Yearly archive for 2007

Profetas do capitalismo global

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 16 de abril de 2007

O crescimento assustador do movimento esquerdista no mundo desde a queda da URSS deveria alertar os liberais e conservadores para que largassem de triunfalismo bocó e começassem a examinar seriamente a fragilidade das suas próprias certezas. A mais vulnerável delas é a de que a superioridade econômica intrínseca do capitalismo acabará fatalmente por prevalecer no fim das contas, trazendo ao mundo, na esteira da liberdade de mercado, o sonho dourado da democracia mundial.

Primeiro: não é previsível que a racionalidade econômica consiga domar tão facilmente as tremendas forças irracionais desencadeadas há séculos pelo advento das ideologias revolucionárias trazidas aliás no bojo do próprio sucesso capitalista. Até hoje ela não fez isso senão em áreas minúsculas da superfície terrestre, e mesmo assim de maneira vacilante e precária. A capacidade humana para a otimização racional da economia em bases capitalistas não é dom inato nem causa sui : é o produto de milênios de civilização e o resultado de um equilíbrio espiritual muito raro, difícil de obter e fácil de perder. Um pouco de conhecimento das raízes culturais daquilo que defendem não faria mal algum aos teóricos da “salvação pela economia de mercado”. Sugiro começar por “The Victory of Reason: How Christianity Led to Freedom, Capitalism, and Western Success”, de Rodney Stark (New York, Random House, 2005) e “The God That Did Not Fail: How Religion Built and Sustains The West”, de Robert Royal (New York, Encounter Books, 2006 – o título é um pendant de “The God That Failed”, a hoje clássica antologia de desiludidos do comunismo, entre os quais Arthur Koestler e Ignazio Silone).

O capitalismo não brotou de nenhum plano genial, não nasceu numa prancheta de engenheiro social: foi-se formando aos poucos, do arranjo progressivo de uma multidão quase inabarcável de fatores sociais, culturais, políticos e religiosos. Não podemos confundir a sua realidade histórica complexa e viva com a sua posterior redução mental a um conceito simplificado, a uma “essência” transportável. No artigo anterior vimos que Marx caiu nessa. Mas os amigos do capitalismo também não escapam da tentação. Sua concepção da essência capitalista é quase farmacológica. Falam em “injeções de capitalismo” com a segurança e a empáfia de salvadores do mundo. Duas décadas atrás, prometiam dissolver a ditadura chinesa na poção mágica do livre mercado. Riam dos escrúpulos do investidor que relutasse em fomentar com seu dinheiro a prosperidade de um regime carniceiro. Os fatos mostraram quem tinha razão. O que se vê na China de hoje é uma riqueza deslumbrante em cinco cidades, a miséria indescritível em todo o resto do país e, imperando sobre o conjunto, o Partido cada vez mais poderoso e inabalável, usando os lucros do livre mercado para acumular bombas atômicas na esperança de jogá-las… onde? No Paraguai? Em Catolé do Rocha?

Os homens que criaram o capitalismo eram religiosos protestantes, imbuídos da noção de que o comércio era o campo preferencial para a prática coletiva das virtudes cristãs. Os homens que o teorizam hoje em dia são tecnocratas materialistas e economicistas, que não entendem um “a” da complexa estrutura espiritual da civilização e apostam cegamente em fórmulas mágicas que lhes parecem muito científicas. Foram eles que celebraram a queda da URSS como o advento do paraíso global democrático-capitalista. O que a década seguinte lhes trouxe foi o crescimento avassalador da rebelião esquerdista e a ocupação cultural da Europa pelos invasores islâmicos. Procure algum guru empresarial que tenha previsto esse desenvolvimento. Não encontrará nenhum. No entanto, os estudiosos de religiões comparadas já o previam desde a década de 30. Eles não são idiotas o bastante para acreditar que a economia determina o curso da história. Não são meros marxistas com sinal trocado como aqueles a quem o empresariado paga rios de dinheiro para que o intoxiquem de ilusões.

