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Profissionais e amadores

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 8 de novembro de 2010

Conclusões óbvias da eleição de domingo:

1. Somados aos sete por cento de votos brancos e nulos, os 22 por cento de abstenções, mais que significativos num país onde o voto é obrigatório, sugerem fortemente que quase a terça parte do eleitorado não leva a sério a democracia vigente, no que alias dá prova de um realismo impecável.

2. Sugerem também que uma parcela enorme do eleitorado antipetista fez as contas e achou que não valia a pena perder a diversão do feriado só para votar em José Serra, candidato apetitoso como papinha de alface. Sem sal e light, é claro.

3. Dos votos concedidos a Serra, um terço, pelo menos, ele deveu ao movimento anti-abortista – a única militância conservadora deste país, providencialmente desligada de qualquer partido, que a teria castrado ao primeiro sinal de vida.

4. Outro terço ele deveu, meio a meio, à força de personalidade de seu vice Índio da Costa e à ojeriza antipetista difusa, que votaria num bacalhau empalhado para não ter de votar em Dilma – e que só votou em Serra porque não encontrou um bacalhau empalhado na lista do TSE.

5. Um terço, se tanto, ele deveu à sapiência dos marqueteiros que o aconselharam a caprichar no bom-mocismo, a derramar-se em louvores à figura sacrossanta do presidente Lula, a explorar o inexistente capital politico dos seus tempos de militante estudantil e a nada oferecer como alternativa à ferocidade de Dilma Rousseff senão uma imagem ideologicamente neutra e inodora de “bom administrador”, de mistura com afetações de esquerdismo asséptico que, como não poderia deixar de ser, irritaram a direita e não seduziram a esquerda. Idiotas presunçosos, amadores, incultos e despreparados, muitos deles mais interessados em salvar o esquerdismo do que em derrotar o petismo, esses sujeitos arrasariam a mais promissora das candidaturas que a eles se confiasse. Como poderia sobreviver a seus conselhos o anêmico José Serra?

6. Descontadas as abstenções, os votos nulos e brancos e os votos dados a José Serra, Dilma Rousseff elegeu-se com o apoio de não mais de 41 por cento do eleitorado total. Os tucanos não deixaram de registrar esse fato, buscando nele um consolo que não posso deixar de considerar postiço no mais alto grau. Que votação relativamente minguada tenha bastado para eleger um presidente, ou presidenta, não prova a fraqueza eleitoral do PT, mas a força da sua estratégia. Desde o início, a tônica da campanha petista consistiu menos em enaltecer as virtudes de Dilma – esforço inglório de multiplicar por zero – do que em inibir, pela virulência dos ataques e pelo cinismo estupefaciente das alegações, qualquer veleidade serrista de empreender uma campanha mais agressiva. Quando veio a simples e arquiprovada revelação do compromisso abortista de Dilma, a esquerda nacional em peso respondeu com esgares de indignação moral fingida, imputando falsamente a prática de crime de calúnia e difamação a milhares de pessoas – a maioria sem compromissos partidários – que nada mais tinham feito senão dar provas cabais do que diziam. Que poderia o campo serrista fazer diante de tão descarado histrionismo? A única reação à altura teria sido despejar sobre os farsantes petistas uma tempestade de processos criminais, mostrando que com fatos comprovados não se brinca, que ninguém tem o direito de tentar sufocar a verdade mediante caretas e micagens. Temendo ultrapassar as fronteiras do debate pacífico, a oposição preferiu permanecer no campo da troca de palavras, nivelando, aos olhos da multidão, os direitos da verdade e os da mentira. Mais ainda, abdicando do dever de punir o crime verdadeiro, encorajou o PT a perseguir crimes imaginários. Acobertando seus inimigos culpados, facilitou a perseguição de seus amigos inocentes. Tão fundo foi aí a obsessão de amortecer confrontos, que até mesmo o reforço vindo do Papa Bento XVI à campanha nacional anti-aborto pareceu a alguns próceres tucanos, como o governador Alberto Goldmann, uma provocação temerária. Que esperança de vitória pode ter um partido que concede ao inimigo o direito de acusá-lo de crimes que ele não cometeu, e ao mesmo tempo se inibe de usar no combate a arma justa e devida que lhe foi entregue em mãos pelo próprio Papa?

Tudo isso se enquadra tão bem na tipificação da “espiral do silêncio”, que me parece impossível fugir à conclusão de que, ao longo de toda a campanha, o PT manteve eficiente controle sobre a conduta de seus concorrentes, operação levada às suas últimas conseqüências no truque sujo do feriado improvisado, que dissuadiu de votar em Serra muita gente que já estava decidida a não votar em Dilma.

Se a campanha serrista se ateve fielmente ao emprego dos instrumentos eleitorais mais convencionais e batidos, o lado petista combateu num front muito mais amplo e por meios muito mais inventivos, apelando mesmo a ardis de engenharia psico-social que o outro lado não tinha nem competência nem disposição para enfrentar.

Neste país, só os revolucionários e criminosos são profissionais. A oposição democrática, com toda a sua afetação de elegância, é de um amadorismo patético.

Saudades do Mensalão

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial), 31 de março de 2006

Quando tucanos e “liberais” insistem em tentar derrubar o esquema petista mediante puras imputações criminais, abstendo-se pudicamente de fazer oposição político-ideológica, já confessam antecipadamente uma fraqueza que prenuncia desastres imensuráveis.

Se o grupo petista atualmente no poder sustenta-se no desvio sistemático de dinheiro público, a esquerda continental, da qual esse grupo não é senão um pseudópodo especialmente saliente, apóia-se num aparato muito mais vasto e temível: a narcoguerrilha das Farc, o banditismo organizado do MIR chileno e outras entidades criminosas pertencentes ao Foro de São Paulo.

A corrupção instalada no governo federal, preparada desde o começo da década de 90, é apenas uma engrenagem ínfima da máquina criminosa montada pelo movimento comunista para “reconquistar na América Latina o que foi perdido no Leste europeu”.

A concentração do ataque oposicionista em denúncias apolíticas pode parecer, no momento, um ardil inteligente, porque atrai para as trincheiras do antilulismo uma parcela da esquerda. Mas essa parcela só se volta contra os corruptos pegos com as calças na mão, queimados, indefensáveis. Por baixo, continua firmemente unida à máquina continental que os gerou. Ela só consente em juntar sua voz à gritaria moralizante porque acredita que, substituídas as peças que o escândalo tornou inutilizáveis, a máquina ganhará nova credibilidade para poder continuar delinqüindo em escala incomparavelmente maior. Como já aconteceu inúmeras vezes na História, a esquerda se subdivide para tirar proveito publicitário de seus próprios crimes, e o faz servindo-se da ajuda de adversários ingênuos e débeis. Insistindo em combater num campo limitado, mais proporcional à sua minguada coragem e à sua inteligência estratégica provinciana, esses adversários lhe entregam antecipadamente o controle do território maior.

Tucanos e liberais estão tentando vencer num jogo simulado, enquanto fogem do combate real. Quando estiverem comemorando a vitória obtida nessa brincadeira, despertarão no meio de um campo de batalha, onde já não terão de enfrentar demagogos corruptos, mas guerrilheiros e narcotraficantes furiosos.

Aí terão saudades do Mensalão.  

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