Olavo de Carvalho


 Zero Hora , 24 de fevereiro de 2002

Comunistas e filocomunistas têm feito o diabo para instilar nos militares brasileiros um anti-americanismo cretino e suicida que só servirá para transformá-los em cópias de Hugo Chávez, senão de Saddam Hussein. Ligeiramente maquiado, o velho terceiromundismo de Lumumba e Frantz Fanon vem adquirindo foros de “doutrina militar brasileira” e, se não for desmascarado em tempo, acabará por levar este país à última degradação.

Qualquer pensamento estratégico-militar só pode se estruturar a partir da localização e definição de um “inimigo”. Martelando e remartelando aos ouvidos de oficiais superiores a lenda do “mundo unipolar”, os agentes da confusão lograram fazê-los crer que a divisão do mundo já não é mais Leste-Oeste, ou capitalismo-comunismo, e sim Sul-Norte, pobres contra ricos. Parece lógico, não é? Num mundo unipolar, quem pode ser o “inimigo” das “nações periféricas”? O pólo único, naturalmente. Logo, o “establishment” militar brasileiro deve se preparar para um confronto com os EUA. Não podendo vencer pelas armas, deve montar uma estratégia de dissuasão, que induza o adversário a desistir de uma guerra trabalhosa demais.

Contra a lógica aparente desse raciocínio, restam os fatos:

1) Não tem sentido falar de “mundo unipolar” quando a ditadura militar chinesa, financiada pelo próprio dinheiro de investidores americanos mais interessados em lucros imediatos do que na segurança de seu país, está mergulhada até a goela no mais intenso esforço armamentista de todos os tempos, acumulando reservas imensas de mísseis transcontinentais, enquanto o suposto “pólo único”, inibido pela pressão da mídia fortemente pró-comunista, se desarma e se enfraquece ao ponto de tornar-se vulnerável a qualquer bin Laden.

2) Não tem sentido falar de “mundo unipolar” num momento em que as forças anticapitalistas conseguem angariar, no mundo islâmico, o apoio de nações inteiras, ao ponto de envolvê-las na aventura do 11 de setembro.

3) Não tem sentido falar de “mundo unipolar” num momento em que a esquerda armada latino-americana, de braços dados com o narcotráfico, ataca por toda parte com uma virulência incomparavelmente superior à da década de 70. Hoje, muito mais que então, o continente se encontra num estado de guerra revolucionária, ainda agravado pelo fato de que nesse ínterim a “longa marcha” gramsciana para dentro das instituições culturais e midiáticas fez delas instrumentos dóceis da desinformação comunista. Os militares, como quaisquer outros seres humanos, dificilmente podem resistir à influência onipresente e avassaladora de uma atmosfera cultural e psicológica sobrecarregada de valores e critérios comunistas que, de tão disseminados, já nem são identificados como tais e passam facilmente como verdades supra-ideológicas. Anestesiados por essa atmosfera, induzidos ademais a uma justa revolta contra um governo que trabalha pela revolução socialista sob a capa de “neoliberalismo”, os militares vêm sendo levados a adotar uma visão do mundo completamente falseada.

Falseada, a começar, pela bibliografia disponível, inteiramente determinada pelas preferências da casta intelectual dominante.

Conversando com algumas dezenas de oficiais superiores, homens sem nenhuma cumplicidade consciente com o comunismo, pude constatar que estavam atualizadíssimos com a literatura útil aos comunistas, mas ignoravam por completo a vasta produção de estudos surgidos das pesquisas da última década nos Arquivos de Moscou. Haviam lido Hobsbawm, Chomsky, Jameson e “tutti quanti”. Não os viam como os meros falsários comunistas que são, mas como intelectuais idôneos, porta-vozes qualificados da “cultura ocidental”. Nada sabiam dos livros de Anatoliy Golitsyn (“New Lies for Old” e “The Perestroyka Deception”), de Stanislav Lunev (“Under the Eyes of the Enemy”), de Christopher Andrew (“The Sword and the Shield”), de Ladislav Bittman (“The KGB and Soviet Disinformation”) ou de Joseph D. Douglass (“Red Cocaine: The Drugging of America and the West”) — em suma, ignoravam as obras mais lidas pelos profissionais de informação e contra-informação militar no mundo.

 Muito menos sabiam de estudos de interesse histórico mais geral publicados na última década sobre o movimento comunista passado e presente, como os de Vladimir Boukovski (“Jugement à Moscou”), Jean-François Revel (“La Grande Parade”), Jean Sévillia (“Le Térrorisme Intellectuel”), Stephen Koch (“Double Lives”), Miguel Farías Jr. (“Cuba in Revolution”), Arthur Herman (“Joseph McCarthy — America’s most Hated Senator”), Carlos Alberto Montaner (“Viaje al Corazón de Cuba”), Roger Kimball (“Tenured Radicals”), Keith Lloyd Billingsley (“Hollywood Party”).

E, é claro, ignoravam ainda mais profundamente obras de maior alcance teórico sobre o assunto, como as de James Billington (“Fire in the Minds of Men”) e Eric Voegelin (“The New Science of Politics”, “History of Political Ideas”).

Com esses rombos no seu quadro de referências intelectuais, e preenchendo-os com materiais do cardápio esquerdista, como não haveriam esses homens bons e patriotas de acabar servindo, de algum modo, aos propósitos daqueles que mais os odeiam?

Poucos homens de farda percebem, por exemplo, que o deplorável episódio da base de Alcântara foi artificialmente criado, para gerar anti-americanismo, por um governo inteiramente servil ao “braço esquerdo” (ONU-CEE) da Nova Ordem Mundial.

Nunca os melhores foram tão facilmente manipulados pelos piores.

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