Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 19 de janeiro de 2011
O que no Brasil se chama de “noticiário internacional” consiste em repetir, ampliando-as e radicalizando-as, as mentiras mais cínicas da mídia esquerdista norte-americana, com a certeza tranqüilizante de não ter de enfrentar, como ela, a enérgica reação conservadora de metade da população, que só ouve rádio e não acredita numa só palavra dos jornais e da TV. É, a vida da mídia chapa branca, nos EUA, não é fácil como a da sua confrade brasileira: aos domingos, o New York Times tira um milhão de exemplares – a trigésima parte do número de ouvintes de Rush Limbaugh, o radialista conservador que a família Sulzberger adora odiar. No Brasil há um clone do New York Times, que é a Folha, mas as estações de rádio, concessões federais, estão bem defendidas contra a mera possibilidade de ali surgir um Rush Limbaugh. Contra a farsa geral da mídia, só nos resta resmungar em blogs ou, com mais sorte, neste Diário do Comércio. O resto é silêncio – ora indignado e impotente, ora temeroso e servil.
Nos EUA, quanto mais perde público, mais o establishment jornalístico apela a recursos de difamação histérica que o próprio Dr. Joseph Goebbels consideraria, talvez, um tanto grosseiros demais para persuadir um público adulto.
Um desses expedientes é cobrir de invectivas odiosas os personagens que se pretende rotular de odientos. Não é preciso, para sustentar o ataque, citar um só apelo de ódio que tenha saído da boca da vítima. Não é preciso nem mesmo torcer suas palavras, dando um sentido odiento ao que não tem nenhum. Ao contrário: basta espumar de ódio contra a criatura, e fica provado – espera-se – que odienta é ela. Tudo é feito na expectativa insana de que o automatismo mental do público o induza a sentir que pessoas que despertam tanto ódio devem ter ainda mais ódio no coração do que os jornalistas que as odeiam. Há sempre uma faixa de militantes estudantis e ativistas ongueiros que, por infalível instinto colaboracionista, finge acreditar na coisa, reforçando o ataque com insultos escatológicos e ameaças de morte, de modo que a violência crua despejada sobre o alvo inerme acabe por se mesclar tão intimamente à sua imagem que pareça provir dele.
Lançada pela “grande mídia” em tons de noticiário posadamente neutro e superior, a tentativa artificialíssima de inculpar a “direita odienta” e especialmente Sarah Palin pelos feitos mortíferos de um fanático esquerdista em Tucson, Arizona, foi imediatamente reforçada por estes e outros apelos colocados em circulação no Youtube (v. http://www.newsmax.com/InsideCover/Palin-death-tweets-YouTube/2011/01/14/id/382872?s=al&promo_code=B79C-1):
· “Por que não atiraram em Sarah Palin (em vez da deputada democrata)?”
· “Espero que Sarah Palin morra de uma morte horrível e leve com ela o seu ódio estúpido.”
· “Alguém, por favor, pode atirar em Sarah Palin?”
· “Espero que Sarah Palin pegue câncer e morra nos próximos dois anos.”
· “Sarah Palin deveria ser baleada por encorajar o fanatismo contra os democratas.”
· “Junte-se a nós orando para que Sarah Palin contraia câncer e morra.”
· “Sarah Palin é a mais perigosa ameaça ao futuro da espécie humana. Alguém, por favor, atire nela.”
Não sendo possível encontrar nas palavras de Sarah Palin nem o mais mínimo sinal de ódio a quem quer que seja, espera-se que a virulência dos ataques que sofre venha a servir de prova contra ela. A premissa implícita aposta na estupidez do público, e às vezes acerta: se a mulherzinha não fosse mesmo uma peste, não seria tão odiada. Os que não são tontos o bastante para deixar-se iludir por esse arremedo de malícia demoníaca têm ainda um subterfúgio mais “adulto” para não escapar de todo à contaminação: no mínimo, no mínimo, quem desperta tanto ódio é, mesmo sem culpa, uma força divisiva, alguém que, para a felicidade geral da nação, deve ser mantido longe da Casa Branca, talvez até da política em geral. Como recomendava Talleyrand: “Caluniem, caluniem, alguma coisa sempre acabará pegando.”
Em ambos os casos, tanto os acusadores quanto seu público de idiotas úteis seguem fielmente o mecanismo da inversão revolucionária: para você ter fama de odiento, não precisa odiar ninguém; basta que o odeiem.
A imitação brasileira do processo mergulha ainda mais fundo na infâmia, porque Sarah Palin é personagem distante, alheia aos debates nacionais. Só mediante uma boa dose de fantasia histriônica nossos compatriotas podem chegar a odiá-la pessoalmente. Também é claro que nos EUA ninguém lê a imprensa brasileira: a vida dos nossos jornalistas consiste em fingir para si mesmos que são forças auxiliares da esquerda americana, a qual nem sabe da existência deles. Ah, como os argentinos acertaram ao apelidar nossos compatriotas de “los macaquitos”!