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Sob as ordens do inimigo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 23 de junho de 2010

Contei aqui outro dia o caso de um de meus amigos mais inteligentes, anticomunista e católico fervoroso, líder de uma valente campanha anti-aborto no Brasil, que me recomendou um livro William F. Engdahl, o qual, dizia ele, rastreava com muita exatidão a origem do movimento abortista no projeto global de controle da natalidade concebido e financiado pelos Rockefellers e outros banqueiros internacionais.

Lendo o livro, notei que Engdahl se aproveitava de uma denúncia verídica para jogar sobre a elite americana todas as culpas dos males do mundo, ocultando a ação dos comunistas e dos muçulmanos. O que ele omitia era tão importante quanto o que mostrava, mas meu amigo, com toda a sua experiência de décadas na militância católica, não se dera conta de nada. Só começou a desconfiar de alguma coisa quando lhe mostrei os vídeos de propaganda anti-americana que Engdahl fizera para a televisão estatal russa.

Quase na mesma época, outro amigo meu, igualmente talentoso e brilhante, e tão anticomunista quanto o primeiro, apareceu defendendo com ardor a liberação das drogas, com base na concepção liberal de que o Estado não deve se meter na conduta privada dos cidadãos. Nem de longe lhe ocorria que a aplicação direta e rasa desse preceito abstrato nas condições históricas presentes da América Latina resultaria na imediata consagração das Farc como empresa capitalista normal e partido político legítimo, entregando-lhes de mão beijada tudo o que elas não haviam logrado obter pela violência.

Um terceiro amigo, americano, militante conservador, lutava pela destruição de todas as lideranças republicanas que se acomodassem, por motivos de mera tática eleitoral, a alianças mesmo temporárias com a elite esquerdista. Para ele, toda política que não seguisse literalmente os preceitos da moral bíblica era coisa do diabo. Em vão tentei mostrar-lhe que a implantação forçada do cristianismo como regra da politica exigiria uma concentração formidável do poder estatal, estrangulando a democracia a pretexto de defendê-la e, em última instância, realizando por meios extra-econômicos a profecia enunciada por Friedrich Hayek em O Caminho da Servidão. Afinal, o primeiro regime totalitário da modernidade e a organização da massa militante requerida para implantá-lo não foram invenções nem de comunistas nem de fascistas, mas de João Calvino na Suíça protestante.

Em Washington D.C., o Hudson Institute, o mais prestigioso think tank americano, realizou uma sessão em homenagem à tradição espiritual sufi, enaltecendo-a como alternativa ao radicalismo islâmico. Não apareceu ali um único expert para lembrar à platéia que a ocupação cultural e física do Ocidente pelo Islam não surgiu com os atentados terroristas nem com a imigração em massa, mas é um antigo projeto das taríqas, as organizações esotéricas sufis.

Na Colômbia, o presidente Uribe combate bravamente as guerrilhas, ao mesmo tempo que, no afã de levar às suas últimas conseqüências o princípio abstrato da igualdade democrática, não só apóia todas as iniciativas da revolução cultural esquerdista mas oferece cargos públicos e proteção militar aos amigos e cúmplices das Farc, ajudando-os a obter pela via pacífica da sedução e do engodo o que não puderam conquistar pelo terror. Política análoga segue no Brasil o candidato presidencial José Serra: reprime eficazmente a criminalidade no Estado que governa, mas se recusa a falar ou agir contra a aliança PT-Farc que a fomenta e protege.

Em todos os países da Europa Ocidental, os entusiastas da democracia moderna tentam fechar as portas à invasão islâmica ao mesmo tempo que buscam destruir os últimos valores civilizacionais cristãos que poderiam protegê-los do invasor.

Em suma, do ponto de vista de liberais e conservadores, tudo parece constituir-se de processos isolados, de fatores inconexos, de elementos separados. As guerrilhas não têm nada a ver com a mídia internacional que as apóia, a mídia é totalmente isolada dos organismos internacionais cujo discurso ela repete ipsis litteris, as ONGs ativistas alimentadas por dinheiro do narcotráfico não têm nenhum envolvimento com o narcotráfico, o narcotráfico por sua vez não tem nenhuma conexão com os serviços secretos russos e chineses que já o controlam desde a década de 60, a política e o crime são entidades estanques, a invasão islâmica não tem nada a ver com o esquema globalista euro-americano que a protege descaradamente, os banqueiros internacionais que financiam movimentos subversivos não são jamais subversivos em si mesmos. Nada tem nada a ver com nada, e a História, no fim das contas, se constitui apenas da somatória fortuita de curiosas coincidências. Qualquer tentativa de juntar os pontos parece a essas delicadas criaturas um sinal de paranóia conspirativa e, sobretudo, uma tremenda falta de educação.

Em contrapartida, qualquer militante esquerdista, ainda que sem experiência, apreende intuitivamente a unidade por trás de todos esses processos, mesmo os mais heterogêneos em aparência, pelo simples fato de que diariamente os vê convergir com a harmonia de esquadrões bem disciplinados no ataque geral ao inimigo comum, a civilização do Ocidente.

