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Passo

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 18 de agosto de 2005

A estratégia do poder petista, planejada desde muito antes de 2002, pode ser resumida em dois itens opostos e complementares:

De um lado, manter inalterada a obediência da gestão Fernando Henrique às exigências do Fundo Monetário Internacional, atraindo para o governo a confiança dos investidores estrangeiros.

De outro, usar a credibilidade assim conquistada como manto protetor para acobertar (1) a deterioração intencional das instituições democráticas, submetidas cada vez mais aos caprichos das “forças populares” ao ponto de passeatas e gritarias terem força de lei, (2) o apoio à expansão comunista no continente, (3) a consolidação da hegemonia cultural e educacional esquerdista no país, (4) o suborno metódico da classe política, de modo a torná-la dócil ao esquema partidário sobreposto à autoridade mesma do Estado, e (5) a proteção dada às Farc — uma das possíveis financiadoras do plano — , autorizadas a abastecer o mercado nacional de cocaína e a treinar bandos de delinqüentes armados para espalhar por toda parte o caos e o terror, sem que o governo consentisse sequer em usar contra essa organização alguma palavrinha mais dura.

Qualquer principiante no estudo da estratégia comunista deveria reconhecer nessa política de duas cabeças a aplicação simples e elementar do princípio dialético da tese e da antítese, destinadas a produzir uma síntese revolucionária ante os olhos atônitos de burgueses racionalistas incapazes de atinar com a unidade do plano por trás da contradição aparente. O esquema, afinal, era repetição quase literal do engodo criado por Lênin em 1921, sob o nome de Nova Política Econômica, para construir a ditadura comunista com a ajuda de investidores internacionais iludidos por um capitalismo de fachada.

Infelizmente, os últimos estudiosos de estratégia comunista estão nas próprias fileiras da esquerda. Fora delas, sem contar alguns empresários oportunistas, sempre dispostos a vender o futuro do país em troca do socorro governamental imediato às suas empresas periclitantes, restam apenas teóricos pró-capitalistas intoxicados de economicismo ao ponto de deslumbrar-se com a “ortodoxia” palocciana, vendo nela a prova cabal de que “Lula mudou” e recusando-se a enxergar a articulação dialética por trás de tudo. Críticas pontuais a “excessos” da esquerda evidenciavam apenas, nessa gente, aquela incapacidade para a apreensão abrangente da realidade concreta, aquele vício do pensamento abstratista e fragmentário que Karl Marx, acertadamente, atribuía à mentalidade burguesa, vício acentuado, no caso brasileiro, pela incultura pomposa de uma classe rica deslumbrada com os encantos fáceis do esquerdismo chique. Para agentes comunistas tarimbados como José Dirceu, ludibriar essas criaturas era mais simples do que chacoalhar um torrão de açúcar para fazer um jumento acenar com a cabeça como quem diz “sim”.

Aplacando a oposição “de direita” com a política econômica, a estratégia permitia ainda controlar os esquerdistas mais afoitos apelando ao endosso recebido do companheiro Fidel, do companheiro Chávez e do companheiro Manuel Marulanda.

Agora, que a base financeira do esquema revelou toda a amplitude da sua intenção criminosa, a máfia dominante, compreensivelmente, busca salvar do naufrágio os equipamentos necessários para uma nova tentativa em futuro próximo ou distante.

Resta saber se o empresariado e a mídia vão ajudá-la nisso, amortecendo o impacto moral dos crimes, falando deles como se fossem desvios acidentais de uma linha partidária originariamente idônea, ou se terão a coragem de admitir que desde o início foram usados como instrumentos de uma estratégia de longo prazo e, sacudindo de si o ranço da cumplicidade, encarar de frente a unidade e a coerência da mais vasta e repugnante conspiração criminosa de toda a História nacional. Tais são as cartas do jogo presente. Quanto a mim, tenho nojo de apostar na primeira e medo de desperdiçar esperanças na segunda. Avalio a mão – e passo.

