Olavo de Carvalho
Época, 19 de maio de 2001
Estão tentando aliviar a má impressão do envolvimento com o tráfico
A prisão de Luiz Fernando da Costa num acampamento de guerrilheiros colombianos, com provas da troca de drogas por armas, foi talvez a coisa mais temível que já aconteceu para a esquerda nacional desde a morte de Carlos Lamarca e Carlos Marighella. Beira-Mar é um arquivo vivente das relações perigosas entre banditismo e revolução, e por isso alguns jornalistas, sempre ansiosos de vasculhar porões e ralos para destroçar a carreira de políticos de direita, são tão circunspectos e evasivos no que diz respeito ao traficante. Se ele soubesse algo capaz de incriminar Antonio Carlos Magalhães ou Paulo Maluf, os repórteres o assediariam dia e noite. Como o que ele sabe é contra a esquerda, há na imprensa quem chegue a protestar contra o destaque que a notícia de sua prisão mereceu em alguns jornais e revistas.
Outros não se contentam com abafar notícias: partem para a desinformação ativa. Segundo uma nota reproduzida em várias publicações na semana passada, o representante do Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas, Klaus Nyholm, teria dito que as Farc não atuam como traficantes de drogas, limitando-se a cobrar imposto “por toda a cocaína que sai do território colombiano”, e que as tropas paramilitares de extrema direita, estas sim, têm envolvimento direto com o tráfico, do qual obtêm de US$ 200 milhões a US$ 500 milhões por ano.
A primeira dessas declarações é autêntica, mas Nyholm a fez muito tempo atrás, pois já vem citada num artigo de Noam Chomsky de junho de 2000. Com data falseada, ela serve agora de amortecedor contra o impacto das provas encontradas com Beira-Mar. Mas a quem isso pode iludir? Mesmo que não participassem diretamente do tráfico, as Farc seriam ainda mais criminosas que os traficantes, já que os dominaram e reduziram à condição de súditos, tornando-se mandantes e beneficiárias maiores de seu comércio ilícito.
Quanto à segunda declaração, Nyholm simplesmente não poderia tê-la feito. Ninguém que não pretendesse se autodenunciar como mentiroso ou retardado mental afirmaria que as Farc recebem imposto de “toda a cocaína que sai da Colômbia” para, logo na frase seguinte, anunciar que uma parcela considerável desse todo vem do maior inimigo delas. Pois aí o infeliz teria de explicar se a extrema direita paga imposto à guerrilha comunista ou se inventou um jeito de burlar o Fisco.
Só a volúpia comunista de mentir pode tornar um jornalista tão cego para a absurdidade pueril daquilo que inventa. No entanto, seria imprudente explicar pela sanha radical de indivíduos isolados o viés esquerdista que deforma boa parte do noticiário circulante. A situação reflete uma estratégia racional, consciente, empenhada na conquista dos meios de comunicação desde a década de 60, quando entraram no Brasil as idéias de Antonio Gramsci, teórico da “ocupação de espaços”. Já em 1993 a CUT admitia ter em sua folha de pagamento nada menos de 800 jornalistas – o suficiente para produzir sete edições semanais de Época! Somem a isso os que trabalham para o PT, o MST e as centenas de ONGs esquerdistas milionárias (sem que nada de comparável, mesmo remotamente, contrabalance o fenômeno pelo lado da direita) – e verão a classe jornalística amplamente subjugada aos interesses de uma facção política que não prima pela transparência, seja de seus planos para a derrubada do Estado, seja dos meios de financiamento com que pretende realizá-los.
Malgrado suas alegações de “ética”, muitos jornalistas de esquerda estão indo longe demais na prática da regra leninista de que os fins justificam os meios. Alguns deles não têm sequer consciência de que o que estão fazendo é mau e desonesto. Simplesmente identificam a direita com o mal e sentem que mentir contra ela não é pecado. Mas “mentir em prol da verdade” foi o pretexto entorpecente que levou muitos homens bons a colaborar com o genocídio de 100 milhões de vítimas.