Segundo: A crença de que é possível construir uma sociedade espiritualmente neutra baseada na pura racionalidade econômica e na mecânica dos “interesses” é ela mesma uma ideologia revolucionária, que como tal só serve para solapar as últimas barreiras opostas pela civilização judaico-cristã ao avanço aparentemente irrefreável do totalitarismo no mundo.

Essa ideologia, que hoje muitos entendem como a encarnação mais pura do capitalismo, surgiu três séculos depois da prática capitalista e jamais foi adotada na Inglaterra ou nos EUA. Ela é a herdeira direta dos Lockes, Mandevilles e Benthams – a ala materialista e utilitarista do iluminismo inglês, a que me referi em artigo anterior – e o único país que acreditou nela foi a França. Leiam “Le Mal Français”, de Alain Peyrefitte (Paris, Plon, 1976), e verão no que deu: um capitalismo capenga, hiper-regulamentado, que reduziu ao estado de potência de segunda classe aquela que dois séculos e meio atrás era a nação mais rica e poderosa do universo.

Terceiro: A experiência mostra que um núcleo de racionalidade econômica não apenas pode coexistir com a irracionalidade revolucionária em tudo o mais, mas ainda contribui decisivamente para expandi-la, uma vez que, no deserto de valores criado pela própria ilusão economicista, a prosperidade crescente multiplica ad infinitum o “proletariado intelectual” das universidades, a multidão de ativistas e ongueiros, a burocracia virtual, classe revolucionária por excelência.

Quarto: Quando os capitalistas decidem criar canais de ação por onde escoar a energia sobrante da burocracia virtual, mas já estão eles mesmos espiritualmente secos e esturricados pela sua própria ideologia economicista, o melhor que conseguem fazer é subsidiar e tentar controlar de longe movimentos de massa que se tornam tanto mais odientamente anticapitalistas quanto mais tentam esquecer, em vão, a farsa dinheirista em que se sustentam.

Quinto: Mediante um esforço gigantesco de engenharia social, os interesses dos movimentos revolucionários de massa podem ser levados a convergir com o das grandes corporações capitalistas, mas que outra forma pode assumir esse arranjo matrimonial senão a do “mundo planejado”, a utopia global de Herbert George Wells, o triunfo final do socialismo fabiano, burocratização do universo e ante-sala do comunismo mundial?

Marx tinha alguma razão ao dizer que o capitalismo traz em si as sementes da sua própria destruição, mas essas sementes não estão na miséria crescente, na diminuição do consumo e na expansão ilimitada do proletariado. Simetricamente ao contrário, estão na prosperidade crescente que multiplica ilimitadamente a classe dos intelectuais ociosos, na expansão avassaladora da “indústria cultural” que os lisonjeia e aquece suas ambições e, por fim, na cooptação dos próprios capitalistas como financiadores da revolução mundial, embriagados pela falsa onipotência da economia de mercado desligada dos fatores culturais e religiosos que a geraram. Um bom ecoomista com algum gênio filosófico – isto é, um sujeito que fosse as duas coisas que Marx imaginava ser — teria podido prever esse desenvolvimento já no tempo dele. Infelizmente, o advento do próprio marxismo desviou o eixo da discussão para as virtudes respectivas, reais ou supostas, da economia socialista e capitalista. Mesmo depois que Ludwig von Mises demonstrou a absoluta inviabilidade da primeira, o debate continuou equacionado como um confronto entre dois sistemas econômicos. Erro mais alienante não poderia haver. O socialismo não é sistema econômico nenhum, é apenas uma casca ideológica construída em cima de uma economia que, informalmente, continua capitalista. Capitalista em sentido duplo: pela dose cavalar de capitalismo clandestino que o governo socialista não pode erradicar de maneira alguma e pela dependência crônica da ajuda proveniente dos países capitalistas (sobre esses dois aspectos, leiam, respectivamente, “Russia’s Economy of Favours: Blat, Networking and Informal Exchange”, de Alena V. Ledeneva, Cambridge University Press, 1998, e o já aqui citado “The Best Enemy Money Can Buy”, de Antony C. Sutton, Billings, Montana, Liberty House Press, 1986). Pelo lado econômico, o socialismo nunca foi nem será páreo para o capitalismo: o perigo que ele oferece é cultural e político: cultural, pela energia inesgotável que suga do próprio capitalismo através do crescente “proletariado intelectual”, como já expliquei acima; e político, pelos regimes teratológicos que vai criando aqui e ali, sempre com o apoio dessa massa ambiciosa e barulhenta.

