Posts Tagged PCC

Boicotando um herói nacional

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 14 de fevereiro de 2008

Nesta época de frouxos, omissos e subornados, o juiz federal Odilon Rodrigues de Oliveira é um brasileiro diferente. Eu gostaria de dizer que ele é simplesmente um brasileiro, mas não posso. Ele é honesto, corajoso e inflexível na busca da verdade — três qualidades que em geral não se encontram nem na Presidência da República, nem no Parlamento, nem no Supremo Tribunal Federal, nem no comando das Forças Armadas, nem no alto clero, nem na grande mídia, nem nas cátedras universitárias, nem nas classes letradas em geral. No povo, não digo que tenham desaparecido de todo, mas é difícil encontrá-las juntas. Os honestos são frouxos, os corajosos berram a primeira tolice que lhes passa pela cabeça, os que buscam a verdade guardam-na para si, tremendo de medo, ostentando em lugar dela um sorriso de complacência com a mentira triunfante, e não raro chamam a isso caridade cristã.

Desde que descobriu provas da estreita colaboração entre a narcoguerrilha colombiana, o PCC e o Comando Vermelho, o juiz Odilon está jurado de morte. Não pode sair às ruas nem voltar para casa. Há muitos meses ele passa os dias e as noites trancado no seu gabinete na 3ª Vara Federal de Campo Grande (MS), alimentando-se de sanduíches, dormindo numa cama de campanha. Enquanto muitas excelências federais desfrutam nos melhores hotéis e restaurantes as delícias dos cartões corporativos entre um e outro aceno de cumplicidade fraternal às Farc nas reuniões do Foro de São Paulo, ele zela pela segurança do Brasil. Ele não sairá do seu abrigo enquanto ela não for restaurada. Segundo deduzo de uma notícia recente, isso vai demorar.

A notícia é a seguinte. Sabendo perfeitamente que o juiz está para ouvir cinqüenta testemunhas de um processo no qual o traficante Fernandinho Beira-Mar e 23 dos seus comparsas são acusados de lavar R$ 12 milhões obtidos no tráfico internacional de drogas, o Supremo Tribunal Federal decidiu garantir aos réus presos o direito de estar presentes a todos os atos dos processos judiciais aos quais respondem. O problema é que essa decisão torna praticamente impossível levar o processo adiante. O próprio juiz já havia advertido em março de 2007: “Não tenho dúvidas de que a presença de Beira-Mar na fronteira representa alto risco em relação à sua própria pessoa. Pode até haver tentativa de resgate, o que acho difícil de ser concretizado, mas o risco de vida é incomparavelmente maior.”

O risco não é só para o acusado. É para o próprio juiz. Ao interrogar as testemunhas na presença de todos os réus, ele estará diretamente ao alcance daqueles que juraram matá-lo. A decisão do STF equivale, na prática, a uma sentença de morte lavrada contra Odilon Rodrigues de Oliveira pelo crime de haver revelado os delitos daqueles a quem os líderes do nosso partido governante preferem continuar tratando, em privado, como companheiros diletos, e em público como honrados “combatentes pela liberdade”.

A maioria das testemunhas reside no município de Coronel Sapucaia (MS), cidadezinha que só uma avenida separa de Capitán Bado, no Paraguai, e na qual o réu principal tem aliados e inimigos. Entre estes últimos, destaca-se o traficante Carlos Cabral, cujo filho de três anos foi assassinado pelos homens de Beira-Mar. Cabral jurou vingança. A presença dos réus na cidade é a oportunidade que ele espera. Mesmo tendo transferido as audiências para a cidade vizinha de Amambaí, o juiz está sob o risco de ter de interrogar as testemunhas sob uma chuva de balas. Para evitar isso, ele pediu ao Comando Militar do Oeste (CMO) autorização para fazer as audiências no Regimento Militar de Amambaí. Como o Exército respondesse que isso dependia de autorização da presidência da República, o juiz encaminhou o pedido ao ministro da Defesa, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim. Adivinhem o resultado.
Jobim alegou que o Exército não pode nem ceder salas para a audiência nem manter os presos sob custódia no quartel, porque existem — notem o estilo — “óbices constitucionais, legais e institucionais, acometendo a instituição de providências ou responsabilidades para as quais não está devidamente preparada e legalmente amparada”.

