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Primores de ternura – 1

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 14 de outubro de 2009

Leio no site da Previdência Social: “O auxílio-reclusão é um benefício devido aos dependentes do segurado recolhido à prisão, durante o período em que estiver preso sob regime fechado ou semi-aberto.” Ou seja: no Brasil você pode matar, roubar, sequestrar ou estuprar, seguro de que, se for preso, sua família não passará necessidade. O governo garante. Se, porém, como membro efetivo da maioria otária, você não faz mal a ninguém e em vez disso prefere acabar levando dois tiros na cuca, quatro no estômago ou três no peito, ou então uma facada no fígado, esticando as canelas in loco ou no hospital, aí o governo não garante mais nada: sua viúva e seus filhos podem chorar à vontade na porta do Palácio do Planalto, que o coração fraterno da República solidária não lhes concederá nem uma gota da ternura estatal que derrama generosamente sobre os bandidos.

É, as coisas são assim. Se elas o escandalizam, é porque você está muito desatualizado. Afagar delinqüentes, estimular o banditismo, é uma das mais antigas e veneráveis tradições do movimento revolucionário, que o nosso partido governante personifica orgulhosamente.

Veja o que pensavam alguns dos mentores revolucionários mais célebres:
Mikhail Bakunin, líder anarquista: “Para a nossa revolução, será preciso atiçar no povo as paixões mais vis.”

Serge Netchaiev, terrorista que Lênin adotou como um de seus gurus: “A causa pela qual lutamos é a completa, universal destruição. Temos de nos unir ao mundo selvagem, criminoso.”

Willi Münzenberg, o gênio organizador da propaganda comunista na Europa Ocidental e nos EUA: “Vamos corromper o Ocidente em tal medida, que ele acabará fedendo.”

Louis Aragon, poeta oficial do Partido Comunista Francês: “Despertaremos por toda parte os germes da confusão e do malestar. Que os traficantes de drogas se atirem sobre as nossas nações aterrorizadas!”

V. I. Lênin: “O melhor revolucionário é um jovem desprovido de toda moral.”

De tal modo a paixão pelo crime se impregnou na mente revolucionária, que acabou até produzindo fenômenos paranormais. Em 8 de março de 1855, o poeta Victor Hugo, um ídolo dos revolucionários, recebeu numa sessão espírita, para satisfação aliás de suas próprias expectativas, esta mensagem do além: “A verdadeira religião proclama o novo evangelho: é uma imensa ternura pelos ferozes, pelos infames, pelos bandidos.”

Os exemplos poderiam multiplicar-se indefinidamente. E nada disso ficou no papel, é claro. Nem se limitaram aquelas almas cândidas a cantar em prosa, verso e filme as virtudes excelsas da criminalidade (v. meu artigo “Bandidos e Letrados”, de 26 de dezembro de 1994, em www.olavodecarvalho.org/livros/bandlet.htm). Já em 1789 os revolucionários franceses abriram as portas das prisões, libertando indiscriminadamente milhares de assassinos, ladrões e estupradores que em poucos dias espalharam o caos nas ruas de Paris (mesmo na célebre Bastilha não havia um só prisioneiro político: só delinqüentes). Logo após a tomada do poder pelos comunistas na Rússia, a política oficial era fomentar o sexo livre, criando assim uma geração de jovens sem família para incentivar a criminalidade juvenil e liquidar pela confusão o que restasse da “ordem burguesa”. A idéia foi de Karl Radek (o chefe de Willi Münzenberg), que, ironia cruel, ao cair em desgraça perante Stalin acabou sendo assassinado a murros e pontapés por jovens delinqüentes numa prisão.

O voto de Louis Aragon foi cumprido à risca a partir dos anos 50, quando a URSS começou a treinar agentes para que se infiltrassem nas então incipientes redes de tráfico de drogas – especialmente na América Latina – e as dominassem por dentro, criando uma futura fonte local de subsídios para o movimento revolucionário, que estava saindo caro demais para o bolso soviético. Essa foi a origem remota das Farc, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que hoje dominam o narcotráfico no continente. A história é contada em detalhes pelo general tcheco Jan Sejna, que participou pessoalmente da operação (v. Joseph D. Douglass, Red Cocaine. The Drugging of America and the West, London, Harle, 1999).

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