Doença existencial e fracasso econômico-social

Olavo de Carvalho

17 de agosto de 2005

Instituto de Estudos Empresariais. Cultura do trabalho. Porto Alegre: IEE, 2005. 310 p. (Pensamentos liberais, vol. IX).

Muitos estudiosos já chegaram à conclusão – certíssima — de que os principais obstáculos ao florescimento da economia liberal no Brasil são de ordem cultural, mas não se mostram muito eficientes em apontar que causas são essas. Com freqüência deixam-se levar pelo automatismo sociológico que, na esteira de Weber, atribui à religião católica uma hostilidade visceral ao capitalismo (como se não tivessem sido padres católicos os primeiros teorizadores da economia liberal), ou jogam a culpa de tudo na Contra-Reforma, no positivismo ou em qualquer outro elemento doutrinal que tenha contribuído para a formação do estatismo brasileiro culpado de esmagar as sementes da espontaneidade econômica liberal.

Cada um desses fatores existe, mas nenhum deles, ou a soma de todos, basta para explicar o conjunto do quadro abrangido.

A base comum das explicações insuficientes produzidas ao longo dessas linhas é a crença de que os instrumentos conceituais e diagnósticos suficientes para atacar a questão já existem na tradição sociológica, bastando aplicá-los ao caso brasileiro para obter a resposta adequada.

Minimizar dessa maneira as dificuldades não é um bom começo para a solução de qualquer problema. O melhor seria, ao contrário, dar por pressuposto que a questão a ser enfrentada é uma terra incognita e que a única esperança do investigador reside no exercício intenso de suas faculdades críticas desde os fundamentos primeiros do problema.

Para isso é preciso, desde logo, abdicar da ilusão de que as constantes sociológicas que definem a mentalidade de um povo possam ser captadas pelo exame de influências ideológicas, estereótipos culturais ou vulgares correlações econômico-culturais que constituem 80% da ciência social brasileira. Essas abordagens partem sempre de esquemas prontos e não vão nunca aos fundamentos.

O fundamento primeiro de qualquer investigação nessa área tem de ser uma antropologia filosófica, isto é, uma compreensão da estrutura geral da existência humana, seguida da meticulosa comparação com a variante local em causa.

A característica mais geral e universal da existência humana é o seu caráter temporal e sucessivo, isto é, o fato de que a vida do ser humano se constitui de uma série de enfrentamentos com situações para as quais ele raramente está preparado e que exigem dele escolhas e decisões cuja somatória se traduzirá em fracasso ou sucesso, no mais amplo e variado sentido desses termos.

Uma sociedade, nesse sentido, é um entrelaçamento móvel de inumeráveis percursos humanos, e a primeira pergunta a fazer para conhecer uma sociedade nacional consiste, portanto, em saber quais são os percursos de vida mais gerais e constantes que nela se observam.

Como a realização bem sucedida de um percurso de vida é o que se chama habitualmente “felicidade”, e o seu contrário “infortúnio”, esse estudo tomaria a forma de um mapeamento dinâmico das várias modalidades e perspectivas de realização pessoal, isto é, de felicidade e infortúnio, na sociedade nacional considerada.

Como a economia é um dos principais e decisivos canais de realização da felicidade ou do infortúnio, é evidente que a conduta econômica do povo em exame está integrada nesse mapeamento geral.

Esse estudo jamais foi feito. Sua pergunta essencial seria: Quais os padrões e símbolos de felicidade que têm movido o povo brasileiro ao longo das épocas, e quais os meios de ação que ele tem posto em movimento para a consecução de seus fins essenciais?

Um breve exame da história nacional desde esse ponto-de-vista revela que, desde os primeiros esforços de ocupação do território, as ambições de felicidade do povo brasileiro foram as mais minguadas possíveis, em comparação com as de outros povos.

