Yearly archive for 2006

Apelo urgente de Olavo de Carvalho a seus leitores brasileiros

Olavo de Carvalho

Prezados amigos,

Desde que cheguei aos EUA, em maio de 2005, assumi como dever pessoal, fora e independentemente do meu trabalho de correspondente jornalístico e da preparação do livro A Mente Revolucionária, informar ao maior número possível de jornalistas, intelectuais, empresários e políticos americanos a verdade sobre o estado de coisas no Brasil, a abrangência dos planos do Foro de São Paulo, a aliança entre partidos de esquerda e organizações criminosas, a colaboração ativa e essencial do governo Lula na revolução continental cujas personificações mais vistosas são Hugo Chávez e Evo Morales.

Continuo firme nesse empenho até hoje. Ele consome, de fato, a maior parte do meu tempo.

O objetivo imediato é conscientizar a elite americana da loucura que faz ao dar suporte político, jornalístico e financeiro a organizações latino-americanas de esquerda que, por baixo de uma persuasiva máscara democrática e legalista, conspiram com o Foro de São Paulo para a disseminação do caos revolucionário no continente.

A intenção última, talvez irrealizável mas nem por isto menos obrigatória moralmente e digna do esforço, é atenuar ao máximo o fluxo de uma ajuda bilionária sem a qual a revolução comunista na América Latina morreria de inanição.

Bem sei que, entre os componentes da referida elite, muitos ajudam o comunismo latino-americano de maneira consciente e deliberada, movidos pela convicção pessoal, pela vaidade, pela estupidez pura e simples ou, o pior de tudo, pelas vantagens que assim pretendem obter para a consecução de seus próprios planos estratégicos, de envergadura incomparavelmente mais vasta que os do Foro de São Paulo.

Com essa parcela da elite não adianta nem conversar, é claro. Mas há centenas de organizações conservadoras, leigas, cristãs e judaicas, que ludibriadas por falsa informação acabam permitindo que o potencial da sua boa-fé e os dons da sua generosidade sejam desviados para finalidades que atentam contra seus próprios valores e princípios. Há também órgãos do próprio governo americano, que, induzidos a trabalhar nesse sentido por administrações federais anteriores pró-esquerdistas, continuam, pela força da rotina burocrática, a apoiar aquilo que deveriam combater.

Essa situação anormal e doentia resulta de um trabalho de muitas décadas feito aqui pelo lobby esquerdista internacional, cujos agentes lograram se infiltrar por toda parte, dominando ostensivamente os órgãos culturais do governo e a grande mídia das capitais, e camufladamente atuando até mesmo dentro de organizações conservadoras.

A política oficial do governo de Washington, de dar apoio à “esquerda moderada” na esperança de que sirva de barreira às ambições da “esquerda radical”, é fundada inteiramente em desinformação proposital espalhada há décadas por entidades poderosas como o CFR e as fundações Rockefeller, Ford e Soros. Nos últimos anos, uma crescente onda de revolta contra essas entidades espalhou-se entre a maioria conservadora. Informações longamente ocultadas sobre seus planos e atividades começam a jorrar na mídia conservadora e a ser discutidas abertamente nos think tanks. O momento é propício para mostrar que, entre as inumeráveis mentiras com que essas macro-organizações manipularam a opinião pública americana, havia algumas sobre o nosso país e os nossos políticos. Só para vocês fazerem uma idéia de até onde vai o cinismo dessa gente, o CFR nomeou, para chefe da sua Força-Tarefa encarregada de influenciar a política de Washington para com o Brasil, nada menos do que o sr. Kenneth Maxwell, aquele mesmo que, usando da sua suposta autoridade de “especialista”, tentou persuadir o Brasil de que o Foro de São Paulo nem sequer existe.

