Olavo de Carvalho

O Globo, 22 de setembro de 2001

 “O maior perigo das bombas é a explosão de estupidez que elas provocam.” (Octave Mirbeau, 1850-1917)

Diante dos ataques do dia 11, uma onda de indignação se levantou espontaneamente nos corações brasileiros contra o terrorismo internacional. Desde então, o mandarinato acadêmico local se esforça, por todos os meios e artifícios, para fazê-la voltar-se contra o país atacado. Tão vasta é nisso a mobilização de cérebros que, se igual dispêndio de neurônios fosse aplicado em tarefas úteis, o Brasil, que jamais ganha um prêmio de pesquisa científica no universo, ganharia todos. É espantoso ver como o nosso povo, sempre tão revoltado com a drenagem de verbas do Estado por parte dos senhores parlamentares, consente docilmente em sustentar com seus impostos uma casta ainda mais inútil e perversa que a dos políticos. Mais inútil, mais perversa e mais cara. O Brasil é o país que, no mundo, mais tem professores universitários per capita em relação à população discente: um para cada oito alunos. Um pajé para cada oito índios. Dir-se-ia que é o país mais culto da Terra. Mas, com louvabilíssimas exceções, cada um desses pajés tem seus próprios objetivos, uma agenda secreta que nada tem a ver com ensino, cultura, civilização. Fingindo lecionar, cada um só trata de promover a revolução socialista que fará dele, professor fulaninho, um ministro de Estado, um oficial da polícia secreta ou, na mais modesta das hipóteses, um comissário do povo.

Ser intelectual neste país é fazer a revolução gramsciana, que é a tomada do poder pelos intelectuais. Ser intelectual acadêmico é fazê-lo com dinheiro público. Quando um desses doutores, com um ar de superior isenção científica, impinge ao caro leitor a versão de que os atentados foram obra da “extrema direita” ianque, e não de fanáticos estimulados pela mídia esquerdista internacional, o que ele está fazendo, meu amigo, é tratar você como um cão de Pavlov, como um urso de circo, como um bichinho desprezível que está aí para dançar e abanar o rabinho à voz do mestre, sem poder ou querer pensar. Ele está mentindo e manipulando a serviço da operação de guerra psicológica que, neste como em todos os atentados, dá respaldo aos terroristas e amplifica os efeitos políticos de suas ações. Ele não é um analista, um estudioso, um professor: é um terrorista de beca, designado para a seção de desinformação por ser covarde demais, velho demais ou esperto demais para ser desperdiçado em investidas truculentas.

Em outras partes do mundo, um falsário pensaria duas vezes antes de tentar repassar ao público uma nota tão ostensivamente falsa. No mundo, há pessoas, inclusive na casta acadêmica, que sabem que os militantes de extrema direita nos EUA, incluindo milicianos, profetas do apocalipse, suprematistas brancos e tutti quanti, são, segundo a contagem do FBI, pouco mais de quatro mil; que eles são monitorados pela polícia em cada um de seus passos e que, no fim das contas, constituem a força política mais irrisória do planeta, só relevante graças à mídia esquerdista que os usa como espantalhos… No mundo, há pessoas que viram o temido e alardeado movimento neonazista alemão dissolver-se junto com o governo comunista de Berlim Oriental que o financiava… No mundo, há pessoas que, ante o discurso de inculpação da “extrema direita”, logo reparariam na dubiedade escorregadia do termo, usado para fundir numa névoa semântica, de um lado, aqueles marginais que são acuados pelo establishment e, do outro, o próprio establishment: anarquistas de porão, nazistas e anti-semitas, conspirando com capitalistas americanos e judeus para que estes consintam em explodir-se a si mesmos com a pura finalidade de suscitar uma onda de ódio antiesquerdista. A imagem é tão pueril que dificilmente algum agitador acadêmico em seu juízo perfeito ousaria puxá-la de dentro da cartola ante um público maduro. Mas, no Brasil, não apenas damos ouvidos a essa gente. Pagamos para que nos reduza à menoridade mental.

Igualmente imbecilizante, embora de maneira um pouco menos ostensiva, é o apelo geral ao argumento lançado por Fidel Castro de que os atentados, maus em si, são moralmente explicáveis ou justificáveis como reações de desespero ante a onipresença sufocante do poderio americano.

Que onipresença é essa? Não há um só país do mundo sob ocupação americana, enquanto em Lhasa, Tibete, restam menos tibetanos do que soldados chineses; e no próprio país que dá abrigo a Bin Laden não foram os americanos e sim os russos que mataram um milhão de afegãos, só parando o morticínio quando a ajuda americana fez pender a balança para o lado muçulmano.

E que desespero é esse, que se volta contra o mais generoso dos benfeitores? Com exceção do que se passou no Kuwait e em Granada, há décadas os EUA, manipulados pela ONU, só tomam parte em intervenções no estrangeiro quando é para ajudar comunistas a tomar o poder ou a manter-se nele. Assim foi, por exemplo, nas agressões comunistas a Angola e Goa. Assim foi em Katanga, onde as tropas da ONU, subsidiadas e aplaudidas pelo governo americano, devastaram uma província rebelde para integrá-la na ditadura sangrenta de Patrice Lumumba, um filhote da KGB. Assim é hoje na África do Sul, onde a ONU e o establishment nova-iorquino, por baixo de sua retórica anti-racista, dão cobertura à “limpeza étnica” promovida pelos comunistas contra os fazendeiros bôeres. E, quando esse tipo de política desemboca num massacre de proporções colossais como o de 1994 em Ruanda, quando 800 mil pessoas foram trucidadas por hordas intoxicadas de ideologia igualitária, não só o Departamento de Estado se cala, nem só o Conselho de Segurança da ONU se omite, mas a própria mídia americana faz o possível para abafar o sentido ideológico dos acontecimentos, reduzindo a uma “guerra entre selvagens” o que foi na verdade o efeito lógico e previsível de uma longa insuflação doutrinal revolucionária. Com uma regularidade quase obsessiva, desde que Roosevelt fez vista grossa ante a revolução na China sob a desculpa mirabolante de que Mao Tsé-Tung não era comunista e sim um “reformador agrário cristão”, até as concessões suicidas feitas ao armamentismo chinês por um presidente eleito com verbas de campanha chinesas, ciclicamente ressurge na política americana, com intensidade crescente ao longo dos anos, essa conduta pérfida e masoquista: favorecer os comunistas mediante operações nebulosas que, para cúmulo de cinismo ou de loucura, são apresentadas ao público como anticomunistas. Para os comunistas, o benefício é duplo. De um lado, recebem a ajuda material: dinheiro, armas, apoio dos organismos internacionais. De outro, a cada nova ocasião, ganham um pretexto altamente verossímil para vociferar na mídia contra mais uma sórdida investida do anticomunismo ianque.

Como poderia qualquer esquerdista deste mundo estar “desesperado” com uma situação tão confortável?

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