À articulação mundial da esquerda corresponde a completa desarticulação e fragmentação das direitas, não só no plano da ação estratégica, mas da simples percepção dos fatos.

Os marxistas sempre acusaram seu inimigo burguês de ter uma visão abstratista e mecanizada das coisas, incapaz de apreender a unidade do processo histórico. Se no passado essa acusação foi injusta, hoje em dia ela é a correta e fidedigna expressão dos fatos. Por preguiça mental, covardia e inépcia presunçosa, os liberais e conservadores tornaram-se aquilo que os marxistas queriam que eles fossem. Cedendo ao inimigo, permitiram que ele os moldasse conforme bem lhe convinha.

Por favor, me expliquem

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 7 de agosto de 2008

Os documentos publicados pela revista “Cambio” esclarecem detalhes da conspiração PT-Farc, mas não são de maneira alguma necessários para prová-la. Ela já estava provada, muito além do que a mente mais cética poderia desejar, nas atas do Foro de São Paulo e nas edições da revista comunista “America Libre”. Se um grupo de políticos se reúne com delinqüentes para traçar uma estratégia em comum com eles para a tomada do poder, isso já constitui, acima de qualquer dúvida razoável, delito de formação de quadrilha.

Elaborar um plano revolucionário junto com quem quer que seja é aceitá-lo, a priori, como futuro parceiro na partilha do aparelho de Estado, com toda a promessa de vantagens comuns que isso implica. Portanto, o sr. Luís Inácio Lula da Silva e outros líderes petistas, conscientes dos crimes hediondos praticados pelas Farc, pelo Mir chileno e organizações congêneres, inclusive contra cidadãos brasileiros, não só se omitiram de denunciar seus autores mesmo quando estes se encontravam no território nacional, e incorreram assim em delito de prevaricação, mas ainda os premiaram antecipadamente, convidando-os para desfrutar com eles os benefícios do poder sobre todo um continente.

Mas essa aliança nunca foi só um plano de futuro: foi uma prática presente, efetiva, ao longo de toda a existência do Foro de São Paulo. Qualquer plano estratégico traçado em comum entre organizações militantes absorve e integra em si, por definição, as várias ações, lícitas e ilícitas, desempenhadas por todas elas em seus respectivos campos de atuação. A articulação engenhosa, ora camuflada, ora ostensiva, da luta política legal com o uso da violência criminosa é uma tradição centenária do movimento comunista. No Foro ela é mais que visível, na medida em que os assassinatos, os seqüestros, o contrabando de armas e o narcotráfico prosseguiram imperturbavelmente ao longo dos dezesseis anos em que o sr. Luís Inácio Lula da Silva presidiu a entidade. Nem uma única vez, ao longo desse tempo, ele deu ali o menor sinal de descontentamento ou inconformidade com esses crimes. Bem ao contrário, aplaudiu e apoiou seus autores ao ponto de condenar como “terrorismo de Estado” as ações antiguerrilha do governo colombiano. Já em plena gestão presidencial do sr. Lula, seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, ao lado do principal intelectual petista, Emir Sader, continuava publicando uma revista de propaganda comunista em associação com as Farc, enquanto seu partido se mobilizava, sistemática e obstinadamente, para proteger e libertar cada agente dessa organização ou do Mir chileno preso no Brasil. Se isso não é formação de quadrilha, por favor me expliquem o que é.

Em 28 de outubro de 2003 já fazia dois anos que o traficante Fernandinho Beira-Mar havia confessado vender armas às Farc em troca de drogas para distribuir no mercado brasileiro. Nessa data, o dr. Emir Sader e o vice-presidente do PT, Valter Pomar, estavam no seminário internacional “Experiencias de Poder Popular en América Latina y el Caribe”, da revista “America Libre”, ao lado de Raul Reyes, aquele mesmo comandante das Farc que havia confessado à Folha de S. Paulo ser o PT o principal contato da quadrilha no Brasil. Confiram em http://www.nodo50.org/americalibre/eventos.htm. Se até agora toda a “grande mídia” continua fazendo de conta que esse encontro jamais aconteceu – embora ele não se realizasse em nenhum cafundó inacessível, e sim em São Paulo –, é justamente porque ele é a prova cabal de que, pelo menos durante o primeiro mandato do sr. Lula, o PT e as Farc continuavam unidos na busca de seus objetivos comuns. E a mentira mais cínica das últimas semanas é aquela de que quaisquer contatos do com as Farc foram motivados por interesse humanitário do partido pela sorte dos reféns mantidos em cativeiro pela quadrilha. Verifiquem as atas do Foro e as de todos os seminários de “America Libre”: nem uma única palavra se disse ali, jamais, em favor desses reféns. Tudo o que se disse foi em favor do socialismo e da tomada do poder continental.

Fraqueza suicida

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 20 de agosto de 2007

“A fraqueza atrai a agressão”, dizia Donald Rumsfeld, cujo malogro político não deve fazer esquecer que foi o arquiteto da mais espetacular vitória militar dos tempos recentes, a ocupação em quinze dias de um país inimigo poderoso e bem armado, cujo sucesso contra as tropas invasoras era anunciado como líquido e certo por toda a mídia esquerdista do mundo.

