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Fugindo da humilhação

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 4 de fevereiro de 2013

          

Platão, no Eutífron, já advertia contra aqueles que estão do lado do bem só por tradição e hábito, sem revigorar suas crenças pela busca ativa da verdade, e se tornam assim colaboradores inconscientes do mal. Passado dois milênios e meio, parece que ninguém aprendeu a lição, ao menos nos EUA. O que mais facilmente pode destruir um país é a confiança cega que os cidadãos depositam no funcionamento automático do sistema, sem fazer nada para garantir que ele sobreviva aos desafios novos e imprevistos.
Conversando com uma amiga – que deixou de ser minha amiga por isso –, informei a ela que a vida de Barack Hussein Obama permanecia um mistério, já que ninguém nos altos círculos desejava investigá-la e muitos tinham mesmo interesse em mantê-la secreta. A mulher reagiu como se eu fosse um egresso do Pinel. “Impossível!”, gritava ela no telefone. “Imagine se vão aceitar um candidato presidencial sem investigá-lo! Você pensa que está no Zimbábue? Aqui é a América, a democracia, o reino da transparência!”
Bem, o problema é exatamente esse. Uma janela é transparente porque você enxerga através dela, não porque apenas imagina que os outros enxergam.
Se cada cidadão transfere aos de cima o dever de tentar enxergar, logo a coisa vira uma nação de cegos governados por meia dúzia de videntes espertos.
O velho adágio esotérico de que “o segredo se protege a si mesmo” não é bem exato: o que o segredo faz é alimentar na massa de cretinos o anseio compulsivo de exorcizar antecipadamente o fantasma de uma desilusão que se anuncia tão inevitável quanto insuportável.
Uma pesquisa já antiga da IBM mostra que é possível levar qualquer pessoa a um estado de quase paranóia mediante o simples controle do fluxo de informações que ela recebe: basta mantê-la em constante alerta contra o perigo de uma humilhação iminente.
Estudos como esse já saíram do campo da pura investigação científica e se integraram, faz tempo, no arsenal das técnicas de manipulação comportamental. As gozações cruéis que o governo e a grande mídia fazem contra os birthers não visam a atingir a eles propriamente, mas a ricochetear sobre a massa dos crentes obamistas, submetendo-os à angústia intolerável de ter de escolher entre o risco de ser alvos de humilhação semelhante
ou o de submeter-se mais tarde à humilhação pior ainda de descobrir que caíram no maior blefe político de todos os tempos.
É assim que as próprias vítimas do engodo se tornam a guarda pretoriana do trapaceiro, repelindo com fúria a mera suspeita de que ele as possa ter enganado. Apelos desesperados à fé irracional, como o da minha ex-amiga, já denotam aquela reação de autodefesa exagerada que marca o primeiro estágio das neuroses, a falsificação histérica do quadro percebido.
O psiquiatra polonês Andrew Lobachewski ensina que, quando um grupo de psicopatas cínicos e descarados assume o poder na sociedade, a histeria, em proporções epidêmicas, se espalha pela população.
O fato é que, em décadas de jornalismo, nunca vi nada mais abundantemente provado do que a falsidade dos documentos de Barack Hussein Obama. Quem quer que a negue é porque não examinou as provas, não quer examiná-las ou, tendo-as examinado, não quer que ninguém mais as examine: morre de medo disso.
Digo-o com a experiência de quem viu a midia nacional inteira fingir, por dezesseis anos, que o Foro de São Paulo não existia. Onde estão hoje aqueles galináceos de borla e capelo que, do alto de seus poleiros, cacarejavam acusando-me de açoitar cavalo morto ou de ser um “teórico da conspiração”? Em que buraco se esconderam depois que o próprio Lula passou a alardear em público o poder e a glória daquela instituição comunista?
Estão todos se fingindo de mortos, esperando que o tempo apague o vexame mais deprimente da história do jornalismo nacional.
Se nenhum perdeu o emprego, é pelo mesmo motivo que os mensaleiros continuam longe da cadeia: o Brasil tornou-se um imenso hímen complacente, sobrevive a estupros repetidos e sai sorrindo como se nada tivesse acontecido.
Nessas condições, já vim para os EUA, em 2005, preparado e vacinado para não me espantar de que a mídia americana copiasse na primeira oportunidade o exemplo da nacional, num esforço conjugado de tapar o sol com uma peneira estropiada.
O eleitor americano é que ainda não se adaptou à brasilianização do seu país. Ainda entra em crise toda vez que se vê obrigado a escolher entre acreditar na mídia ou no que vê com os olhos da cara.
Muitos ainda se apegam à esperança louca de que tudo seja um equívoco.
Obama viajou para o Paquistão numa época em que a entrada de americanos naquele país era proibida, usando um passaporte estrangeiro e provando que tem dupla nacionalidade? Deve haver uma explicação.
Obama usa 27 números diferentes de Social Security, registrados em nome de pessoas mortas, de parentes longínquos da sua esposa e até da mãe de um alto funcionário do próprio Social Security? Deve haver uma explicação.
Obama assinou com data de 1980 um certificado de alistamento militar emitido em 2008? Deve haver uma explicação. A borrachinha do carimbo foi visivelmente  cortada e invertida para transformar 08 em 80? Deve haver uma explicação.
A certidão de nascimento de Obama publicada pela Casa Branca mostra letras com espaços diferenciados, como só veio a se tornar possível com máquinas de escrever elétricas que não existiam quando o documento foi emitido?
Deve haver uma explicação. Esses fatos não aparecem na grande mídia, mas todo mundo os conhece e ninguém os contesta. Só o que fazem é odiá-los e  bater em quem insista em mencioná-los.

