Yearly archive for 2008

Um blefe descomunal

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 9 de outubro de 2008

Entrevistado sobre a ligação entre Barack Hussein Obama e o terrorista William Ayers, o advogado e cientista político Steve Diamond entregou ao New York Times as provas documentais de que Ayers havia fundado a ONG Chicago Annenberg Challenge (CAC) e nomeado Obama diretor da entidade. O jornal preferiu esconder as provas e proclamar que “segundo várias pessoas envolvidas no caso, Ayers não influenciou em nada a nomeação de Obama.”

Os documentos falam por si. São cartas entre Ayers e a Brown University, patrocinadora da CAC, mostrando que a autoridade de compor a diretoria dessa ONG incumbia inteiramente ao próprio Ayers. Mais que “influenciar a nomeação” de Obama, ele o nomeou pessoalmente.

Veja os papéis no site de Diamond, http://globallabor.blogspot.com/2008/09/obamaayers-update-letters-show-bill.html e explicações suplementares do repórter Aaron Klein em http://www.wnd.com/index.php?fa=PAGE.view&pageId=77075.

Às provas, o New York Times preferiu as meras opiniões de terceiros, porque estas negavam a dívida de Obama para com Ayers. A mídia esquerdista chique, insisto, é puro crime organizado. Organizadíssimo. A matéria do NYT saiu ao mesmo tempo que os anúncios da campanha de Obama que qualificavam de “insulto” a afirmação de Sarah Palin de que Obama tem ligações estreitas com terroristas, acusação aliás já feita pela própria Hillary Clinton em abril (v. http://www.politifact.com/truth-o-meter/statements/440). E mal o NYT havia acabado de abafar a denúncia de Steve Diamond, quando a Universidade de Illinois veio confirmá-la integralmente, divulgando cento e quarenta caixas de documentos – não cento e quarenta documentos, mas cento e quarenta caixas – que reconstituem com detalhes todo o trabalho conjunto desempenhado na CAC pela dupla Obama-Ayers (v. http://elections.foxnews.com/2008/08/26/newly-released-documents-highlight-obamas-relationship-with-ayers).

Outra denúncia que, com a ajuda da grande mídia, a tropa-de-choque obamista tem desmentido naquele tom de dignidade ofendida tão típico da eloqüência esquerdista é a da troca de favores entre o candidato e o vigarista sírio Tony Resko, já condenado por dezesseis crimes. Resko foi um dos principais financiadores da campanha de Obama ao Senado. Obama jura: “Nada fiz em favor dele.” Em resposta, o Sun Times publicou as cartas que o senador então recém-eleito escreveu a várias prefeituras recomendando que investissem num projeto imobiliário do malandro (v. http://www.suntimes.com/news/politics/425305,CST-NWS-obama13.article).

Tal como aconteceu com a ocultação do Foro de São Paulo pela totalidade da classe jornalística brasileira, o manto de proteção estendido em torno de Obama não pode ser explicado como efeito casual da mera incompetência. Desde que o momento em que apostou tudo em Obama, a grande mídia dos EUA abandonou os últimos escrúpulos de idoneidade, perdeu todo o respeito pelos direitos do público e partiu para a manipulação cínica do eleitorado, sem a qual um candidato tão obviamente desprovido de credibilidade não teria jamais a menor chance, como Lula não teria tido no Brasil se o povo soubesse de sua parceria com as Farc, o Mir chileno e organizações congêneres.

Caprichando na falsificação, a Associated Press disse que a denúncia das ligações perigosas de Obama tinha “subtons racistas” (http://www.breitbart.com/article.php?id=D93KD6Q00&show_article=1). A alegação é manifestamente absurda, mas, na esquerda, quem liga para isso? Desde o início, a propaganda obamista tratou de inibir os críticos por meio da chantagem racial. A AP, que só nominalmente não é órgão da campanha obamista, leva a trapaça às últimas conseqüências ao chamar de “racismo” qualquer insinuação de que a folha corrida de Obama é enegrecida não pela cor da sua pele, mas pela cumplicidade com Ayers – um branco. Já expliquei aqui (http://www.olavodecarvalho.org/semana/080721dc.html) que a inversão revolucionária de sujeito e objeto pode ser observada não só nas grandes linhas do discurso ideológico de esquerda, mas até nos detalhes mais mínimos da sua tática verbal. Quod erat demonstrandum, pela enésima vez.

O símbolo “candidato negro” tem uma força inibitória automática, tão contundente em si mesma que, para encarná-lo nas presentes eleições, o Partido Democrata não precisou nem mesmo escolher um negro americano típico, mas sim o que podia haver de mais atípico, de mais extravagante.

