Posts Tagged progressista

A farsa da revolução

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 7 de julho de 1999

Alguém ainda tem dúvida de que se prepara uma revolução neste país? Não vou perder meu tempo tentando provar o óbvio. Salto direto para o item seguinte: revolução de quem contra quem?

As duas facções do conflito brasileiro já estão, segundo os revolucionários do momento, perfeitamente definidas. De um lado, a “direita”: o governo, aliado aos poderes globalistas, empenhado em impor ao País um modelo neoliberal fundado na entrega do nosso patrimônio à rapinagem internacional. De outro, a “esquerda”, nacionalista e progressista, empenhada na defesa do que é nosso, disposta a enfrentar o mundo, se preciso for, para inverter os termos de uma injusta barganha que oprime o povo para favorecer banqueiros.

Dito isso, qualquer cidadão cujo senso moral não esteja obnubilado por interesses egoístas optará resolutamente pela última alternativa.

Mas, aí, surge um problema. E se a equação revolucionária, tão nítida e cortante na sua fórmula verbal, não corresponder realmente à divisão das forças em disputa? E se, por baixo das facções aparentes, outros agentes mais poderosos estiverem se mexendo para dar ao espetáculo um desenlace diferente do previsto por ambos os lados em disputa? O menor deslocamento entre discurso e realidade, nessas horas, tornará a revolução um desperdício macabro de sangue, tempo e dinheiro.

Convido portanto o leitor a contemplar o abismo entre as palavras e os fatos.

De um lado, o governo. É verdade que, na esfera econômica, ele favorece o capitalismo internacional. Mas isto quer dizer que seja direitista? Como pode ser direitista um governo que, mais que qualquer de seus antecessores, se empenha em transformar a educação nacional num sistema oficial de doutrinação marxista? Como pode ser direitista um governo que favorece e incentiva todas as reivindicações mais ousadas do neo-esquerdismo mundial – o aborto, o feminismo, a affirmative action ?

De outro lado, a esquerda. É verdade que ela se opõe valentemente à venda de algumas estatais – notadamente aquelas que hoje estão sob o domínio de seus militantes. Mas como podem ser nacionalistas as organizações patrocinadas pelo dr. David Rockefeller? Como podem ser nacionalistas os homens que governam o Rio de Janeiro, cuja primeira preocupação foi a de cumprir à risca o programa de desarmamento das populações diretamente concebido pela central da Nova Ordem Mundial? Como podem ser nacionalistas os homens do MST, financiados e paparicados pela Coroa Britânica? Como pode ser nacionalista o movimento da affirmative action , modelo estrangeiro financiado pela Fundação Ford, pela Comunidade Econômica Européia e pelo BankBoston, e que, para cúmulo de antinacionalismo, nega a unidade nacional para afirmar, acima dela, a unidade racial, numa política de franco-divisionismo que só pode favorecer as ambições internacionais? Como pode ser nacionalista a esquerda ecológica e indigenista, que favorece a ocupação do nosso território por ONGs inglesas?

Lamento informar, mas essa história de revolução está mal contada. Não existe nenhuma esquerda nacionalista em luta contra uma direita internacionalista. Existem, sim, internacionalistas por toda parte, uns tentando sufocar o nacionalismo brasileiro sob pretextos liberais, outros tentando corrompê-lo, reciclá-lo e induzi-lo a servir, com plena inconsciência, à Nova Ordem Mundial. Os primeiros dizem-se liberais, mas tudo fazem para sufocar sob uma burocracia de chumbo toda iniciativa econômica popular. Os segundos dizem-se nacionalistas, mas seus programas e pretextos vêm prontos da mesma central que dita os discursos dos primeiros. Liberalismo e nacionalismo são belos ideais, expressos por belas palavras. Mas são apenas isso e não têm nada a ver com o que está acontecendo aqui. O Brasil é uma ilha de ingenuidade cercada de espertalhões por todos os lados.

A nossa pretensa revolução só terá um vencedor, e não seremos nós. Sufocada ou esvaziada a revolução, o establishment fernandino continuará loteando o Estado; vencedora, receberá a conta de toda a ajuda internacional que a tornou possível, e não haverá concessão, não haverá prosternação, não haverá subserviência que chegue para aplacar a sede de reconhecimento dos nossos benfeitores globalistas, de Rockefeller ao príncipe Charles. Os poucos nacionalistas que sobrarem terão saudades de FHC.

