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A maior trama criminosa de todos os tempos

Olavo de Carvalho

Digesto Econômico, setembro/outubro/nov/dez de 2007

O pioneiro inconteste na investigação do fenômeno “Foro de São Paulo” foi o advogado paulista José Carlos Graça Wagner, homem de inteligência privilegiada, que muito me honrou com a sua amizade. Ele já falava do assunto, com aguda compreensão da sua importância histórica e estratégica, por volta de 1995, quando o conheci. Em 1999, a documentação que ele vinha coletando sobre a origem e as ações da entidade lotava um cômodo inteiro da sua casa, e uma prova da criteriosidade intelectual do pesquisador foi que só a partir de então ele se sentiu em condições de começar a escrever um livro a respeito. Na ocasião, ele me chamou para ajudá-lo no empreendimento, mas eu estava de partida para a Romênia e, com muita tristeza, declinei do convite.

Maior ainda foi a tristeza que experimentei anos depois, quando, ao retomar o contato com o Dr. Wagner, soube que o projeto tinha sido interrompido por uma onda súbita e irrefreável de revezes financeiros e batalhas judiciais, que terminaram por arruinar a saúde do meu amigo e de sua esposa, ambos já idosos. Não sai da minha cabeça a suspeita de que a perigosa investigação em que ele se metera teve algo a ver com a repentina liquidação de uma carreira profissional até então marcada pelo sucesso e pela prosperidade.

Ele tinha negócios nos EUA e era também lá, nas bibliotecas e arquivos de Miami e de Washington D.C., que ele coligia a maior parte do material sobre o Foro. Nos últimos anos, a pesquisa havia tomado um rumo peculiar. O Dr. Wagner esperava encontrar provas de uma ligação íntima entre o Foro de São Paulo e uma prestigiosa entidade da esquerda chique americana, o “Diálogo Interamericano”. Não sei se essa prova específica existe ou não, nem se ela é realmente necessária para demonstrar algo que metade da América já conhece por outros e abundantes sinais, isto é, que os líderes mais barulhentos do Partido Democrata são notórios protetores de movimentos revolucionários e terroristas (de modo que o Foro, se acrescentado à lista, não modificaria em grande coisa as biografias desses personagens vampirescos).

O que sei é que o começo da ruína pessoal do meu amigo data aproximadamente de uma entrevista que ele deu ao Diário Las Américas, importante publicação de língua espanhola em Miami, na qual falava do Foro de São Paulo e de suas relações perigosas com o “Diálogo”. Mas isto já seria matéria para outra investigação, e longe de mim a intenção de explicar obscurum per obscurius. Mesmo sem poder prometer a solução para esse aspecto particularmente enigmático do problema, uma coisa posso garantir: os arquivos do Dr. Wagner, recentemente postos à disposição da equipe de pesquisadores do Mídia Sem Máscara e da Associação Comercial de São Paulo, pela generosidade de José Roberto Valente Wagner, permitem retomar a investigação com a esperança de que antes de um ano teremos pelo menos a história interna do Foro de São Paulo reconstituída praticamente mês a mês. Então será possível colocar em bases mais sólidas a questão do “Diálogo”, mas antes disso será preciso resolver outro enigma, bem mais urgente e bem mais próximo de nós.

Vou formular esse enigma mediante o contraste entre duas ordens de fatos:

Primeira: O Foro de São Paulo é a mais vasta organização política que já existiu na América Latina e, sem dúvida, uma das maiores do mundo. Dele participam todos os governantes esquerdistas do continente. Mas não é uma organização de esquerda como outra qualquer. Ele reúne mais de uma centena de partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à indústria dos seqüestros, como as FARC e o MIR chileno, todas empenhadas numa articulação estratégica comum e na busca de vantagens mútuas. Nunca se viu, no mundo, em escala tão gigantesca, uma convivência tão íntima, tão persistente, tão organizada e tão duradoura entre a política e o crime.