Primeiro, Obama não é descendente de escravos, mas sim de proprietários de escravos. O Islam, religião que ele herdou do pai e da qual obteve sua primeira educação na Indonésia, é a cultura mais escravagista dos últimos dois milênios. Sete séculos antes que o primeiro português comprasse seu primeiro escravo africano, os muçulmanos – árabes e negros misturados – já capturavam brancos na Europa, asiáticos na Ásia e africanos na África, levando-os, aos milhões, para servir como escravos em Meca e Medina (muitas vezes capando-os, a caminho, para vendê-los a preço melhor como eunucos) – e continuaram firmes no escravagismo muito tempo depois de o Ocidente ter abandonado essa prática.

Mais atípica ainda é a história moral da família Obama. O pai do senador é um estrangeiro bígamo que só ficou no território americano pelo tempo necessário para engravidar uma coitada e dar no pé. Nunca fez nada pelo bem do filho, que acabou sendo entregue à caridade de um casal de brancos. Dizer que isso é a imagem média da família negra americana seria uma ofensa racista intolerável. Maior ainda é o contraste entre os Obamas e as famílias dos presidentes americanos em geral, de George Washington a George W. Bush: jamais um candidato presidencial nos EUA veio de um lar tão destrambelhado.

Por fim, Obama não é o tipo do “left liberal” que personifica usualmente a ideologia do Partido Democrata. Contrastando com o discurso moderado e patriótico com que ele tem conquistado a confiança dos eleitores, toda a sua carreira, subsidiada desde seus tempos de estudante por pessoas e entidades pró-terroristas, é a de um anti-americano e anticristão radical, discípulo dos Panteras Negras e da “black liberation theology”. No Senado, ele permaneceu fiel a seus mentores e patrocinadores, votando, sistematicamente, mais à esquerda do que qualquer outro senador americano, de hoje ou de qualquer outra época. Se todos os inimigos dos EUA torcem tão ardentemente por ele, não é sem razão. Nenhum político com um currículo tão ruim seria jamais aceito como candidato à presidência americana se o partido que o escolheu não possuísse garantias de que a verdadeira história desse indivíduo permaneceria desconhecida do público, encoberta sob densas camadas de atenuações e desconversas. Independentemente do resultado das eleições, a mera candidatura Obama constitui, por si, o maior e mais bem sucedido esforço jamais tentado para corromper e destruir desde dentro o sistema democrático americano.

Mas é da natureza do blefe ser tanto mais eficiente quanto mais forçado. O fingimento pequeno, verossímil, desperta nas vítimas aquela pontinha de suspeita que as convida ao exercício da inteligência crítica. A farsa exagerada, grotesca, descomunal, faz o público duvidar de que alguém seja idiota o bastante para tentar enganá-lo com um truque tão besta. E por isso mesmo o truque besta funciona. Se Obama fosse um negro americano médio, e além disso fosse apenas moderadamente esquerdista ou levemente desonesto, sua reputação seria facilmente reduzida a cacos. Como ele é monstruosamente atípico, e ademais seu comprometimento com a traição e o crime é o mais profundo e completo que já se viu num candidato à presidência dos EUA, o tamanho do perigo que se anuncia parece grande demais para ser verdade, e o eleitor, iludido pela confiança rotineira na ordem normal das coisas, não percebe que está diante da maior anomalia política da história americana.

***

Em resposta ao meu artigo “Salvando a mentira” (http://www.olavodecarvalho.org/semana/080919dc.html), o Ombudsman da Folha tenta defender seus colegas de redação alegando que, se o jornal mentiu em prol dos Rosenberg nas páginas internas, não o fez na chamada de capa. Como a mentira foi imperfeita – alega o engraçadinho –, salvou-se portanto metade da verdade, o que, para ele, é mais que suficiente como prova da idoneidade do jornal. Notem bem: há uma diferença substantiva entre a mentira material, mesmo em número elevado, e a mente deformada que dilui o próprio critério de distinção entre a verdade e a mentira, fazendo com que esta prevaleça sempre, seja diretamente, seja sob a forma de meia-verdade. No caso da Folha, a deformação foi até elevada à segunda potência, porque, praticada em primeiro lugar pelo redator da matéria, foi em seguida legitimada por aquele que tem nominalmente a incumbência de corrigi-la.

Respondendo a um amigo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 8 de outubro de 2008

Um amigo, cujo nome tenho boas razões para não declarar aqui, envia-me uma carta interessantíssima da qual desejo destacar e comentar duas observações. A primeira refere-se à farsa montada pela Folha de S. Paulo para amortecer o impacto das confissões do espião Morris Sobell, que desmantelaram uma das mentiras mais queridas da esquerda internacional, a alegada inocência do casal Rosenberg (v. www.olavodecarvalho.org/semana/080919dc.html). A segunda, aos rumos gerais do movimento revolucionário no mundo.