Nossa revolução, enfim, é uma farsa – e o bufão da cena somos nós.

Morte aos reacionários

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 10 de dezembro de 1998

Durante algum tempo, acreditei que chamar os outros de “reacionários” era manifestação de um impulso catalogante primitivo, forma incipiente do pensamento categorial observada nas camadas inferiores da evolução biológica. A divisão do mundo em reacionários e progressistas assinalava, segundo essa hipótese, o dualismo invencível da percepção do mundo nos animais dotados de apenas dois neurônios, um contra e um a favor, notando-se às vezes a presença de um terceiro incumbido de paralisar, em caso de dúvida, toda atividade cerebral.

Hoje devo refutar minha própria teoria. Por elementar e grossa que seja, a ação catalogante já manifesta a capacidade de referência a um objeto externo. Ora, esta capacidade não pode estar presente em criaturas que ainda não transcenderam o narcisismo primevo das amebas e protozoários, cuja cosmovisão hermeticamente umbigocêntrica nada tem a manifestar senão expressões de seu próprio estado interno, resumindo-se portanto o seu repertório cognitivo em dois juízos, dos quais o primeiro afirma “que delícia!” e o segundo declara: “Ai, me dói!”

Na célebre classificação das três funções da linguagem por Karl Bühler, o mencionado ato de rotulação nada tem portanto a ver com a função denominativa – que descreve e cataloga objetos e estados do mundo –, mas apenas com a função expressiva, que manifesta o estado do sujeito falante e nada diz exceto sobre ele mesmo.

Força é convir, no entanto, que a terceira função enumerada por Bühler, a função apelativa, em que o emissor se utiliza da linguagem para agir sobre seus semelhantes, intimidando-os ou estimulando-os, não está de todo ausente no mencionado procedimento, e talvez até exerça, nele, o papel preponderante. Prova disto é que, quando um desses animais chama alguém de reacionário, o efeito que exerce sobre os ouvintes é infalível e automático, independentemente de o mencionado epíteto ser inadequado, quer ao seu objeto, quer à correta expressão do sentimento do emissor. Proferido por um membro da espécie “progressista” (nome científico: Homo adorabilis, normalmente traduzido por “pessoa maravilhosa”), o epíteto de reacionário às vezes nada diz sobre o objeto ou o sujeito, mas indica a alta probabilidade de que, no instante seguinte, a horda estimulada por semelhante apelo se precipitará sobre o objeto para fazê-lo em pedaços. A mensagem enfim convoca a tribo para uma operação de linchamento, e raramente o faz sem resposta. Ao longo das décadas, o grito de “Reacionário!”, proferido ante platéias sensíveis, tem exercido sobre elas um efeito magnetizante instantâneo, disparando a imediata ação corretiva que extirpará do reino dos vivos a criatura a quem ocorra a má sorte de ser assim designada.

Mas a ampla comprovação do poder mortífero desse expediente lingüístico, constituída de cem milhões de reacionários assassinados neste século, longe de sugerir aos usuários da expressão a conveniência de empregá-la com extrema moderação, ou mesmo de suprimi-la por completo do arsenal polêmico decente, só fez despertar o desejo de usá-la com mais freqüência ainda, e mesmo de estender o seu emprego, originariamente político, a todos os campos da atividade humana, acusando a presença de reacionários sob toda sorte de moitas artísticas, religiosas, científicas e filosóficas.

Na atual campanha pelo policiamento do vocabulário, que professa suprimir as palavras sujeitas a despertar ódio coletivo, a seleção dos termos proibidos deveria banir em primeiro lugar os de eficácia homicida mais comprovada, e, destes, nenhum supera a palavra “reacionário”: o total de vítimas nos grupos perseguidos por todos os outros motivos somados (raça, religião, sexo, etc.) não perfaz mais de um quinto do total de pessoas assassinadas sob a acusação de reacionarismo. No entanto, a própria campanha pela exclusão das palavras odientas se apresenta, orgulhosamente, como uma caça mundial aos reacionários. Mais uma vez, na gloriosa história da modernidade, o assassino veste a toga de juiz e aponta contra suas vítimas o dedo acusador.

Veja todos os arquivos por ano