Enquanto os capitalistas nada tiverem a opor ao projeto socialista senão a funcionalidade econômica e a concepção mecanicista de uma democracia baseada no modelo do mercado, eles estarão trabalhando para o socialismo. Se economicamente o socialismo é um fracasso, isso não diminui em nada a sua capacidade destrutiva, aumentada ainda pela tentação capitalista de concorrer com ele nos seus próprios termos, isto é, de fazer a revolução cultural antes que o socialismo a faça.

Mesmo supondo-se que a previsão do sucesso global da economia de mercado se revelasse acertada no fim das contas, ainda restariam duas perguntas fatais:

(1) Quando é “o fim das contas”?

(2) Quanto vai custar a espera? Quais os danos que o socialismo, não por seu sucesso, mas pelo seu fracasso estrondoso e sangrento, vai trazer à humanidade até o dia em que todos os cérebros reconheçam que, afinal, o capitalismo não era tão ruim quanto o imaginavam?

Os capitalistas que, desde o começo do século XX, subsidiaram generosamente o socialismo soviético na esperança de lucrar seja com o seu sucesso, seja com o seu fracasso, não erraram no seu cálculo econômico. Aqueles que hoje alimentam com seus investimentos a economia chinesa também não perdem dinheiro com isso. Apenas, fomentam por esse meio o genocídio sem fim e a revolução mundial que não criará uma economia socialista viável, mas transformará o capitalismo num inferno burocrático-policial fabiano.

O problema não é saber quem vai vencer no campo econômico. A hipótese socialista não existe. O problema é saber quanto vai custar a vitória do capitalismo. O preço ameaça ser mais alto do que a espécie humana pode pagar, se os capitalistas continuarem se recusando ao combate e prolongarem artificialmente a vida de um adversário que já nasceu moribundo. Um ataque decisivo e multilateral às ambições socialistas pouparia à humanidade sofrimentos inúteis e desnecessários como aqueles que foram impostos à Rússia e à China pela mistura de omissão e de falsa esperteza dos capitalistas ocidentais.

Na escala nacional, o momento de uma reação decisiva até já passou, e os que teriam a obrigação de liderá-la nem mesmo o perceberam. Se querem um indício do presente estado de coisas, leiam esta mensagem postada numa lista de discussões por um remetente que, por motivos de segurança, a assina com pseudônimo:

“Até agora, os usineiros e senhores das plantações de cana de açucar fingiram-se de mortos, enquanto o MST barbarizava com as propriedades de pecuaristas ou de plantadores de roça. Agora está chegando a hora deles. Este link ( http://www.folhadaregiao.com.br/link.php?codigo=65876 ) mostra um país sem lei, sem ordem e brevemente sem progresso… Se vocês vissem o que está acontecendo aqui na minha região, ficariam muito, mas muito preocupados. Não há missa que não tenha coleta de alimentos para os ‘irmãos camponeses’… Não há missa em que não se peçam ofertas para pagar gasolina e oleo diesel para as caravanas em apoio à reforma agraria… Só que estão atacando fazendas produtivas, com anos de exploração produtiva, matando gado, destruindo plantações, numa corrida de vandalismo que dá para ficar perplexo. Excetuando os jornais de interior, como o do link , você quase não vê ou assiste nada na TV. Portanto , os que moram em cidades grandes não estão sabendo do que ocorre por aqui. Estamos já vivendo uma chavização do campo e parece que ninguém ainda percebeu…”