Há no Brasil pessoas ambiciosas e iludidas que acreditam poder influenciar o governo americano por meio de contatos diretos com o Departamento de Estado e a presidência da República. Tolice. Primeiro: os EUA não são o Brasil, onde o Executivo pode mudar o curso das coisas a seu belprazer. Aqui, tudo depende de longas discussões, da conquista dos corações e mentes da elite formadora da opinião pública, do exercício, em suma, da democracia. No Brasil, já nem sabem o que é isso. Imaginam que Bush é um Lula de direita. Segundo: tanto Bush quanto Condoleezza Rice podem ser conservadores o quanto queiram na intimidade das suas almas, e não tenho motivo para duvidar da sinceridade de um nem da outra; mas o fato é que são ambos membros do CFR e têm suficiente amor às suas carreiras para não cuspir muito ostensivamente no prato em que comeram. Eles só mudarão a orientação da política de Washington para com a América Latina se sentirem que têm respaldo para isso nos órgãos formadores da opinião republicana. Convencê-los pessoalmente é desnecessário e inútil. Provavelmente já estão até convencidos. O importante é convencer suas fontes de apoio. Ninguém vai conseguir nada com cochichos de gabinete. Isto aqui não é uma republiqueta, onde tudo se obtém pela amizade do chefão. Democracias simplesmente não funcionam assim. O que tem de ser feito é público e aberto.

Contra o trabalho consolidado de centenas de ONGs esquerdistas que aqui operaram durante décadas até obter o controle quase total do fluxo de informações sobre o Brasil na grande mídia, vejo que estou praticamente sozinho. Sozinho e sem recursos. Minha sorte é que (1) nos think tanks conservadores existe agora uma fome de informações autênticas sobre a revolução latino-americana; (2) a grande mídia não é tão grande assim: os conservadores dominam os talk-shows de rádio, que alcançam uma faixa de público bem maior que a dos jornais da esquerda chique; (3) como não estou ligado a interesse partidário nenhum, represento somente a mim mesmo e digo apenas aquilo em que pessoalmente acredito, há nesses meios um número enorme de pessoas que acreditam em mim. Nada tem mais autoridade ante uma platéia americana do que a independência individual (justamente aquilo que no Brasil torna o cidadão um virtual suspeito). Desde que cheguei, fiz várias conferências em think tanks, escolas e congressos, despertando o interesse e a franca aprovação de platéias altamente preparadas, nas quais se incluiam pop stars da mídia conservadora, cientistas políticos de excelente prestígio acadêmico e até subsecretários de Estado.

O momento, repito, é propício. O véu da mentira latino-americana está para ser rasgado, e CFR nenhum poderá impedir que isso aconteça.

Aqui aprendi o que é democracia. A democracia não dá liberdade a ninguém. Apenas dá a cada um a chance de lutar pela liberdade. A gente percebe isso, materialmente, na coragem e disposição de combate com que tantos americanos, hoje, se erguem contra o establishment esquerdista chique e não raro conseguem vencê-lo usando os meios postos à sua disposição pelo Estado de direito. Esses meios estão também ao alcance de quem deseje restabelecer a verdade sobre o Brasil.

Não quero me gabar dos resultados obtidos, mas sei que, na mídia conservadora e nos think tanks republicanos, já quase ninguém mais acredita na mentira idiota de que Lula é um antídoto à subversão chavista. Estou consciente de ter contribuído ativamente para sepultá-la. Mais dia, menos dia, notícias do falecimento chegarão ao governo americano, se é que já não chegaram.

Para isso, usei de todos os recursos com que contava: conferências, artigos, cartas, telefonemas, distribuição de provas e documentos, inumeráveis conversações pessoais. De vez em quando coloco no meu site algumas amostras do que tenho feito.

O problema é que tudo isso custa trabalho, tempo e dinheiro. Normalmente, um esforço dessa envergadura deveria ser obra de equipe. Seria preciso ter aqui uma ONG independente, sem ligação com partidos ou “redes”, com um time de conferencistas, redatores, tradutores, relações públicas e fund-raisers, habilitada a fazer o que todas as ONGs fazem: conferências de imprensa, debates, newsletters, mala-direta, um website atualizado diariamente e publicação de livros.

Não dispondo de nada disso, faço tudo eu mesmo. Não tenho nenhuma ONG pelas costas, nenhum patrocinador, nenhum suporte político ou empresarial. Meu visto de jornalista também não permite que eu trabalhe em empresas locais. Tudo o que escrevo e leciono por aqui, é de graça. A totalidade dos meus meios de sustento consiste no salário que me vem do Brasil e na ajuda de dois ou três amigos, sempre os mesmos.