Segunda: Durante dezesseis anos, todos os jornais, canais de TV e estações de rádio deste País – todos, sem exceção, inclusive aqueles que mais se gabavam de primar pelo jornalismo investigativo e pelas denúncias corajosas – se recusaram obstinadamente a noticiar a existência e as atividades dessa organização, malgrado as sucessivas advertências que lhes lancei a respeito, em todos os tons possíveis e imagináveis. Do aviso solícito à provocação insultuosa, das súplicas humildes às argumentações lógicas mais persuasivas, tudo foi inútil. Quando não me respondiam com o silêncio desdenhoso, faziam-no com desconversas levianas, com objeções céticas inteiramente apriorísticas, que dispensavam qualquer exame do assunto, com observações sapientíssimas sobre o meu estado de saúde mental ou com a zombaria mais estúpida e pueril que se pode imaginar. Reagindo a essa pertinaz negação dos fatos, fiz publicar no jornal eletrônico Mídia Sem Máscara as atas quase completas das assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo. A volumosa prova documental mostrou-se incapaz de demover os negacionistas. Eles pareciam hipnotizados, estupidificados, mentalmente paralisados diante de uma hipótese mais temível do que seus cérebros poderiam suportar na ocasião.

O Foro de São Paulo reúne mais de uma centena de partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à indústria dos seqüestros, como as FARC e o MIR chileno.

A publicação das atas teve porém duas conseqüências importantes. De um lado, o site oficial do Foro, www.forosaopaulo.org, foi retirado do ar às pressas, para só voltar meses depois, em versão bastante expurgada. De outro lado, entre os jornalistas e analistas políticos, a afetação de desprezo pelo asunto cedeu lugar à negação ostensiva, pública, da existência mesma do Foro de São Paulo. Dois personagens destacaram-se especialmente nesse servicinho sujo: o inglês Kenneth Maxwell e o brasileiro Luiz Felipe de Alencastro. Para anunciar ao mundo a completa inexistência da entidade que eu denunciava, ambos – por ironia, historiadores de profissão – usaram como tribuna ou megafone o pódio do CFR, Council on Foreign Relations, o mais poderoso think tank americano, dando assim à ignorância dolosa (ou à mentira grotesca) o aval de uma autoridade considerável. Quem ainda tenha ilusões quanto à confiabilidade intelectual da profissão acadêmica, mesmo exercida nos chamados “grandes centros” (Alencastro é professor na Universidade de Paris, e Maxwell é o consultor supremo do próprio CFR em assuntos brasileiros), pode se curar dessa doença mediante a simples notificação desses fatos.

Mas aí a hipótese da mera ignorância organizada começa a ceder lugar à suspeita de uma trama consciente bem maior do que a nossa paranóia poderia imaginar. Membros importantes do CFR tiveram contatos próximos com as organizações criminosas participantes do Foro de São Paulo, cuja existência, portanto, não poderiam ignorar (leia-se a respeito o meu artigo “Por trás da subversão”, Diário do Comércio, dia 05 de junho de 2006, http://www.olavodecarvalho.org/semana/060605dc.html). Em suma, o Brasil parecia estar preso entre as malhas de uma articulação criminosa, que envolvia, ao mesmo tempo, a totalidade dos partidos de esquerda latino-americanos, o grosso da classe jornalística nacional, as principais gangues de narcotraficantes do continente e, por fim, uma parcela nada desprezível da elite política e financeira norte americana.

A gravidade desses fatos mede-se pela amplitude e persistência da sua ocultação. Crescendo em segredo, o Foro de São Paulo tornou-se o motor principal das transformações históricas no continente, ao mesmo tempo que a ignorância geral a respeito fazia com que os debates públicos – e portanto a totalidade da vida cultural – se afastasse cada vez mais da realidade e se transformasse numa engenharia da alienação, favorecendo ainda mais o crescimento de um esquema de poder que se alimentava gostosamente da sua própria invisibilidade. A queda vertiginosa do nível de consciência pública nessas condições, era não só previsível como inevitável. As opiniões circulantes tornaram-se uma dança grotesca de irrelevâncias, desconversas e erros maciços, ao mesmo tempo em que a violência e a corrupção cresciam ante os olhos atônicos do público e dos formadores de opinião, cada um apegando-se às explicações mais desencontradas, extemporâneas e impotentes. Muitas décadas hão de passar antes que a devastação psicológica resultante desse quadro possa ser revertida. O fabuloso concurso de crimes que a determinou não tem paralelo na história universal.