Dos ocupantes do novo território, só uns poucos tinham projetos pessoais de grande envergadura, enquanto a maioria, transformada em instrumento desses projetos, mal ousava sonhar com algum futuro próprio, limitando-se a sua perspectiva essencial à busca de segurança à sombra da elite de aventureiros audazes.

O panorama desolador descrito por Capistrano de Abreu nas linhas finais dos Capítulos de História Colonial denota que, decorridos três séculos de ocupação territorial, uma população constituída maximamente de escravos e mestiços vivia ainda encolhida sob as asas de seus senhores e protetores, sem ousar lançar-se ao mínimo empreendimento pessoal.

O desarraigamento cultural – da Europa, da África ou das culturas indígenas – contribuiu ainda mais para o ambiente geral de incerteza e temor.

A constituição do estado imperial fez da burocracia estatal a esperança de uma vida mais segura, mais protegida, para uma população tímida que não buscava senão proteção e segurança.

Esse encolhimento anormal das perspectivas vitais reflete-se, por exemplo, na ocupação do território. Enquanto na América do Norte um povo ambicioso e valente se espalhava por uma área de dimensões continentais, os brasileiros deixavam a imensidão das terras à mercê dos bichos ou da minguada elite de desbravadores, contentando-se em ficar encolhido numa estreita faixa litorânea, em casinhas mirradas que se acotovelavam deploravelmente, como se houvesse falta de espaço.

O famoso estatismo nacional, que os teóricos liberais não cessam de assinalar como uma das causas do nosso definhamento econômico, não é pois um fenômeno primário, uma causa sui , mas a simples expressão de uma vida diminuída, onde a busca da segurança se sobrepôs a todos os sonhos de vitória.

Um fenômeno tão enfatizado quanto o carnaval adquire, nessa perspectiva, um significado bem diferente daquele que em geral se lhe atribui. O traço essencial dessa festividade é que ela constitui, para milhões de brasileiros, o cume anual de sua existência. E o que é precisamente que esse povo visa a realizar nessa data privilegiada? Uma fuga de três dias para fora das realidades da vida. Ou seja, o momento em que esse povo acredita estar vivendo mais intensamente é quando ele se abriga da realidade numa fantasia evanescente e fugaz. Nada poderia expressar melhor a ausência de ambição existencial. Um visitante ilustre, o conde Hermann von Keyserling, assinalou que, a imitação sendo um fenômeno universalmente conhecido, o modo de praticá-la no Brasil era peculiar: enquanto em outros países as pessoas imitavam alguém porque tinham a esperança de tornar-se iguais a ela de algum modo, os brasileiros se contentavam com a imitação enquanto tal, visando apenas ao sucesso da performance e não à aquisição das qualidades pessoais imitadas. Este hábito denota um fundo depressivo de rendição existencial: o povo que desistiu de ser contenta-se com parecer.

Outro sintoma desse encolhimento vital pode ser obtido no mostruário da nossa literatura de ficção, onde a maioria dos personagens é constituída de tipos humanamente pequenos, inseguros, tímidos, frouxos, que vivem de fingimento por incapacidade de enfrentar o real. Ao lado desses pigmeus é quase nulo o número de personagens ousados, valentes, ambiciosos.

Quando aparece ambição ou valentia, está geralmente associada à marginalidade, ao banditismo, à amoralidade, denotando que a covardia existencial é a norma e a ousadia uma ruptura que só se pode esperar dos excluídos e anormais.