Não estou me queixando. Estou felicíssimo de poder fazer o que faço. Mas faria muito mais, e com resultados incomparavelmente mais velozes, se tivesse algum respaldo financeiro para isso.

O salário que recebo pelo meu trabalho jornalístico é suficiente para dar à minha família uma vida modestamente confortável no interior da Virgínia, onde tudo custa três vezes mais barato (e é dez vezes mais bonito, confesso) do que em Washington ou Nova York. Mas a tarefa de que me incumbi exige muito mais do que posso gastar. Só para vocês fazerem uma idéia, a primeira coisa que fiz em vista dos meus planos foi dar a mim mesmo um curso abreviado de política americana: história, leis, instituições, grupos, pessoas, correntes de idéias. Logo em seguida, formei um cadastro das entidades que podiam ser úteis para o meu objetivo e tratei de me inscrever em várias delas, para poder freqüentar seus encontros, receber suas publicações, etc. Por fim, iniciei um programa de viagens a Washington para contatos pessoais e conferências. Quanto custou isso tudo? Quanto custa formar, em menos de um ano, um especialista em política americana? Quanto custam centenas de livros, dezenas de assinaturas de revistas e subcrições em think tanks, não sei quantas diárias de hotel e alguns milhares de galões de gasolina? Mensalmente, gastei nisso metade ou mais do meu salário, enchendo-me de dívidas, submetendo minha família a sacrifícios humilhantes e incomodando amigos brasileiros com obsessivos pedidos de socorro.

Cheguei a um ponto em que já não posso continuar trabalhando assim. Ou monto uma estrutura de trabalho capaz de concorrer com adversários poderosos, ou trato de buscar um consolo impossível naquela história do passarinho que tentava apagar o incêndio na floresta levando gotinhas de água no bico. Não quero ficar me vangloriando de gotinhas inúteis. Quero fazer alguma coisa que dê resultado. Quero fazer e sei como fazer. E nada melhor para me ajudar nisso do que as contribuições individuais de pessoas que confiam em mim. Incomparavelmente melhor do que apoios institucionais, empresariais e partidários. Elas são um reforço generoso e livre que em nada afeta a minha independência.

Nos EUA, depender apenas das contribuições espontâneas do público aumenta muito a credibilidade de uma campanha, de um jornal eletrônico ou de uma ONG.

A constituição de uma ONG nos EUA é coisa complexa e dispendiosa. Antes mesmo de chegar a isso, preciso de meios para viajar com mais freqüência a Washington, para publicar uma newsletter, para atualizar diariamente o meu site em inglês, para me inscrever em mais instituições, estender meus contatos para outros Estados, freqüentar mais congressos, etc. etc.

Preciso de ajuda já. Não quis pedi-la antes de chegar ao meu limite. Já cheguei. Por favor, me ajudem a salvar a honra do Brasil. Não quero chegar à velhice extrema pensando que vim de um país que se deixou estrangular sem exercer nem mesmo o direito de espernear. Quero exercer esse direito até o fim, com esperneadas vigorosas que pelo menos deixem o assassino da pátria com uma inesquecível dor na bunda.

Adiei o pedido levando em consideração que a tarefa a que me entreguei foi idéia minha, pessoal, germinada em segredo no meu cérebro maligno, sem pedido ou sugestão de quem quer que fosse. Ninguém, fora eu mesmo, tem a mínima quota de responsabilidade nela. Muito menos, é claro, os jornais que me empregam. Cumpro meus deveres profissionais, vou escrevendo o meu livro e me entrego à devoção patriótica nas horas vagas. Todas as horas vagas.

Bem sei o que essa iniciativa privadíssima pode me custar, se eu voltar ao Brasil. Também sei que, por aqui, meu visto de jornalista me dá direito à permanência indefinida, mas não garantida. Posso ser, de um momento para outro, retirado deste adorável refúgio virginiano, entre esquilos, sapinhos, flores e caipiras, e devolvido direto à toca do lobo, bicho tinhoso que já várias vezes ameaçou acabar com a minha raça. Os riscos da empreitada são portanto consideráveis e, se me sinto autorizado a pedir aos amigos e leitores que a reforcem com seu dinheiro, é porque apostei nela o meu pescoço e a segurança da minha família. Não estou pedindo a ninguém que ofereça mais do que ofereci.