O juiz não sabe mais a quem apelar: “Criou-se um impasse e o processo está parado.”

A notícia saiu no último dia 10 (v. Presença de Beira-Mar cria impasse em processo), com um centésimo do destaque que merecia. E foi publicada a seco, sem a mínima referência às suas implicações políticas e morais mais diretas, que são óbvias para quem estuda o assunto mas não necessariamente perceptíveis ao público em geral. Para percebê-las, é preciso raciocinar um pouco:

1º. O sr. presidente da República é um parceiro tradicional dos narcoguerrilheiros colombianos no quadro do Foro de São Paulo e já mostrou sua total falta de disposição não só de fazer algo contra eles mas até de chamá-los pela denominação apropriada de terroristas.

2º. Como assinalei recentemente (v. Infração de trânsito), o partido governante faz tudo o que pode para dar apoio aos agentes das Farc presos no Brasil, ao mesmo tempo que, por um lado, os qualifica de bandidos comuns para fingir que não têm vinculação com o movimento esquerdista e, por outro, os aceita como membros regulares do Foro de São Paulo, provando que essa vinculação existe.

3º. Se, nesse quadro, duas decisões sucessivas das autoridades federais – o STF e o ministro da Defesa – boicotam os esforços de um herói nacional que revelou verdades indesejáveis sobre os amigos do partido governante e paralisam um processo que arrisca trazer à tona uma nova dose dessas verdades, a chance de que se trate de mais uma dupla e feliz coincidência somando-se a tantas outras coincidências anteriores é, com toda a evidência, das mais modestas. Mas, se for provado que não se trata de coincidências, então será preciso concluir que todo o establishment federal se tornou um aparato auxiliar do Foro de São Paulo e das Farc. E, neste caso, será ridículo continuar falando em ordem, lei, constituição, direitos, etc. No império do crime não há nada disso.

Entre sorrisos

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 05 de fevereiro de 2008

Alguns anos atrás, quem dissesse que o PT estava levando o Brasil para o socialismo era instantaneamente carimbado como extremista de direita ou como doente de paranóia persecutória.

Agora, o próprio sr. Tarso Genro aparece dizendo isso e os mesmos carimbadores de outrora aceitam tudo com uma complacência admiravelmente beócia, como quem dissesse: “Pensando bem, o que é que tem de mais? Talvez o socialismo não seja tão mau.”

A ameaça que ontem parecia demasiado ruim para ser verdade tornou-se uma banalidade inofensiva, anunciada entre sorrisos e recebida com solicitude paternal.

No entanto, o sr. Tarso Genro, no artigo que escreveu para a Edição Especial do Diário do Comércio do dia 28 de janeiro, foi ainda mais explícito do que o vídeo do III Congresso do PT ( http://www.youtube.com/watch?v=VNPjm0qfByc ).

Ele disse, entre outras coisas:

Primeiro: que antes mesmo da total ocupação dos poderes de Estado pelos comunistas, é possível começar a construção do socialismo. Quer dizer que já começou.

Segundo: que não é preciso destruir o Estado para depois “instaurar” o socialismo, mas é possível gerar o socialismo desde dentro do Estado existente – o que é precisamente o que está sendo feito.

Terceiro: que não há contradição entre reforma e revolução. Quer dizer que a estratégia gradual e reformista presentemente em curso de implementação não exclui o emprego possível de meios revolucionários como os usados na Venezuela, em Cuba ou no Camboja. Ao contrário, reforma e revolução devem converter-se incessantemente uma na outra, como aliás já está acontecendo. A articulação entre o PT e as Farc é a maior prova disso, assim como a colaboração frutífera entre a luta parlamentar e as invasões de fazendas.

Quando, depois disso, o sr. Genro afirma que socialismo e democracia são perfeitamente compatíveis, é claro que dá à palavra “democracia” a acepção gramsciana da livre concorrência entre os partidos de esquerda, excluídos todos os demais. E quando o próprio sr. presidente da República declara que o DEM é um partido “sem perspectiva de poder” o que ele quer dizer é que a democracia gramsciana já está em pleno vigor. Os companheiros do sr. Genro e do sr. Lula entendem perfeitamente bem o que eles estão dizendo. Seus adversários e vítimas potenciais é que têm medo de entendê-los. Preferem fingir que eles estão dizendo outra coisa. Fingem tão bem que acabam acreditando que a democracia gramsciana é democracia tout court , que o socialismo petista é apenas força de expressão.