Primeira observação: “Se a intelligentzia da esquerda permitiu a Moris Sobell divulgar sua verdade é porque já sabe o poder que conquistou e está limpando seu passado. Como sempre, culpando os mortos. Do ponto de vista do processo de tomada de poder, tambem é uma mudança de paradigma. Mais um ponto de massa crítica foi ultrapassado e a reação ‘alquimica’ se consolida. Sobell ainda deve ter um bocado de poder. Imagine o mundo, agora majoritariamente de esquerda, saber que ele foi o Gagarin da Bomba. É um reconhecimento em vida.”

Comentário: A técnica é sempre a mesma: primeiro a negação categórica, depois o embelezamento retroativo, por fim a confissão, já com valor invertido. Até o Foro de São Paulo, quando saiu das sombras após dezesseis anos de ocultação, veio todo embonecado, com maquiagem e collant, parecia até o Gilberto Gil no baile do Scala Gay. O que foi ocultado como crime passa por uma transfiguração de modo a poder ser alardeado como mérito.

As gerações mais novas nada souberam, e as velhas já se esqueceram, da pletora de eloqüência mendaz que a mídia chique despejou em todo o globo para dar credibilidade postiça à declaração de Fidel Castro, “Quero deixar bem claro que não somos comunistas” – declaração que, alguns anos depois, passado o temor da rejeição internacional, seria substituída pelo seu oposto simétrico: “Quero deixar bem claro que somos marxistas-leninistas.” Este vídeo do youtube – www.youtube.com/watch?v=VNlKFt11Yxc – pode sanar a ignorância de uns e restaurar a memória de outros. Mas mesmo depois disso ambos os grupos continuarão acreditando na mentira cínica de que os terroristas brasileiros dos anos 70 lutavam para restaurar a democracia no Brasil, mentira que fatalmente, no tempo oportuno, será substituída pela confissão ainda mais cínica de que seu objetivo era instaurar aqui uma ditadura comunista nos moldes da cubana, que os financiava precisamente para isso e para nada mais.

Segunda observação: “Por um outro aspecto, olhando os fatos pelo contexto histórico, esse é o caminho da humanidade, não há outro. Durante muito tempo me revoltava contra o que via, hoje vejo a inevitabilidade deste destino. Não adianta me revoltar, me irritar e irritar os outros. É mais util apenas informar, mostrando o que realmente esta se passando. Sim, esse movimento revolucionario terminará. Terminará quando for a tradição sendo atacada por uma nova traição. Mas o mundo ja estará irreconhecivel.”

Comentário: Você tem razão ao dizer que o movimento revolucionário, quando terminar (o que é historicamente inevitável), terá deixado o mundo irreconhecível. É como o vício da cocaína, que o sujeito pode abandonar, mas sem obter nunca os seus neurônios de volta.

Não devemos, é claro, ter a ilusão de reverter o curso dos acontecimentos, mas também não podemos ceder a um fatalismo que só pode nos acanalhar e destruir o sentido da nossa existência. O que temos é de fazer de nossas vidas um testemunho de que o movimento revolucionário não é onipotente, de que é possível sobreviver mesmo sob o seu jugo sem lhe ceder um milímetro da nossa liberdade de consciência, de que é possível cuspir nos ídolos, desprezá-los e humilhá-los sem que eles tenham sequer a cara de pau de fazer algo de substantivo contra nós. O exemplo que deixarmos será, após o fim do pesadelo, a semente da reconstrução do sentido da vida. Deixar esse exemplo é só o que interessa. No Juízo Final, não seremos cobrados pelo que o mundo escolheu fazer, mas apenas pelo que fizemos de nossas próprias vidas.

Burrice indescritível

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 3 de outubro de 2008

Quando comecei meus estudos, uns quarenta e cinco anos atrás, uma de minhas primeiras preocupações foi rastrear a bibliografia das várias disciplinas que me interessavam – especialmente a crítica literária, a filosofia, a história, a sociologia e a ciência das religiões – de modo a obter uma visão clara do desenvolvimento histórico de cada uma delas e a mapear assim o meu roteiro de leituras pelos dois séculos seguintes, que era o tempo que eu planejava viver.

Só por uma curiosidade, averiguava de tempos em tempos o currículo de várias universidades nesses campos, para comparar o avanço dos meus estudos solitários com aquilo que poderia obter numa dessas venerandas instituições.