Também não prometo nada, exceto multiplicar o meu esforço na proporção dos recursos que me cheguem. Nunca tive paciência com pessoas que choramingam pedindo que eu lhes dê uma esperança. Minha única esperança é a justiça divina, quando este mundo for desfeito em farrapos. Na existência terrena, a esperança é menos importante do que a fé — e a fé não significa crer numa doutrina, significa ser fiel a um compromisso. Significa ter senso do dever. Com esperança, se possível; sem ela, se necessário.

Com 59 anos de existência no planeta, cheguei à conclusão de que sou o bicho mais teimoso, paciente e obstinado que já conheci. Deve haver um cromossomo de jumento, de elefante ou de camelo na minha constituição genética. Mas até um desses amáveis animais precisa de alimento e estímulo para cumprir sua tarefa – puxar um tronco, atravessar o deserto, carregar tijolos e gente em terreno íngreme.

Estou pedindo a todos os meus leitores e amigos que me ajudem a fazer o que tenho de fazer. Doações pessoais ainda são permitidas e livres de impostos. Quem tiver sensibilidade e condições para isso, que faça uma contribuição por qualquer destes três meios, à sua escolha:

1) Para contribuições em dólares, por cartão de crédito, simplesmente clique o botão abaixo e siga as instruções (no formulário, em resposta ao item “payment for”, escreva simplesmente “donation”):

2) Para depósito bancário em reais – dez, vinte, cem, mil reais ou o que quer que seja –, use a minha conta pessoal do Banco Itaú, agência 4080, c/c 02968-1.

3) Para transferência bancária (DOC), use a mesma conta do Itaú e o meu CPF, 043.909.388-00.

Quem quiser um recibo, que envie um e-mail a olavo@olavodecarvalho.org com uma cópia do comprovante de depósito ou transferência.

Como ainda não tenho uma ONG constituída, isso não dará a ninguém o direito a desconto no imposto de renda nem a qualquer outra vantagem apreciável. Dará direito apenas à minha gratidão e talvez à gratidão da pátria, se esta ainda existir no futuro.

Estou pedindo agora e vou voltar a pedir. Tantas vezes quantas me pareça necessário, pois as despesas não vão parar tão cedo. Agora já me acostumei à mentalidade de um povo que põe seu dinheiro onde põe suas palavras. Aqui, todo mundo contribui para aquilo em que acredita. Eu mesmo, que sou um duro, não escapo. Associações de veteranos, campanhas de evangelização, protestos cívicos, policiais baleados e até uma menininha da Guatemala que não podia comprar seus livros de escola já descobriram que eu existo e aparecem mensalmente na minha caixa postal. Dou um pouquinho, mas dou sempre: toda essa gente trabalha para o bem, e aprendi com os americanos que o dinheiro jamais é neutro – se não serve ao bem, serve ao mal.

Agradecendo antecipadamente,

Olavo de Carvalho

Richmond, Virginia, 20 de junho de 2006

Dormindo profundamente

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 19 de junho de 2006

Alguns leitores reclamam que descrevo o problema mas não indico solução. Sabem por que faço isso? É que as únicas soluções possíveis são tão difíceis e remotas que só de pensar nelas a visão do problema se torna ainda mais insuportável. Cada vez que volto ao assunto ecoa na minha memória o verso de Manuel Bandeira, o mais triste da literatura universal, que resume a história do Brasil nas últimas décadas: “A vida inteira que poderia ter sido e que não foi.”

Em 2002, numa reunião internacional (v. http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4960), os estrategistas da revolução latino-americana já haviam chegado à conclusão de que nenhuma força de direita tinha condições de erguer-se para enfrentá-los. Desde então o poder da esquerda veio crescendo formidavelmente, especialmente no Brasil, e seus eventuais adversários não fizeram senão ceder terreno, acomodar seu discurso ao do inimigo, abdicar de toda identidade ideológica e gastar energias preciosas em alianças debilitantes, em campanhas de bom-mocismo sem teor ideológico e em esforços eleitorais perfeitamente fúteis.

