Monthly archive for outubro 2006

Notinhas pérfidas

Olavo de Carvalho


Zero Hora, 15 de outubro

Circula em sites da internet a notícia de que parte do dinheiro para a compra do dossiê antitucano veio da conta da Lurian, a filha de Lula. Bem que o candidato petista, desafiado no debate de domingo passado a explicar como podia ignorar tantos crimes praticados por cinco de seus ministros, respondeu que nem todo pai de família sabe o que os filhos andam aprontando. Vocês podem explicar isso pela escassez presidencial de metáforas ou como ato falho freudiano. A mim pouco importa. Depois que o sujeito conseguiu que ninguém ligasse a mínima para seus doze anos de conspiração com os narcotraficantes das Farc e os seqüestradores do MIR chileno, ele já nem precisa inventar desculpas para mais nada. Abençoado com indulgência plenária pela Santa Madre Mídia, da qual ainda se dá o luxo de reclamar, ele é mesmo o homem sem pecado que não precisa pedir humildemente a absolvição antes de receber a ceia do Senhor. Vai logo entrando, mete os pés em cima da mesa e berra: “Como é, Marisa? Essa hóstia vem ou não vem?”

Confesso que, se o personagem não existisse, eu não conseguiria inventá-lo. Meu consolo é que Molière e Shakespeare também não. Comparados a ele, Tartufo e Iago são doentes de sincerismo compulsivo.

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Também pela internet alguém me envia a pergunta fatídica: “Como é possível Lula saber tanto do governo FHC e tão pouco do seu próprio?”

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Frei Betto, articulista da Carta Capetal – ou CaPTal –, insiste em ser o bilinguis maledictus de que fala a Bíblia: o homem de duas línguas. Podia ganhar um dinheirão exibindo-as naqueles circos rolantes do interior, ao lado da mulher-vampiro, do carneiro de seis patas e do anãozinho traveco. Talvez por indiferença ascética à cobiça material, insiste em desperdiçá-las em propaganda lulista. Agora mesmo ele publicou uma “Carta Aberta aos Eleitores Cristãos” no Brasil e uma entrevista no site comunista Rebelión, da Venezuela, elogiando dois Lulas tão diferentes entre si que ninguém diria serem a mesma pessoa. Descrito em português, para o público votante, o candidato petista é um administrador sensato, cristão e patriota. Em espanhol, diante de seus companheiros do Foro de São Paulo, é um comunista fiel a serviço da subversão continental, que, se eleito, “facilitará las cosas para la Cuba de Fidel, la Bolivia de Evo y la Venezuela de Hugo”. Quem disse que o ex-assessor presidencial para assuntos metafísicos é mentiroso em tudo? Uma de suas duas línguas existe justamente para dizer a verdade. Lá longe, onde nenhum brasileiro possa ouvi-la. Confiram em  http://www.rebelion.org/noticia.php?id=38909.

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No Bush country, os índios informaram a Hugo Chávez que pode enfiar naquele lugar o petróleo a baixo preço que ele demagogicamente lhes oferecia. Índio aqui tem a bandeira americana na porta de casa.

Enquanto isso, nos postos do país inteiro, a gasolina baixou de três para dois dólares o galão. Estão vendo só o temível poder do petróleo venezuelano? Os americanos perdem noites de sono, discutindo se darão cabo de Hugo Chávez com uma cuspida ou um pum.

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A recepção espetacular dada pelos venezuelanos ao ídolo antichavista Manuel Rosales – uma das maiores passeatas  que Caracas já viu – foi solenemente ignorada pela mídia nacional, aquela que o Lula chama de burguesa e direitista. Vejam as fotos em http://www.gentiuno.com/articulo.asp?articulo=4837 e http://vcrisis.com/index.php?content=letters/200610081356. Também não foi noticiada no Brasil a manifestação anticomunista realizada na porta da OEA, em Washington, quinta-feira passada.

Perguntas a um menino mimado

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 12 de outubro de 2006

Ao reclamar que foi espremido por Geraldo Alckmin ao ponto de se sentir sob interrogatório policial, o sr. Luís Inácio Lula da Silva está se fazendo de coitadinho. É puro fingimento de malandro. Alckmin, por mais brabo que estivesse, foi uma mãe para ele, questionando-o só em banalidades facilmente contornáveis e evitando as perguntas irrespondíveis:

1. É verdade que o senhor fundou e presidiu a maior organização política do continente, na qual partidos legais e grupos de narcotraficantes, seqüestradores e terroristas colaboram em vista de um projeto político comum?

2. É verdade que essa entidade trata por igual todas as organizações filiadas, quer usem de meios lícitos ou ilícitos para a conquista do objetivo comum?

3. É verdade que o senhor, seja como candidato, seja como presidente da República, jamais prestou a seus eleitores qualquer satisfação quanto às suas atividades nessa organização, mantendo-as premeditadamente secretas ou pelo menos camufladas?

4. É verdade que as resoluções dessa organização são aceitas por todas as entidades filiadas, configurando uma estratégia unificada entre a política legal e o crime?

5. É verdade que, embora as Farc distribuam cocaína no nosso território, dêem treinamento a bandidos do Comando Vermelho e do PCC e atirem em nossos soldados das tropas de fronteira, o governo brasileiro tem cumprido rigorosamente o voto de solidariedade a essa organização criminosa, que o senhor assinou pessoalmente?

Se Lula responder “Não” a qualquer dessas perguntas, as atas do Foro de São Paulo e o discurso que ele fez ali em 2 de julho de 2005 provarão que está mentindo.

