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Sem novidades, exceto as piores

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 30 de outubro de 2006

Com a reeleição de Lula, o Brasil continuará sendo governado diretamente das assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo, sem a mínima necessidade de consultar o Parlamento ou dar satisfações à opinião pública; o direito da esquerda ao crime e à mentira, já exercido sem maiores restrições, será consagrado como cláusula pétrea da moral política nacional, e os que a infringirem se sentirão pecadores e réprobos; os representantes das Farc e do Mir continuarão circulando livremente pelo território onde vendem drogas e seqüestram brasileiros; os cinqüenta mil homicídios anuais subirão para sessenta ou setenta, mas a liquidação de quadrilhas locais concorrentes da narcoguerrilha colombiana continuará sendo apresentada como vitória esplêndida da lei e da ordem; o MST continuará ditando a política agrária federal; e os empresários que não participem de mensalões ou esquemas similares continuarão sendo criminalizados pela Receita. Até aí, tudo será como antes, exceto do ponto de vista quantitativo, no sentido de que o ruim ficará incalculavelmente pior. As únicas novidades substantivas previsíveis são as seguintes:

(1) Nossas Forças Armadas, que até agora conseguiram adiar um confronto com a realidade, terão de escolher entre continuar definhando ou integrar-se alegremente na preparação de uma guerra continental contra os EUA, ao lado das Farc e sob o comando de Hugo Chávez.

(2) Como Lula promete para o seu segundo mandato a “democratização dos meios de comunicação”, os órgãos de mídia que se calaram quanto aos crimes maiores do presidente serão recompensados mediante a oficialização da mordaça. Não deixa de ser um upgrade.

(3) Alguns políticos com veleidades legalistas, que faziam alarde de querer punir os crimes do PT, partirão para o adesismo retroativo e inventarão para isso justificativas sublimes. Tudo o que ficou impune será esquecido ou premiado.

            Geraldo Alckmin perdeu porque sacrificou sua candidatura, sua consciência e até sua religião ao voto de silêncio no que diz respeito ao abortismo, ao Foro de São Paulo, às ligações de Lula com as Farc e do PT paulista com o PCC. No último debate, uma insinuação velada – ou ato falho —  mostrou que ele estava bem avisado pelo menos quanto a este último ponto, mas não queria passar a informação aos eleitores. Gastou seus quinze minutos de fama empregando nisso o melhor da sua covardia, e não se pode dizer que se esforçou em vão. Simultaneamente, um artigo meu sobre o Foro de São Paulo era censurado na Zero Hora de Porto Alegre e o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh fazia o que podia para calar o jornal eletrônico Mídia Sem Máscara. No tópico do abortismo, pela primeira vez na história das eleições no mundo um partido proibiu, com sucesso, toda menção pública a um item do seu próprio programa oficial. Os que violaram o voto de censura pagaram pela audácia: o arcebispo do Rio de Janeiro teve sua casa invadida pela polícia e, em Belo Horizonte, dois jovens foram presos por distribuir folhetos sobre o compromisso firmado por Lula no sentido de legalizar o aborto no país. Nunca um partido teve um controle tão completo sobre a lista dos argumentos permitidos e proibidos na propaganda eleitoral. Os últimos dias da campanha deram uma amostra do que o segundo mandato de Lula promete ao Brasil.

Adendo ao resumo didático

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 19 de outubro de 2006

Toda a cúpula petista se formou lendo Marx, Lênin, Trotski, Mao, Che Guevara, Antonio Gramsci, e nem uma palavra contra. Passaram a vida intoxicando-se de esquerdismo e nada enxergam fora do horizonte consagrado da sua mitologia grupal. O domínio que têm da cultura revolucionária contrasta brutalmente com sua radical ignorância do pensamento conservador, ignorância que lhes permite inventar uma direita por mera inversão mecânica de seus próprios estereótipos e investir suas melhores energias no combate a essa miragem.

Em última análise, eles nada têm feito nos últimos trinta anos senão arrombar portas abertas, sob os aplausos e a proteção paternal da classe que alardeiam combater. Críticas e acusações, quando lhes vêm, vêm da própria esquerda, com o cuidado meticuloso de ater-se a pontos específicos que não maculem a honorabilidade do esquerdismo enquanto tal. Combate ideológico, não sofrem nenhum. Devem seu sucesso à ausência de inimigos, exceto os nascidos das suas próprias fileiras. A lenda do assédio direitista serve-lhes como vacina contra a percepção de que todos os seus fracassos advêm de sua própria inépcia e não de alguma resistência exterior. Fugindo de uma autoconsciência deprimente por meio do ódio a um objeto imaginário, sua mentalidade é uma mistura quase inconcebível de astúcia maquiavélica e ingenuidade pueril, aterrorizada por fantasmas de sua própria fabricação. Conseguem criar planos estratégicos de requintada complexidade, ludibriando suas vítimas durante décadas, mas quando pegos com as calças na mão saem-se com evasivas de meninos de escola, tão rudimentares que dão pena. Passam da vociferação autoritária aos gemidos de autopiedade com a rapidez do fingimento histérico, que só não dá na vista deles próprios.