É claro que antevejo soluções. Mas tenho a quase certeza de que ninguém vai colocá-las em prática. Todos os que poderiam fazê-lo estão demasiado fracos, demasiado sonsos para poder reagir. Oito, dez anos atrás andei sugerindo soluções. Falei a empresários, políticos, religiosos, intelectuais, militares. Em geral não consegui persuadi-los nem mesmo de que havia um problema – o mesmo problema sob cujo peso agora estão gemendo. Todos, sem exceção, avaliavam a situação baseados somente no que liam na mídia, prescindindo solenemente de qualquer conhecimento das fontes diretas, da bibliografia especializada ou mesmo dos clássicos do marxismo. E julgavam com uma segurança, com uma pose! Uns confiavam nos seus galões, outros no seu saldo bancário, outros nos seus diplominhas da USP como se fossem garantias de infalibilidade, incomparavelmente superiores a décadas de estudo e montanhas de documentos. Uns diziam que eu estava açoitando cavalos mortos, outros estavam tão despreocupados que tinham tempo para criticar detalhes de estilo que os incomodavam nos meus artigos, outros, ainda, davam-me conselhos jornalísticos, recomendando-me temas mais agradáveis para conquistar os coraçõezinhos das leitoras em vez de assustá-las com advertências apocalípticas. Assim o tempo passou. Acabei-me recolhendo à minha insignificância, e hoje me dedico à função que me resta: analisar o mais objetivamente possível a agonia do Brasil, para uso dos futuros historiadores. Larguei a prática da medicina de urgência para dedicar-me ao estudo das patologias terminais. É um assunto inesgotável e, para quem observa o moribundo de longe, interessantíssimo. Se eu estivesse no Brasil, morreria de depressão. À distância em que estou, a melancolia do declínio se torna quase uma experiência estética.

Vou lhes dar só um exemplo de como a esquerda está adiantada na conquista de seus objetivos e a direita, ou o que resta dela, ainda nem começou a se dar conta do estado de coisas.

No fim dos anos 70, o presidente Jimmy Carter, fiel às diretrizes do CFR, decretou que a melhor maneira de combater o avanço do comunismo na América Latina era apoiar a “esquerda moderada”. Quem conhece a figura sabe precisamente o que ele queria dizer com isso: tratava-se de fomentar o comunismo alegando combatê-lo. Os brasileiros estão (até hoje) tão por fora do que acontece nos EUA, que a simples hipótese de um presidente americano pró-comunista ainda lhes parece absurda e fantasiosa. Falta-lhes o conhecimento de pelo menos setenta anos de história. Ainda nem se tocaram de que o braço-direito de Franklin D. Roosevelt em Yalta era um espião soviético, de que na gestão Truman o Departamento de Estado foi entregue a um advogado chiquíssimo cujo escritório representava oficialmente o governo da URSS nos EUA, de que todas as acusações de espionagem nos altos círculos lançadas pelo senador Joe McCarthy acabaram sendo confirmadas (com uma única exceção) e de que, enfim, o lugar mais seguro para os comunistas, depois da redação do New York Times, é o governo americano. É horrível conversar com pessoas que, precisamente por não saber nada, acreditam saber tudo. Principalmente quando elas têm dinheiro bastante para pagar consultores que as conservam na ilusão.

Graças à ação conjugada da ignorância e dos consultores, até hoje o empresariado brasileiro acredita piamente na lenda esquerdista de que os americanos deram o golpe de 64 e não sabem que a verdade é precisamente o contrário, que o governo de Washington não ajudou em nada a criar o regime militar mas sim foi o principal responsável pela sua destruição. “Fortalecer a esquerda moderada” significava, desde logo, eliminar a direita, radical ou moderada, como alternativa válida ao esquerdismo. A morte da direita nacional foi decretada por Jimmy Carter, pelo CFR e pelas fundações Ford e Rockefeller (peço que consultem os meus artigos http://www.olavodecarvalho.org/semana/060611zh.html e http://www.olavodecarvalho.org/semana/060605dc.html para esclarecimentos de ordem teórica). O programa foi cumprido à risca, com sucesso total. Como a política de Washington para com a América Latina não mudou substancialmente desde então (exceto parcialmente e por breve tempo na gestão Reagan), e como a atuação das fundações bilionárias em prol da esquerda continental se intensificou enormemente nas últimas décadas, a direita brasileira não só perdeu qualquer apoio americano residual mas ainda nem sequer se deu conta do tamanho dos inimigos que a cercam e estrangulam hoje em dia. 