Um dos aspectos mais grotescos da situação é a facilidade com que os culpados se desvencilham de qualquer tentativa de denúncia, qualificando-a de “teoria da conspiração”. Mas quem falou em conspiração? O que vemos é uma gigantesca movimentação de recursos, de poderes, de organizações, de correntes históricas, que para permanecer imune à curiosidade popular não precisa se esconder em porões, mas apenas apostar na incapacidade pública de apreender a sua complexidade inabarcável e de acreditar na existência de tanta malícia organizada.

O Foro é uma entidade sui generis, sem correspondência em qualquer época ou país. Longo tempo depois de extinto, como espero venha a sê-lo um dia, ele ainda constituirá um enigma e um desafio ao tirocínio dos historiadores. Para nós, ele é mais do que isso. É o inimigo “onipresente e invisível” sonhado por Antonio Gramsci.

Rede de proteção

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 09 de agosto de 2007

A prisão do traficante Juan Carlos Ramirez Abadia, o “Chupeta”, foi noticiada no Brasil sem qualquer menção às Farc, embora seja universalmente reconhecido que nem um grama de cocaína sai da Colômbia sem passar pela narcoguerrilha, a qual vai assim controlando seus concorrentes até que o último deles se transforme em seu colaborador ou seja eliminado do mercado.

Há anos venho chamando a atenção dos meus leitores para a constância sistemática com que no território nacional as Farc, unidas ao PT por estreitos laços de amizade, são mantidas a salvo de qualquer ação policial mais decisiva, ao passo que seus competidores são perseguidos, presos e exibidos à população como provas de que o nosso governo é implacável e até heróico no combate ao narcotráfico. O principal resultado desse heroísmo, assim como de outras políticas oficiais coordenadas, como a famosa “redução de danos”, é que o Brasil, segundo dados da ONU, é o único país onde o consumo de drogas cresce (na base de dez por cento ao ano), enquanto no resto do mundo permanece estacionário.

Desinformantes e idiotas úteis espalhados na mídia fazem a sua parte do serviço, procurando dar a impressão de que as drogas são um problema policial como outro qualquer e encobrindo o fato de que elas são um instrumento maior da estratégia revolucionária comunista no continente.

Mas não é só aqui que as Farc têm amigos. Pelo menos desde o Plano Colômbia de Bill Clinton, calculado para demolir os velhos cartéis – acusados de cumplicidade com os famosos “paramilitares de direita” — e entregar às Farc o monopólio do narcotráfico na América Latina, o Partido Democrata dos EUA tornou-se o grande padrinho da esquerda armada colombiana.

ONGs de “direitos humanos”, subsidiadas pela esquerda chique americana, estão sempre ativas na Colômbia, ora para impedir que a população se arme contra os guerrilheiros que a aterrorizam, ora para pressionar no sentido de que as Farc (nunca as milícias de direita, é claro) sejam aceitas como força política legítima, convidadas à mesa de negociações e premiadas em vez de punidas por seus crimes, cujo leque vai do narcotráfico ao genocídio, passando por inumeráveis seqüestros e pelo treinamento em guerrilha urbana dado no Brasil ao Comando Vermelho e ao PCC para que mantenham o país em estado de pânico.

A coordenação internacional da rede de proteção às Farc é mais eficiente e precisa do que o mais inventivo “teórico da conspiração” poderia exigir. Com poucos dias de intervalo, rolou pela imprensa mundial uma fotografia manifestamente forjada na qual Álvaro Uribe parecia estender a mão a um daqueles paramilitares (que ele afirmava jamais ter conhecido), o Congresso democrata se recusou a renovar o acordo comercial americano com a Colômbia, que precisa dele desesperadamente para subsidiar a repressão às guerrilhas, e o senador Al Gore saiu indignado do plenário para protestar contra a presença do presidente colombiano, cujo maior pecado é ter oitenta por cento de aprovação popular no seu país pelo combate bem sucedido que vem movendo contra as Farc.

Quando, pressionado por tantos lados ao mesmo tempo, Uribe consente enfim em trocar a vitória militar pela derrota política e em aceitar a possibilidade de negociações com as Farc, o fato é noticiado na nossa mídia como se surgisse do nada, de repente, por inspiração divina.

