Olavo de Carvalho


Zero Hora, 14 de janeiro de 2001

O Fórum Social Mundial seria apenas mais um festival internacional de exibicionismo esquerdista, sem nada de especial, se não se destacasse precisamente por este detalhe invulgar: é o mais descarado empreendimento de propaganda ideológica já financiado com dinheiro público neste ou em qualquer outro Estado brasileiro. É ilegal em toda a linha, e qualquer cidadão, mediante simples ação popular na Justiça, pode frustrar sua realização a qualquer momento.

Não obstante sua pretensão de constituir um “pendant” esquerdista dos encontros periódicos de teóricos do capitalismo na cidade suíça de Davos, ele não passa de uma inversão caricatural do Fórum da Liberdade, realizado anualmente pelos liberais gaúchos com enorme sucesso. Entre os dois fóruns, no entanto, há três diferenças. Primeira: o da Liberdade é realizado dentro da lei, com dinheiro das contribuições voluntárias de participantes e patrocinadores. A segunda é que nele os convidados representam todas as correntes ideológicas — liberais, conservadores, nacionalistas, esquerdistas –, ao passo que sua versão “Social” é um Clube do Bolinha — ou da Luluzinha — onde só entram os ideologicamente corretos, o que marca precisamente a distância entre o debate e a propaganda.

A terceira diferença é a mais significativa de todas. No Fórum da Liberdade, as pessoas são convidadas a falar conforme sua experiência no trato do assunto. Nenhum sapateiro, ali, vai além das chinelas. A mim, por exemplo, ninguém ali faz perguntas sobre desemprego ou carência habitacional, problemas com os quais só tive contato na condição de vítima atônita, e dos quais tudo o que eu teria a dizer é que de fato são uma bela encrenca. No entanto, tenho me saído melhor em áreas como educação, cultura, história etc., e o Fórum da Liberdade me pergunta exatamente sobre isso. Para falar do sistema bancário, traz o Gustavo Franco, que soube fazer a coisa andar. Para falar da empresa privada, chama o dr. Jorge Gerdau, que tem uma que funciona. E assim por diante.  Já o pessoal do Fórum Social anuncia possuir a solução para males de grande porte: a miséria das nações pobres, a exclusão social e coisas assim. Seria justo esperar que essas criaturas nos mostrassem sua folha de realizações — ou pelo menos a de sua ideologia — no concernente à solução desses problemas. Poderíamos perguntar, por exemplo: a quantos seres humanos o socialismo já deu uma vida melhor? Se excluirmos os membros da “nomenklatura”, que obviamente tiveram a melhor das vidas, a cifra que obteremos em resposta só não é nula porque é negativa: em quase todas as nações socialistas o padrão de vida é hoje inferior ao de antes do socialismo. Na melhor das hipóteses, é igual: quando Cuba se gaba de ter o terceiro ou quarto lugar do continente em qualidade de saúde ou educação, omite que já os tinha desde 1951, oito anos antes da revolução. Em outros países, como o Vietnam, a fome e a miséria alcançam níveis apocalípticos, enquanto na China o salário médio de um trabalhador, após meio século de morticínios redentores “soi disant” destinados a elevar seu padrão de vida, é de 40 dólares.

Em contrapartida, nesse vale de lágrimas que é o capitalismo, a fração mais pobre da população norte-americana e européia de hoje tem um nível de consumo muito superior ao da classe média dos anos 50. Já na África, que segundo os doutrinários socialistas experimentaria um florescimento econômico espantoso tão logo os europeus fossem embora de lá com seus malditos investimentos colonialistas, populações inteiras hoje morrem à míngua, e o Fórum Social, segundo nos anunciou neste mesmo jornal o inesquecível sr. Luiz Marques, nos mostrará que isso é culpa dos pérfidos ex-colonialistas que já não botam mais seu dinheiro lá. Tal é o “know how” que essa gente virá transmitir aos gaúchos em troca do dinheiro dos seus impostos.

De todos os problemas econômicos do mundo, os doutrinários socialistas só resolveram, até agora, um único: o seu próprio. Cada um deles tem um bom emprego em universidade, jornal ou instituição de pesquisa em prósperos países capitalistas, e nenhum jamais foi idiota o bastante para se propor a resolver, não os problemas “do mundo”, mas o de algum país socialista. Não se atrevendo a cuidar do seu próprio quintal, eles se tornaram especialistas em dar palpites no alheio: o socialismo, como se sabe, não tem vida autônoma, mas se alimenta das doações de diletantes capitalistas insanos de Nova York e Genebra, que o sustentam mais ou menos como quem mantém, em casa, uma criação de jacarés. Em retribuição, os jacarés mostram os dentes e sacodem as caudas para impressionar as visitas.  Essa será toda a utilidade do Fórum Social. A diferença é que o salário dos jacarés não será pago por capitalistas insanos de Nova York e Genebra, mas pelos contribuintes gaúchos.

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