A busca permanente de proteção e segurança encontra sua contrapartida natural na expansão dos controles estatais, que não só inibe a criatividade econômica da população mas atrofia o desenvolvimento das personalidades em sentido muito mais geral, produzindo um povo de carentes emocionais, dependentes, mais inclinados a confiar na força alheia do que na iniciativa própria. Num meio assim constituído, a iniciativa individual tende a ser reprimida como atitude imprópria, anormal ou vagamente suspeita. Um povo educado nessa linha tem menos um “complexo de inferioridade” do que uma inferioridade real, introjetada ao longo dos séculos e valorizada como uma espécie de prova de boa conduta. O fracasso ou a redução proposital das expectativas de sucesso tornam-se, nesse quadro, a norma existencial mais ou menos obrigatória. O proverbial mau tratamento dado pelos brasileiros a qualquer pessoa bem sucedida em qualquer campo é a vingança institucionalizada dos fracassados que nunca sonharam em ser outra coisa e não admitem que alguém sonhe. O mais profundo derrotismo assume aí o valor de uma atitude realista e adulta, toda ambição é condenada como sonho pueril, como doença mental ou mesmo como sinal de desonestidade latente. É natural que, nessas condições, fora os homens de gênio que são raros em qualquer país, só os mais descarados, impudentes e amorais conseguem vencer a barreira da inércia social. O resultado é a presença, nas classes economicamente superiores, de um número anormalmente grande de corruptos e desavergonhados – e, entre os intelectuais, professores e artistas, de uma quota enorme de farsantes que alcançaram pelo alpinismo social o que jamais conseguiriam pelo talento. Não é de estranhar que estes últimos vivam, precisamente, de denunciar aqueles, adquirindo assim o prestígio de guardiões da moralidade, escorados numa adesão fácil a qualquer discurso anticapitalista apto a explorar o sentimento de inveja popular. Esse ambiente geral de farsa e mentira torna o povo ainda mais hostil à ambição e ao sucesso. O rancor invejoso é o sentimento normal predominante, descarregando-se em explosões de indignação fingidamente moralista que, justamente por ser falsa e não denotar senão a profunda confusão moral do povo, pode ser facilmente explorada por movimentos políticos para gerar ainda mais corrupção a pretexto de moralizar a ordem pública.

Não é preciso explicitar aqui o quanto essa constelação de fatores torna inviável a economia liberal no Brasil. O anticapitalismo brasileiro está nas raízes mesmas da conduta humana local e não na influência de “doutrinas”. Doutrinas não produzem efeitos tão profundos. Estes têm de emergir diretamente da experiência da vida, traduzindo as impressões reais que as pessoas colhem da sua luta pessoal pela auto-realização humana, impressões que mais tarde determinarão até mesmo a modalidade peculiar de recepção dada às “doutrinas”. Para a quase totalidade da população brasileira, essas impressões consistem basicamente, há séculos, em desgarramento, insegurança, ausência de possibilidades de realização superiores, necessidade de proteção de adaptação a um horizonte vital estreito.

O florescimento da economia capitalista requer, como condição interior na alma de seus protagonistas, a ambição, a ousadia e a disposição de enfrentar a realidade, e, como condição externa, um ambiente de confiança, lealdade e moralidade. Ambas essas condições estão inviabilizadas desde a base pelos fatores acima assinalados.

O estatismo, o burocratismo, o autoritarismo, a desorganização visceral, enfim os vícios todos que os liberais não se cansam de assinalar entre os fatores que inviabilizam o progresso capitalista neste país não vêm nem de doutrinas, nem da pura ação predatória do Estado, mas de uma verdadeira doença existencial, nascida de séculos de experiência real do fracasso, do desarraigamento moral e da insegurança.

Por mais que o Brasil tenha mudado ao longo dos séculos, essa experiência permanece constante: o mestiço do século XVIII, cortado de suas raízes e jogado numa sociedade onde sua única esperança era abrigar-se sob as asas de algum protetor idolatrado por fora e odiado por dentro, tem a mesma experiência vital do cidadão de baixa classe média na atualidade, solto sem referências morais ou culturais num ambiente de complexidade inabarcável, onde não ousa delinear o mapa de um plano de vida mas busca apenas a segurança imediata de um empreguinho sem perspectivas, passando o resto dos seus dias a remoer a inveja disfarçada em indignação moral. Em ambos os casos a única esperança é a do fracasso controlado, postiçamente dignificado por ser igual ao de todos.

