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Frivolidade criminosa

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 25 de agosto de 2011

Em entrevista publicada pela BBC Brasil no último dia 19, o historiador americano John French, da Duke University, afirmou que, vinte anos após a queda da URSS, a esquerda no Brasil – e na América Latina em geral – está mais forte do que nunca, graças à criação do Foro de São Paulo em 1990.

“Quando eles começaram, disse French, os partidos que se reuniam nesses encontros a cada dois anos estavam todos em crise e se perguntando qual seria o futuro da esquerda”.

“Duas décadas depois – prossegue a BBC –, muitos desses mesmos partidos estão no poder em seus países, observa French, ao citar os exemplos da Frente Ampla (do Uruguai), da FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional, de El Salvador) e da FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional, da Nicarágua), todos integrantes do Foro de São Paulo.”

French conclui: “O fato de que eles conseguiram chegar ao poder na última década é realmente impressionante.”

Impressionante, digo eu, é a resistência obstinada que a elite brasileira em geral opôs, durante duas décadas, a reconhecer que isso estivesse acontecendo. Mais impressionante ainda é que, depois de tudo, continue louvando e badalando os palpiteiros cegos que então a induziram em erro, e afetando desprezo olímpico a quem lhe informou e explicou tudo com antecedência mais que suficiente.

O Sr. Merval Pereira, cujo único feito jornalístico admirável foi repetir, diluídos, os meus artigos de dez anos antes, ganhou uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.

O Sr. Pedro Bial, que ao me entrevistar em 1996 só faltou rir ante a minha assertiva de que a esquerda estava crescendo (v. http://www.youtube.com/watch?v=ehjFqQatiCo), até hoje não reconheceu que desconfiou da pessoa errada.

Os liberais quase todos, que só queriam falar de economia e não ligavam a mínima para o Foro de São Paulo, continuam arrotando doutrina como se ter sido atirados à lata de lixo da História pelo curso dos acontecimentos fosse um título de glória, uma prova de superioridade, não um atestado de incompetência colossal. Um deles, cujo nome não citarei por ser um ex-aluno meu pelo qual guardo um resto de condescendência paterna, insiste na conversa anestésica da massacrada e desmoralizada geração liberal anterior, assegurando, contra todas as estatísticas, que a participação das Farc no comércio de entorpecentes é mínima, que portanto a liberação das drogas – a menina-dos-olhos da ideologia libertarian – não trará vantagem nenhuma à esquerda latino-americana.

Os militares, já habituados a apanhar sem dar um pio, celebram a substituição de Nelson Jobim por Celso Amorim no Ministério da Defesa, como se essa mudança não trouxesse consigo, em troca da simples remoção de um ministro mal-educado, a promessa da total submissão das nossas Forças Armadas aos objetivos estratégicos do Foro de São Paulo.

E não faltam aqueles que, reconhecendo por fim aquilo que negavam, buscam consolar-se alegando que afinal o governo da esquerda onipotente não é tão mau assim, que a ordem democrática foi preservada e que o PNB – a medida máxima da realidade, na sua visão – está crescendo. Sabem perfeitamente que 50 mil brasileiros são assassinados por ano, que o sistema educacional foi totalmente destruído, que muito mais do que o país crescem a dívida federal e o consumo de drogas. Mesmo quando dispõem dessas informações, nada dizem a respeito, porque são coisas que não saem nas manchetes – e admitir qualquer informação que não seja avalizada pela mídia é expor-se ao risinho dos maliciosos, que os brasileiros de hoje, sem fibra nem caráter, temem como se fosse arma de destruição em massa. Pior ainda é acreditar piamente, como tantos, que todos esses fatos são detalhes laterais, sem significação política, quando na verdade constituem os pilares mesmos em que se assenta o poder da esquerda triunfante.

Já não me pergunto mais: Quando essa gente vai aprender? Já sei a resposta: é “Nunca”.

A frivolidade criminosa das nossas classes falantes – especialmente da nossa “direita” – é um fenômeno tão abjeto, tão deprimente, que só um masoquista da erudição se atreveria a descrevê-lo em detalhe. Da minha parte, sigo o conselho que Virgilio deu a Dante no primeiro círculo do inferno: Non raggionam di lor, ma guarda e passa –“Não vamos comentá-los: dê apenas uma espiada e vamos em frente.”

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