Ensinamentos do caso De Lay

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 11 de abril de 2006

Mais um episódio da novela Tom De Lay ilustra, com mais clareza ainda do que os anteriores, aquilo que venho expondo sobre uma regra informal da luta política americana, tão clara para o observador atento e tão sistematicamente ignorada pela nossa imprensa caipira. Acostumado a campanhas de mídia que se transformam em inquéritos parlamentares e punições, o público brasileiro acredita que a mesma coisa sucede nos EUA. Mas político americano, quando sabe de algo contra o adversário, abre logo o inquérito. Se vai primeiro à mídia, é porque nada tem de efetivo contra o acusado. Isso quer dizer que as campanhas de difamação midiática, quando precedem o ataque no campo legal, são em geral um indício razoável de inocência. Os leitores dos meus artigos neste jornal devem lembrar-se de que, desde os primeiros lances do caso De Lay, anunciei que o ex-líder republicano, acusado de uso indevido de verbas eleitorais, não sofreria nada na Justiça, mas que sua carreira política estava liquidada de qualquer maneira, e que esse tinha sido aliás o único objetivo de seus detratores. Pois bem: esta semana o homem renunciou, primeiro, à candidatura, e horas depois ao mandato. Já não é mais deputado e, tendo decidido vir morar num condomínio que possui na Virginia, tornou-se mesmo inelegível pelo Texas, que era a sua base. Ele não temia a sentença judicial: ao contrário, tentou desesperadamente ser julgado o mais rápido possível, porque confiava na absolvição. O que ele temia era o adiamento da audiência, porque sabia que ninguém na América vota num réu que está à espera de julgamento. Seus adversários, cientes de que dificilmente ele seria condenado, apostaram tudo na cartada do atraso, e ganharam. Quando De Lay viu que não poderia ser julgado em tempo de restaurar seu prestígio perante os eleitores, admitiu a derrota.

A campanha contra ele foi encabeçada pela MoveOn, uma ONG a serviço de George Soros. Qualquer gritaria moralista proveniente de George Soros é uma imoralidade em si. Mas foi uma obra de engenharia, milimetricamente calculada para destruir, sem fundamento jurídico plausível, aquela que, segundo Robert Novak, tarimbado comentarista de muito prestígio nos dois partidos, foi a melhor liderança republicana das últimas décadas.

Os ensinamentos do caso, porém, vão muito além do esclarecimento que trazem sobre o uso da mídia como instrumento de chantagem. Numa recente entrevista (http://www.washtimes.com/national/20060405-123416-5226r.htm), De Lay criticou severamente o Partido Republicano pelo seu hábito consagrado de afastar do cargo qualquer líder acusado de corrupção, independentemente e antes de comprovação judicial. O Partido Democrata não tem regra equivalente. Graças a essa diferença, disse ele, “os democratas escolhem os líderes republicanos”. Mas de onde vem a diferença?, pergunto eu. Vem do falso capital de prestígio “ético” acumulado pela esquerda, que se torna assim detentora de todos os direitos e isenta de todas as obrigações. No caso do lobista Abramoff, que respingou sobre De Lay, muito mais democratas do que republicanos estavam envolvidos, muito mais comprovadamente do que De Lay, e nenhum dano lhes foi feito pela mídia até agora. A conquista desse agradável privilégio vem em duas etapas. Primeiro, através da prestimosa colaboração de uma rede de pseudo-intelectuais tagarelas, destrói-se a confiança da sociedade na moral, nas leis e nas tradições. Depois preenche-se o espaço sobrante colocando, em lugar dos valores desaparecidos, os slogans esquerdistas: “justiça social”, “direitos humanos”, “diversidade cultural”, o diabo. Estas vacuidades pomposas adquirem então a autoridade dos Dez Mandamentos, e quem não se curva a elas sente-se culpado como o pecador na fila do confessionário. A tentação de ceder a qualquer cobrança da nova “autoridade moral” é então irresistível.

Nos EUA, a aplicação dessa estratégia, perversa e maligna entre todas, está tendo como resultado a paralisação de um grande partido, o partido de Lincoln e de Reagan, da campanha abolicionista e da vitória sobre a URSS na Guerra Fria. 

No Brasil, ela não está destruindo um partido, mas o país inteiro.

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