Não é possível, neste espaço, realizar o estudo abrangente que o assunto requer com máxima urgência. Nas minhas aulas e conferências tenho analisado vários aspectos desse complexo de encolhimento vital brasileiro. Aqui, posso apenas assinalar a sua existência e sugerir que o exame do assunto pode levar a conclusões bem diversas daquelas que têm prevalecido na sondagem das causas da atrofia do capitalismo entre nós.

Miséria intelectual sem fim

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 15 de agosto de 2005

Há quase meio século o mercado editorial brasileiro, e em conseqüência os debates jornalísticos e universitários, cujo alimento de base são os livros, não refletem em nada o movimento das idéias no mundo, mas apenas o apego atávico da intelectualidade local a mitos e caoetes fabricados pela militância esquerdista para seu consumo interno e satisfação gremial.

Sem a menor dificuldade posso listar mais de quinhentos livros importantes, que suscitaram discussões intensas e estudos sérios nos EUA e na Europa, e que permanecem totalmente desconhecidos do nosso público, pelo simples fato de que sua leitura arriscaria furar o balão da autolatria esquerdista e varrer para o lixo do esquecimento inumeráveis prestígios acadêmicos e literários consagrados neste país ao longo das últimas décadas.

Esses livros dividem-se em sete categorias principais:

1. Obras essenciais de filosofia e ciências humanas que oferecem alternativas à ortodoxia marxista-desconstrucionista-multiculturalista dominante (por exemplo, os livros de Eric Voegelin, Leo Strauss, Xavier Zubiri, Bernard Lonergan, Eugen Rosenstock-Huessy, Thomas Molnar, David Stove, Roger Scruton).

2. Análises críticas dessa ortodoxia (Hilton Kramer, Roger Kimball, Keith Windschuttle, John M. Ellis, Mary Lefkowitz, Judith Reisman).

3. Pesquisas históricas sobre o movimento esquerdista internacional, baseadas nos documentos dos Arquivos de Moscou e outras fontes recém-abertas, (John Lewis Gaddis, John Earl Haynes, Stephen Koch, Harvey Klehr, R. J. Rummel, Christopher Andrew, Herb Romerstein, Ronald Radosh, Arthur Herman).

4. Livros sobre o esquerdismo hoje em dia, com a descrição dos laços abrangentes que unem ao terrorismo e ao narcotráfico a esquerda chique da grande mídia, das fundações bilionárias e dos organismos dirigentes internacionais ( Unholy Alliance , de David Horowitz, Countdowmn to Terror , de Curt Weldon, Treachery , de Bill Gertz, Through the Eyes of the Enemy , de Stanislav Lunev).

5. Livros sobre a perseguição anti-religiosa no mundo e o fenômeno concomitante da expansão acelerada do cristianismo na Ásia e na África ( The Criminalization of Christianity , de Janet L. Folger, Persecution , de David Limbaugh, Megashift , de James Rutz, Jesus in Beijing , de David Aikman etc. etc.).

6. Livros sobre questões políticas em discussão aberta nos EUA, com repercussões mundiais mais que previsíveis (Men in Black , de Mark R. Levin, So Help Me God , de Roy Moore, Deliver Us From Evil , de Sean Hannity, Liberalism Is a Mental Disorder , de Michael Savage e, evidentemente, todos os livros de Ann Coulter).

7. Obras essenciais que deram novo impulso ao pensamento político conservador americano e europeu desde os anos 40, como as de Ludwig von Mises, Marcel de Corte, Willmore Kendall, Russel Kirk, Erik von Kuenhelt-Leddin, William F. Buckley Jr., M. Stanton Evans, Irving Babbit, Paul Elmer More e muitos outros. Neste ponto a ignorância dos nossos professores universitários chega a ser criminosa, como se viu na fraude coletiva do “Dicionário Crítico do Pensamento da Direita” (detalhes em www.olavodecarvalho.org/textos/naosabendo.htm).