Se responder “Sim”, admitirá que é cúmplice e protetor das mais violentas organizações criminosas do continente.

Pode-se perguntar também quem paga as despesas do Foro. Pode-se perguntar por que o PT se mobilizou para libertar o falso padre Olivério Medina antes que houvesse qualquer investigação séria sobre os cinco milhões de dólares que ele disse ter trazido das Farc para a campanha eleitoral de Lula. Pode-se perguntar se o governo petista não foi tão brando e paternal ante a invasão da Petrobrás por ter compromissos anteriores com Evo Morales, assumidos em reunião do Foro e portanto superiores ao interesse nacional. Pode-se perguntar se não é verdade que, já na presidência da República, e sem estar autorizado a isso pelo Parlamento, pelos eleitores ou pela Constituição, ele conspirou com Hugo Chávez para produzir o resultado do referendo venezuelano de 2004.

Bastaria que Alckmin perguntasse essas coisas, e a carreira política do seu oponente se desfaria no ar em questão de minutos, deixando um rastro de enxofre. Se Lula ainda se queixa do adversário caridoso que o poupou de vexame tão descomunal, é porque é um menino mimado, habituado a fazer o que bem entende sem jamais prestar contas de seus atos. E quem o deixou assim foi a omissão paternal da mídia e até da oposição em geral, contra as quais ele também resmunga sem motivo.

O boneco

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial), 11 de outubro de 2006

A superioridade moral, intelectual e prática do candidato Alckmin em relação a seu concorrente é imensurável, e a única coisa que se pode alegar para depreciá-la é que não há nenhum mérito notável em ser melhor que um delinqüente malicioso e cínico.

Eu diria mesmo que o padrão Alckmin é o mínimo aceitável na classe política de qualquer país decente. Lula não é aceitável nem como suplente de vereador. Não é aceitável como contínuo de repartição pública. Não é aceitável como varredor de rua. Só é aceitável como presidiário, porque lugar de delinqüente é na cadeia. E quando o chamo de delinqüente não estou me referindo ao Mensalão, ao dinheiro na cueca, a sanguessugas e a valdomiragens diversas. Em tudo isso as provas contra ele existem, mas são indiretas e circunstanciais. Refiro-me, sim, à sua longa parceria política com duas das organizações criminosas mais perversas e violentas que já existiram no continente: as Farc, que distribuem cocaína a crianças nas nossas escolas e treinam assassinos para que matem mais e mais brasileiros, e o MIR chileno, acionista majoritário da indústria dos seqüestros no nosso país. Aí a prova é direta, documental e superabundante: centenas de páginas de atas de assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo, assinadas pelo seu fundador e presidente, Luís Inácio Lula da Silva, mais o discurso que ele fez no décimo-quinto aniversário da entidade, no qual se gaba daquilo que deveria envergonhá-lo, se ele tivesse a capacidade de envergonhar-se.

Durante doze anos esse sujeito tramou a estratégia comum do seu partido com narcotraficantes, seqüestradores e assassinos, calculando a vantagem mútua que, para a conquista do poder total na América Latina pelos herdeiros ideológicos de Lênin e Stálin, deveria resultar da colaboração entre o crime e a aparência de legalidade, esta encobrindo e protegendo aquele, recebendo em troca dinheiro e a garantia da violência armada em caso de aperto.

Se dar respaldo político ao crime não é crime, Lula é inocente, exceto do Mensalão e outros delitos menores. Se beneficiar-se politicamente da parceria com o crime não é crime, Lula é inocente, exceto daquelas falcatruas banais que a mídia educadamente lhe imputa na intenção de reduzir esse monstro de amoralidade e maquiavelismo às proporções de um João Alves de esquerda, desprezível por ser João Alves, perdoável por ser de esquerda.

No debate de domingo, ele foi chamado de mau administrador, perdulário do dinheiro público e mentiroso. Para quem fundou, inspirou e dirigiu a maior organização subversiva e criminosa que já existiu no continente latino-americano, tudo isso é elogio. Apenas deixa na platéia a impressão de que ele é tão ruim quanto seu adversário, no máximo um pouquinho pior. Mesmo que esse pouquinho lhe roube a reeleição, a perda será tão mais tênue, mais doce do que o castigo que ele merece, que ela terá sido, no fim das contas, um prêmio. E, para o PT, reconhecer que um dos seus é “um político como qualquer outro” terá sido um prodígio de humildade tão excelso, tão deslumbrante, que bastará para dar reforço dobrado à crença dogmática na santidade partidária.

Protegido de si mesmo até pelos seus adversários, assegurado, por algum pacto sinistro, de que seus crimes supremos não serão mencionados em público, isolado assepticamente da realidade macabra que veio construindo em segredo ao longo de uma década e meia, ele comparece aos debates com a segurança, a empáfia, a pose agressiva e triunfante de quem conta, na mais catastrófica das hipóteses, com uma perda honrosa.

Ele é, na verdade, o político mais vulnerável que já ousou se mostrar ao eleitorado neste país. Sua história é uma sucessão de abominações cuja narrativa bastaria para escorraçá-lo da vida pública e trancafiá-lo para sempre na galeria subterrânea das vergonhas nacionais.

Ele sabe que sua afetação de superioridade é mera pose, erguida e mantida com muita cola, muito verniz, muita fita crepe. Rasguem-lhe o invólucro de proteção, digam-lhe a verdade na cara, perante a platéia, e ele se desmanchará como um boneco de papelão na chuva.