Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 19 de junho de 2013
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 19 de junho de 2013
Olavo de Carvalho
Folha de S. Paulo, 13 de novembro de 2011
Nos anos 30-40, quando a USP ainda estava se constituindo administrativamente e o espírito dessa comunidade se condensava na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a luta dos estudantes contra a ditadura getulista expressa o anseio de uma ordem constitucional democrática como viria a ser proposta consensualmente em 1945 pelas duas alas da UDN, o conservadorismo cristão e a Esquerda Democrática.
O suicídio de Getúlio Vargas e o recrudescimento espetacular do getulismo na década seguinte afetam profundamente a mentalidade uspiana, que, num giro de 180 graus, adere ao discurso nacional-progressista onde a ênfase já não cai no culto das liberdades democráticas mas nos programas sociais nominalmente destinados a erradicar a pobreza, ainda que ao custo do intervencionismo estatal crescente. Surge nessa época o mito da “camada mais esclarecida da população” que, se conferia aos estudantes o estatuto de guias iluminados da massa ignara, ao menos lhes infundia algum senso de gratidão e responsabilidade.
Nos anos 60, o nacional-progressismo uspiano transmuta-se em marxismo explícito, com a adesão maciça do estudantado à revolução continental orquestrada em Cuba. As correntes liberais e democráticas desaparecem, só restando, como simulacro de pluralismo, as divisões internas do movimento comunista: estalinistas, trotsquistas, maoístas etc.
Nas duas décadas seguintes a esquerda internacional, sob a inspiração da New Left americana (herdeira da Escola de Frankfurt), vai abandonando as formulações marxistas dogmáticas para ampliar a base social do movimento, absorvendo como forças revolucionárias todas as insatisfações subjetivas de ordem racial, familiar, sexual etc., muitas das quais a alta hierarquia comunista, até então, condenava como irracionalistas e pequeno-burguesas. Ao mesmo tempo, no Brasil, a derrota das guerrilhas abre caminho à adoção da estratégia gramsciana, que integra como instrumentos de guerra cultural o sex lib, a apologia das drogas e a legitimação da criminalidade como expressão do “grito dos oprimidos”.
O fracasso do modelo soviético acentua ainda a flexibilização do movimento revolucionário, com o abandono da hierarquia vertical e a adoção do modelo organizacional em “redes”. Bilionários globalistas passam a patrocinar movimentos esquerdistas por toda parte, de modo que rapidamente o discurso agora chamado “politicamente correto” se erige em opinião dominante, inibindo e marginalizando toda oposição conservadora ou religiosa, que se refugia em grupos minoritários cada vez mais desnorteados ou entre as camadas sociais mais pobres, desprovidas de canais de expressão.
Os efeitos desse processo na alma uspiana foram profundos e avassaladores: consagrados como representantes máximos do novo ethosglobal, os estudantes já não têm satisfações a prestar senão a seus próprios impulsos e desejos. O jovem radical ególatra, presunçoso e insolente, a quem todos os crimes são permitidos sob pretextos cada vez mais charmosos, tornou-se o modelo e juiz da conduta humana, a autoridade moral suprema a quem o próprio consenso da mídia e do establishment não ousa contrariar de frente, sob pena de autocondenar-se como reacionário, fascista, assassino de gays, negros e mulheres, etc. etc. etc.
Há quem reclame dos “excessos” cometidos por aqueles jovens, mas a expressão mesma denota a queixa puramente quantitativa, a timidez mortal de contestar na base uma ideologia de fundo que é, em essência, a mesma de deputados e senadores, professores e reitores, ministros de Estado e empresários de mídia – a ideologia de todo o establishment, de todas as pessoas chiques. A ideologia, em suma, da própria Folha de S. Paulo.
Olavo de Carvalho
Jornal do Brasil, 24 de agosto de 2006
Nativo de um país onde o cumprimento de praxe oferecido às damas são dois beijinhos no rosto — três para as solteiras –, não posso deixar de sentir desprezo pelo moralismo encenado, hipócrita em último grau, das queixas alegadas para derrubar o ministro israelense Haim Ramon e desestabilizar o governo de uma nação em perigo.
Mas vejo claramente que por trás da loucura há um método — e a astúcia que o inspira não é nada desprezível.
Aceitar novos padrões de conduta é absorver os valores que eles transmitem. O código politicamente correto esmaga as normas baseadas na tradição religiosa e no hábito consagrado, colocando em seu lugar, com a brutalidade dos decretos inexoráveis, um sistema de cobranças artificiosas inspiradas em valores paradoxais como a empáfia feminista, o exibicionismogay, o ódio racial e político, a rejeição pueril das responsabilidades da gravidez — tudo isso impingido como alta e irrecorrível obrigação moral. A acrobacia mental requerida para o cidadão adaptar-se a essa mutação súbita traz um dano profundo e dificilmente curável. Os engenheiros comportamentais que conduzem o processo da transformação social forçada sabem muito bem o que estão fazendo: estão cortando redes inteiras de reflexos condicionados, dinamitando os alicerces das personalidades, reduzindo almas adultas, por meio da dissonância cognitiva, à condição de bebês indefesos carentes de apoio grupal (leiam Pascal Bernardin, “Machiavel Pédagogue”). O conteúdo explícito das novas regras pouco interessa. Os debates a respeito são puro diversionismo. O importante é o desconforto cerebral, calculado para induzir passividade, dependência, aceitação rápida e indiscutida do inaceitável. Assim uma geração orgulhosa de sua rebeldia juvenil contra mandamentos religiosos milenares acaba se curvando servilmente a exigências fúteis mil vezes mais repressivas.
Voltada contra pessoas e famílias, a artimanha já é de uma crueldade psíquica absolutamente criminosa. A novidade da década é o seu uso como instrumento da guerra assimétrica. Já não se trata de subjugar indivíduos, mas de colocar nações inteiras de joelhos ante os caprichos da Rainha de Copas. O império do politicamente correto começa vetando palavras, policiando olhares, maliciando automatismos impensados. As vítimas riem, submetem-se por preguiça, sem perceber que o acúmulo de proibições absurdas vai fabricando aos poucos uma arma mortífera contra a ordem social, as liberdades públicas e, por fim, a segurança do Estado.
Quando a estabilidade política de um país em guerra tem de ser sacrificada à presunção vaidosa de uma soldadinha que se acha pura e excelsa demais para receber o distraído “selinho” dado por um ministro, o alcance monstruoso da operação se revela de repente, todo de uma vez: de nada adianta Israel (ou a América) ter um exército valoroso lutando no exterior, se no interior seu povo é vulnerável à chantagem maliciosa de inimigos camuflados em vestais ofendidas. Na guerra assimétrica, são as vestais, não as bombas e canhões, que determinam a vitória.