Falando de mim

Um breve exame das páginas do Orkut dedicadas à nobre e aparentemente dificultosa tarefa de dar cabo da minha reputação é sempre, para mim, uma surpresa renovada. Existem, é verdade, páginas a meu favor, e até superam em número as de esculhambação. Mas estas ganham longe na quantidade de mensagens diárias. A atenção permanente e incansável que aí recebo de inimigos a quem em geral nunca vi e dos quais nada sei – muitos deles ocultos sob pseudônimos exóticos – ultrapassa tudo quanto uma vaidade mesmo demencial poderia exigir. Eles parecem não pensar em outra coisa, noite e dia, senão na minha pessoa que ao mesmo tempo declaram nula, desprezível e sem importância. Não deixam passar nada do que eu diga, mesmo de relance e ao acaso. Jurando indiferença e superioridade olímpicas, enfurecem-se com cada palavra minha, procuram por trás dela os motivos mais torpes e sinistros; vasculham a minha vida e a da minha família e, quando nada aí encontram que lhes pareça útil aos seus propósitos, põem-se a conjeturar as hipóteses mais mórbidas e grotescas para explicar como posso ser tão ruim ao ponto de existir e cínico ao ponto de continuar existindo depois de todos os seus esforços para eliminar esse flagelo. E escrevem, escrevem, escrevem. Escrevem sem parar, anotando cada suspeita fugaz, cada pensamento mau que a meu respeito lhes passe pela cabeça, como se fosse um tesouro digno de ser conservado para as próximas gerações. Não há defeito ou vício que já não me tenham atribuído, de mistura com um crime ou outro, sempre no intuito, dizem eles, de combater as minhas idéias e não a minha pessoa. E nenhum deles, em momento algum, dá jamais sinal de perceber em toda essa atividade verbal diuturna, febril e incansável, nada de anormal, nada de esquisito, nada de doentio. Ao contrário: continuam falando como se fossem o padrão mesmo da normalidade humana, aplicado ao diagnóstico de um monstro disforme e intolerável.

Da minha parte, não posso me impedir de achar no mínimo surpreendente que tantas pessoas se reunam para escrever milhares e milhares de páginas contra alguém que nem as conhece, e depois ainda assegurem fazê-lo porque ele as odeia, e não elas a ele. Também não vejo como achar normal e indigno de espanto o fato de que, desses milhares de atacantes, cada um, ao despejar na rede mais uns litros diários de sua substância mental fervente, se julgue merecedor de uma resposta pessoal detalhada, cortês e polida –, e, não a obtendo, se creia no direito de cantar vitória, proclamando que o alvo dos seus ataques fugiu ao debate. Como se esse alvo tivesse o dever estrito, o máximo interesse e sobra de tempo livre para explicar-se diariamente a um tribunal de fofoqueiros desconhecidos.

Um deles, após assegurar que nada tem contra mim e sim apenas contra as minhas opiniões, declara que espalhei filhos por aí e os deixei ao desamparo. E em seguida se queixa de que não quero debater com ele. Como se coubesse ao difamado defender-se ante o difamador e não a este defender-se ante a justiça.

Se fosse preciso alguma prova da loucura coletiva que se apossou das classes falantes no Brasil de uns anos para cá, só essa já seria mais que suficiente.

No extremo Ocidente do mundo

Quando li num artigo do Demetrio Magnoli que Alain Rouquié apelidou a América Latina de “Extremo Ocidente”, imediatamente me veio à lembrança um parágrafo escrito no século XI pelo filósofo persa Abu Ali al-Hussayn ibn Abd-Allah ibn Sina , ou, com nome latinizado, Avicena ( 980 1037 ). Tenho uma dívida enorme para com esse génio assombroso, que entendeu a lógica de Aristóteles melhor do que ninguém e me pôs na pista da “teoria dos quatro discursos” exposta em Aristóteles em Nova Perspectiva (Topbooks, 1998). Mas não é por isso que o menciono aqui: é porque o filósofo foi também profeta. Este trecho foi extraído da “Narrativa de Hay Ibn Yaqzan”, uma lenda mística que Henry Corbin traduz na íntegra em “Avicenne et le Récit Visionnaire”, publicado por Adrien Maisonneuve em 1954 (edição americana, “Avicenna and the Visionary Recital”, transl. Willard Trask, Dallas, TX, Spring, 1980):