A esquerda encobriu tão bem essas informações elementares, essenciais para a compreensão do que se passa no Brasil, que até agora elas são radicalmente ignoradas por quem mais precisaria delas. Refiro-me especialmente ao empresariado. Os militares, por sua vez, não desconhecem os fatos, mas, bem trabalhados por agentes de desinformação, interpretam tudo às avessas: enxergam os Carters e os Clintons como agentes do “imperialismo americano” (e não do globalismo anti-americano) e acabam sendo levados pela tentação de se aliar à esquerda para se vingar das humilhações sofridas pelas forças armadas nas últimas décadas. Os aplausos dos homens de farda à recem-constituída “Comissão de Defesa das Forças Armadas” – mais um ardil da esquerda inventado para integrar as nossas tropas na revolução chavista – mostra que o horizonte de consciência dos nossos militares, pelo menos os de comando, é tão estreito quanto o do empresariado.

Entre a esquerda e a direita, no Brasil, não há só uma monstruosa desproporção de forças: há um desnível de consciência imensurável. De um lado, informação abundante e integrada, intercâmbio constante, flexibilidade estratégica, conhecimento e domínio dos meios de ação. Do outro, fragmentos soltos mal compreendidos, amadorismo bem pago, opiniões arbitrárias e bobas voando para todo lado, desperdício das últimas energias em esperanças eleitorais insensatas e projetos “anti-corrupção” ideologicamente inócuos, facilmente absorvidos e instrumentalizados pela própria esquerda. Os esquerdistas absorveram profundamente o preceito de Sun-Tzu: conhecer o inimigo melhor do que ele conhece você. A esta altura, o general chinês, se consultado por algum direitista brasileiro interessado em “soluções”, responderia: “Não converso com defuntos.” Por que eu deveria ser menos realista que Sun-Tzu?

A direita não está somente esmagada politicamente sob as patas da esquerda. Está dominada psicologicamente por ela, ao ponto de repelir com ojeriza a simples hipótese de fazer algo de efetivo contra a adversária. Exemplo? Façam a lista de todas as ONGs, departamentos do governo, cátedras universitárias, empresas de produções artísticas e órgãos de mídia empenhados, há trinta anos, em investigar, divulgar e ampliar até dimensões extraplanetárias os crimes reais e imaginários da “direita”. A quantidade de dinheiro e mão-de-obra envolvida nisso é incalculável. Agora experimentem ir falar com algum empresário soi disant liberal ou conservador, e sugiram ao desgraçado fundar uma ONG, mesmo pequenininha, para informar o público sobre torturas e assassinatos de prisioneiros políticos em Cuba, sobre os feitos macabros das Farc e do MIR, sobre as conexões entre esquerdismo e narcotráfico. A resposta é infalível: ou o sujeito rotula você de extremista, de louco, de fanático, ou desconversa dizendo que não se deve tocar em assuntos indigestos, que é mais bonito circunscrever-nos a assuntos inofensivos de economia e administração. Se um dos lados tem o monopólio do direito de fazer a caveira do outro, e o outro ainda reconhece esse monopólio como legítimo e inquestionável, a briga já está decidida. A própria direita concede à esquerda o direito de matar, torturar, ludibriar, e ainda posar de detentora exclusiva das mais altas qualidades morais. Depois disso, que alternativa resta aos partidos direitistas, senão tornar-se subseções dos de esquerda? Vejam o PFL. Esse partido, que um dia chegou a ter alguma perspectiva de futuro, se autodestruiu mediante sucessivas alianças com a “esquerda moderada” tucana. Em vez de afirmar sua independência, de reforçar sua ideologia, de criar e expandir a militância, preferiu dissolver-se em troca de carguinhos que só lhe davam o poder de fazer o que o sócio mandasse. A experiência de mais de uma década não lhe ensinou nada. Continua ingerindo doses cada vez maiores do remédio suicida.

