Olavo de Carvalho


Zero Hora, 10 de julho de 2005

No Globo do último dia 8, o articulista Luíz Paulo Horta, que personifica a medida máxima de conservadorismo admitida naquele jornal depois da supressão abrupta mas politicamente compreensível da minha coluna semanal, reconhece a “orgia de ganância” em que chafurda o partido governante, e, constatando que a reação geral a esse fenômeno tomou a forma de “um esforço quase patético para preservar a figura do presidente”, dedica o restante do seu artigo a intensificar esse esforço e a torná-lo ainda mais patético, tentando salvar, junto com a imagem do sr. Luís Inácio, a do seu partido inteiro.

A tática que usa para isso é o clássico expediente de criar uma falsa impressão de equivalência. A diferença específica entre a corrupção petista e suas antecessoras é que estas eram obra de maus políticos infiltrados em partidos com os quais não tinham nenhum compromisso sério e dos quais se serviam apenas como meios de enriquecimento pessoal. Já o PT é, de alto a baixo, uma máquina de corrupção, onde roubar, chantagear, mentir e ludibriar são obrigações partidárias cumpridas com o orgulho e a consciência limpa com que, no tempo do terrorismo, os mesmos personagens de agora explodiam gente inocente e, diante da reação governamental, se faziam (e se fazem até hoje) de vítimas inermes da perseguição fascista. Essa diferença é o fato político e moral mais relevante das últimas décadas, e é ela que o sr. Horta dilui ao insinuar que os crimes do PT não fazem senão nivelá-lo aos demais partidos, como se cada um destes estivesse também metido numa trama continental com os narcotraficantes das Farc, os seqüestradores do MIR e os torturadores cubanos. O equivalentismo, diante de uma desproporção tão majestosa, torna-se um ato de desinformação e propaganda ainda mais pérfido do que a apologia franca e direta dos delinqüentes.

Baseado nesse completo falseamento das dimensões, o sr. Horta está livre para atribuir antecipadamente aos criminosos do presente os méritos de um futuro hipotético, insinuando que o único defeito do PT é o apego a estratégias demodées e que, com pequenas alterações modernizantes, sem alterar em nada a essência partidária, essa entidade pode reconquistar um lugar honroso na vida política brasileira.

Em matéria de gerenciamento de danos, Duda Mendonça não faria melhor. Apenas, duvido que o sr. Horta tenha alguma consciência do que fez. Ele foi um daqueles que, durante quinze anos, ajudaram a ocultar por atos, palavras e omissões a existência do Foro de São Paulo e a as macabras alianças continentais do lulismo. Suprimidos esses fatos, é claro, o PT tornava-se uma entidade tão inofensiva como o Partido Trabalhista inglês, pronta a discutir educadamente com os conservadores pequenas divergências econômico-administrativas, sem nenhum risco maior para as duas partes senão a perda de algumas cadeiras na eleição seguinte.

Menciono o sr. Horta apenas como um exemplo casual. Tanto ele quanto centenas de outros articulistas brasileiros nominalmente antipetistas acostumaram-se de tal modo à prática compulsiva do jornalismo eufemístico ao falar do PT, que conseguiram anestesiar não somente a si próprios mas à população inteira, tornando o Brasil uma nação incapaz de discernir a gravidade da sua situação e pronta a aceitar o pior sem nenhuma reação significativa.

Se o PT não lhes pagou para fazer isso, estamos diante da maior onda de injustiças salariais da história do jornalismo brasileiro.

Quando pessoas como essas representam na mídia a única perspectiva conservadora que resta num país, é porque esse país já nada mais tem que valha a pena conservar .

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Não espanta que, no mesmo artigo, o sr. Horta, com a responsabilidade intelectual de um menino de dois anos, compare Arnaldo Jabor a James Joyce. Quando se perde o senso das proporções na política, é impossível conservá-lo na literatura.

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