“Na extrema ponta do Ocidente há um vasto oceano, que no Livro de Deus é chamado o Oceano Quente e Lamacento. As correntes que nele deságuam vêm de um país inabitado cuja vastidão ninguém pode circunscrever. Ninguém mora nesse país, exceto estrangeiros que ali desemcarbam inesperadamente. Perpétuas trevas reinam nesse lugar. Aqueles que para lá emigram recebem somente um raio de luz a cada vez que o sol se põe. O solo é um deserto de sal. A cada vez que um povo lá se instala e tenta cultivá-lo, ele o rejeita, o expulsa, e então vêm outro povo ocupar o seu lugar. Alguém começa uma plantação lá? Ela é desperdiçada. Ergue-se uma casa? Vem abaixo. Entre aqueles povos há disputas constantes, ou melhor, batalha mortal. Qualquer grupo que seja mais forte toma as propriedades e os bens dos outros e os força a emigrar. Então ele tenta se estabelecer na região, mas por sua vez colhe somente prejuízo e dano. É assim que eles se comportam. Eles nunca vão parar com isso… É um lugar de devastação, repleto de guerras, disputas, tumultos. Lá a alegria e a beleza só existem quando emprestadas de algum lugar distante.”

Uma nação de extremistas

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 12 de abril de 2007

Já se tornou prática geral da nossa mídia, quase uma norma de redação, carimbar como “extremista de direita”, sugerindo a conveniência de excluí-lo do debate decente, quem quer que se oponha ao abortismo, à eutanásia, à lei da mordaça gay , ao desarmamento civil, ao neo-racismo anti-racista e a outros itens do cardápio jurídico-moral servido às nações pelos autonomeados governantes do mundo.

Acontece que, segundo vêm mostrando repetidamente as pesquisas do Datafolha, a maioria do povo brasileiro se inclui precisamente nessa categoria. Mais de sessenta por cento dos nossos compatriotas vêem com mal disfarçada hostilidade os novos padrões de conduta que o governo, os jornais, a TV, o cinema e as escolas lhes querem impor como normativos e obrigatórios.

Em contrapartida, se somarmos todos os jornalistas, intelectuais, ativistas, ongueiros, empresários, banqueiros, políticos e burocratas que escolhem as opiniões aprovadas e condenadas, não obteremos um por cento da população nacional. Vamos portanto entrando num novo tipo de democracia, em que uma elite minúscula, montada no poder do dinheiro, do ativismo e da propaganda, marginaliza e criminaliza a maioria, sempre a pretexto de libertá-la das trevas da ignorância e conduzi-la ao paraíso da igualdade, da não-discriminação e dos direitos humanos.

A diferença é que essa minoria se reúne, se adestra, se organiza, suga e junta recursos, ocupa espaços, acumula poder e age sem parar. A maioria, amorfa e dispersa, a tudo assiste, boquiaberta e passiva, às vezes desejando reagir mas sem saber nem por onde começar.

A minoria não aceita contradição. Quando frustrada nas suas exigências, entende isso como recuo tático provisório, voltando à carga depois de algumas semanas. A maioria, justamente porque percebe a absurdidade das pretensões minoritárias, apega-se à esperança suicida de que tudo seja uma moda passageira, sem saber que se trata de uma estratégia abrangente preparada ao longo de mais de setenta anos sob o patrocínio de algumas das maiores fortunas do universo e calculada para desembocar na utopia de Herbert George Wells: o “mundo planejado”. Embora os preparativos para essa maravilha sejam abertos, públicos e fartamente documentados, convencionou-se que mencioná-los é “teoria da conspiração”, rótulo infamante que ninguém quer atrair sobre si.

Para completar, a minoria ambiciosa é totalmente desprovida de escrúpulos, não hesitando em falsificar estatísticas em massa, suprimir os fatos adversos, calar pelo boicote e pela intimidação as vozes discordantes e paralisar o adversário por meio de chantagem emocional, fazendo-se de vítima perseguida e clamando por socorro policial cada vez que ouve a palavra “mas”. A maioria, apegada aos resíduos de uma civilização milenar, ainda acredita estar diante de pessoas razoáveis e cordatas, das quais é possível obter concessões mediante argumentação e diálogo. Anestesiada por essa crença ilusória, vai ela própria fazendo concessão em cima de concessão, até o dia em que nada mais lhe restará para conceder, porque tudo lhe terá sido tomado.