A sentença do ex-secretário da Defesa norte-americano deveria servir de alerta aos antipetistas brasileiros, dos quais muitos se empenham menos em combater o adversário do que em esquivar-se pudicamente da rotulação de conservadores e direitistas, que se fossem homens de coragem ostentariam com orgulho.

Quarenta anos de hegemonia cultural gramsciana fixaram tão bem na mente popular o dogma do monopólio esquerdista das virtudes, que preservá-lo contra a mera suspeita de que possa haver algo de bom na direita se tornou prioridade máxima para os próprios direitistas. Tão longe levam eles a obediência a esse mandamento que, mesmo quando querem denunciar os crimes mais escabrosos da esquerda, se apressam em advertir que o fazem sem o menor intuito político, o que equivale a reconhecer que só a esquerda tem o direito de fazer política.

Do mesmo modo, quando vêem os prodígios de manipulação esquerdista do noticiário, não ousam cobrar da mídia um espaço justo e digno para as vozes conservadoras, muito menos a publicação de tais ou quais notícias omitidas – o permanente genocídio anticristão no mundo ou as relações amigáveis PT-Farc, por exemplo –, preferindo antes solicitar genérica e abstratamente que ela seja “imparcial”, o que além de ser uma impossibilidade prática resulta em elevar a classe jornalística à condição de juiz em vez de mera divulgadora de dados e opiniões dos quais o único juiz abalizado é o público em geral.

Quando se sentem chocados ante a pregação comunista nas escolas, gemem implorando uma utópica educação “apolítica” em vez de exigir virilmente o confronto aberto entre as idéias da esquerda e da direita, mesmo sabendo que aí estas levariam vantagem arrasadora sobre as suas concorrentes.

Similarmente, quando querem protestar contra a ocupação comunista dos púlpitos, dizem que a Igreja deveria ficar fora da política, em vez de exigir, como deveriam, que ela cumpra a missão política que lhe cabe, que sempre lhe coube e que ao longo dos séculos ela sempre cumpriu, que é a de educar e mobilizar os fiéis para a defesa permanente e incondicional dos princípios e valores que justificam a sua própria existência como instituição, princípios e valores esses que são o que há de mais oposto e hostil a toda mentalidade revolucionária, seja ela socialista, nazista, fascista, anarquista, o diabo. Como depositária da mais imutável e supra-histórica das mensagens, a Igreja não pode jamais ser apolítica, no mínimo porque foi ela mesma que, inspirada nessa mensagem, criou as bases de todas as noções essenciais da política no Ocidente, a começar pelas de liberdade civil e direitos humanos. Principalmente não poderia sê-lo numa época em que a tendência dominante se inspira na ambição revolucionária de historicizar o Evangelho, trazendo o Juízo Final para dentro do acontecer temporal e usurpando para um partido político o papel de juiz da humanidade, que incumbe exclusivamente a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Aqueles que forçam a Igreja a escolher entre ser de esquerda e abster-se de fazer política a obrigam, na prática, a optar pela primeira alternativa, que tem ao menos o mérito de ser possível.

Todas essas precauções, toda essa pusilanimidade, todas essas concessões ao adversário não impedem, antes estimulam que este os carimbe não só como direitistas mas como extremistas de direita e golpistas e mobilize contra eles todas as armas do ridículo e da intimidação. A sucessão de humilhações que assim atraem sobre si mesmos culmina na decisão do arcebispo Odilo Scherer de proibir a missa do movimento “Cansei” na Catedral da Sé, espaço reservado, como se sabe, aos dignos e cristianíssimos membros do PCC, do MST, da CUT, etc, etc. Que essa decisão seja tomada sob a desculpa cínica de ser a Igreja uma instituição apolítica deveria advertir aos prejudicados que eles fizeram muito mal em fornecer a pessoas indignas de confiança o pretexto retórico que agora estas voltam contra eles.

Só falta agora a direita nacional, numa apoteose de bom-mocismo, continuar se dirigindo a esses manipuladores astutos como se fossem porta-vozes autorizados do próprio Jesus Cristo sobre a Terra. Recusar-se a enxergar que a Igreja Católica no Brasil é revolucionária e cismática é o cúmulo da covardia intelectual. Pela sua colaboração pertinaz e maliciosa com a revolução comunista no continente, muitos dos nossos bispos e arcebispos já estão, segundo a letra e o espírito do Código do Direito Canônico, excomungados há muito tempo. O “Decretum Contra Communismum” assinado por Pio XII e confirmado por João XXIII não deixa a menor margem de dúvida quanto a isso. Não há nada a solicitar a esses prelados traidores. O que há a fazer, o que os conservadores brasileiros fariam se tivessem um pouquinho de fibra, é juntar as provas e solicitar ao Vaticano que a excomunhão já vigente de facto seja subscrita oficialmente. Dirigir-se àqueles servos do comunismo com a filial solicitude devida a autênticos Príncipes da Igreja é uma baixeza inominável. Não contem comigo para isso.

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