São falsos até à medula, mas seus críticos esquerdistas são piores ainda. O PT, quando subiu ao poder sobre os escombros das reputações destruídas pelo seu moralismo acusador, montando ao mesmo tempo uma máquina de roubar mais ambiciosa e voraz do que mil Anões do Orçamento, não fez senão seguir a fórmula clássica de Lênin: corromper o capitalismo para acusá-lo de corrupto (e ainda financiar a propaganda anti-roubo com dinheiro roubado). Isso é de um realismo inatacável e, dentro da moral comunista, perfeitamente obrigatório. O antipetismo de esquerda, ao fingir-se de indignado com a roubalheira oficial, quer nos fazer crer que pode e vai operar a transição revolucionária para o socialismo dentro da mais estrita obediência à moral e às leis do Estado burguês. O PT, quando fazia essa mesma promessa, sabia que mentia. Tanto que já ia preparando os futuros mensalões e waldomiragens. Era desonesto para com o Brasil inteiro, mas honesto para com o compromisso leninista. Já os psóis da vida são tão falsos intrinsecamente, tão desprovidos do senso da verdade, que prometem o impossível com perfeita sinceridade subjetiva. Por isso mesmo não se vexam de explicar como traição àquele compromisso o que foi na verdade a sua implementação fiel. Se há algo de que o PT está inocente, é de infidelidade à estratégia comunista.

O boneco

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial), 11 de outubro de 2006

A superioridade moral, intelectual e prática do candidato Alckmin em relação a seu concorrente é imensurável, e a única coisa que se pode alegar para depreciá-la é que não há nenhum mérito notável em ser melhor que um delinqüente malicioso e cínico.

Eu diria mesmo que o padrão Alckmin é o mínimo aceitável na classe política de qualquer país decente. Lula não é aceitável nem como suplente de vereador. Não é aceitável como contínuo de repartição pública. Não é aceitável como varredor de rua. Só é aceitável como presidiário, porque lugar de delinqüente é na cadeia. E quando o chamo de delinqüente não estou me referindo ao Mensalão, ao dinheiro na cueca, a sanguessugas e a valdomiragens diversas. Em tudo isso as provas contra ele existem, mas são indiretas e circunstanciais. Refiro-me, sim, à sua longa parceria política com duas das organizações criminosas mais perversas e violentas que já existiram no continente: as Farc, que distribuem cocaína a crianças nas nossas escolas e treinam assassinos para que matem mais e mais brasileiros, e o MIR chileno, acionista majoritário da indústria dos seqüestros no nosso país. Aí a prova é direta, documental e superabundante: centenas de páginas de atas de assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo, assinadas pelo seu fundador e presidente, Luís Inácio Lula da Silva, mais o discurso que ele fez no décimo-quinto aniversário da entidade, no qual se gaba daquilo que deveria envergonhá-lo, se ele tivesse a capacidade de envergonhar-se.

Durante doze anos esse sujeito tramou a estratégia comum do seu partido com narcotraficantes, seqüestradores e assassinos, calculando a vantagem mútua que, para a conquista do poder total na América Latina pelos herdeiros ideológicos de Lênin e Stálin, deveria resultar da colaboração entre o crime e a aparência de legalidade, esta encobrindo e protegendo aquele, recebendo em troca dinheiro e a garantia da violência armada em caso de aperto.

Se dar respaldo político ao crime não é crime, Lula é inocente, exceto do Mensalão e outros delitos menores. Se beneficiar-se politicamente da parceria com o crime não é crime, Lula é inocente, exceto daquelas falcatruas banais que a mídia educadamente lhe imputa na intenção de reduzir esse monstro de amoralidade e maquiavelismo às proporções de um João Alves de esquerda, desprezível por ser João Alves, perdoável por ser de esquerda.

No debate de domingo, ele foi chamado de mau administrador, perdulário do dinheiro público e mentiroso. Para quem fundou, inspirou e dirigiu a maior organização subversiva e criminosa que já existiu no continente latino-americano, tudo isso é elogio. Apenas deixa na platéia a impressão de que ele é tão ruim quanto seu adversário, no máximo um pouquinho pior. Mesmo que esse pouquinho lhe roube a reeleição, a perda será tão mais tênue, mais doce do que o castigo que ele merece, que ela terá sido, no fim das contas, um prêmio. E, para o PT, reconhecer que um dos seus é “um político como qualquer outro” terá sido um prodígio de humildade tão excelso, tão deslumbrante, que bastará para dar reforço dobrado à crença dogmática na santidade partidária.

Protegido de si mesmo até pelos seus adversários, assegurado, por algum pacto sinistro, de que seus crimes supremos não serão mencionados em público, isolado assepticamente da realidade macabra que veio construindo em segredo ao longo de uma década e meia, ele comparece aos debates com a segurança, a empáfia, a pose agressiva e triunfante de quem conta, na mais catastrófica das hipóteses, com uma perda honrosa.

Ele é, na verdade, o político mais vulnerável que já ousou se mostrar ao eleitorado neste país. Sua história é uma sucessão de abominações cuja narrativa bastaria para escorraçá-lo da vida pública e trancafiá-lo para sempre na galeria subterrânea das vergonhas nacionais.

Ele sabe que sua afetação de superioridade é mera pose, erguida e mantida com muita cola, muito verniz, muita fita crepe. Rasguem-lhe o invólucro de proteção, digam-lhe a verdade na cara, perante a platéia, e ele se desmanchará como um boneco de papelão na chuva.

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