Todos esses exemplos são de livros e autores bem conhecidos, amplamente debatidos na mídia americana e alguns na européia. Cada uma das sete classes comportaria mais de cem outros títulos igualmente importantes. Não é exagerado concluir que, se o debate nacional ignora todas essas obras, das duas uma: ou ele é tão rico que pode prescindir delas, fartando-se numa pletora de produtos locais mais substanciosos, ou está tão abaixo do nível delas que não chega nem a suspeitar que devam ser lidas ou mesmo que existam. Não é preciso perguntar qual das duas hipóteses é verdadeira. Qualquer estudante universitário afirmará resolutamente que se trata de autores desconhecidos no meio acadêmico brasileiro, portanto irrelevantes para quem já encheu seu pé-de-meia cultural com a moeda forte de Eduardo Galeano, Rigoberta Menchú e Emir Sader (sem contar, é claro, a ração diária de Foucaults e Derridas, invariável há cinqüenta anos).

Resta ainda o fenômeno, mórbido em último grau, da polêmica de mão única. Sua fórmula é a seguinte: uma discussão qualquer aparece na mídia americana, conservadores e esquerdistas produzem dezenas de livros a respeito e a parte esquerdista é publicada no Brasil sem suas respostas conservadoras, simulando consenso universal em questões que, no mínimo, permanecem em disputa. O establishment cultural brasileiro materializa assim o koan budista de bater palmas com uma mão só. Isso é a norma, sobretudo, nas polêmicas anticristãs. Uma fajutice barata como O Papa de Hitler , de John Cornwell, teve várias edições e toda a atenção da mídia. Os muitos livros sérios que desmantelaram a farsa (sobretudo o do rabino David Dalin, The Myth of the Hitler Pope , e o do eminente filósofo Ralph McInnerny, The Defamation of Pius XII ) continuam inacessíveis e não foram nem mesmo mencionados na mídia soi-disant cultural. Ninguém sequer noticiou que o próprio Cornwell, surpreendido de calças na mão, retirou muitas das acusações que fizera a Pio XII. No Brasil elas ainda são repetidas como verdades provadas. Do mesmo modo, os filmes Farenhype 9/11 (www.fahrenhype911.com) e Michael Moore Hates America (www.michaelmoorehatesamerica.com), respostas devastadoras à empulhação fabricada por Michael Moore em Farenheit 9/11 , permanecem fora do alcance do público e não mereceram nem uma notinha nos jornais. Resultado: o mais notório charlatão cinematográfico de todos os tempos, que nos EUA tem fama apenas de mentiroso criativo, é citado como fonte respeitável até nas universidades. É patético. Também cada nova intrujice anti-americana ou anti-israelense de Noam Chomsky é recebida como mensagem dos céus, mas ninguém pensa em publicar a coletânea The Anti-Chomsky Reader , de Peter Collier e David Horowitz, porque é impossível lê-la sem concluir que nem mesmo o Chomsky lingüista, anterior à sua transfiguração em pop star da esquerda, era digno de crédito.

Como esse estado anormal de privação de alimentos intelectuais essenciais vem se prolongando por mais de uma geração, o resultado aparece não só na degradação completa da produção cultural, hoje reduzida a show business e propaganda comunista, mas também nos indivíduos, notavelmente mais embotados e burros a cada ano que passa, quaisquer que fossem antes seus talentos e aptidões. Não hesito em declarar que, pela minha experiência pessoal, qualquer menino educado pela via do home schooling nos EUA está intelectualmente mais equipado do que a maioria dos “formadores de opinião” no Brasil, incluindo os luminares da grande mídia, os acadêmicos e os escritores de maior vendagem no mercado (imagino um debate entre qualquer deles e Kyle Williams, menino gordinho de quinze anos que, sem jamais ter freqüentado escola, faz sucesso como colunista político desde os doze – seria um massacre).

Não é preciso dizer que a essas mesmas criaturas, aliás, incumbe a culpa pelo presente estado de coisas. A instrumentalização – ou prostituição – completa da cultura no leito da “revolução cultural” gramsciana não poderia ter outro resultado, exatamente como anunciei no meu livro de 1993, A Nova Era e a Revolução Cultural.

