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Morrendo pela boca

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 16 de julho de 2008

De uns dias para cá, Barack Hussein Obama caiu significativamente nas pesquisas de intenção de voto, sem que seu adversário fizesse nada para isso acontecer ou dissesse mesmo uma palavra sequer contra ele. McCain até defendeu a honra do candidato democrata, alegadamente ofendida por uma charge de capa da revista The New Yorker, em que Obama aparece vestido de árabe e a sra. Obama de terrorista. The New Yorker não é conservadora, é esquerda anestésica. Mas mesmo entre os esquerdistas mais enfezados a reputação de Obama já não é tão linda quanto umas semanas atrás. Milhões de adeptos de Hillary Clinton estão pedindo suas contribuições de campanha de volta, e Robert Redford, de quem se esperaria tudo menos isto, saiu dizendo que Obama é inexperiente demais para a presidência.

O problema com Obama é muito simples. Ele força demais no bom-mocismo, a imagem que ele vende é diferente demais da realidade: no empenho desesperado de encobrir a diferença, ele se atrapalha todo e acaba não dizendo coisa-com-coisa.

Numa pesquisa da America Online, que perguntava se Obama é “liberal” (esquerdista), “conservative” ou “flip-flop” (muda de lado a toda hora), 82 por cento dos entrevistados votaram no “flip-flop”. Eu estava online e votei também, mesmo sabendo que as alternâncias dele são só da boca para fora, que por dentro ele continua tão pró-comunista, pró-terrorista e desvairadamente antiamericano quanto Osama bin Laden poderia exigir da mais fiel das suas esposas. Pois a encrenca é exatamente essa: Obama não é autêntico nem na indefinição. John Kerry também mudava de posição toda semana, mas fazia isso porque não tinha mesmo convicção nenhuma, queria só chegar à presidência. Políticos sem convicções não são tão maus quanto parecem. Alguns alcançaram enorme sucesso, fizeram até grandes coisas. Abraham Lincoln só se voltou contra a escravidão quando lhe pareceu conveniente. Franklin Roosevelt não acreditava numa só palavra do que dizia, mas, quando decidia, estava decidido. O nosso Getúlio Vargas morreu sem que ninguém soubesse qual era afinal a ideologia dele; seus discursos eram obras-primas da desconversa universal – mas quem vai negar que ele criou as bases da indústria brasileira? A ausência de convicções, o flip-flop mais desvairado, pode ocultar um pragmatismo saudável. Mas Obama só se faz de pragmático para esconder os compromissos explosivos que o tornam um óbvio inimigo do seu país. E os escondeu tão bem que eles acabaram aparecendo na capa da New Yorker.

Enquanto isso, o velho McCain se faz de inofensivo, só esperando que o adversário morra pela boca. É tática de pobre, mas às vezes funciona. Obama tem 315 milhões de dólares a mais que ele para a campanha. Se torrar tudo em camuflagens, terá obtido o mesmo resultado eleitoral que alcançaria se comprasse 315 milhões de dólares em roupas árabes.

Direto na fonte

Olavo de Carvalho

O Globo, 18 de janeiro de 2003

Que toda história tem no mínimo dois lados, eis uma verdade primária que nenhum foquinha de redação tem o direito de ignorar. E não há maneira mais torpe de ocultar um dos lados da história do que contá-lo sempre desde o ponto de vista do outro, sem deixar que ele se mostre aos leitores por si mesmo, com sua própria face e suas próprias palavras. Isso é pseudojornalismo da mais grossa espécie.

Pois bem: o conservadorismo norte-americano, que está no poder e vai ficar lá por mais pelo menos uma geração, sendo portanto uma das forças políticas mais decisivas no mundo, só é conhecido do público brasileiro pela versão que dele apresentam seus inimigos do Partido Democrata ou mesmo da extrema esquerda. Isso é assim, inalteravelmente, há pelo menos vinte anos. Na nossa mídia, jamais o ponto de vista dos republicanos, conservatives e libertarians é mostrado em si mesmo, no original, para que os brasileiros façam dele um juízo baseado em conhecimento direto. Com exceção do que se passa na imprensa dos países comunistas, não conheço outro caso de ocultação preconceituosa tão geral, tão sistemática, tão infalível.