Virtudes nacionais

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 3 de abril de 2012

Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. Trezentos jovens insultando duas dúzias de octogenários – eis a imagem daquilo que, no Brasil de hoje, se considera um exemplo de coragem cívica. É possível descer ainda mais baixo? É. Nenhum dos agressores se lembrou sequer de perguntar se algum daqueles velhos, a quem cobriam de cusparadas, xingamentos e ameaças, esteve pessoalmente envolvido nos episódios de tortura que lhes eram ali imputados, ou se o único crime deles não consistia em puro delito de opinião. Que eu saiba, nenhuma acusação de tortura pesa ou pesou jamais contra aqueles oficiais atacados na porta do Clube Militar. O único acusado, o Cel. Brilhante Ustra, não estava presente e foi queimado em efígie. Os outros pagaram pelo crime de achar que Ustra é inocente, que o governo militar foi melhor do que a alternativa cubana ou que as violências praticadas por aquele regime pesam menos do que as suas realizações. Por isso, e só por isso, foram chamados de assassinos e torturadores. Não apenas a “coragem” é o nome que hoje se dá à covardia mais sórdida, mas o “senso de justiça” consiste em acusar a esmo, sem ter em conta a diferença que vai entre aplaudir um regime extinto e ter praticado crimes em nome dele.

Se o simples fato de avaliar positivamente um governo suspeito de tortura faz do cidadão um torturador, então os arruaceiros reunidos na porta do Clube Militar, bem como o seu instigador, o cineasta Sílvio Tendler, são todos torturadores, e o são em muito maior escala do que qualquer militar brasileiro, pelo apoio risonho e cúmplice que, uns mais, outros menos, por ações e omissões, têm dado a regimes incomparavelmente mais cruéis do que jamais o foi a nossa ditadura.

Essa observação aplica-se especialmente, e da maneira mais literal possível, aos militantes do PC do B, a organização mais representada naquele espetáculo. É o partido maoísta, nascido e crescido no culto a um monstro genocida, estuprador e pedófilo, campeão absoluto de assassinatos em massa, que se zangou com a URSS por achar que o governo de Moscou não era violento e cruel à altura do que o exigiam os padrões da revolução mundial. Por todas as normas do direito internacional, a lealdade retroativa a um regime reconhecidamente genocida é crime contra a humanidade. A carga dessa culpa imensurável é a única autoridade moral com que a massa de jovens revoltadinhos se apresenta ante os oficiais das nossas Forças Armadas, acusando-os de crimes que talvez alguns de seus colegas de farda tenham cometido, mas que eles próprios jamais cometeram.