Por orgulho, vaidade, ressentimento, desonestidade, covardia, sem contar a inépcia pura e simples e a ambição insana de poder absoluto sobre a mente popular, a liderança intelectual esquerdista fechou o Brasil num isolamento provinciano e incapacitante, sem o qual jamais teria sido possível esse paroxismo de inconsciência, essa apoteose da credulidade beócia, sem precedentes em toda a história universal, que foi a aposta maciça do eleitorado brasileiro na idoneidade do PT e na sabedoria infusa de um semi-analfabeto presunçoso.

Mas a consciência, ao contrário do dinheiro, parece fazer tanto menos falta quanto mais escasseia. Convocados quase que simultaneamente pelos dois house organs do esquerdismo brasileiro, que são os cadernos Mais! da Folha de S. Paulo e Prosa & Verso do Globo , para analisar o fenômeno do descalabro petista, os representantes mais badalados daquela liderança, os mesmos que há trinta anos dominam o palco dos debates públicos no país, lançam as culpas em tudo, exceto, é claro, na hegemonia esquerdista e no seu próprio trabalho incansável de carcereiros da inteligência.

No Mais! , César Benjamin tem ao menos o mérito de reconhecer que a corrupção petista não vem de hoje, não é súbito desvio de uma linha de conduta honesta e sim um mal antigo, de raízes profundas. Mas, na hora de explicar suas causas, apela, sem notar que se contradiz, ao subterfúgio usual de acusar a estratégia de acomodação com o “neoliberalismo”, supostamente adotada pelo governo Lula.

Reinaldo Gonçalves, economista da UFRJ, acha que o PT estaria melhor sem Lula, José Dirceu et caterva — intriga de família que, sinceramente, não é da nossa conta.

Paul Singer só se preocupa em recordar os bons tempos e tentar salvar a fé socialista. Sempre tive aliás a impressão de que os socialistas saem direto do pediatra para o geriatra.

O Prosa & Verso não se contenta em ouvir os gurus de sempre. Anuncia mais um ciclo de conferências da série “O Olhar”, “Os Sentidos da Pauxão” etc. – organizado pelo indefectível Adauto Novaes – no qual esses campeões de tagarelice comentarão, desta vez, “O Silêncio dos Intelectuais”, sugerindo que o Brasil está mal porque eles têm falado muito pouco.

Francisco de Oliveira explicita esse pensamento ao proclamar que a esquerda vem errando porque não trata com suficiente deferência os seus intelectuais – ele próprio, suponho, em primeiro lugar –, usando-os apenas como ornamentos em vez de se curvar às suas sábias lições.

O poeta Antônio Cícero divaga pelo passado histórico, exibindo sua incapacidade de discernir entre a Idade Média e o Renascimento e, quando vai chegando perto do assunto proposto, já acabou o artigo.

Sérgio Paulo Rouanet apela ao dever de “universalidade” dos intelectuais, que ele define como “pensar e agir em nome de todos”, como se a universalidade da verdade dependesse do apoio unânime das multidões e como se aquele dever não consistisse, com freqüência, em defender aquilo que todos rejeitam.

Renato Janine Ribeiro medita um pouquinho sobre “O que é ser intelectual de esquerda?” – decerto a mais interessante das perguntas para uma classe cuja principal tarefa é a contemplação extática do próprio umbigo.

Querem mais? Essas amostras bastam. A vacuidade, a falta de garra para apreender a substância dos fatos, a obscenidade espontânea e quase inocente com que esses sujeitos lambem em público o próprio ego grupal — tudo isso ilustra, ao mesmo tempo, a causa remota e o seu efeito presente: a total irresponsabilidade intelectual de ativistas ambiciosos desembocou, a longo prazo, numa degradação tamanha, que eles próprios, mergulhados nela, já não conseguem lembrar que a produziram fazendo exatamente o que estão fazendo agora.

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