No entanto, seria errado atribuí-la exclusivamente ao viés esquerdista imperante nas nossas redações. Uma curiosa conjunção de acasos, aí, ajuda o esquerdismo a mentir com inocência. É que, ao relatar o que se passa num outro país, qualquer jornalista toma instintivamente como padrão de aferição a grande mídia desse país. Se o que escreveu está de acordo com o que ela disse, ele acredita ter dado um relato fidedigno e dorme em paz com sua consciência. Ora, acontece que a grande mídia norte-americana é toda clintoniana ou mesmo abertamente pró-esquerdista. Se dependesse dela, George W. Bush não seria presidente da República, e Osama bin Laden, se não chegasse a receber homenagens públicas, seria ao menos absolvido como vítima da sociedade. Isso quer dizer que, para um jornalista brasileiro tapar o acesso do público a metade da história e nem perceber que está fazendo isso, basta que ele se atenha ao que saiu no New York Times, no Washington Post, na CNN etc.

O que estou dizendo parece contraditado pelo fato de que Bush tem um dos mais altos índices de aprovação já alcançado por um presidente norte-americano. Aparentemente, ninguém pode conseguir isso sem o apoio dos gigantes midiáticos. Mas aí é que está a diferença. Nos EUA, pode. É que a grande mídia das capitais, lá, não é tão grande quanto a daqui, proporcionalmente. Seu poder inegável é contrabalançado pelo da imensa rede de jornais do interior, cuja força não tem equivalente em nada do que existe no Brasil. Cada pequena cidade americana tem dois ou três jornais de alta qualidade, além de meia dúzia de estações de rádio e TV. Se os conservadores enfrentaram e venceram o poder dos gigantes, foi entrincheirando-se na mídia local, manejando com habilidade os recursos da internet e criando organizações de media watch que, provando com métodos científicos o viés esquerdista das notícias, acabaram por desacreditar a mídia milionária perante grande parte do público e dos anunciantes. Outra coisa que os ajudou foi a rede de agências que distribuem artigos pelos pequenos jornais de todo o país. Aí um colunista vetado na grande mídia pode acabar tendo mais leitores do que as estrelas maiores do NYT ou do Post. É o que acontece com Thomas Sowell e David Horowitz — para o meu gosto, os melhores.

Os jornalistas brasileiros — uns por safazeza, a maioria por ignorância genuína — desprezam esses fatos e, quando contam a história por um só lado, acreditam não estar fazendo nada de desonesto. Contra essa ilusão de uma consciência demasiado fácil de apaziguar, deve-se lembrar que a verdadeira idoneidade jornalística não se contenta com aparências verossímeis. Ela duvida de si, vai ao fundo, busca testemunhas ignoradas e deixa que elas falem. Se entre os jornalistas brasileiros ninguém faz isso no que diz respeito aos conservadores americanos, é porque cada um, no íntimo, teme conhecê-los: pode acabar gostando deles. É fugindo de conhecimentos indesejáveis que o preconceito adquire o poder de um dogma.

Se você não tem medo de conhecer, salte a barreira. Vá direto às fontes. Eis aqui as principais, que estão na internet:

Jornais, revistas e agências:
Townhall (http://www.townhall.com),
National Review (http://www.nationalreview.com), WorldNetDaily (http://www.worldnetdaily.com),
Newsmax (http://www.newsmax.com),
Drudge Report (http://www.drudgereport.com),
The Washington Times (http://www.washtimes.com),
Human Events (http://www.humaneventsonline.com).

Doutrina e polêmica:
The New American (http://www.thenewamerican.com),
The Federalist (http://www.federalist.com),
Common Conservative (http://www.commonconservative.com).

