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Mais um crime do capitalismo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 15 de agosto de 2010

O sr. Paulo Henrique Amorim é, na mídia brasileira, o exemplo mais puro de fidelidade partidária. Por isso mesmo faz tempo que deixei de ler seus artigos: consulto os planos de marketing do PT e já sei tudo o que ele vai escrever nos doze meses seguintes.

Outro dia, porém, uma pessoa que ignora ou despreza esse meu hábito salutar enviou-me um texto publicado no site daquele jornalista (www.conversaafiada.com.br/mundo/2010/08/02/uribe-o-heroi-do-pig-fez-a-maior-vala-comum-do-mundo/print/), que acabei lendo por não ser obra dele e sim de uma de suas leitoras, que las hay, las hay.

A referida, que assinava simplesmente “Marília”, sem sabermos portanto se é uma criatura de carne e osso ou um alter ego do proprietário do site, noticiava ali que fôra descoberta, em La Macarena, departamento de Meta, Colômbia, uma enorme vala comum – “a maior fossa do hemisfério ocidental” –, com os cadáveres de dois mil camponeses assassinados covardemente pelos paramilitares de direita, com a ajuda do Exército colombiano.

O fato, comentava a remetente, vinha sendo sistematicamente ocultado pela mídia colombiana, direitista como ela só, bem como pela igualmente reacionária Fiscalia, o equivalente colombiano do nosso Ministério Público.

Ficava portanto demonstrado, segundo a matéria, que “a Colômbia é, sem dúvida, um dos lugares do planeta no qual o horror do capitalismo se plasma da forma mais evidente, em seu paroxismo mais absoluto”.

Na legenda de uma foto que para máxima credibilidade amorínica da denúncia mostrava três buracos sem nenhum cadáver dentro, concluía triunfalmente o editor do site: “Na foto, a maior – e mais funda – obra de Uribe. Só Hitler foi capaz de ir tão longe – e tão fundo.”

Seria até covardia exigir de devotas almas chavistas algum conhecimento histórico mesmo elementar, mas eu, o leitor e o mundo sabemos que os nazistas, embora tenham sepultado mortos em valas comuns, no começo, não se notabilizaram como especialistas nisso, mas em outro gênero de empreendimento macabro: a cremação em massa. Quem lançou a moda das valas comuns, muito antes deles, foram os comunistas, que depois as utilizaram também na II Guerra: até hoje não há uma vala mais famosa que a de Katyn, onde esconderam os cadáveres de vinte mil poloneses.

Também sabemos qual o procedimento-padrão da propaganda comunista para pintar o capitalismo como um regime genocida. O modelo foi fixado para toda a eternidade pelo Livro Negro do Capitalismo, de Gilles Perrault, resposta involuntariamente paródica ao Livro Negro do Comunismo de Stéphane Courtois. Convocado às pressas para abafar o escândalo dos 100 milhões de vítimas do comunismo produzindo como pudesse idêntico número de mortos do outro lado, Perrault descobriu um método infalível, constituído de dois itens. Primeiro: computou as mortes ocorridas em guerras internacionais, que Courtois excluíra propositadamente para concentrar-se na soma das vítimas civis assassinadas por seus próprios governos. Segundo: completando a fraude com o engodo, atribuiu ao capitalismo a culpa por todas as mortes ocorridas na II Guerra Mundial, na guerra civil da Rússia, na guerra do Vietnã, na guerra da Argélia e na guerra civil espanhola, rotulando como vítimas do capitalismo, indiscriminadamente, as populações dizimadas nesses conflitos pelas tropas comunistas, fascistas e nazistas. Para reforçar a soma, meteu nela até mesmo — santa misericórdia! — as vítimas do massacre de Ruanda, 500 mil mortos, todos eles sacrificados por incitação demagógica da “teologia da libertação”. Resultado: debitando-se na conta capitalista as violências cometidas pelos comunistas, o capitalismo se revelava mesmo um regime tão cruel quanto o comunismo, ou até pior, quod erat demonstrandum.