O sr. Silvio Tendler diz que sua mãe foi torturada. É possível. Mas isso dá a ele o direito de instigar uma multidão de cabeças ocas para que acusem de tortura qualquer saudosista do regime militar que encontrem pela frente? Não entende, esse pretenso intelectual, a diferença entre crime de tortura e delito de opinião?

Opinião por opinião, pergunto eu: os méritos e deméritos do regime militar brasileiro já foram examinados com isenção e honestidade, em comparação com a alternativa comunista que suas pretensas vítimas lutavam para implantar no Brasil?

Os brasileiros que, exilados ou por vontade própria, se colocaram a serviço dos regimes de Havana e de Pequim não se acumpliciaram com uma violência ditatorial incomparavelmente mais assassina do que aquela contra a qual agora esbravejam histericamente? Ou será que os cadáveres de cem mil cubanos, dez mil angolanos e setenta milhões de chineses, assassinados com o apoio dessa gente, pesam menos que os de algumas dezenas de terroristas brasileiros? Havana, é verdade, fica longe, Luanda fica ainda mais longe, a China então nem se fala, e o Doi-Codi fica logo ali. Mas desde quando a gravidade dos crimes é medida pela razão inversa da distância em que foram cometidos? Também é fato que os mortos de Cuba, de Angola e da China nunca foram manchete no Brasil, mas devemos acreditar, a sério, que a extensão do mal é determinada objetivamente pelo escarcéu jornalístico concedido a umas vítimas e negado a outras por simpatizantes ideológicos das primeiras?

Essas perguntas, bem sei, não se fazem. Não são de bom tom. Mas, na dissolução geral da própria idéia das virtudes, que senso do bom-tom poderia sobreviver num país cujo presidente se gaba, veraz ou falsamente, de haver tentado estuprar um companheiro de cela, e ainda diz ter saudades do tempo em que os meninos da sua região natal faziam sexo com cabritas e jumentas, se é que faziam mesmo e não foi ele próprio quem os inventou à imagem e semelhança da sua imaginação perversa? E será preciso lembrar que essa mesma criatura, indiciada em inquérito pelo maior esquema de corrupção de que já se teve notícia nesse país, reagiu com um sorriso cínico, alegando-se protegida não pela sua inocência, que nunca existiu, mas pela lentidão da Justiça?

Será exagero, será insulto criminoso chamar de cafajeste o homem capaz de fazer essas declarações em público? E será insana conjetura suspeitar que esses e outros tantos exemplos da cafajestada oficial, copiados por milhares de incelenças, louvados em prosa e verso por uma legião de sicofantas, repassados com orgulho do alto das cátedras, transfigurados por fim em “valores culturais” e aceitos com sorrisos de complacência entre paternal e servil pelas nossas “classes dominantes”, criaram o modelo de coragem e justiça que hoje inspira os bravos agressores de anciãos?

O deus dos palpiteiros

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 18 de março de 2009

Se há um Deus onipotente, onisciente e onipresente, é óbvio que não podemos conhecê-Lo como objeto, ou mesmo como sujeito externo, mas apenas como fundamento ativo da nossa própria autoconsciência, maximamente presente como tal no instante mesmo em que esta, tomando posse de si, se pergunta por Ele. Tal é o método de quem entende do assunto, como Platão, Aristóteles, Sto. Agostinho, S. Francisco de Sales, os místicos da Filocalia, Frei Lourenço da Encarnação ou Louis Lavelle.

Quando um Richard Dawkins ou um Daniel Dennett examinam a questão de um “Ser Supremo” que teria “criado o mundo” e chegam naturalmente à conclusão de que esse Ser não existe, eles raciocinam como se estivessem presentes à criação enquanto observadores externos e, pior ainda, observadores externos de cuja constituição íntima o Deus onipresente tivesse tido a amabilidade de ausentar-se por instantes para que pudessem observá-Lo de fora e testemunhar Sua existência ou inexistência. Esse Deus objetivado não existe nem pode existir, pois é logicamente autocontraditório. Dawkins, Dennett e tutti quanti têm toda a razão em declará-lo inexistente, pois foram eles próprios que o inventaram. E ainda, por uma espécie de astúcia inconsciente, tiveram o cuidado de concebê-lo de tal modo que as provas empíricas da sua inexistência são, a rigor, infinitas, podendo encontrar-se não somente neste universo mas em todos os universos possíveis, de vez que a impossibilidade do autocontraditório é universal em medida máxima e em sentido eminente, não dependendo da constituição física deste ou de qualquer outro universo.