Cultura e idéias:
Reason (http://www.reason.com),
The Weekly Standard (http://www.weeklystandard.com), Front Page Magazine (http://www.frontpagemag.com),
Jewish World Review (http://www.jewishworldreview.com), Enter Stage Right (http://www.enterstagerigth.com),
The Weekly Standard (http://www.weeklystandard.com),
Insight Magazine (http://www.insightmag.com),
The Dartmouth Review (http://www.dartreview.com),
Excellent Thought (http://www.excellentthought.net),
Intellectual Conservative (http://intellectualconservative.com),
Accuracy in Academia (http://www.academia.org).

Think Tanks:
The Claremont Institute (http://www.claremont.org),
The Heritage Foundation (http://www.heritage.org),
Cato Institute (http://www.cato.org).

Media Watch:
Media Research Center (http://www.mediaresearch.org),
Accuracy in Media (http://www.aim.org),
Honest Reporting (http://www.honestreporting.com), Conservative Truth (http://www.conservativetruth.org/index.php).

Velhas feridas

Olavo de Carvalho


O Globo, 6 out 2001

Negar a um país agredido militarmente o direito de reagir, obrigá-lo a submeter a organismos estrangeiros a decisão e o comando de suas operações de defesa, eis decerto um ataque mais devastador à sua soberania nacional do que poderia sê-lo a derrubada de mil torres de mil World Trade Centers.

Por ter derrubado as torres, Osama bin Laden é acusado mundialmente de um crime colossal. Mas infinitamente mais criminosos são aqueles que se aproveitam da desorientação momentânea da vítima para atacá-la simultaneamente por todos os lados, exigindo-lhe não apenas que abdique do direito elementar de autodefesa, mas que o faça de joelhos, com humildade e contrição, reconhecendo no atentado terrorista uma sentença divina, cuja justiça superior — já que Deus escreve direito por linhas tortas — não é minimamente afetada pelo detalhe acidental de ter entrado em vigor por meios criminosos.

Mal assentada a poeira dos edifícios tombados, milhares de bocas entraram em ação para reverter contra os EUA a onda de indignação espontânea que se erguera no mundo contra os autores do atentado. Em uníssono, como um coro bem disciplinado, líderes e intelectuais esquerdistas esforçam-se para completar na esfera jurídica, política e diplomática a obra que bin Laden iniciou no campo militar. Sim, que outro objetivo poderia bin Laden ter em vista com as agressões de 11 de setembro senão fazer vergar a espinha dorsal dos EUA, humilhar e debilitar a nação mais forte e mais próspera do mundo? E como alcançar mais eficazmente esse objetivo senão roubando dessa nação o direito de revide e forçando-a a desgastar-se num extemporâneo “mea culpa” no instante em que ela mais precisa de concentrar suas forças e seu orgulho nacional para defender-se do agressor?

A articulação lógica dos atentados e da artificialíssima onda de anti-americanismo que se seguiu poucos dias depois é tão evidente, que toda afetação de bons sentimentos por parte dos promotores dessa campanha perversa se desmascara a si mesma, no ato, como patente hipocrisia dos maiores e, na verdade, únicos aproveitadores do crime.

Únicos, sim. Que benefício podem extrair das atrocidades de bin Laden os países islâmicos? Ser expostos aos olhos do mundo como nações de bárbaros, de assassinos, de fanáticos? Voltar contra si mesmos os canhões e as ogivas nucleares dos EUA? Só se forem mais loucos do que os retrataria o mais rancoroso anti-islamismo que se possa conceber.

Que benefício pode esperar Israel? Ficar espremido entre dois fogos numa guerra de proporções mundiais? Expor os judeus de Nova York, de Londres, de Paris, ao rancor vingativo dos muçulmanos que aí habitam em número incomparavelmente superior ao deles? Impensável.

