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Aritmética da fraude

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 05 de julho de 2007

Quando alguém quer acusar o Brasil de racista, alega que a proporção de negros entre as vítimas de homicídios é maior do que entre a população em geral. O argumento não prova que a causa do fenômeno seja o racismo branco, pois para isso seria preciso que os autores daqueles crimes fossem predominantemente brancos – e o fato é que não são. Mas o cálculo demonstra, em todo caso, que no Brasil é mais perigoso ser negro do que branco, independentemente da origem racial do perigo.

Por que então não se usa jamais o mesmo método para provar que os gays são vítimas preferenciais de violência? O motivo é óbvio. Se os homossexuais são quatorze por cento da população, eles só podem ser considerados uma comunidade mais ameaçada que as outras caso a proporção deles no total de brasileiros assassinados exceda quatorze por cento. Mas, como já vimos nesta coluna, tudo o que os porta-vozes do movimento gay conseguiram, espremendo a amostragem ao máximo, foi mostrar que os homossexuais são 0,3 por cento daquele total. E olhem que aí estão incluídos até mesmo crimes sem motivação homofóbica provada. Assassinatos por homofobia são portanto uma fração infinitesimal no conjunto, e pretender fazer deles um risco máximo de segurança pública, uma calamidade endêmica necessitada de correção legal drástica, é uma empulhação estatística cujos autores, se todos os brasileiros fossem iguais perante a lei, deveriam ir para a cadeia por tentativa de obter privilégios do Estado por meios ilícitos.

Pior ainda é quando esses pilantras, vendo a fragilidade da gazua retórica que empregam, tentam se vacinar preventivamente contra a evidência matemática, alegando que têm poucos dados porque o medo de sofrer violência leva os gays a ocultar sua preferência sexual, diminuindo sua presença numérica nas estatísticas. A fraude aí é tripla. Primeiro, dá-se à falta de provas o valor de prova. Segundo, a presunção de violência anti- gay generalizada, que se alardeava provar mediante os altos números, é dada por provada a priori e usada retroativamente como prova de que os números baixos valem como se fossem altos. Terceiro: inverte-se brutalmente o significado estatístico da homossexualidade oculta. Se, como presume o raciocínio, a maior parte das vítimas reais é invisível por se constituir de homossexuais secretos, então só pode ter acontecido uma destas três coisas: ou seus assassinos não sabiam que eles eram homossexuais, ou o souberam por algum tipo de inside information , sendo freqüentadores usuais do ambiente gay e portanto gays ou simpatizantes eles próprios, ou então tinham dons paranormais. As duas primeiras hipóteses excluem, por definição, a possibilidade do ódio anti-homossexual como motivação dos crimes. Na terceira reside a única esperança matematicamente viável de provar que existe um estado endêmico de homofobia assassina no Brasil.

Toda a argumentação em favor da lei dita “anti-homofóbica” é fraude, é engodo, é estelionato. Vamos permitir que os vigaristas que a inventaram nos ponham na cadeia?

Rumo ao socialismo

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 4 de fevereiro de 1999

Se há uma entidade que nunca discriminou ninguém por ser de esquerda, é o Instituto Brasileiro de História e Geografia Militar, que funciona na casa que foi do marechal Deodoro, no Campo de Sant’Anna, Rio de Janeiro. O historiador comunista Nelson Werneck Sodré tomou posse lá em pleno 1964, sentando-se ao lado do marechal Castelo Branco, do qual escrevia coisas horríveis na Revista Civilização Brasileira . Outra entidade que ficou famosa pela tolerância mútua entre membros de ideologias diferentes é o P. E. N. Club, organização internacional de escritores que muito fez pela liberdade de opinião no mundo inteiro.

O Instituto não mudou, mas o P. E. N. já não é mais o mesmo. O presidente do Instituto e diretor da Biblioteca do Exército, cel. Luís Paulo Macedo Carvalho, que foi eleito no ano passado para o clube, acaba de receber do presidente do P. E. N., Marcos Almir Madeira, um pedido dos mais extravagantes: que escreva uma carta renunciando a tomar posse, alegando um motivo imaginário qualquer. Madeira explicou ao coronel que uma comissão de escritores esquerdistas o havia procurado para exigir que expelisse da entidade o membro recém-eleito, por ser este um amigo pessoal do general Augusto Pinochet.

O coronel respondeu que, nessa altura dos acontecimentos, seria para ele uma honra ser barrado no baile, mas que ele não era idiota o bastante para barrar-se a si mesmo, cabendo, pois, ao próprio Marcos Almir, se quisesse assumi-lo, o honorável encargo de inventar a mentirinha, com ou sem a ajuda do misterioso lobby esquerdista a cujas exigências se mostrara tão solícito.

O cel. Macedo foi apenas colega de estudos de Pinochet e não teve a menor participação nos acontecimentos que viriam a tornar o general a bête noire da mídia esquerdista mundial. Para o lobby esquerdista, isso não interessa. Partindo do princípio de que na direita não há seres humanos, apenas vampiros e lobisomens, qualquer aproximação com essas criaturas, mesmo casual e extrapolítica, expõe o suspeito a um risco de contaminação diabólica que o torna um potencial inimigo público. Expeli-lo da sociedade decente é, pois, dever do Estado e do cidadão. Já o contrário se passa no outro lado do espectro político, onde mesmo o fato de um sujeito ter sido agente do serviço secreto cubano, como se passou com o líder petista José Dirceu (v. Luís Mir, A Revolução Impossível ), não o desqualifica para os mais altos cargos na administração da República brasileira; e onde a amizade com Fidel Castro, principalmente se acompanhada de cumplicidade política, conta muitos pontos na avaliação de um curriculum para o Senado, o Ministério, a Academia ou a Vida Eterna.

O coronel não é a primeira vítima dos “comitês de salvação pública” que hoje dominam as instituições culturais, o mundo editorial e a imprensa em geral. Em cada grande editora, em cada grande jornal ou revista, já estão funcionando a pleno vapor os comitês internos destinados a no momento devido expulsar os proprietários e tomar de assalto as empresas, mas que, tendo em vista a suposta inevitabilidade da revolução socialista, se consideram desde já os legítimos dirigentes, provisoriamente cerceados no seu direito de mandar pela escandalosa intromissão de usurpadores capitalistas. Cerceados, é claro, timidamente. Nenhum proprietário de jornal ou revista é hoje louco o bastante para contrariar de maneira ostensiva o poder do lobby esquerdista na sua empresa, do qual quase todos se tornaram reféns por preguiça e covardia.

O mais nojento em toda a história é a boa consciência com que os administradores do futuro Brasil socialista se permitem, por antecipação, mandar e desmandar, oprimir e demitir, censurar e controlar. Nunca um deles parou para pensar que, se pode haver algo de imoral na dominação capitalista, que se afirma pelo dinheiro, muito mais imoral é a expropriação socialista, na qual arrivistas e aproveitadores, da noite para o dia, se autonomeiam senhores e donos de tudo sem outro investimento de risco senão uma cota de engodo, de violência e de arrogância.

Não, essa gente não tem problemas de consciência. E terá menos ainda no futuro, quando ao seu poder de fato se acrescentar a conquista do poder nominal, que tudo santifica perante a deusa História.

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