Querem soluções? Elas existem, mas os homens influentes deste país, tão logo acabem de ler a lista, já vão querer atenuá-las, adaptá-las ao nível de covardia e preguiça requerido para ser direitistas “do bem” ou então diluí-las em objeções sem fim até que se transformem nos seus contrários, mui dialeticamente.

Se querem saber, essas soluções são as seguintes:

1. Aceitar a luta ideológica com toda a extensão das suas conseqüências. Não fazer campanhas genéricas “contra a corrupção”, salvando a cara do comunismo, mas mostrar que a corrupção vem diretamente da estratégia comunista continental voltada à demolição das instituições.

2. Criar uma rede de entidades para divulgar os crimes do comunismo e mostrar ao público o total comprometimento da esquerda atual com aqueles que os praticaram. A simples comparação quantitiva fará o general Pinochet parecer Madre Teresa.

3. Criar uma rede de ONGs tipo media watch para denunciar e criminalizar a desinformação esquerdista na mídia nacional, a supressão proposital de notícias, a propaganda camuflada em jornalismo.

4. Desmantelar o monopólio esquerdista do movimento editorial, colocando à disposição do público milhares de livros anticomunistas e conservadores que lhe têm sido sonegados há quatro décadas.

5. Formar uma geração de intelectuais liberais e conservadores habilitados a desmascarar impiedosamente os trapaceiros e usurpadores esquerdistas que dominaram a educação superior e os órgãos de cultura em geral.

6. Formar e adestrar militância para manifestações de rua.

7. Durante pelo menos dez anos enfatizar antes o fortalecimento interno do movimento do que a conquista de cargos eleitorais.

8. Criar um vasto sistema de informações sobre a estratégia continental esquerdista e suas conexões com os centros do poder globalista, de modo a esclarecer o empresariado, os intelectuais e as Forças Armadas.

Essas são as soluções. Tudo o mais é desconversa. Ou os brasileiros fazem o que tem de ser feito, ou, por favor, que parem de choradeira. Que aprendam a morrer com decência. Se o Brasil cessar de existir, ninguém no mundo vai sentir falta dele. E se todos os brasileiros não inscritos no PT, no PSOL, na CUT e similares entrarem na próxima lista de falecidos do Livro Negro do Comunismo, talvez só eu mesmo ache isso um pouco ruim. Em todo caso, o fim do Brasil não vai abalar as estruturas do cosmos. Os esforços da direita nacional para a conquista da perfeita inocuidade estão perto de alcançar o sucesso definitivo. Quem em vida se esforçou para não fazer diferença, não há de fazer muita depois de morto.

Se escrevo essas coisas no jornal da Associação Comercial, faço-o com dupla razão, porque vejo o esforço dessa entidade para fazer alguma coisa com bravura num país onde todo mundo está procurando um lugarzinho para se esconder em baixo da cama e até a mulher do presidente já tratou de se garantir com um passaporte italiano. Assisto aos vídeos daqueles combatentes reunidos no seminário “Liberdade, Democracia e o Império das Leis”, e me pergunto: Cadê o resto do país? Cadê os donos da mídia, que lambem os sapatos dos comunistas aos quais entregaram suas redações? Cadê os banqueiros, que têm um orgasmo a cada novo aumento dos impostos e sabem que lucram com a destruição da liberdade, da segurança, das leis? Imaginam por acaso que trogloditas capazes de depredar o Congresso vão, miraculosamente, respeitar amanhã as sedes dos bancos privados? Cadê os homens da indústria, que estão de quatro, sem fôlego, e ainda insistem em bajular seus algozes? Cadê a Igreja Católica – ou a entidade que ainda leva esse nome –, autotransfigurada em órgão auxiliar do Foro de São Paulo? Cadê a tal “classe dominante”, cuja única ocupação nas últimas décadas é deixar-se dominar? Cadê os militares, cujo mais alto sonho de glória parece ser a aposentadoria sob as asas do Estado previdenciário socialista? Pergunto isso ao vento, e a resposta vem em outro verso de Manuel Bandeira:

“Estão todos dormindo, dormindo profundamente.”