E os EUA, então, que podem esperar ganhar, seja com os ataques do dia 11, seja com o envolvimento numa guerra que pode se alastrar e jogar contra eles metade do mundo?

Não, os EUA não ganham nada, Israel não ganha nada, os países islâmicos não ganham nada.

Só quem pode ganhar e aliás já está ganhando é uma classe bem definida de pessoas, não identificadas com nenhuma nação em particular, mas unidas por um propósito ideológico e estratégico comum. Quem ganha é internacional esquerdista.

A velocidade indecente com que, passado o escândalo do primeiro momento, a máquina mundial da propaganda anti-americana entrou em ação, para vibrar sobre o corpo combalido da vítima um segundo e mais portentoso golpe, não pode ser explicada senão pela coerência absoluta de propósitos entre o primeiro ataque e o segundo, entre o bin Laden das montanhas do Afeganistão e os milhares de bins Ladens da diplomacia e da mídia.

A hipótese, aliás, de que o primeiro disparasse seus Boeings numa pura efusão de iniciativa isolada, anárquica, sem qualquer respaldo num propósito político de maior envergadura, é suficientemente pueril para não merecer sequer ser discutida. Sobretudo depois que a unidade desse propósito já nem cuida mais de camuflar-se, mas, sem temer represálias, se exibe despudoradamente na convergência de tantos discursos, de Koffi Annan a Fidel Castro, passando por uma infinidade de solícitos Baltazares Garzóns.

Não sei se essas forças armaram bin Laden. Mas, armadas por ele, impõem hoje aos EUA uma ameaça infinitamente mais temível que a de todos os kamikazes e talebãs de mil e uma noites de pesadelo.

O que não se pode negar é que algo a emergência desse estado de coisas nos ensina. Ela destrói, de um só golpe, o mito do mundo unipolar. Nunca existiu mundo unipolar. A Guerra Fria foi simplesmente substituída por um novo duelo de gigantes: de um lado, os EUA; de outro, um agregado multinacional de poderes que inclui a “intelligentzia” esquerdista mundial, os organismos internacionais (ONU, Unesco, OMS, OIT, FMI, Banco Mundial), milhares de ONGs e um punhado de conglomerados financeiros que, mesmo quando de capital majoritariamente americano, têm interesses que vão muito além dos da nação americana e freqüentemente contra eles. Esse agregado representa claramente o núcleo da Nova Ordem Mundial, uma força dirigista e socialista que vive de sugar energias vitais dos EUA, usá-las em projetos megalômanos de controle universal que restringem a soberania nacional americana junto com a dos demais Estados e, por fim, lançar a culpa de tudo na própria nação americana.

Não conheço mais de três ou quatro brasileiros que saibam do conflito mortal que hoje opõe os interesses americanos aos do globalismo. Massa e elites, não só no Brasil, mas em todos os países do Terceiro Mundo, são mantidos na ilusão de que os organismos internacionais, por exemplo, são braços do poder americano, o qual na verdade eles estrangulam, subjugam e debilitam a cada dia. Não conheço mais de três ou quatro brasileiros que saibam dos protestos desesperados de nacionalistas estadunidenses contra a opressão globalista que, entre nós, passa por ser a encarnação suprema da ambição nacional americana.

A mobilização repentina e uníssona dos porta-vozes daquele agregado, numa ostensivo ataque à soberania nacional dos EUA, tem o mérito de revelar ao mundo o conflito longamente ocultado. Nunca houve mundo unipolar. O pólo antagônico, apenas, era invisível porque não tinha identidade estatal; sua unidade, camuflada pela pluralidade de suas faces dispersas pelo mundo, só podia ser apreendida mediante um esforço de abstração, dificultoso para muitos, repugnante para outros. A súbita radicalização ocasionada pelos atentados de bin Laden trouxe a revelação forçada dessa unidade. Antes, qualquer um podia recusar-se a vê-la, por inibição de revolver velhas feridas da Guerra Fria. Agora essas feridas supuraram todas de uma vez.

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