Olavo de Carvalho
Diário do Comércio (editorial), 02 de maio de 2008
Num recente debate com o economista Rodrigo Constantino, no programa “Conversas Cruzadas” da TV gaúcha (http://www.youtube.com/watch?v=xxnn-lPglz4), o deputado Ciro Gomes assegurou que o único gasto excessivo do governo federal é o pagamento dos juros da dívida externa e que seria praticamente impossível sugerir, fora isso, qualquer corte de despesas que chegasse a um bilhão de reais. Aparentemente, nem ele nem seu interlocutor tinham a menor idéia de que a pletora de indenizações a terroristas – o gasto mais inútil e mais indecente que se poderia imaginar — já ultrapassou essa cifra há muito tempo. Também nenhum dos dois deu sinal de saber que, no orçamento deste ano, as despesas da Presidência estão em quase três bilhões, e os ministérios inventados pelo governo Lula, que não faziam a menor falta quando não existiam nem farão quando retornarem ao nada, estão consumindo 8 bilhões. Com toda a sua responsabilidade de ex-ministro da Integração Nacional, o sr. Ciro Gomes mostrou recordar, do Orçamento da União, só aquele detalhe que lhe dava a oportunidade de malhar uma vez mais o seu judas predileto, o “neoliberalismo”, esquecendo tudo o mais. Se não o esquecesse, não poderia conciliar sua ojeriza aos credores externos com a afirmativa esdrúxula de que o governo deveria é gastar mais em vez de menos. Pois, afinal, foi para gastar mais, e não menos, que se fez a dívida externa. Ou estou enganado?
Mesmo quanto ao alvo predileto dos seus ataques o sr. Gomes mostrou não saber grande coisa, pois voltou a insistir no cacoete mais estúpido da retórica oficial, os tais “quinhentos anos” de exploração capitalista, como se o “neoliberalismo” (seja isto lá o que for) tivesse começado com Pedro Álvares Cabral e como se toda a nossa história administrativa não tivesse sido, bem ao contrário, – e desde os tempos das Capitanias Hereditárias – uma novela de centralização, burocratismo e gastos públicos freqüentemente até maiores do que aqueles que o ex-ministro recomenda.
Presto sempre atenção ao que diz o sr. Ciro Gomes, porque é quase inevitável que mais dia, menos dia, ele se candidate de novo à Presidência, recuperando a chance que perdeu quando, em 2002, consentiu abjetamente em servir de sparring na farsa eleitoral mais grotesca da nossa História, uma festa em família entre companheiros de esquerdismo, todos empenhados em não bater demais no candidato petista cuja vitória pré-decidida era a única razão de ser daquela palhaçada toda.
Notem bem: o sr. Gomes não é nenhum idiota, é um dos homens mais inteligentes e uma das personalidades mais interessantes que já passaram por qualquer ministério desde a inauguração da Nova República. Seu problema não é burrice: é o oportunismo escorregadio que o faz querer passar por muito mais esquerdista do que é e comprometer-se com as políticas erradas mesmo quando está com a idéia certa na cabeça. Muitas vezes, no curso deste debate como em outros pronunciamentos, ele expressou opiniões gerais muito sensatas, mas entremeando-as de concessões de ocasião ao esquerdismo mais vulgar e estúpido, arruinando com uma profusão de detalhes falsos a verdade geral do que dizia. Ele faz isso porque padece de espertismo , a doença endêmica dos políticos brasileiros, que consiste em acabar virando bobo de tanto querer bancar o esperto. Se fosse mesmo esperto, o sr. Gomes jamais teria apostado nas luzes de meio watt do filósofo Roberto Mangabeira Unger, que é o pior tipo de visionário, o visionário sem visão. Nem daria como exemplo de interferência estrangeira danosa aos nossos interesses, como o fez neste debate, a pressão americana contra a venda de aviões à Venezuela. Não que ele seja bobo o suficiente para imaginar que um assunto desses pode ser enfocado só do ângulo econômico, ignorando as implicações militares mais patentes que determinam a atitude americana e a tornam, aliás, benéfica ao Brasil. Mas fazer-se de bobo só para não perder a chance de dar um agradinho nos chavistas de plantão não é esperteza nenhuma: como sempre acontece nessas ocasiões, a diferença entre a bobagem fingida e a bobagem autêntica tornou-se perfeitamente irrelevante, e a astúcia verbal do sr. Gomes acabou não se distinguindo em nada da do saudoso Chapolín Colorado.
Se o ex-governador do Ceará, com todo o seu talento, não se decidir a tornar-se ele mesmo em vez de continuar se amoldando por falsa esperteza àqueles que só pretendem utilizá-lo para fins que não são os dele, dificilmente virá a desempenhar na política brasileira um papel mais honroso do que na eleição presidencial de 2002.