Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 31 de janeiro de 2013
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 31 de janeiro de 2013
Olavo de Carvalho
Época, 30 de junho de 2001
O abuso da palavra sofisma tornou-se hábito consagrado nos debates nacionais
Dois instrumentos usuais da patifaria intelectual são o entimema erístico e o sofisma. Entimema é um silogismo do qual uma das premissas, considerada óbvia ou de domínio público, vem omitida. Por ser leve e prestar-se bem à expressão literária, é o meio preferencial da persuasão retórica, a argumentação jornalística por excelência, que, não podendo demonstrar o certo ou o razoável, se contenta com o verossímil, isto é, com aquilo que, por afinar-se com as crenças do público, é aceito como verdadeiro sem maiores discussões. O verossímil, com freqüência, é também verdadeiro, mas às vezes não o é. O único meio de testá-lo é explicitar a premissa oculta, transformando o entimema num silogismo completo. Ao fazer isso, não raro descobrimos que a premissa oculta não era óbvia nem de domínio público, mas sim alguma estupidez infame, encoberta para poder extorquir a anuência sonsa da platéia distraída. Neste caso o entimema é dito erístico: erística é a arte da argumentação capciosa, a retórica pervertida dos charlatães.
Já o sofisma é um silogismo aparentemente perfeito, mas construído sobre premissas falsas difíceis de impugnar ou ardilosamente desviado na passagem crucial das premissas à conclusão.
Um público afeito à discussão vulgar, mas sem treino filosófico específico, engolirá sem a menor objeção doses maciças de entimemas erísticos, porém, diante de qualquer raciocínio lógico mais elaborado, facilmente será persuadido a armar-se de desconfiança caipira e a rejeitar como “sofismas” as provas mais sérias e fundamentadas, pelo simples fato de serem mais sutis que seu alimento discursivo habitual. Daí a freqüência com que o rótulo de “sofisma” é usado levianamente pelos patifes para impugnar qualquer raciocínio que leve a conclusões que os desagradem.
Nesses casos, caracteristicamente, jamais a acusação de sofisma vem acompanhada da devida indicação dos erros que a justificariam. Ou o rótulo vem sozinho, solto no ar como uma fórmula mágica, na esperança de que exerça automático efeito difamatório, ou sustenta-se em alegações que nada têm de uma refutação em regra e não passam em geral da expressão sumária de uma opinião antagônica à do argumento rejeitado, isto quando não são, elas próprias, entimemas erísticos da mais baixa qualidade.
Sofisma é termo técnico de lógica e seu uso legítimo requer a explicitação dos erros sofísticos correspondentes. Se, em vez disso, alguém o emprega informalmente como figura de linguagem, só pode ser para rebaixar como sofisma algo que não é sofisma.
Um exemplo recente é o do jovem redator de editoriais num grande jornal, que, nomeando-me “rei do sofisma”, dispara sobre mim a seguinte cobrança: “Por que, em vez de quantificar o placar das mortes, Olavo de Carvalho simplesmente não condena todas as ditaduras (chinesa, cubana, brasileira, chilena etc.)?”
Bem, a resposta é que não faço isso porque regimes de força que matam 300 pessoas em 20 anos, como a ditadura militar brasileira, e regimes que matam 3.200 pessoas por dia – tal foi a média da China comunista – simplesmente não são espécies do mesmo gênero, malgrado a comunidade do nome que os designa. O termo “ditadura”, indicando uma estrutura formal de governo e não o concreto modus agendi pelo qual esse governo se impõe e se mantém – numa gama de opções que vai do simples golpe parlamentar ao holocausto –, não dá conta de uma diferença essencial.
Correspondendo à de autoritarismo e totalitarismo, essa diferença é consagrada na distinção entre homicídio e genocídio, entre a violência esporádica e a extinção planejada de uma raça, classe ou nação. Deduzir da pura coincidência de nomes a identidade de fenômenos tão diversos é óbvia trapaça erística, tanto mais perversa se usada para legitimar o nivelamento moral de males incomensuráveis, clássico expediente erístico da propaganda totalitária.