Raros empreendimentos de manipulação psicológica ao longo da História foram tão bem sucedidos quanto a dessensibilização da “direita” brasileira para o perigo do socialismo petista. Praticamente não há, entre os partidos ditos de oposição, quem não creia que na pior das hipóteses a divergência entre capitalismo e socialismo é uma questão acadêmica que pode ser resolvida educadamente num debate pacífico entre pessoas de bem. A esquerda procura justamente manter os idiotas nessa ilusão, paramentando-se com todas as aparências de civilidade e legalismo, ao mesmo tempo que se prepara para a liquidação física dos adversários mediante o acúmulo de um poder armado considerável, no qual se inclui a colaboração estreita entre o MST, as Farc, o Comando Vermelho e o PCC. O outro lado não se prepara nem mesmo para fugir.

Sem desculpa

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 13 de setembro de 2007

Agora que o PT finalmente admitiu que o Foro de São Paulo é um “espaço de articulação estratégica” (sic) e não um inofensivo clube de debates como o chamava antes, tornou-se fácil até para as personalidades mais minúsculas e os cérebros mais atrofiados enxergar a verdade óbvia que, contra tudo e todos, e pagando caro por isso, proclamei durante anos: o partido que nos governa é parceiro e colaborador de organizações criminosas, tem com elas uma estratégia comum para a conquista do domínio total sobre o continente – uma aliança macabra que, se as leis neste país valessem de alguma coisa, seria razão mais que bastante não só para o imediato impeachment do presidente, mas para a prisão dele e de todos os seus colaboradores.

Tão gigantesco é esse concurso de crimes que, diante dele, ficar resmungando contra meros delitos de corrupção, como o fazem os ditos “oposicionistas”, é pura desconversa anestésica – inconsciente e burra, em alguns casos; consciente, oportunista e dolosa, em outros.

Tanto mais monstruosa se revela a trama quando se sabe que algumas das organizações com que o PT e outros partidos de esquerda se associaram, na busca de vantagens políticas comuns, são responsáveis pela matança anual de dezenas de milhares de brasileiros – seja através do comércio de drogas, seja através da ajuda prestada a gangues locais como o PCC e o Comando Vermelho para que espalhem o caos e o terror nas ruas das nossas principais cidades.

O presidente que trata como amigos e protegidos os assassinos de seus concidadãos é traidor do seu povo e cúmplice de homicídio em massa. Se o eleitorado soubesse disso, jamais teria votado nele nem mesmo para vereador em Garanhuns. Mas, justamente por ser o que é, o Foro de São Paulo tem colaboradores por toda parte, empenhados em fazê-lo ascender do mero poder descomunal ao poder absoluto. Muitos empresários de mídia e seus iluminados chefes de redação ajudaram alegremente a criar o monstro que agora ameaça estrangulá-los. Montaram em benefício dele a maior e mais duradoura operação-abafa já registrada na história do jornalismo mundial – um fenômeno comparável, em gravidade e abjeção, à existência mesma do Foro de São Paulo.

Há 17 anos a mídia nacional vive de um imenso blefe, jogando o peso da sua autoridade residual (não muito grande, é verdade) contra a massa dos fatos e documentos que a desmentem. Transfigurando a sátira em realidade, lança diariamente ao rosto de cada brasileiro o desafio de Groucho Marx: “Afinal, você vai acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?”. Acovardado e trouxa, o cidadão escolhe repetidamente a primeira alternativa.

Podemos perdoá-lo por isso, quando é um semiletrado com dificuldade de acesso às provas documentais – as atas do Foro, o discurso presidencial de 2 de julho de 2005 e, agora, o vídeo preparatório do 3º Congresso do PT. Mas que desculpa hão de arranjar, ante a História e ante suas próprias consciências – se alguma lhes resta – os jornalistas, políticos e empresários soi disant antipetistas? No máximo podem alegar uma razão psicologicamente plausível: o medo. Sabem que o perigo é maior do que eles próprios, maior até do que agüentam enxergar, portanto o que lhes resta é negar-lhe a existência, fazendo de suas próprias vidas uma farsa ignóbil e ajudando os comunistas a empurrar o país inteiro para o abismo do auto-engano e da loucura.

Veja todos os arquivos por ano