A vigarice acadêmica em ação

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 10 de abril de 2007

A declaração escandalosa da ministra Matilde Ribeiro, incentivando abertamente a hostilidade dos negros aos brancos, não é um produto original da sua cabecinha oca. É o eco passivo de uma longa e ativíssima tradição cultural. Desde que Stalin ordenou que o movimento comunista explorasse todos os possíveis conflitos de raça e lhes desse o sentido de luta de classes, ninguém obedeceu talvez a essa instrução com mais presteza, fidelidade e constância do que os “cientistas sociais” brasileiros.

Praticamente toda a nossa produção universitária nesse domínio consiste num longo e barulhento esforço para instigar nos negros e mulatos o ódio retroativo não só aos senhores de escravos e aos descendentes de senhores de escravos, mas aos brancos em geral, inclusive os que lutaram pela libertação dos escravos, os que se casaram com pessoas negras, os que nunca disseram uma palavra contra a raça negra nem lhe fizeram mal algum. Todos esses, segundo a doutrina do nosso establishment acadêmico, são racistas inconscientes, virtualmente tão perigosos quanto Joseph Goebbels ou a Ku-Klux-Klan. Até os negros são um pouco racistas contra si próprios. Inocentes do crime de racismo, só mesmo os distintos autores desses estudos e os militantes das organizações inspiradas neles. Ou seja: ou você é um dos acusadores, ou é um dos culpados. Tertium non datur.

Um fluxo incessante de teses de mestrado e doutorado, fartamente subsidiadas pelo governo e por fundações internacionais bilionárias, jorra das nossas universidades para dar credibilidade a essa doutrina adorável. Os oito preceitos metodológicos que a fundamentam são os seguintes:

1. Atribuir à discriminação racial a diferença de padrão econômico entre negros e brancos, omitindo o fato de que entre a abolição da escravatura e o início da industrialização nacional transcorreram mais de quarenta anos durante os quais a população negra libertada se reproduziu incomparavelmente mais que o número de empregos disponíveis.

2. Mostrar os negros como vítimas predominantes de crimes violentos, sem perguntar se não são também predominantemente os autores desses crimes. Todo assassino, branco ou negro, é assim considerado a priori um instrumento da violência branca contra os negros.

3. Do mesmo modo, explicar toda violência policial contra negros como efeito do racismo branco, sem perguntar se os policiais que a cometeram eram negros ou brancos.

4. Mostrar os europeus sempre como escravizadores e os negros como escravizados, omitindo sistematicamente o fato de que as tropas muçulmanas, repletas de negros, invadiram a Europa e aí escravizaram milhões de brancos desde oito séculos antes da chegada dos europeus à África.

5. Explicar portanto a escravidão interna na África como mero efeito da escravidão européia, invertendo a ordem do tempo histórico.

6. Transformar cada raça em pessoa jurídica, titular de direitos, quando negra, e de responsabilidade penal, quando branca.

7. Dar por implícito que todo branco é culpado pelos atos dos senhores de escravos, mesmo quando não tenha um só deles entre os seus antepassados e mesmo que tenha chegado ao Brasil, como imigrante, décadas depois do fim da escravidão.

8. Lançar a culpa de tudo na “civilização judaico-cristã”, justamente a única que, ao longo de toda a história humana, fez alguma coisa em favor das raças escravizadas.

A palavra “viés” é delicada e sutil demais para qualificar a atitude mental que gera esses estudos. A sociologia das raças que se produz nas nossas universidades é puro material de propaganda, deliberadamente mentiroso e calculado para legitimar a violência revolucionária contra aquilo que o ex-governador Cláudio Lembo chamou de “elite branca cruel e egoísta”. Ciência social, no Brasil, é crime organizado.

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