No caso colombiano, o método empregado não foi diferente. Durante três décadas a área de La Macarena esteve sob o controle das Farc. Sem apresentar sequer um arremedo de motivo, “Marília” e seu editor dão por pressuposto, portanto, que o morticínio – se algum houve, digo eu – deve ter ocorrido no período de 2005 a 2010, quando as Forças Armadas ocuparam a região. Nem percebem que, datando assim o ocorrido, se desmentem ao acusar de participação no crime os “paramilitares”, que então já estavam desativados, desarmados e muitos deles encarcerados. É verdade que, em outras áreas e épocas, esses combatentes mercenários esconderam cadáveres em fossas, mas quem os espremeu até que confessassem tudo – e quem em seguida exumou os cadáveres – foram as Forças Armadas da Colômbia, e não se vê por que fariam isso, denunciando-se a si próprias, se tivessem participado desses crimes ou de outros idênticos. Fixando o delito no período posterior a 2005, “Marília” e Amorim inocentam involuntariamente os paramilitares. Removido o episódio para época anterior, ficam inocentadas as Forças Armadas, que não estavam no local. Se queria fazer uma denúncia séria, a dupla deveria ter ao menos evitado a contradição entre o tempo e o lugar do delito.

Aliás, se tivessem mesmo a intenção de descobrir fossas clandestinas, “Marília” e Amorim deveriam ter buscado numa outra direção. As Farc mantiveram dezenas de milhares de seqüestrados em cativeiro, em condições infra-humanas, por mais de três décadas. É impossível que alguns milhares não tenham morrido nesse ínterim, de fome, de maus tratos ou a tiros, sem haver jamais notícia de que os narcoguerrilheiros tivessem a gentileza de remeter de volta aos familiares os cadáveres dos prisioneiros mortos, que assim desapareceram duplamente: sumiram da face da Terra e nunca entraram nas contagens de “desaparecidos”.

Fica portanto demonstrada, pelo método Gilles Perrault, a maldade sem fim do capitalismo e especialmente do sangrento ditador Álvaro Uribe.

Com toda a evidência, “Marília” e Amorim não leram jamais um jornal da Colômbia, pois se o fizessem saberiam que a grande mídia daquele país é anti-uribista e colecionadora voraz de denúncias contra as Forças Armadas, os paramilitares e a “direita” em geral. Saberiam também que a Fiscalia não é nenhum antro de conservadores, mas, bem ao contrário, é uma ponta-de-lança das Farc, firmemente decidida a vingar por meios jurídicos os mais heterodoxos as derrotas acachapantes que a narcoguerrilha sofreu no campo militar (veja-se, a título de exemplo, o caso do coronel Luís Alfonso Plazas, aqui descrito em 18 de junho, http://www.olavodecarvalho.org/semana/100618dc.html). Saberiam, ainda, que nem a mídia nem as autoridades ficaram inativas ante a denúncia da “vala comum”. Que inatividade pode ter havido numa investigação que mobilizou, tudo junto, a Chancelaria, o Departamento de Direitos Humanos da Vicepresidência, a Procuradoria da República, a Inspetoria Geral do Exército e o governo da província de Meta? A investigação (agradeço à minha amiga Graça Salgueiro o envio da notícia publicada em El Tiempo) concluiu que o cemitério está lá desde há mais de vinte anos, que os corpos foram ali sepultados um a um em épocas diversas e que, por fim, não se encontrou no local um só cadáver cujo sepultamento não estivesse oficialmente registrado na prefeitura respectiva (v. http://www.eltiempo.com/colombia/politica/presunta-existencia-de-fosa-comun-en-el-meta_7820294-1).

Mas não é só da mídia colombiana em geral que a dupla denunciante mantém austera distância. Nenhum dos dois parece ter lido sequer a notícia original da denúncia que veiculam. Se a conhecessem, saberiam que o sinal de alarma não foi dado por “uma comissão britânica”, como dizem, mas sim pela senadora Piedad Córdoba e pelo deputado comunista Ivan Cepeda, dois parceiros tradicionais das Farc, quadrilha da qual a ONG inglesa “Justice for Colombia”, que só entrou na história a título de megafone ex post facto, é também notória e incondicional aliada.

Para completar, está claro que “Marília” e seu editor não examinaram nem mesmo a foto que, na opinião de ambos, prova a crueldade nazista de Álvaro Uribe: se a tivessem ao menos olhado por instantes, teriam visto que ela não mostra nenhuma “vala comum”, mas, precisamente ao contrário, várias covas separadas.

No entanto, quaisquer que sejam as minhas reservas quanto ao site do sr. Paulo Henrique Amorim, confesso que o nome da coisa é notável: a expressão Conversa Afiada evidencia, com clareza exemplar, que o conteúdo ali publicado só se distingue do vazio por um hiato.

