereótipo bocó: o anti-americanismo interno prima por evitar comparações internacionais que o desmentiriam no ato (por exemplo, a criminalidade na Inglaterra multiplicando-se por quatro desde a proibição das armas de fogo). O curioso é que, lido num país como o nosso, que tem dez vezes mais crimes violentos do que os EUA, com metade da sua população e um número ínfimo de armas legais, o besteirol de Herbert não suscite automaticamente, pela simples confrontação dos números, o riso de escárnio que merece, e sim o respeito e a consideração devidos ao jornalismo sério.

A culpa dos outros: Cabeça de uspiano – 2

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 23 de junho de 2009

Deixando de lado agora a referência lacaniana e examinando a contribuição pessoal do prof. Safatle ao entendimento dessas pérfidas astúcias do “capitalismo tardio”, observo, desde logo, que não é metodologicamente admissível atribuir ações de transformação social a entidades genéricas abstratas sem ter na mínima conta os agentes individuais e grupais concretos envolvidos no processo. O autor da transformação assinalada pelo prof. Safatle não é “o capitalismo tardio”, mas sim a classe publicitária. Foram publicitários – e não uma assembléia de acionistas, muito menos o “espírito do capitalismo”, diretamente ou em ectoplasma – que escolheram as novas imagens de gente com cara chupada, olheiras e barba por fazer que se substituíram aos saudáveis papais e mamães e às beldades esfuziantes dos anos 60. Para saber por que um grupo social fez isto ou aquilo, é preciso investigar suas idéias e crenças dominantes. Por que os publicitários mudaram assim o teor das imagens? Que tipo de idéias esses profissionais adquiriram nas faculdades de comunicações? Teriam sido suas mentalidades moldadas segundo a lógica dos “novos processos de mercantilização” ou segundo os cânones da crítica cultural, da destruição lacaniana do corpo? Emergiram eles dos bancos escolares imbuídos da “lógica do lucro” ou do ódio revolucionário à sociedade, à cultura, a tudo quanto existe? O prof. Safatle deveria conhecer melhor seus próprios alunos. Se há uma coisa óbvia neste mundo é que poucas classes odeiam o capitalismo tanto quanto o proletariado elegante da indústria cultural. Então, das duas uma: ou esses infelizes foram obrigados por astutos patrões a abdicar da pureza da sua crítica e a transformá-la em instrumento de dominação capitalista, ou, ao contrário, a mudança assinalada pelo prof. Safatle reflete exatamente o oposto do que ele diz – em vez da malícia capitalista que instrumentaliza a destruição, é a destruição que se apodera dos instrumentos da cultura de massas para impor-se como padrão dominante a toda sociedade.

Aqui observa-se o mesmo fenômeno de delírio autoprojetivo que já assinalei em Pierre Bourdieu (v.http://www.olavodecarvalho.org/semana/090204dc.html e http://www.olavodecarvalho.org/semana/090212dc.html): para que os capitalistas dominassem hegemonicamente a crítica cultural ao ponto de poder neutralizá-la por uma estratégia como a sugerida pelo prof. Safatle, seria preciso que, em cima da classe dos revoltados produtores culturais, houvesse uma outra classe intelectual mais esperta ainda que, a serviço do capitalismo, escravizasse sutilmente essas pobres vítimas, obrigando-as a trabalhar pelo contrário do que desejam, fomentando a economia em vez da destruição. Para isso, seria necessário que esta classe de super-intelectuais tomasse a totalidade da crítica cultural como objeto de análise, produzindo uma bibliografia científica pelo menos tão vasta quanto ela mesma, acrescida de complexos planos estratégicos para o seu aproveitamento inverso. Em vão o prof. Safatle procurará na bibliografia acadêmica ou em qualquer outra parte do universo os sinais de estudos dessa natureza. Essa coisa simplesmente não existe. O que existe, sim, é uma biblioteca mastodôntica de “estudos culturais” com ataques furibundos à cultura do capitalismo – e, evidentemente, aos estereótipos mercantis de beleza corporal. Então, das duas uma: ou o gênio maligno do capitalismo produziu toda essa estratégia e a colocou em ação de maneira totalmente imaterial e invisível, por meios telepáticos, sem precisar de estudos, de análises, de planejamentos estratégicos ou de qualquer outro recurso usual nas ações sociais, ou então o fenômeno de mercantilização da revolta tal como o prof. Safatle o descreve simplesmente não aconteceu.

O que aconteceu, em vez disso, foi que milhares ou milhões de estudantes universitários intoxicados de crítica cultural, de frankfurtismo e de lacanismo saíram da faculdade, ocuparam os postos altos e baixos da indústria publicitária e aí injetaram sua ideologia da destruição. O próprio prof. Safatle, embora não seja profissionalmente um homem de publicidade, é um estudioso da área e portanto faz parte dessa classe. Ele mesmo foi um dos agentes do processo. Não é a imagem do corpo que é sempre dos outros: é a culpa pelas ações dos intelectuais enragés.

A pretensa análise que o prof. Safatle faz das transformações da publicidade é um exemplo claro de paralaxe cognitiva – deslocamento entre o eixo da construção teórica e o eixo da experiência real – levada ao extremo da inversão total de sujeito e objeto, na qual uma classe agente e militante atribui suas próprias ações mais óbvias à autoria da entidade genérica e abstrata que ela imagina combater: o “capitalismo tardio”.

Como é exatamente a prática reiterada e obsessiva dessa inversão que o prof. Safatle ensina a seus alunos na USP, não espanta que, quando eles se põem a quebrar tudo e a atemorizar seus colegas, ele os veja como empenhados na mais alta e nobre das ocupações humanas, sem declarar – já que está escrevendo para um público de fora do grêmio – que essa ocupação é simplesmente… a destruição. Quem quer que tente impedi-los de entregar-se a essa mimosa atividade é um agente da opressão capitalista, com o agravante de nem mesmo praticá-la com a astúcia maquiavélica dos instrumentalizadores da crítica cultural, mas sim com abominável “brutalidade securitária”, porca miséria. Com exceções que desconheço se existem, o que os professores de filosofia e ciências humanas fazem na USP é simplesmente moldar as cabeças dos alunos segundo o padrão da sua própria alienação da realidade, do próprio divórcio entre suas pomposas construções verbais e sua existência concreta de sujeitos agentes. Isso não é de maneira alguma uma atividade respeitável: é uma sem-vergonhice patética.

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