Não demorei a perceber que em nenhuma universidade brasileira eu poderia aquela aquela visão global do status quaestionis em cada uma das disciplinas, bem como das suas disputas de território, visão que, constituindo a condição indispensável para o domínio de qualquer uma delas em especial, é, no fundo, o único objetivo dos estudos universitários. Não digo apenas que houvesse lacunas no que se transmitia dessas disciplinas aos estudantes brasileiros. O que havia, no mais das vezes, era a ignorância total dos problemas essenciais e do tratamento que haviam recebido ao longo da história. Mesmo a mera consciência da necessidade de conhecer a evolução temporal das discussões era em geral ausente, tanto nas fábricas de diplomas (autorizadas pelo Ministério da Educação como quem legalizasse o banditismo), quanto nas instituições de maior reputação nacional, como a USP, as PUCs de São Paulo e do Rio e a Unicamp. Isso era visível não só pelos seus programas de ensino, onde o que se entendia por história das disciplinas era apenas uma introdução sinóptica mais adequada a revistas de cultura popular do que ao ensino universitário, mas também e sobretudo pelos trabalhos publicados pelos mais badalados professores, onde a ignorância detalhada dos problemas em discussão constituia a base indispensável para o cultivo de seus mitos ideológicos provincianos mais queridos.

Quando comecei a dar cursos e conferências, tive ao meu alcance um terceiro meio de averiguação do estado de coisas no ambiente universitário: o nível médio de conhecimentos com que chegavam às minhas aulas os diplomados e diplomandos das faculdades de letras, filosofia, etc. Aí aquilo que de início me parecera um estado alarmante de miséria mental tomou as feições de uma catástrofe cultural sem precedentes na história do mundo. Não havia uma única disciplina cuja história eles dominassem, não havia um único problema que soubessem equacionar como estudiosos profissionais dignos do nome, não havia entre eles, em suma, um único universitário no sentido real do termo.

Outros materiais para a avaliação do ensino superior brasileiro vinham-me da imprensa dita cultural, especialmente os suplementos do Globo e do Jornal do Brasil, bem como o caderno Mais! da Folha de São Paulo, que era a vitrine oficial da USP. Parte daquilo que observei nessa documentação está no meu livro O Imbecil Coletivo (1996), cujo título resume as minhas conclusões a respeito. Desde a publicação desta obra, no entanto, as coisas pioraram demais, com a ascensão de uma nova geração de tagarelas ainda mais ignorantes e presunçosos do que seus antecessores, fortalecidos na sua autoconfiança demencial pelo sucesso político dos partidos de esquerda e pela deliciosa sensação de poder daí decorrente, a seus olhos uma prova cabal das suas altíssimas qualificações intelectuais. Hoje em dia a cultura superior está completamente extinta no Brasil, substituída por um falatório subginasiano sufocantemente uniforme, que, sob o pretexto irônico de “pensamento crítico” e “libertação”, se impõe a um amedrontado corpo discente com a autoridade irretorquível do magister dixit.

Misto de vigarice, ignorância pétrea, fingimento histriônico e delírio psicótico puro e simples, o arremedo de vida intelectual no Brasil de hoje é um fenômeno grotesco do qual não encontro paralelo em nenhuma outra época ou nação. E a maior prova da sua gravidade é o fato de que, mesmo entre aqueles que o enxergam, a tendência geral é minimizá-lo como se fosse apenas a deterioração de um adorno supérfluo, sem maiores conseqüências para a vida real. O homem inteligente é sensível ao menor sinal de decréscimo do seu QI; o imbecil sente-se tanto mais tranqüilo e confiante quanto mais imbecil se torna. Como os intelectuais são os olhos e ouvidos da sociedade, não espanta que esta última, sob a influência das hordas de miúdos vigaristas que hoje exercem essa função, tenha se tornado incapaz não somente de acompanhar razoavelmente o que se passa no mundo (comparar o que observo nos EUA com o que a respeito sai nos jornais brasileiros é ter diariamente a visão de um abismo sem fundo), mas até de compreender, mesmo por alto, aquilo que se passa no território nacional. Políticos, empresários, líderes militares e religiosos tomam suas decisões, dia após dia, com base na ignorância radical dos fatos mais decisivos. O Brasil tornou-se uma procissão de cegos guiados por loucos. É um fenômeno tão estranho e incomparável, que desafia qualquer descrição. A capacidade humana de expressar em palavras a experiência coletiva depende de que esta tenha um mínimo de luminosidade e transparência. A opacidade completa só pode ser descrita pela indiferença e pelo esquecimento. O Brasil tornou-se uma imensa falta de assunto.

Veja todos os arquivos por ano