Olavo de Carvalho
Zero Hora (Porto Alegre), 28 jan 2001
Já tive a ocasião de observar que a propaganda petista, investindo pesado na imagem de honestidade incorruptível e no discurso de inculpação moralista, fica, ela própria, não apenas aquém dos padrões de qualquer código moral superior, mas muito abaixo das exigências mais corriqueiras do Código de Proteção ao Consumidor.
Ela acaba de confirmar isso, com os “outdoors” com que cobriu a cidade de Porto Alegre nos primeiros dias do Forum Social Mundial. Eles apregoam que o partido “é contra toda injustiça, em qualquer lugar do mundo”. Essa propaganda é uma fraude em toda a extensão da palavra, e o partido deveria ser responsabilizado judicialmente por mentir aos eleitores de maneira tão cínica e descarada.
De um lado, são notórios os esforços dos líderes petistas para disfarçar e acobertar a crueldades e violências do regime cubano, mais vastas, mais graves e mais atuais que aquelas que eles próprios, fingindo altos sentimentos de indignação ética, denunciam no general Pinochet.
Neste mesmo momento, o médico Elias Biscet, reconhecido pela Anistia Internacional como prisioneiro de consciência, sofre torturas sem fim num cárcere em Havana, pelo simples fato de opor-se à política oficial de abortos em massa. E que faz o PT? Denuncia o crime? Expulsa de suas fileiras aquele horrendo ex-padreco que proclamou a Cuba de Fidel “o reino de Deus na Terra”? Não. Em vez disso, o governo petista do Rio Grande do Sul patrocina com dinheiro público esse grotesco festival de propaganda fidelista que é o Forum Social Mundial.
A Anistia Internacional acaba de denunciar a morte de 77 membros da seita Falun Gong em prisões chinesas, e que faz o PT? Alardeia o fato, com palavras emocionadas, do alto da tribuna do Forum Social Mundial? Nada. Discursa contra nações democráticas que protegem refugiados e acolhem perseguidos políticos de todas as proveniências ideológicas.
O ex-assessor do Comitê Revolucionário Cubano, Oscar Luís Geerken, vem a Porto Alegre com seus recursos pessoais, para contar aos gaúchos os crimes e atrocidades da revolução que ele mesmo ajudou a dominar seu país, e que fazem os petistas e seus solícitos servidores jornalísticos? Ajudam-no a combater a injustiça “em qualquer lugar do mundo”? Não. Fazem tudo para ocultar a sua presença incômoda, quando não para sujar a reputação desse combatente solitário mediante insinuações sórdidas, em linguagem copiada “ipsis litteris” dos discursos caluniosos com que Fidel Castro se evade das denúncias irrespondíveis dos refugiados cubanos de Miami.
Sim, o cartaz do PT é pura propaganda enganosa, como é propaganda enganosa a declaração do governador Olívio Dutra, de que o gasto de dinheiro público com esse circo comunista se justifica como “investimento”, por trazer turistas e seu dinheiro para a cidade de Porto Alegre. Que bela desculpa! Se ela valesse alguma coisa, valeria muito mais para justificar um congresso de turistas neoliberais, que, a darmos crédito ao que se diz no próprio Forum, têm muito mais dinheiro.
Para mim, esse Forum foi a pá de cal nas pretensões petistas de encarnar algo de moralmente digno e saudável. Propaganda sectária travestida de debate, apologia de regimes escravistas envolta em pompas de guerra santa contra a miséria, nele o discurso monológico de uma ideologia sociopática só não ocupou todo o espaço porque umas centenas de jovens corajosos, de doze diretórios estudantis gaúchos, invadiram o plenário para vaiar os Olívios, Lulas e Zés Dirceus e, sem deixar-se atemorizar pela pressão policial, dizer-lhes umas verdades na cara, resumidas no refrão: “O Forum tem um milhão; a educação, nem um tostão”.
Excetuado esse instante de sinceridade, o Forum foi aquele festival de oratória canina e autobeatificação que, de uns anos para cá, assinala indefectivelmente o estilo esquerdista de ser. Contemplando esse espetáculo abjeto, perdi o pouco de respeito que ainda poderia ter por essa gente, e declaro alto e bom som: mais até do que o velho Partido Comunista, que no fundo da sua produção industrial de mentiras conservava ao menos a fidelidade a uma doutrina explícita em nome da qual podia ser cobrado, o PT, que usa de todas as doutrinas conforme lhe convenham, e que tanto pode ser marxista como envergar a máscara trabalhista, socialdemocrata ou social-cristã sempre que julgue que esses disfarces o aproximarão do poder, tornou-se a encarnação da falsidade escorregadia e do maquiavelismo oportunista.
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Agora, uma atençãozinha aos meus críticos.
Na revista “Nao-til” número 73, o articulista Marco Antônio Trisch Mendonça, protestando contra a abertura de espaço na imprensa para estas minhas considerações quinzenais, concede no entanto metade da sua coluna à transcrição de uma delas. Não nego que gostei dessa parte do seu artigo. Na metade que lhe resta, ele informa que lambeu a “Retórica” de Aristóteles, o que deve ser verdade, por inusitado que pareça esse modo de absorção de conhecimentos, e também que é comunista, coisa que ninguém jamais suspeitaria, não é mesmo? Em seguida, interpretando uma frase na qual digo que os educadores esquerdistas, em vez de alfabetizar seus discípulos, querem adestrá-los para o ataque como se fossem cães, ele entende que chamo esses discípulos de cães — o que mostra que pelo menos no seu caso o adestramento obteve êxito, ao ponto de dispensar a alfabetização quase que por completo. No momento culminante da sua argumentação, ele declara que sou muito histérico, e esta horrível constatação psiquiátrica o deixa num tal estado de nervos que ele próprio cai vítima de tartamudez histérica e, em transe, exclama: “Não sei o que dizer!” — uma asserção que não hesito em admitir como incontestável e auto-evidente.
Já o tal Juremir não se cansa. Quer por toda lei dizer alguma coisa contra mim. Quando não encontra nada, apela a algo que pelo menos pareça contra. Com o ar de quem vai soltar um petardo, fazer um arraso, me desmoralizar por completo, ele informa aos leitores do “Correio do Povo” do dia 14 que dei cursos de astrologia e sou autor de alguns livros a respeito. Omite, obviamente, que essa informação está acessível no meu site, http://www.olavodecarvalho.org, e que ela não tem nada de escandaloso, exceto aos olhos de quem, como o próprio Juremir, desconheça a distinção entre os dois sentidos da palavra “astrologia”: de um lado, a vulgar técnica preditiva, de outro a simbólica cosmológica das Artes Liberais, sem a qual não se compreende uma só linha de Dante ou de Sto. Tomás, e que hoje é matéria de conhecimento obrigatório para todo estudante de histórias das idéias em qualquer centro civilizado. A ignorância do Juremir, no caso, é tão vasta que lhe encobre o horizonte inteiro, levando-o a supor que todos os seus leitores tomarão a palavra “astrologia” no seu sentido pop, o único que ele conhece, e daí tirarão conclusões temíveis para a minha reputação intelectual. Esse Juremir é realmente um caso para a assistência social. Não posso sequer chamá-lo malicioso. A malícia dele é a de um menino que, tendo feito cocô nas calças, dá um sorrisinho de orgulho maquiavélico, achando que cometeu uma perversidade digna do Marquês de Sade.