No estudo da linguagem humana, a distinção mais antiga e mais fundamental é entre signo, significado e referente. Signo é um sinal, visual, sonoro ou qualquer outro, que indica uma idéia, uma intenção, e a representa na esfera mental. Significado é um conjunto de signos que expressa a intenção subjetiva contida no signo. Referente é o objeto, a coisa, o elemento do mundo real — objetivo ou subjetivo — a que o significado, e portanto também o signo, se refere. Se um sujeito sabe de cor e salteado a definição de “vaca”, mas, quando lhe mostramos uma vaca, ele não sabe distingui-la de um tatu, de uma caixa de fósforos ou de um reator atômico, o signo que ele usou corresponde apenas a um significado, a uma intenção subjetiva, mas a nenhum elemento da realidade.
Na discussão política, e em geral na linguagem jornalística, o uso de significados sem referentes é um hábito auto-hipnótico com que o emissor da mensagem persuade a si mesmo, e ao seu público, de que está dizendo alguma coisa quando não está dizendo absolutamente nada.
Se ele faz isso por ignorância ou malícia é indiferente, pois a malícia não passa de uma ignorância fingida ou planejada.
Um dos exemplos mais característicos é o uso corrente, onipresente e obsessivo, da expressão “instituições democráticas”. Entende-se por isso as entidades e instituições fundadas em leis e constituições que instituem o sistema representativo, bem como o império das leis que o controlam. Entende-se que essa expressão define um treco chamado “democracia”, diferenciando-o dos regimes ditatoriais, tirânicos ou autoritários, onde governantes que não representam senão a si mesmos fazem o que bem entendem e não estão submetidos à lei nenhuma. No Brasil, os defensores das “instituições democráticas” apresentam-se como protetores da liberdade e do povo, em oposição aos adeptos de uma “ditadura militar”, representados, segundo se diz, pelo atual presidente da república, seus filhos, amigos e adeptos.
Até aí, tudo está muito claro, mas com essa conversa não saímos do reino dos significados verbais. Não tocamos no referente. Se agora buscamos os entes da realidade que a linguagem corrente associa a esses termos, não os encontramos em parte alguma. Em primeiro lugar, os adeptos da “ditadura” que eles chamam também de “intervenção militar” ou mesmo de “intervenção militar constitucional”, existem realmente mas são raros e não têm a menor influência sobre a massa dos partidários do presidente, os quais se apresentam como uma massa firmemente decidida a lutar pelos seus próprios objetivos, apoiando o presidente, é certo, mas sem dele receber nem mesmo uma instrução ou palavra de ordem, quanto mais uma voz de comando. Isso quer dizer que, quando se apresentam como defensores da “democracia” contra o perigo do “autoritarismo militar”, os adeptos das “instituições democráticas” fingem lutar contra um inimigo imaginário para não ter de declarar qual o inimigo real que estão combatendo e desejam destruir. Esse inimigo não é nenhuma “ditadura”, mas a massa popular, a indignação populista que ocupa as ruas e deseja impor a sua vontade soberana à minoria política, jornalística e universitária dos “defensores da democracia”, bem como aos eventuais apóstolos da “ditadura”.
Mas a democracia, salvo engano, não se define pela presença de tais ou quais “instituições”, e sim por ser “o governo do povo, pelo povo e para o povo”, isto é, o governo em que as instituições, quaisquer que sejam, estão sob o controle do povo e não o povo sob o controle delas.
Quando se voltam contra a massa popular em nome das “instituições democráticas”, os defensores destas últimas estão simplesmente invertendo o sentido da democracia, fazendo dela o império absoluto de “instituições” sob as quais o povo não tem e não pode ter nenhum poder nem meios de ação. Não espanta que, ao sair da cadeia, o apóstolo máximo as “instituições democráticas” e inimigo jurado do “autoritarismo fascista”, sr. Luiz Inácio Lula da Silva, não encontre nenhum respaldo popular e busque, em vez dele, o apoio da classe militar, personificação da “ditadura”.
A linguagem dos debates públicos brasileiros é um conjunto de inversões psicóticas em que cada falante não trata senão de ludibriar-se a si mesmo para melhor poder ludibriar os outros.