Se você não “acredita” no Deus da Bíblia, isso não faz a mínima diferença lógica ou metodológica na sua tentativa de investigar a existência ou inexistência d’Ele, quando essa tentativa é honesta. Qualquer que seja o caso, você só pode discutir a existência de um objeto previamente definido se o discute conforme a definição dada de início e não mudando a definição no decorrer da conversa, o que equivale a trocar de objeto e discutir outra coisa. Se Deus é definido como onipotente, onisciente e onipresente, é desse Deus que você tem de demonstrar a inexistência, e não de um outro deus qualquer que você mesmo inventou conforme as conveniências do que pretende provar.

O método dos Dawkins e Dennetts baseia-se num erro lógico tão primário, tão grotesco, que basta não só para desqualificá-los intelectualmente nesse domínio em particular, mas para lançar uma sombra de suspeita sobre o conjunto do que escreveram sobre outros assuntos quaisquer, embora seja possível que pessoas incompetentes numa questão que julgam fundamental para toda a humanidade revelem alguma capacidade no trato de problemas secundários, onde sua sobrecarga emocional é menor.

Longe de poder ser investigado como objeto do mundo exterior, Deus também é definido na Bíblia como uma pessoa, e como uma pessoa sui generis que mantém um diálogo íntimo e secreto com cada ser humano e lhe indica um caminho interior para conhecê-La. Só se você procurar indícios dessa pessoa no íntimo da sua alma e não os encontrar de maneira alguma, mesmo seguindo precisamente as indicações dadas na definição, será lícito você declarar que Deus não existe. Caso contrário você estará proclamando a inexistência de um outro deus, no que a Bíblia concordará com você integralmente, com a única diferença de que você imagina, ou finge imaginar, que esse deus é o da Bíblia.

Quando o inimigo da fé faz um esforço para ater-se à definição bíblica, ele o faz sempre de maneira parcial e caricata, com resultados ainda piores do que no argumento da “criação”. Dawkins argumenta contra a onisciência, perguntando como Deus poderia estar consciente de todos os pensamentos de todos os seres humanos o tempo todo. A pergunta é aí formulada de maneira absurda, tomando as autoconsciências como objetos que existissem de per si e questionando a possibilidade de conhecer todos ao mesmo tempo ex post facto. Mas a autoconsciência não é um objeto. É um poder vacilante, que se constitui e se conquista a si mesmo na medida em que se pergunta pelo seu próprio fundamento e, não o encontrando dentro de seus próprios limites, é levado a abrir-se para mais e mais consciência, até desembocar numa fonte que transcende o universo da sua experiência e notar que dessa fonte, inatingível em si mesma, provém, de maneira repetidamente comprovável, a sua força de intensificar-se a si próprio. Dez linhas de Louis Lavelle sobre este assunto, ou o parágrafo em que Aristóteles define Deus como noesis noeseos, a autoconsciência da autoconsciência, valem mais do que todas as obras que Dawkins e Dennett poderiam escrever ao longo de infinitas existências terrestres. Um Deus que desde fora “observasse” todas as consciências é um personagem de história da carochinha, especialmente inventado para provar sua própria inexistência. Em vez de perguntar como esse deus seria possível, sabendo de antemão que é impossível, o filósofo habilitado parte da pergunta contrária: como é possível a autoconsciência? Deus não conhece a autoconsciência como observador externo, mas como fundamento transcendente da sua possibilidade de existência. Mas você só percebe isso se, em vez de brincar de lógica com conceitos inventados, investiga a coisa seriamente desde a sua própria experiência interior, com a maturidade de um filósofo bem formado e um extenso conhecimento do status quaestionis.

O que mata a filosofia no mundo de hoje é o amadorismo, a intromissão de palpiteiros que, ignorando a formulação mesma das questões que discutem, se deleitam num achismo inconseqüente e pueril, ainda mais ridículo quando se adorna de um verniz de “ciência”.

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