Protestos fingidos

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 21 de novembro de 2007

Malgrado o fato público e notório de que a grande mídia nacional em peso favoreceu o candidato Lula em 2002 e 2006, e malgrado a leniência paternal com que continua tratando o sr. presidente em circunstâncias nas quais estaria clamando pelo impeachment de seus antecessores, ela nem sempre trombeteia com a esperada eloqüência a propaganda oficial das glórias petistas. Por mais arraigado que seja o seu esquerdismo em todas as questões do debate público e mais persistente o seu silêncio em torno das ligações Farc-PT; por mais obstinada que se mostre a sua recusa em denunciar a matança contínua de cristãos no Vietnã e de budistas no Tibete; por mais que ela insista em alardear os pretensos horrores de uma prisão americana onde nunca morreu um só prisioneiro e em atirar ao lixo os apelos desesperados dos presos políticos cubanos que vêem seus companheiros morrerem de torturas à base de um por semana; por mais que ela glorifique todos os dias meia dúzia de ídolos comunistas das letras e das artes, sem mencionar jamais seus equivalentes do outro lado sem sugerir que há algo de errado no cérebro deles, — é preciso reconhecer que alguma diferença, ao menos de tom, ainda resta entre ela e publicações histericamente comunistas como Caros Amigos, Carta Capital, A Hora do Povo e www.vermelho.org. Estas imitam abertamente os discursos de Fidel Castro, enquanto aquela ainda tem algum apego ao estilo frio e comedido do jornalismo clássico, o que implica ao menos um certo fingimento de neutralidade superior e, de vez em quando, umas palavrinhas em favor das liberdades constitucionais e da economia de mercado. Isso basta para que tipos como Emir Sader, Paulo Henrique Amorim e Luís Fernando Veríssimo denunciem o seu reacionarismo, rotulando-a golpista e direitista. A ênfase horrorizada com que pronunciam esta última palavra é a prova mais evidente de que na sua concepção da democracia não cabe oposição de direita, só de esquerda, e mesmo assim não muito perto do centro, que raia perigosamente o outro lado.

O que entendem por democracia é, com toda a evidência, o “centralismo democrático” leninista, o regime interno do Partido Comunista, ao qual servem com aquela inocência perversa, com aquela devoção cega e psicótica dos fanáticos que se ignoram.

Objetivamente, não pode haver a mínima dúvida de que a mídia nacional favorece a esquerda em tudo e pauta sua conduta por um sacrossanto horror a tudo o que possa ser ou parecer conservadorismo, palavra que ela só usa aliás como sinônimo de totalitarismo nazifascista ou, na mais branda das hipóteses, de militarismo latino-americano.

Diagnosticar a orientação ideológica do jornalismo não deveria ser uma questão de opinião, mas de empregar os métodos científicos de análise ideológica, de base estatística, consagrados há tempos nos cursos de comunicações, métodos que repentinamente parecem ter desaparecido da memória dos interessados em inverter o sentido óbvio dos dados existentes.

Pelo menos aqui nos EUA o uso desses métodos é considerado uma premissa básica em toda discussão pública quanto às preferências ideológicas da mídia, e quem quer que consentisse em ignorá-los em favor do mero achismo palpiteiro seria imediatamente jogado fora do debate como um charlatão desprezível. No Brasil, ao contrário, a mera hipótese de apelar à arbitragem estatística nessa questão parece ter-se tornado um tabu, dando aos Veríssimos e Amorins a chance de poder continuar negando o óbvio, sem medo e com uma cara de pau exemplar.

É claro que há uma diferença entre a orientação ideológica de fundo e o apoio concedido, ou sonegado, a cada ato concreto de um governo com se está ideologicamente de acordo. Os atuais acusadores esquerdistas da mídia sabem que estão mentindo quando fazem dessa simples diferença uma prova do direitismo da Globo ou da Folha de S. Paulo . Até por uma simples questão de técnica jornalística as expressões de concordância profunda não podem se estender a cada detalhe da política diária, sob pena de o jornalismo perder o restinho de credibilidade que ainda conserva na base da afetação de sobriedade. O que os protestos contra o alegado direitismo da mídia revelam é que mesmo esse último resíduo simbólico se tornou intolerável, que até mesmo o fingimento de objetividade jornalística deve ser extinto, que em breve a liberdade de imprensa será um privilégio exclusivo dos órgãos de mídia abertamente comunistas e petistas. A falsa alegação de direitismo é uma autêntica imposição de esquerdismo.

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