Nas origens da burrice ocidental

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 15 de junho de 2006

Um dos paradoxos inaugurais dos tempos modernos está na facilidade sonsa com que a parte pensante da Europa aceitou os dois princípios da mecânica newtoniana — a eternidade do movimento e a lei de inércia — sem parar por um instante sequer para notar que eram mutuamente contraditórios.

A física antiga dizia que um corpo, se não movido por outro, tende a ficar parado. Newton contestou isso, afirmando que a força da sua própria inércia mantém cada corpo eternamente no seu estado presente, seja de repouso ou de movimento retilíneo e uniforme. Só há um problema: se o movimento é eterno, não faz sentido falar em “estado presente” a não ser por referência a um observador vivo dotado do sentido da temporalidade. No movimento eterno, tudo é fluxo e impermanência. Não há “estados” — seja de repouso ou de movimento. “Estado” é apenas uma impressão subjetiva que o observador, ele próprio envolvido no movimento geral, obtém ao medir os movimentos físicos pelo seu tempo interior. A tentativa de montar um universo puramente matemático independente da percepção humana acabava fazendo tudo depender da própria percepção humana. A física materialista fundava-se numa metafísica idealista.

A contradição é tão flagrante, que chega a ser escandaloso que durante tantos séculos quase ninguém a tenha percebido, ou pelo menos assinalado expressamente.

Porém a absurdidade ostensiva continha dentro de si outra ainda pior. Todo movimento é, por definição, uma mudança ocorrida dentro de uma escala de tempo determinada. Se você esticar indefinidamente os limites do tempo, não haverá mais diferença possível entre a mudança e a permanência, entre o acontecer e o não acontecer. “Movimento eterno” é conceito autocontraditório.

Dizem que Newton era o protótipo do gênio distraído, que suas contas tinham de ser corrigidas por assistentes, que uma vez ele foi encontrado na cozinha fervendo um relógio e olhando atentamente para um ovo. Não sei se essas historietas procedem, mas é fato que ele dedicou mais tempo a estudos de ocultismo do que a qualquer coisa que hoje se chamaria de “ciência”. Era um tremendo esquisitão, e pelo visto não se atrapalhava só em detalhes de cálculo e culinária, mas nos próprios fundamentos da sua teoria.

Seus três críticos principais – Leibniz, Goethe e Einstein – sempre falaram respeitosamente dele, mas tenho a impressão de que por dentro riam um bocado do velho. O primeiro observava que reduzir os objetos às suas “qualidades primárias” de medida e movimento, como requerido pela teoria mecânica, resultava em torná-los perfeitamente inexistentes. O segundo tentou mostrar que as qualidades da luz eram correlativas à visão humana; não conseguiu, mas pelo menos deixou claro que um newtoniano só poderia rejeitar sua tese argumentando contra si próprio. O terceiro, ao restringir o alcance dos princípios de Newton a um domínio limitado da realidade, provou o total subjetivismo desses princípios, já que os limites do referido domínio eram os da percepção macroscópica humana.

Os admiradores, em contrapartida, chegaram a prodígios de babaquice na devoção que votavam ao cientista inglês. O poeta Alexander Pope comparava a teoria de Newton a um novo fiat lux bíblico. Voltaire não voava tão alto, mas se contorcia de tal modo para livrar o guru da acusação de ser pai do ateísmo moderno, que deixava no ar a suspeita de que ele tinha sido precisamente isso.

O problema com a física de Newton é que, quando um sujeito aceita uma tese autocontraditória como se fosse uma verdade definitiva, a contradição não percebida se refugia no inconsciente e danifica toda a inteligência lógica do infeliz. Newton não espalhou só o ateísmo pela cultura ocidental: espalhou o vírus de uma burrice formidável. Uma parcela da elite intelectual já se curou, mas a percepção da realidade pelas massas (incluindo a massa universitária de micro-intelectuais) continua doente de newtonismo. A quantidade de tolices que isso explica é tão infinita quanto o universo de Newton.

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